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"Jenner descobriu a vacina antivariólica porque levou a sério a resposta de uma vaqueira inglesa ao médico." MORIN, Edgar
O que é verdade. Mas teve que submeter a processos de investigação para ver se o efeito protetivo da varíola bovina contra a varíola humana ocorria mesmo e com benefícios superando os prejuízos (além de um grau de dúvida razoável). [E tem uma história pregressa a Jenner, como Jesty e Pletter, mas enfim.]
Quem levar a sério que arrancar raiz de mandrágora puxando a da Terra ouvirá um grito (vindo da raiz e não da dona do jardim) terá apenas decepção. Até faz sentido ter uma abertura inicial da mente e fazer um teste. Mas isso a ciência de modo geral tem: já fizeram testes com homeopatia, astromancia, ESP, experiências de quase morte, etc. Só que os resultados dos testes foram contrários às alegações iniciais. Não funcionam.
Com uma certa frequência não nula, conhecimentos populares, tradicionais, étnicos passam nos testes. Parte desse conhecimento passou por filtros práticos de uso por décadas, séculos e milênios. Mas não é um filtro tão eficiente (há inputs de lendas, mitos, enganos, logros...), de modo que a frequência não é particularmente alta.
Você deve levar um conhecimento tradicional a sério no sentido cultural (dentro de limitações éticas: p.e. não dá pra aceitar a prática da circuncisão feminina - cliterectomia - como uma prática tradicional). Mas o fato de ocasionalmente conhecimentos tradicionais específicos passarem em testes científicos não torna a ciência e conhecimentos tradicionais como equivalentes epistemológicos, não têm o mesmo status epistemológicos.
Se tivessem, teriam o mesmo grau de acerto geral em suas previsões.
(Obviamente não quer dizer que a ciência seja infalível. Mas, dentre todos os processos tentados é o que produz mais resultados. E boa parte dos problemas das ciências dizem respeito exatamente à falha em seguir os parâmetros de pesquisa: ocorrem fraudes com frequência maior do que gostaríamos, mas fraudes não são parte integrante do processo científico - e estão presentes em quaisquer outras áreas. Se a pesquisa é honesta, diligente, metódica, há um bom grau de confiabilidade no resultado; já se alguém aplicar honestamente a astromancia, de modo diligente e metódico, não teremos um resultado mais confiável do que uma aplicação aleatória do mesmo processo.)
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Note-se que não se trata de uma defesa de que todo e qualquer conhecimento não científico - não gerado no corpo científico e/ou não validado pelo corpo científico - seja irracional, seja de segunda categoria, deva ser erradicado ou relegado ao desprezo.
Meu argumento é mais no sentido de "o que faz melhor previsão sobre o resultado que será obtido". Os mitos de criação hindu, ianomâme, bosquímanos, etc. são culturalmente ricos e devem ser assim valorizados. Mas culturalmente. Isso enriquece nossas referências - um exemplo bem bobo: Carlos Ruas faz um trabalho muito engraçado (e respeitoso) da integração dessas crença em muitas tirinhas de Um Sábado Qualquer. O que fico cabrero é quando dizem ou insinuam que tais mitos explicam factualmente tão bem as origens e evolução do universo quanto os modelos científicos (aquele papo de "equal time").
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Até porque a "elite intelectual" ocidental, em boa parte, ignora aspectos básicos do conhecimento científico. Uma parte até valoriza, mas desconhece. Outra valoriza, mas valoriza aspectos errados - consomem bobagens pseudocientíficas como se fossem ciência séria. E há uma parte abertamente hostil - confundem críticas (bem postas) às práticas ideológicas da tecnociência com o processo científico em um sentido mais amplo.
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Em relação à ligação entre a tecnociência e a elite capitalista, com esta valendo-se daquela como instrumento de poder. Tem a prática efetivamente implantada - nesse esquema há distorções sérias e me parecem que as críticas são perfeitamente válidas. Mas as ciências podem funcionar em outro esquema também. Já funcionou sob várias estruturas, inclusive em sociedades socialistas. Quando se confunde a crítica à uma configuração específica da prática científica com uma crítica mais ampla ao processo científico amplo, aí já entramos no terreno da anticiência ("a ciência é intrinsecamente má e não tem conserto"). Não existe neutralidade em nenhum grupo social, inclusive de cientistas. Mas também de artistas plásticos (houve e há movimentos artísticos fascistas como o Futurismo), literatos, esportistas e nem nas próprias ciências sociais. Agora, quanto à sacralidade das ciências, é só até a página 2: vários grupos capitalistas importantes renegam as ciências do clima, p.e.
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Obs: Agradeço ao Bruno de Pierro por não concordar comigo (ao menos em parte), permitindo um desenvolvimento mais rico da discussão.
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