sexta-feira, 5 de março de 2010

Space quota exceeded 4

O senador do DEM Demóstenes Torres, que fez um discurso na audiência pública do STF contrário às cotas raciais, deu uma entrevista ao jornal Valor Econômico reiterando suas teses. Há uma série de equívocos de análise por parte do senador. Comentei sobre isso na postagem do blogue do Luís Nassif, e reproduzo com algumas modificações abaixo.

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"A argumentação de que uma decisão contrária vai inviabilizar ações afirmativas no Brasil é falaciosa" - de fato não necessariamente inviabiliza, embora possa mandar um tipo de sinal contrário.

Mas o próprio senador incorre em uma série de falácias. A questão da miscigenação. O mercado não encontra *nenhum* problema em fazer a discriminação por cor de pele em função da miscigenação. A discriminação e o preconceito se baseiam nos olhos e não em testes de ADN.

Sintomático que, ao se perguntar sobre a proteção aos negros, o senador mais uma vez faça menção aos mercadores negros de escravos negros. Vamos supor que apenas negros traficassem negros e que apenas negros fossem donos de escravos negros. Ainda assim, os negros que hoje vivem em condições precárias pela discriminação contra negros merecem proteção. Do mesmo modo como mulheres - que nunca foram escravas por serem mulheres - merecem proteção contra a discriminação em relação às mulheres.

A cota racial não precisa acudir negro rico, ela pode se limitar aos negros pobres. (Embora eu ache que deva também incluir negros ricos.) O senador sugere que a discriminação seja somente econômica. Os dados mostram claramente que não. Há *também* discriminação econômica, como *também* há discriminação sexual, como *também* há discriminação racial. Branco pobre homem sofre por ser pobre. Mulher branca pobre sofre por ser mulher *e* por ser pobre. Homem negro pobre sofre por ser negro *e* por ser pobre. Mulher negra pobre sofre por ser mulher *e* por ser pobre *e* por ser negra.

Ridículo que o senador em seu discurso no STF tenha dito assim: "Qualquer que seja a qualidade da nossa faculdade, ME PERDOA AQUELES QUE TÊM DADOS ESTATÍSTICOS CONTRÁRIOS, não há, não haverá um resultado bom para aqueles que chegarem à universidade do Brasil oriundos das escolas públicas."

O senador simplesmente igora, por opção consciente, tudo o que contradiz sua tese. Seria menos grave se os dados que ele apresenta fossem contrários aos dados que ele decide ignorar. Mas não. Os dados que ele mostra não mostram que a universidade ficaria pior com as cotas. Mostram somente que a escola pública (e a particular também) é ruim.

E, aliás, se mostrasse, seria um argumento contrário não apenas às cotas raciais, mas também às sociais, que o senador diz defender.

Também por ignorar, de propósito, estudos existentes que ele fica insistindo em perguntas retóricas: "Será que é verdade que os negros brasileiros têm menos esgoto que os brancos, ou seja, que o esgoto que passa a céu aberto na casa do pobre ele escolhe a cor?". Sim, senador, negros brasileiros, na média, têm menos acesso a esgoto do que brancos brasileiros - e isso mesmo quando corrigimos para a questão de localização geográfica e estrato socioeconômico. Mas claro que ignorando com gosto as pesquisas (como esta do Ipea que analisa o efeito do fator discriminação na diferença salarial) a dúvida persistirá. E é por isso que ele as ignora, porque senão não tem como sustentar suas teses.

Sobre a porcentagem para as cotas. Na UFBA, 45% das vagas são para cotistas: negros, indígenas e alunos de escolas públicas. Os estudos, que o senador faz questão de ignorar, não mostram nenhuma queda no rendimento dos alunos. (E mesmo que houvesse, é simplesmente uma questão de compensação. Ou as escolas públicas *não* deveriam ser universais, já que isso implicou em queda na sua qualidade? Claro que não. A universalização é uma meta a ser defendida, assim como a qualidade. O acesso não deve ser bloqueado pela queda na qualidade. O aumento da qualidade deve ser buscado com mais e melhores investimentos.) Não sei de onde tiraram esse número mágico de 20% como limite superior para cotas. Mas mesmo que seja verdade, então que seja uma cota de 20% - não tem nenhuma implicação de que não se deva ter cotas para negros.

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