domingo, 2 de agosto de 2009

Ó mar salgado, quanto de teu sal...

Por que Portugal existe? Foi a pergunta lançada no blogue Ciência ao Natural, do paleontólogo português Luís Azevedo Rodrigues, no Scienceblogs.

"A pergunta deixou-me sem reacção.
Geograficamente não fazíamos muito sentido, pois éramos uma perturbação na geometria quase perfeita do rectângulo peninsular.
A questão linguística poderia ser a solução para o aparente dilema existencial, mas também existiam os catalães, galegos ou bascos, com línguas próprias.
Por que raio, então, existia Portugal?
Repesquei da memória as lições da história, os dramas edipianos de Afonso Henriques, o beneplácito papal, entre outros justificativos.
Ainda assim não fiquei satisfeito.
Por que existia Portugal?"

Respondi assim, na caixa de comentários:
"Portugal existe por causa da invasão moura e, posteriormente, pela necessidade da Coroa Britânica em ter um aliado no continente contra o Império Espanhol."

O que gerou duas respostas um tanto contrariadas, uma do próprio dono do blogue:
"Caro Roberto Takata,

Só uma pequena informação, para que o debate não esteja enviesado:
-Portugal 'nasceu' em 1143, quando nem existiam a 'Coroa Britânica' nem tão pouco o 'Império Espanhol'.

Abraço
Luís Azevedo Rodrigues"

E outra da historiadora portuguesa, Elsa Alípio, do Museu da Presidência da República e do Instituto de História Contemporânea, de Portugal:
"A Roberto Takata:
Não sei qual é a sua formação, mas permita-me que o aconselhe a rever a História da Europa, começando, talvez, pelo país europeu que há mais tempo tem as suas fronteiras definidas, por uma questão de critério cronológico para facilitar o estudo..."

Ao que repliquei assim:
"Salve, Rodrigues e Alípio,

Eu disse *posteriormente*. Portugal foi absorvido pela Espanha durante a união ibérica. Poderia ter simplesmente sumido do mapa como um país independente."

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Confesso que o estilo da resposta inicial foi propositadamente provocadora, embora não se pretendesse ofensiva.

Mas a reação de ambos é compreensível: muitos brasileiros também não gostariam de uma resposta que, em uma leitura rápida ao menos, insinuasse que o Brasil só existe por causa de circunstâncias externas e não fruto de uma luta do próprio povo brasileiro. Por muito menos, uma observação de aspectos feios do Rio de Janeiro durante o Pan, uma jogadora americana de vôlei de praia foi alvo de invectivas (mil vezes piores em violência) por parte de brasileiros (que aproveitaram para destilar um antiamericanismo raivoso).

Claro que a "minha" tese é simplificadora - há muito mais coisas por trás. Mas de um lado não elimina a importância do próprio povo português na constituição de seu país. Como lembra Azevedo, Portugal constituiu-se como nação e território independentes já em 1143, fato a que a historiadora Alípio alude por "fronteiras definidas há mais tempo". É a isso que menciono quando digo que a existência do país luso se deve à invasão moura. Os muçulmanos do norte da África dominaram a península ibérica entre 711 e 1221. Os pequenos reinos cristãos, inicialmente confinados ao norte da região, travaram várias batalhas - denominadas de Reconquista ou Conquista Cristã. Por serviços na guerra, D. Henrique de Borgonha, genro de Afonso VI de Leão e Castela, foi recompensado com o Condado Portucalense. O condado daria origem à Portugal - com a extensão de seu território à medida em que os muçulmanos eram empurrados para o sul. Em 1139, Afonso Henriques, filho de D. Henrique, depois de uma vitória sobre os mouros na Batalha de Ourique, declara a independência de Portugal. Em 1143, no tratado de Zamora, a independência portuguesa é reconhecida pelo rei de Castela.

Mais à frente, o reino da Espanha - resultado da unificação e expansão dos demais reinos cristãos da península - absorveu Portugal durante o período conhecido como União Ibérica (1580-1640). O rei da Espanha durante esse período era também o rei de Portugal. Em 1640, iniciou-se uma série de revoltas portuguesas denominada de "Guerra da Restauração", para a reconquista da independência portuguesa. Em 1668, no Tratado de Lisboa, a Espanha reconheceria a indenpendência de Portugal. Nessa consolidação final de Portugal, muitos historiadores reconhecem a importância da aliança portuguesa com a Inglaterra, retomada após a restauração da dinastia Stuart com a coroação de Carlos II em 1661 - a aliança foi simbolizada com o casamento de Carlos II com a infanta portuguesa Catarina de Bragança.

O historiador Dan Stanislawski, falecido em 1997, escreveu sobre a independência portuguesa em "The Individuality of Portugal". Para a questão, ele analisa ainda a influência da geografia: Portugal ficava mais afastado do centro de comando da Espanha e situava-se em um terreno baixo, enquanto o restante da península ficava sobre um terreno mais elevado, nas mesetas - a movimentação de tropas de lá para cá não era tão trivial: dominar as regiões da Galícia, Catalunha e do País Basco, tão ou mais diversos culturalmente em relação à Espanha do que Portugal era e é, era relativamente menos complicado, portanto.

Eu ia perguntar ao leitor solitário deste blogue qual a opinião dele sobre isso tudo. Mas aprendi com toda a confusão que se deve tomar cuidado ao perguntar, podemos não gostar das respostas. Ou, dito de outro modo, se perguntar não ofende, responder, às vezes, sim.

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