quarta-feira, 6 de julho de 2011

O corintianismo

Cada clube de futebol, claro, tem sua história que o aproxima e o diferencia dos demais. Pode-se comparar tamanhos de torcida, número de conquistas, o patrimônio, os jogadores que vestiram suas camisas, as cotas de patrocínio... mas isso não é o Corinthians, Corinthians é outra coisa.

O Corinthians se destaca em todos os quesitos acima, mas não é isso que o torna verdadeiramente especial. Temos uma grande torcida, mas a do Mengo ainda é a maior; temos 26 títulos Paulistas, 4 Brasileiros, 1 Mundial, mas há outros com um currículo maior; temos a Fazendinha, um estádio acanhado para o tamanho do Timão (e mesmo o novo prometido - e em início de obras e com a vergonhosa cessão de dinheiro público na forma de isenção de impostos - não será o mais reluzente do mundo); tivemos Sócrates, Ronaldo, Rivelino, Garrincha (baleado) mas nunca tivemos Pelé, Zidane, Zico... Verdade que nossa cota de patrocínio é a maior do país, mas não se compara nem de longe com os dos grandes clubes europeus.

Temos momentos únicos em nossa história: a invasão do Maraca em 1976, o gol da libertação de Baltazar no ano seguinte, a Democracia Corintiana (que se inscreveu não apenas na história particular da agremiação, mas no momento histórico do país - que sairia logo depois da malditadura). Sem falar em sua fundação que ganha ares míticos dos operários humildes que resolvem sob a luz do lampião fundar o clube.

É, no entanto, na relação orgânica com a torcida que o Corinthians se faz único. Há torcedores fanáticos em todo canto de grandes clubes. É possível que outras massas façam loucuras maiores pelo time do que o Bando de Loucos. No entanto, em nenhum outro há uma máxima como: "O Corinthians é o time do povo e é o povo quem vai fazer o time" (linda frase de seu primeiro presidente, Miguel Bataglia) ou refraseada como: "Todo time tem uma torcida, o Corinthians é a única torcida que tem um time".

Essa relação se traduz em uma palavra: corintianismo. Veja bem, não existem são-paulismo, palmeirismo, santismo, barcelonismo, manchesterismo (ou unitedismo), realismo (como referente ao Real ou madrilismo). O mais perto que chega do corintianismo é o flamenguismo - mas mesmo assim é de beeeem longe. O corintianismo não é o fanatismo pelo Corinthians. E é mais do que apenas amor pelo clube. É, antes, uma total identificação. Não com o time, não com o clube, mas com a própria ideia de Corinthians. O corintianismo já foi definido como uma filosofia e uma história compartilhada de sofrimento ("corintiano maloqueiro e sofredor, graças a deus"). E devemos completar: redenção.

Já compararam o corintianismo à religião. Curiosamente, dentro do cristianismo, houve (e há) um fenômeno denominado igualmente corintianismo: referindo-se aos coríntios (a quem, em suas epístolas, dirige-se, ah, ironia, São Paulo) - uma visão hipersupernaturalista (na qual curas miraculosas e outros milagres eram vistos como fins em si mesmos). Mas corintianismo como religião não capta toda a verdade e sutileza da coisa. É uma matriz de pensamento, sentimentos, atitudes e conhecimentos que unem cada corintiano a outro corintiano. Os outros times não têm um -ismo como o corintianismo pela ausência dessa matriz: um torcedor não está diretamente conectado a outro torcedor, antes eles se ligam por meio do clube - em uma formação de conexão em hub, não em matriz (as referências são do próprio clube e não da história comum entre os torcedores: tire o clube e não restará nada de partilhado). No corintianismo, embora o clube seja essencial, não é ele mesmo quem faz essa conexão de paixão em comum (embora haja também essa via). A torcida corintiana tem uma história em comum por ela mesma, uma história que inclui a do clube, mas que vai além.

O sofrer do corintiano é um regozijo não pelo próprio sofrimento - não se trata de uma tara masoquista - mas sim pela certeza reconfortante de que haverá superação. Aí está o ingrediente da tal 'raça corintiana', a persistência na lida mesmo quando tudo o mais conspira contra, o lutar contra todas as adversidades e vencer o adversário mais rico, com mais recursos, o favorito. Essa é a identificação com as camadas mais populares (mesmo em se tratando de torcedores em condições socioeconômicas superiores). Não é o toque refinado, a cadência elegante das academias e das máquinas, é a vitória do não-desistir ("aqui é curíntia, mano"), é o rocky balboa, é a glorificação da perseverança. Os jogos do Corinthians são uma alegoria da própria vida do torcedor corintiano. E mais uma coincidência: essa entrega desinteressada, com o intuito de não mais do que vencer pelos próprios méritos a despeito das limitações casa-se com a noção de corintianismo que vem do olimpismo - aqui o corintianismo é o ideal do esporte amador, o coríntio como o atleta que compete por amor, sem se aviltar por pagamentos.

Assim o que faz do Sport Club Corinthians Paulista o Corinthians não é a Fiel, nem o próprio Corinthians, mas a simbiose absoluta, completa e indissolúvel entre ambos: o corintianismo. E corintianismo, mermão, nenhum outro clube tem.

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