sábado, 21 de janeiro de 2012

Sheldrake no blogue do Nassif

Nassif reproduz em seu blogue trecho de entrevista de Rupert Sheldrake dada à revista Episteme do grupo de História e Filosofia das Ciências da UFRGS: "Como Sheldrake desafiou os consensos científicos".

Acabei de enviar o comentário abaixo.
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Não é desafio, não é heresia. É simplesmente trabalho mal-feito. Os poucos trabalhos publicados (em revistas científicas) por Sheldrake nessa área que supostamente desafiaria os conhecimentos científicos estabelecidos são de pouca validade: quando há, os controles das variáveis são pobres (lembro de um estudo em que ele sugeria que um processo de fusão nuclear a frio ocorreria no interior dos organismos de pintainhos por se desenvolverem em um ambiente teoricamente sem suplementação de cálcio; mas não reconheceu a possibilidade de contaminação das fontes* - mais ou menos o mesmo tipo de problema que pode ter ocorrido naquela história de bactérias que usam arsênio).

Sua hipótese dos campos mórficos não se sustenta pela simples constatação de que, se lançarmos uma moeda, há uma chance de mais ou menos 50% de dar cara. Se campos mórficos funcionassem do modo como Sheldrake afirma que funciona, há muito tempo a jogada de moeda teria que ter se consolidado a dar 100% uma das faces em específico. Afinal, os tais campos mórficos, para Sheldrake, teriam fixado a estrutura organizada dos cristais a partir de um processo inicialmente caótico e casual: as poucas vezes em que cristais se formavam no início moldariam o campo mórfico que aumentaria o número de novos cristais que modificariam o campo mórfico até que toda vez a estrutura cristalina se estabelecesse. Em lançamento de moedas também há flutuações casuais que levariam a um maior número de uma das faces do que de outra. Se existissem campos mórficos, isso mudaria a probabilidade do resultado do lançamento. Ao fim, isso levaria a apenas um dos lados ser o resultado de qualquer lançamento de moeda.

Sabemos que isso não ocorre, logo, a hipótese de campos mórficos é refutada.

Essa cultura da iconoclastia não é necessariamente má. Mas a iconoclastia pela iconoclastia sem uma argumentação sólida baseada em fatos (e não em interpretações desviantes de experimentos mal planejados e mal executados) é criticável.

Qualquer pessoa pode contestar o que a ciência (ou outro estabelecimento) diz. A questão não é contestar, mas apresentar os dados que sustentam sua contestação.

Einstein não é Einstein somente por desdizer o que Newton disse sobre tempo e espaços absolutos. Einstein é Einstein por suas predições terem se confirmado - como os dados do eclipse em Sobral e o ajustamento da órbita do planeta Mercúrio.

Sheldrake desdiz o que a ciência diz. E daí? Suas previsões se confirmam? As moedas dizem que não. E não é lance de sorte.

[]s,

Roberto Takata

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*Pois é, Sheldrake considera a hipótese de fusão a frio biológica mais plausível do que contaminação de nutrientes.

Upideite(22/jan/2012): Mais algumas respostas minhas a comentários postados no blogue.
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@superperplexo

Sim, Sheldrake é cientista. Não muda o fato de que muitos dos experimentos que ele faz é mal-feito: não controla bem variáveis interferentes. Diga-se de passagem, que não é um problema exclusivo de Sheldrake. Mesmo cientistas conceituados, como Linus Pauling e Luc Montagnier (dois nobelistas, com méritos) caem nessas armadilhas para dar sustenta [sic, deveria ser 'para dar sustento a'] suas pet ideas - respectivamente, megadosagem de vitamina C na prevenção de cânceres e homeopatia.

Desafiar modelos mentais predominantes (predominantes apenas no mainstream científico, na população em geral, o que predomina são as visões misticoides como de Sheldrake, Goswami, Capra e outros) qualquer um pode fazer. O que é necessário é ter fatos que sustentem o desafio, do contrário é apenas bazófia.

As perguntas sobre a natureza das ciências, dos processos científicos, do conhecimento científico, de seu papel no empoderamento social de certos grupos, etc... é relevante para muito além da discussão a respeito da contribuição de indivíduos como Sheldrake. Mas, qualquer que seja a definição dada, não irá diminuir o ponto que, sem fatos que apoiem uma dada hipótese, sem dados que confirmem uma dada previsão, é tudo questão de gogó.

O respeito que a sociedade dá ao conhecimento científico advém do fato de que ele funciona. Aplicando-se as teorias científicas, suas predições são acertadas: dimensionamos o sistema elétrico de acordo com as leis da eletricidade (p.e., U = Ri), usinas nucleares valem-se da famosa equação einsteniana (E = mc^2), melhoristas genéticos valem-se do conhecimento de como funciona a herança genética e assim por diante.

O teoria que Sheldrake nos propõe falha miseravelmente quando testada. E é isso o que importa aqui.

[]s,

Roberto Takata

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@Erly Ricci

Em nenhum momento debati a questão mofogênica. Se o fizesse, provavelmente, eu usaria um pedaço de pão e o deixaria guardado em um local úmido e escuro.

O que apresentei foi o resultado das moedas como contestação aos campos mórficos. Embora vagamente baseado nos campos morfogenéticos da biologia do desenvolvimento, os campos mórficos não se resumem a eles (vale dizer que há uma explicação bem elaborada e testada sobre campos morfogenéticos a partir de padrões de expressão de genes controladores do desenvolvimento).

Para Sheldrake, os campos mórficos explicam desde a morfogênese embrionária à formação de novas estruturas culturais, passando pela formação de cristais, galáxias e basicamente qualquer estrutura - física ou lógica - do universo. O paradigma dos campos mórficos é o do efeito do centésimo macaco: (a história é mais uma lenda urbana do que um fato real) um macaco em uma ilha aprendeu a lavar batatas em água salgada antes de comê-la[s], lentamente alguns outros macacos, observando o primeiro macaco, também passaram a lavar os alimentos, quando atingiu-se um número crítico (neste caso, 100 indivíduos), instantaneamente todos os macacos da ilha passaram a fazer o mesmo (mesmo os que jamais observaram esse comportamento antes). (A parte real da história é que há mesmo alguns macacos selvagens japoneses que lavam batatas na água salgada, mas jamais foi observado o tal efeito do centésimo macaco.) Para Sheldrake, o primeiro macaco modificou ligeiramente o campo mórfico correspondente ao comportamento de preparo de alimentos dessa população de macacos, aumentando a facilidade com que outros macacos aprendessem o novo comportamento, qdo novos macacos aprenderam, o campo mórfico modificou-se mais, facilitando ainda mais que mais macacos aprendessem; atingindo o limiar, o campo mórfico estaria firmemente conformado (estaria em ressonância) para esse novo comportamento - então todos os demais seriam afetado pela nova configuração do campo mórfico e passariam a exibir o novo comportamento.

Como disse no meu primeiro comentário, isso vale também para a formação de cristais - por que, digamos, o diamante tem a configuração tetraédrica invariante? Para Sheldrake, foi porque de início, os átomos de carbono se organizavam caoticamente. Mas alguns se organizaram casualmente em formato tetraédrico. Isso alterou o campo mórfico da rede cristalina do diamante e o processo seguiu como no modelo do centésimo macaco.

Oras, o mesmo princípio aplicar-se-ia no resultado de lançamento de moedas. Campos mórficos monetários assim determinariam e assim funcionariam. Mas não funcionam.

E não apenas lançamentos de moedas não funcionam assim. Não há casos conhecidos de transmissão de características somáticas adquiridas; se induzirmos a formação de falhas na rede cristalina do diamante, isso não fará com essa falha seja reproduzida em outros eventos de cristalização.

Em outras palavras, campos mórficos são uma hipótese firmemente refutada. Insistir neles, sem um embasamento factual, é um ato [que] não se constitui em um desafio real ao conhecimento científico, muito menos aos processos científicos.

[]s,

Roberto Takata

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