Mostrando postagens com marcador raças. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador raças. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Senso ao Censo 2010 - 3

A antropóloga Yvonne Maggie em seu blogue no G1 fala sobre o resultado do Censo 2010 para renda segundo raça/cor.

Deixe-me discordar da análise feita. Antes de mais nada, os valores a que ela se refere para renda: "indígenas , R$ 345,00; os pardos, R$ 496,00; de cor preta, R$ 539,00; de cor amarela, R$ 994,00; e de cor branca, R$ 1.020,00" estão em desacordo com os computados pelo IBGE.

Na Tabela 1.8.8 a respeito da renda em reais por raça/cor os valores são: indígena: 734,88; parda: 844,66; preta: 833,21; amarela: 1.572,08; branca: 1.535,94 - valores que são similares aos mencionados pelo mesmo IBGE em sua comunicação sobre os Indicadores Sociais Municipais 2010 da mesma data, 16/nov/2011, referida pela antropóloga. (A tabela do IBGE é baseada em uma população de pouco menos de 162 milhões, mas a finalização da tabulação acrescendo os 30 milhões de diferença da contagem total final não deve alterar substancialmente esses valores - muito menos que se aproximem dos usados por Maggie.*)

Isso sozinho já desmonta a argumentação da blogueira. Mas prossigamos em relação a outros detalhes.

Uma análise simples de "A é maior do que B, que é maior do que C" não pode ser feita sem uma discussão a respeito da significância das diferenças. É certo que é um dado censitário, abrangendo, assim (idealmente), a totalidade da população, porém como estamos a falar de médias e de distribuição (e não de valores absolutos totais), há que se levar em conta o desvio padrão em torno da média. Infelizmente não tenho aqui os microdados para efetuar o cálculo do desvio padrão, mas podemos fazer uma aproximação (bem grosseira) por meio dos percentis populacionais - para os dados da Tab. 1.8.8, obtive os seguintes valores de desvios padrões: indígena: 808,59; parda: 849,73; preta: 760,62; amarela: 2.091,11; branca: 1.888,45. Aplicando o teste de Games-Howell para comparar as médias dos salários, obtemos que as diferenças são bem significativas (p<0,001) na comparação de todos os grupos entre si (tomados dois a dois).

Mas, mesmo que os dados fossem os que ela apresenta, seria errado dizer que "infelizmente nada podem nos dizer sobre as causas desta desigualdade e muito menos que o racismo é a razão delas". O que se pode dizer sobre as causas é limitado, certamente, (seja sobre os dados do IBGE, seja sobre os dados apresentados por Maggie), mas é longe de ser nada. É bem eloquente o fato de que as pessoas autodeclaradas negras e indígenas percebam ganhos tão menores do que os que se declaram brancos e amarelos. Não quer dizer que a única causa das diferenças salariais seja o racismo. Quer dizer que o resultado tanto do IBGE, quanto os apresentados pela acadêmica são *compatíveis* com a hipótese do racismo brasileiro levando à discriminação socioeconômica (atentar para a distinção terminológica entre racismo e discriminação).

Há outros estudos que demonstram a ligação de menor renda com pigmentação mais escura da pele mesmo isolando-se fatores como localização geográfica, anos de estudo, sexo, escolaridade.

A autora não esclarece que divisões perigosas estão a ser induzidas no país.

Obs: Enviei um comentário à postagem da antropóloga indicando a discrepância com os valores apresentados pelo IBGE e os mostrados por ela. Isso foi quando só havia um comentário liberado. Agora há dois e ainda não aparece o meu. Aguardemos.

*Upideite(19/nov/2011): Uma possível fonte de discrepância pode ser o fato de que os valores do IBGE excluem as pessoas que não têm rendimento. Por exemplo, a renda de R$ 1.020 é apenas 66% da renda de R$ 1.535,34; isso significaria uma fração de 34% de pessoas sem rendimentos. Pela Tabela 1.3.5, a fração total das pessoas brancas sem rendimento é exatamente de 34%. Se for o caso**, trata-se de mais um erro de análise da antropóloga - para se analisar a questão da discriminação salarial (ou de renda), obviamente só se deve comparar entre aqueles que recebem salário (ou rendimento). Entre os indivíduos sem rendimentos estão boa parte das crianças e muitos adolescentes.

**Parece que é mesmo o caso. Se analisamos a fração dos indivíduos sem rendimento temos, em ordem decrescente: indígenas - 53%, parda - 41%, amarela - 37%, preta - 35%, branca - 34%. Que correspondem ao complementar das frações entre os números analisados por Maggie e os da tabela de rendimentos do IBGE.

Upideite(19/nov/2011): Vários comentários foram liberados lá, mas o que eu enviara ainda não apareceu. Então enviei um outro. Vamos ver se é publicado.

Upideite(20/nov/2011): Liberaram agora o meu primeiro comentário.

terça-feira, 26 de julho de 2011

O IBGE também não sabe ler 2

Consultei o IBGE por email:
---------------------
From: rmtakata@xxxx
To: ibge@ibge.gov.br
Subject: Info sobre “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça”
Date: Fri, 22 Jul 2011 12:05:26 -0300

Prezados Senhores,

Gostaria de saber qual a composição dos respondentes em raça/cor declarada entre os que responderam "Não" à pergunta 3.06 sobre a influência da raça/cor na vida das pessoas.

Agradeço desde já a informação.

Cordialmente,

Roberto Takata
---------------------
Nota: A pergunta 3.06 era: "EM SUA OPINIÃO, NO BRASIL A VIDA DAS PESSOAS É INFLUENCIADA POR SUA COR OU RAÇA?" Admito que pode não ter ficado clara a minha pergunta por não fazer menção direta à pergunta de qual pesquisa - mas o título era informado no assunto do email.

Responderam:
---------------------
Subject: Info sobre “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” Atendimento Numero:#55455/2011 - 1#
To: rmtakata@xxx
Date: Mon, 25 Jul 2011 18:22:13 -0300
From: ibge@ibge.gov.br

Atendimento Numero:#55455/2011 - 1#

Prezado Roberto Takata,

Agradecemos o contato e o interesse nos nossos produtos e pesquisas e Informamos que o quesito ora solicitado é denominado de \"cor ou raça\" e não apenas de \"cor\" ou apenas de \"raça\" , exatamente porque as categorias que englobam podem ser entendidas pelo entrevistado de forma bastante diversa. Quem responde \"branca\" não necessariamente está entendendo a categoria como uma categoria de sua \"raça\" assim como quem responde \"preto\" - que por definição trata-se de uma categoria de \"cor\" - pode estar, no seu entendimento, respondendo a um atributo de sua \"raça\" ou origem racial, o que torna a questão complexa. Ou seja, como a questão envolve elementos de atribuição de \"identidade\" e \"percepção\" não se pode controlar objetivamente o que cada categoria representa subjetivamente para cada entrevistado e que trazem reflexos sobre a sua resposta. A questão é realmente complexa e o IBGE tem empreendido esforços para acompanhá-la. Foram realizadas duas grandes pesquisas - uma na PNAD de 1976 e uma PME de julho de 1998 - que procuraram investigar o uso e o reconhecimento dessas categorias que designam cor, raça ou origem, onde o entrevistado respondia ao quesito de forma ABERTA, ou seja, com sua própria categoria de identificação. Essas pesquisas foram realizadas exatamente com o intuito de sondar como se deveria construir o quesito para os Censos de 1980 e de 2000. Os resultados da PNAD 1976 já foram objeto de várias análises de pesquisadores, publicadas em diversas revistas especializadas sobre o tema e geraram no IBGE o livro \"O Lugar do Negro na Força de Trabalho\" de Tereza Cristina Araújo, Rosa Maria Porcaro e Lucia Elena G. de Oliveira. A análise dos resultados do teste da PME 1998 está também publicado pelo IBGE/DPE e se intitula \"A Cor Denominada\" de José Luis Petruccelli, lembramos ainda que o IBGE também realizou vários seminários com usuários internos e externos com a presença de vários segmentos do movimento negro, órgãos e entidades de pesquisa que tiveram a oportunidade de discutir e encaminhar propostas de alteração do quesito que seriam testadas em suas duas Provas Piloto. Entre outras sugestões, que também foram incorporadas nos testes, estava a sugestão de trocar a categoria \"preta\" por \"negra\" e \"parda\" por \"mestiça\". O que se verificou, quanto ao primeiro caso, foi que o questionário com a categoria \"preta\" tinha mais respostas do que aquele que substituía essa categoria por \"negra\", semelhante ao que ocorreu com a categoria \"mestiça\", demonstrando que o entrevistado reconhece melhor as categorias \"preto\" e \"parda\" que \"negra\" e \"mestiça\". Ainda que essas informações não possam ser consideradas \"definitivas\" como não pode ser nenhum dado que investigue uma questão desse tipo, o IBGE, baseado nas pesquisas que tem realizado sobre o tema, não teve condições de implementar, com segurança e confiabilidade nos resultados (que precisam atender a quesitos como comparabilidade histórica, representatividade num país das dimensões e desigualdades como o nosso), nenhuma mudança nesse quesito, ainda que reconheça como legítimas e procedentes as demandas que tem recebido por parte de segmentos da sociedade e pesquisadores.
Segue os dados disponibilizados, para tanto você deverá entrar em nosso portal www.ibge.gov.br - clicar em sidra - censo demográfico - características gerais da população - cor e raça

Atenciosamente,
Equipe de Atendimento

---------------------

Upideite(27/jul/2011): Insisti:
---------------------
\"....26/07/2011 14:59:05 NovoDe: rmtakata@xxx
Assunto: RE: Info sobre “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça”
Atendimento Numero 55455

Prezados Senhores,

Grato pela resposta, mas minha dúvida é de outra natureza.

Em relação à pesquisa com o nome: “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça”, na pergunta 3.06 os entrevistados responderam se achavam que a cor ou raça tinha influência na vida das pessoas. Uma parte (63,7%) respondeu que sim, tem influência. Outra parte (33,5%) respondeu que não, não tem influência. (E uma fração residual 2,8% respondeu que não sabia.)

O que eu gostaria de saber é, dentre os que responderam que não tem influência, quantos (em porcentagem) se declararam brancos e quantos se declararam negros (pretos e pardos). E, dentre os que responderam que tem influência, quantos se dissseram brancos e quantos se disseram negros.

Agradeço mais uma vez a atenção
Roberto Takata...\"
---------------------

Finalmente responderam - infelizmente não têm a informação:
---------------------
Subject: RE: Info sobre “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” Atendimento Numer Atendimento Numero:#55455/2011 - 3#
To: rmtakata@xxx; jlpetru@xxx
Date: Wed, 27 Jul 2011 13:12:37 -0300
From: ibge@ibge.gov.br

Atendimento Numero:#55455/2011 - 3#

Prezado Senhor,

Agradecemos o contato e o interesse em nossos produtos e, aproveitamos pra informar que lamentavelmente os dados disponíveis são aqueles consignados na pesquisa. Não temos como fazer uma tabulação especial, conforme vossa senhora solicitou. Informamos ainda que novas tabulações estão sendo desenvolvidas, devendo as mesmas, serem divulgadas em breve. Tomamos a liberdade de enviar seu pedido para o setor responsável pela pesquisa

Atenciosamente,
Equipe de Atendimento

---------------------

Upideite(06/ago/2011): Pra mim não deram a informação, mas o Felipe Gutierrez da Folha conseguiu dado equivalente: dos que se declararam negros, 82,6% disseram que a raça ou cor influencia no trabalho; 64,7% entre os que se declararam índios. (Notar que é uma pergunta distinta: é especificamente sobre o trabalho, não sobre a influência na vida - daí a média ser de 71% e não de 63,7%. Claro que, a rigor, há uma inconsistência, posto que trabalho faz parte da vida, então, no máximo, o índice teria que ser igual, nunca maior; mas ao se apresentar perguntas distintas, as pessoas provavelmente isolam o componente trabalho na pergunta sobre a vida: seria algo como a vida em geral, fora do trabalho - com os amigos, na hora de se divertir, ir ao cinema, etc.)

sábado, 14 de agosto de 2010

Senso ao Censo 2010

O matemático Marcos Cavalcanti em sua coluna em O Globo reclama do Censo 2010.

Concordo com ele de que seja uma falha que o sistema do questionário informatizado não permita a opção de não se declarar a raça. Mas não é verdade que o censo não procure saber sobre a escolaridade. No formulário da amostra há o item.

Por que a escolaridade é perguntada apenas na amostra e não no censo padrão? O censo padrão procura fazer um levantamento da população *total* - saber exatamente quantos brasileiros existem (e exatamente quanto estão em determinadas condições, como moradia). A amostra pega apenas parte do universo total.

Naturalmente, realizar o censo é mais caro do que realizar a amostra. Pegar a população total envolve ir a cada cidade, em cada residência - é necessário treinar um número muito grande de recessenceadores, equipá-los adequadamente, garantir o transporte... Na amostra, pega-se um total muito menor. Por isso, o censo é realizado apenas a cada 10 anos. Já a amostra é realizada anualmente (a PNAD - pesquisa nacional por amostra de domicílios).

A PNAD é boa, assim, para mostrar tendências - mas, não captando toda a população, tem, claro, um certo erro embutido. Não que o Censo seja livre de erro, porém, em termos estatísticos, tende a ser insignificante. O Censo, então, é melhor para nos fornecer dados a respeito de grandezas que evoluem mais lentamente no tempo - a população varia de tamanho, mas sua taxa de variação tende a não ser tão brusca, então interpolações entre os dados dos censos e extrapolações entre o último censo e o próximo tendem a ser mais seguras.

Algumas variáveis, como o tamanho populacional, são cruciais para muitas políticas - p.e., as cotas do fundo de participação dos municípios são definidas pelo tamanho populacional de cada localidade. Mas, como dito antes, medir o exato tamanho populacional envolve custos proibitivos para a realização entre intervalos mais curtos. E, felizmente, como dito acima, é de previsão mais fácil e confiável. Além disso, por amostragem, quase não faz sentido estimar-se o tamanho populacional total - a amostragem é feita com base em um certo número de residências e não por uma certa área geográfica.

Saber a raça e etnia é fundamental para políticas como de combate à discriminação de minoriais étnicos-raciais. E, no caso dos indígenas, é importante saber como sua população evolui - são, afinal, descendentes dos habitantes destas terras antes da invasão pelos colonizadores: há uma dívida histórica de contínua expropriação por nossa parte. No caso da população negra, há também uma dívida histórica de exclusão socioeconômica.

E no caso da escolaridade? É uma informação de alguma utilidade, mas saber *exatamente* quantas pessoas têm x ou y anos de estudos não é fundamental. É mais importante saber a *proporção* de pessoas que têm x ou y anos de estudos. Por isso o sistema de amostra funciona bem. Além disso, o MEC tem informações a respeito de exatamente quantas crianças de z anos estão matriculadas no w ano escolar. Com a informação sobre o tamanho populacional total de crianças de z anos que é obtida no censo, é possível saber quantos porcentos de crianças de z anos estão matriculadas no w ano escolar; essa informação é mais importante do que saber quantos adultos têm 20 anos de estudos.

Tendo Cavalcanti formação em matemática é um tanto estranho que isso lhe tenha escapado.

Upideite(16/ago/2010): Na reportagem da Folha, o IBGE esclarece parte da questão.