terça-feira, 17 de abril de 2012

Evolução da diferença salarial por gênero no Brasil

Aparentemente há alguns mitos a respeito da diferença salarial e de rendimentos que ainda persistem. Procurarei rebatê-los com dados disponíveis (compilei-os aqui com as referências).

A Figura 1 apresenta a evolução do rendimento médio da mulher (em fração do rendimento médio masculino) segundo dados do IBGE.

Figura 1. Evolução da diferença salarial nas regiões brasileiras.

O primeiro mito que podemos derrubar é que as diferenças sejam maiores em regiões economicamente menos desenvolvidas. Bem ao contrário: as maiores defasagens ocorrem no Sudeste e no Sul.

O segundo mito é o que diz que nada precisa ser feito já que a diferença vem caindo. As mulheres terão o mesmo rendimento médio dos homens, no ritmo atual, apenas no ano 2054. Ver também a Figura 2.

O terceiro mito diz respeito a que as diferenças de salários se devem ao fato de as mulheres estarem em ocupações de menor rendimento. Vide a Figura 2. Para o mesmo cargo, mulheres recebem menos e cada vez menos.

Figura 2. Evolução da diferença salarial por cargo.

O quarto mito diz que as mulheres recebem menos por trabalharem menos do que os homens. É verdade que a média de horas trabalhadas é inferior, mas tem sido de apenas 10% menos; a renda corrigida por hora de trabalho é inferior. (Apenas no setor da construção as mulheres recebem mais - e substancialmente mais - do que os homens, isso pelo fato de a maioria dos cargos que as mulheres ocupam serem de níveis maiores: há poucas mulheres pedreiras.) Vide Figura 3.

Figura 3. Evolução da diferença salarial e de horas trabalhadas por setor da economia.

O quinto mito diz que as mulheres recebem menos por terem uma qualificação menor do que os homens. Não é verdade, não apenas as mulheres têm um nível médio de instrução maior, como a diferença aumenta com a escolaridade da mulher. E a situação tem piorado para as mulheres com maior instrução. (Vide Figura 4.)*

Figura 4. Evolução da diferença salarial por anos de estudo. Fonte: Mulher no Mercado de Trabalho - Perguntas e Respostas.

Há um pequeno enigma: quando vemos a situação para uma mesma ocupação e para uma mesma escolaridade, as mulheres têm recebido cada vez menos do que os homens; porém, se olhamos para a situação geral, a diferença tem diminuído - ainda que a passos de tartaruga paralítica. Que se pasa?***

Uma possível resposta é que as mulheres têm conseguido ocupações mais bem remuneradas e de nível mais alto do que a média dos homens - embora em desvantagem em relação aos pares, no cômputo geral, isso estaria levando à diminuição da defasagem.**

Para piorar a situação, quando vemos as oportunidades de promoçãoascenção na carreira também observamos uma discriminação por gênero: mulheres têm menos chances de obterem promoção nas grandes indústrias brasileiras.

Certamente, levantarão outras objeções como a priorização à família pelas mulheres. Mas a diferença de rendimentos associada ao gênero persiste mesmo quando decompomos os fatores. E cada fator, na verdade, é um fator que *compõe* a discriminação de gênero e não uma explicação alternativa: se as mulheres recebem menos por ocuparem cargos inferiores, a discriminação está justamente na vedação do acesso às mulheres a cargos superiores como a presidência e vice-presidência de grande empresas; se as mulheres recebem menos por se dedicarem mais aos filhos, a discriminação está justamente em não se oferecem condições às mulheres, como creches, para cuidarem dos filhos.

*Upideite(18/abr/2012): Para as escolaridades a partir de 8 anos, há uma tendência de diminuição da diferença. Tendência mais clara para o grupo com 11 anos ou mais de estudos (o que inclui o grupo com nível superior).
**Upideite(18/abr/2012): Um exemplo numérico (hipotético) de como isso pode ocorrer.
No ano 2000, deste exemplo, o rendimento médio da mulher era de 90% da dos homens tanto no cargo A quanto no cargo B; e a média geral era de 90%. No ano 2010, o rendimento médio da mulher caiu em comparação ao dos homens: 76% no cargo A e 87% no cargo B. Mas a média geral subiu para 92%. Isso ocorreu porque, no nosso exemplo, a fração de mulheres ocupando o cargo B (de maior renda) aumentou.

***Upideite(09/abr/2014): Descobri agora que o fenômeno de desaparecimento ou reversão da tendência obtida em diferentes grupos quando seus dados são combinados tem nome - paradoxo de Simpson.

12 comentários:

  1. Excelente trabalho, mas seria interessante comparar com outros países e isolar alguns fatores antes de tirar conclusões precipitadas. Seria possível comparar o salário apenas de mulheres sem filhos?

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  2. André,

    Precipitadas?

    Comparar a situação com outro países é sempre interessante, mas não vai mudar a conclusão - apenas vai mostrar se estamos melhores ou piores.

    Sim, é complicado, mas é possível comparar salários de mulheres solteiras e casadas (divorciadas, viúcas, tico-tico-no-fubá), com ou sem filhos, lésbicas e héteros, gordas e magras.

    []s,

    Roberto Takata

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  3. Roberto Takata,
    1) Na tabela 1, os dados foram obtidos do PNAD, que é declaratório. Na referência que você passou nos comentários do post anterior os valores variavam de 0,60 a 1,45, na referência que eu passei (MTE compilado pela SEPM, portanto chance zero de distorção em desfavor das mulheres) o valor era em torno de 0,82. Qual o valor correto? Não sei, mas a totalização sem a estratificação por área de atuação, e dentro desta por função, e dentro desta por escolaridade pode induzir a diagnósticos incorretos.
    2) Quanto à figura 2, admitindo que a pesquisa Catho é correta e suficientemente abrangente, como pode a diferença salarial aumentar na figura 2 e ao mesmo tempo diminuir na figura 1, ou nas referências do post anterior?
    3) O quarto mito ajuda a reduzir a diferença salarial, embora não a justifique. Se as contas forem feitas estratificando por função e aplicando a correção do quarto mito, a igualdade ocorrerá antes de 2054.
    4) Quanto à figura 5, que piora? Tirando o caso dos sem instrução, a média aproximada vai de 67%, 64%, 62%, 65% e 67%, a conclusão é que é melhor estudar muito ou não estudar nada. E mais, como o estratificado por estudo dá 64% e o totalizado (figura 1) dá 58%? A sua conjectura para a incongruência citada não me parece inválida, mas a melhoria indicada na figura 1 é monotônica, enquanto a figura 2 indica piora sistemática em todos os níveis (a menos que a quantidade de presidentas e vice-presidentas possa compensar a piora nos níveis restantes, mas eu duvido).

    Concordo que ainda persiste uma diferença, mas essa diferença é menor do que se propaga, e a solução não é aposentar indiscriminadamente todas as mulheres mais cedo. Aposentar mais cedo é uma compensação de sabor amargo para a parcela das mães que ralaram para trabalhar e criar o filho sem o apoio necessário do estado, e pior ainda para aquelas que não vão se aposentar nunca.

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  4. 1) Ué, todos são corretos em suas metodologias. E são condizentes entre si: há diferenças salariais, com a mulher ganhando menos.
    2) Eu apresento uma explicação na postagem. A qual vc se refere no item 4.
    3) Nope. Como disse, esses fatores *compõe* a discriminação salarial - como não haver condições adequadas à mulher para jornadas equivalentes.
    4a) Preciso fazer a ressalva do extremo de 11+ de estudos.
    4b) Vou colocar um exemplo de adendo pra ilustrar.
    5) Sim. Concordamos a solução não é aposentar as mulheres mais cedo. Isso não é uma solução, é uma *compensação*. A generalidade é justificada na medida em que a discriminação é generalizada.

    []s,

    Roberto Takata

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  5. Roberto Takata,
    1) Existe apenas um número que está mais próximo da verdade, entre 58% e 82% há uma bela diferença.
    3) Concordo, mas o diagnóstico correto muda o remédio, e o fato é que a igualdade será alcançada antes de 2054, muito antes em algumas áreas. Eu, pessoalmente, penso que a redução da jornada para ficar mais tempo com os filhos deveria ser um direito buscado pelos homens e não um estorvo a ser retirado das mulheres, mas em termos de rendimento isso não vale.
    4) A simulação mostra que é possível, mas as condições que geram essa possibilidade me parecem bastante radicais (estagnação da renda feminina por faixa e aumento brutal do contigente feminino na faixa mais elevada).
    5) Um problema da compensação é que ela deveria compensar o passado e não o futuro. Além disso, essa generalização é irreal, pois não atinge quem mais precisa.

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  6. André
    1) Não. Entre outras coisas depende do universo considerado. Mas os dados tto o que apresentei do PNAD qto os apresentados no Anuário das Mulheres são iguais - até porque usam a mesma fonte. Na Tabela 52 do AdM, a renda média da mulher corresponde a 0,57 - que é o valor de entrada para o Brasil na Figura 1 para o ano de 2009.
    Na Tabela 51 do anuário, o universo é de regiões metropolitanas - e a renda média é mais alta. Na Tabela 50, pega só os com carteira assinada.
    3) Não é fato que a igualdade será alcançada antes de 2054. Um evento *futuro* não é um fato. A projeção para 2054 é a do ritmo atual.
    4) Não há necessidade de alterações radicais. Os números foram exagerados apenas para fins didáticos. As mudanças tto não são radicais que o ritmo é bastante lento - menos de 1 pp. de queda ao ano.
    5) A compensação é pelo passado que continua no presente de discriminação das mulheres. O problema está justamente na *falta* de universalidade do benefício entre as mulheres.

    []s,

    Roberto Takata

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  7. Roberto Takata,
    1) Eu creio que o grupo de interesse deveria ser o dos trabalhadores formais, pois são esses que são atingidos pelas políticas do INSS.
    3) Me referi ao fato que uma projeção depende do valor base. Veja que, se a pesquisa Catho estiver certa, e as diferenças estiverem aumentando, a igualdade será alcançada apenas quando o Sol engolir a terra.
    4) Para a conta fechar foi preciso que o salário dos homens tivesse aumento substancial, o salário das mulheres tivesse aumento irrisório, o número de trabalhadores aumentasse 30%, o número de trabalhadoras que ganham menos permaneça inalterado e o das que que ganham mais aumente 100%. Situação que eu penso ser pouco provável. Fora isso, é bem interessante como dois decrementos podem gerar um incremento.
    5) Mais que falta de universalização, o problema dessa compensação é a falta de foco.

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  8. 1) Aí vc entra em contradição com o (5) de seu comentário anterior.
    3) Não. Se as mulheres continuarem a migrar para os cargos mais remunerados a igualdade *geral* pode continuar no ritmo atual de diminuição. (O que não quer dizer q nada precise ser feito para impedir o alargamento da diferença para o mesmo cargo.)
    4) Não. Veja que isso é um dos *piores* cenários para as mulheres e ainda assim foi possível um aumento na média.
    5) O foco é nas mulheres.

    []s,

    Roberto Takata

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  9. Roberto Takata,
    1) Grupo de interesse no que tange às contas corretas.
    3) É que do meu ponto de vista a igualdade só pode ser aferida para funções iguais. Não conhecia esses dados da Catho, se o IBGE confirmá-los, eu mudo de opinião e passarei a defender uma compensação (desde que focalizada) enquanto a diferença estratificada persistir, ou seja, para sempre segundo a taxa da Catho.
    4) Não, o pior cenário seria se as mulheres não conseguissem esses trabalhos melhor remunerados.
    5) Em se confirmando os números da Catho, eu concordo.

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  10. Roviralta,

    Um brinquedinho pra vc se divertir:
    http://meusalario.uol.com.br/main/salario-e-renda/Salario-Check
    ---------

    []s,

    Roberto Takata

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  11. Roberto Takata,
    Brinquedinho legal. É confiável?

    Função Estudo Exper. M(R$) F(R$) %
    Limpeza <12 5anos 768 739 96
    Vendas <12 5anos 854 773 91
    Vendas <12 10anos 1058 957 90
    Gerente <12 20anos 3113 2433 78
    Prof 1o. >11 10anos 1023 880 86
    Prof mat Pós 10anos 1980 1704 86
    Prof port Pós 10anos 1960 1686 86
    Clinico Pós 10anos 7682 6609 86

    A diferença existe, mas não creio que seja de 30% como costumam dizer as feministas. Não sei se a diferença está aumentando ou diminuindo. Seria interessante se essa site fizesse a estratificação para com filhos e sem filhos.

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  12. André,

    Não são as feministas que dizem. São as pesquisas.

    []s,

    Roberto Takata

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