Não exatamente. Há testes pré-clínicos indicando resultados promissores: in vitro (com células de cultura derivadas de tecidos tumorais humanos) e in vivo (em camundongos com tecidos tumorais humanos). Porém, é discutível de que apenas esses testes sejam suficientes para justificar já a passagem para os testes clínicos (em humanos) - e certamente não justificam a aplicação terapêutica em humanos: o próprio autor principal de vários desses testes, o farmacêutico Adilson Kleber Ferreira, considera que são necessários ainda mais testes pré-clínicos antes de ir para o teste com humanos.
2) a fosfoetanolamina era distribuída há anos para pacientes com tumor, isso prova que é segura
Não. Não foi distribuída de modo controlado com o devido acompanhamento médico. Efeitos colaterais importantes podem ter sido deixados de ser relatados. Se a distribuição é indício de alguma coisa é que falta fiscalização e punição quanto ao exercício irregular de medicina e violação da lei sobre produção e distribuição de compostos com fins terapêuticos.
Além disso, há relatos também da ineficácia da fosfoetanolamina. De novo, isso também não é prova de que a fosfoetanolamina seja ineficaz. É preciso que se façam testes controlados.
3) a fosfoetanolamina é produzida naturalmente pelo organismo humano, então deve ser segura
Pode não ser. A fosfoetanolamina sintética é administrada em doses muito maiores do que a naturalmente produzida (a concentração em tecidos de ratos é por volta de 0,35 g/kg; a dose administrada em testes é de cerca de 0,8 g/kg por via oral; em testes com aplicação intraperitoneal, as doses variam de 0,035 a 0,07 g/kg - em ratos, a DL50 oral da o-fosforiletanolamina é de 5,82 g/kg, em camundongos, a DL50 intravenosa é de 0,639 g/kg**) e pode conter contaminantes - especialmente se produzidas em condições quase artesanais em um laboratório universitário.
*A vitamina D é naturalmente sintetizada pelo corpo humano - a exposição normal ao sol permite a produção endógena de algo entre 15.10^-6 a 15.10^-5 g por dia. Mas doses diárias de 10.000 UI - cerca de 0,00025 g (25.10^-5) - são tóxicas.
4) os casos relatados de pacientes que tomaram a fosfoetanolamina e se curaram mostram que o composto é eficaz
Não. Há uma boa porcentagem de casos de remissão espontânea do câncer. Além disso, não há como atribuir a cura à fosfoetanolamina e não a outras causas (como outras terapias realizadas em conjunto) justamente por falta de controle: os pacientes se curaram por causa da fosfoetanolamina ou a despeito dela?
5) a indústria farmacêutica não tem interesse em algo barato como a fosfoetanolamina
Ao contrário. Algo que *custe* barato pode proporcionar uma margem de *lucro* *maior*. Se 60 cápsulas por mês custam R$ 1,60; se isso for vendido a R$ 1.000, será um lucro muito mais extraordinário do que a margem média da indústria farmacêutica - de 10 a 40% (20% na média). A aspirina movimenta mais de 1 bilhão USD ao ano e dá lucro de 80%, custando centavos.
6) são pacientes terminais, não têm nada a perder em tomar a fosfoetanolamina mesmo sem testes
Não é bem assim. Podem perder a vida, podem ficar em uma situação ainda pior, não sabemos sem os devidos testes.
7) então devem ser feitos imediatamente testes com a fosfoetanolamina
Depende. Como dito no item 1, é discutível que os testes pré-clínicos realizados até o momento sejam suficientes para se passar já para a fase clínica. Mesmo que se considere que seja justificado, há que se pensar na questão dos custos dos estudos: quem deve
Os pesquisadores detentores da patente do método de síntese de fosfoetanolamina recusaram-se a cedê-la para parceiros - como a Fiocruz - interessados em industrializar o composto e testá-lo. O dinheiro público deve bancar os testes de milhões de reais para que os pesquisadores façam dinheiro sem riscos financeiros maiores caso o composto seja bem sucedido para entrar no mercado?
Por que esse dinheiro deve ser investido na fosfoetanolamina e não nos testes e desenvolvimento de outros compostos tão ou mais promissores? Já há tratamento eficaz para vários tipos de câncer, inclusive para os tipos contra os quais a fosfoetanolamina demonstrou efeito em testes in vitro; por que deve ter prioridade sobre o desenvolvimento de medicamentos para doenças ainda sem cura nem tratamento ou que atingem mais pessoas?
Pode ser que a resposta a essas questões seja favorável a se despender dinheiro público para se testar a fosfoetanolamina, mas isso depende de uma deliberação ponderada sobre o tema. Não de uma troca de desinformação.
(contribuição do físico Leandro Tessler, autor do Cultura Científica)*
"8) Fosfoetanolamina foi sintetizada pela primeira vez na USP
Existe no mercado fosfoetanolamina para venda comercialmente. A equipe da USP desenvolveu uma metodologia alternativa para sua síntese. Se políticos ou juízes querem fornecer o composto a pacientes ao arrepio da lei podem fazê-lo sem envolver a USP que claramente tem uma posição institucional contrária."
9) O caso da fosfoetanolamina encaixa-se no 'uso compassivo'
Pela legislação em vigor, há três situações no Brasil de acesso permitido - após a devida autorização pela Anvisa - a pacientes de compostos medicamentosos ainda sem o registro: o programa de acesso expandido. o uso compassivo e o programa de fornecimento pós-estudo.
Não se trata de nenhum dos casos porque é preciso que se trate de composto que esteja em pesquisa clínica. Até o momento, não se trata disso. Assim que se iniciarem os estudos encomendados pelo MCTI em parceria com a Anvisa, poderá haver a permissão de 'uso compassivo'; a alternativa de 'acesso expandido' será possível somente a partir da fase 3 dos testes. Naturalmente, somente após o término dos testes clínicos, é admissível o 'fornecimento pós-estudo'.
A distribuição realizada até o momento, portanto, não está de acordo com o regulamento da Anvisa: criado em 2013.
*Upideite(31/out/2015): adido a esta data.
**Upideite(02/nov/2015): adido a esta data.
8) Fosfoetanolamina foi sintetizada pela primeira vez na USP. Existe no mercado fosfoetanolamina para venda comercialmente. A equipe da USP desenvolveu uma metodologia alternativa para sua síntese. Se políticos ou juízes querem fornecer o composto a pacientes ao arrepio da lei podem fazê-lo sem envolver a USP que claramente tem uma posição institucional contrária.
ResponderExcluirValeu, Tessler.
ResponderExcluirJá subi sua contribuição.
Grato pela visita e comentário.
[]s,
Roberto Takata