Olhando a cristaleira, ao fundo de uma das prateleiras, atrás do velho conjunto de chá (herança de família de um tempo mais próspero), uma boneca à moda antiga: não de plástico polietileno, mas de delicada porcelana branca. Aquele brilho perláceo fascinou-a.
Equilibrando-se sobre uma das muletas, abriu a porta de vidro, afastou cuidadosamente a bandeja com as xícaras e chaleira, esticando o braço alcançou finalmente aquilo que por tanto tempo lhe passara despercebido.
Mas, ao fechar a porta, o apoio de sua outra muleta enroscou-se na borda do tapete desequilibrando-a. Carol teve sua queda amortecida pelo próprio tapete. Mas a boneca... A boneca voou pelos ares em pirueta de ginasta olímpica aterrissando sobre o assoalho duro de madeira.
O barulho de algo quebrando atraiu a mãe, Mercedes.
- O que você fez, filha? - repreendeu à menina (após perceber que estava bem).
A mãe pegou a boneca. A parte de cima estava intacta, mas as pernas haviam se estilhaçado. Mercedes lançou um olhar entristecido. Dirigiu-se ao cesto de lixo para se livrar do brinquedo avariado.
- Vai jogar a boneca, mamãe?
- Vou né, filha.
- Só porque está sem as pernas?
- É. 'Tá quebrada. Agora não prest... - nem terminou a frase. Foi correndo em direção à menina. Abraçaram-se. Em silêncio. Aquela comunhão não durou mais do que 5 segundos e 128 milésimos, mas parecia jamais acabar.
E, em um sentido, jamais acabou. Nem quando Mercedes se foi - já velhinha e tendo Carol lhe dado um casal de netos.
Completa-se agora a quarta geração - não na opulência de tempos idos, mas recuperados dos piores anos de magras vacas de eras até recentes - que guarda a cristaleira: agora com a boneca em orgulhoso destaque.
Upideite(22/jul/2010): Via @clauchow.
Os outros convites from AACD on Vimeo.
Lindo, Roberto! Fiquei emocionada! Obrigada! :)
ResponderExcluir"Obrigada" de quê?
ResponderExcluirGrato pela visita.
[]s,
Roberto Takata