O jornalista Carlos Orsi escreveu em seu blogue um texto em defesa do direitos ateus em debocharem abertamente do sentimento religioso das pessoas: "Cuidado com quem prega o ateísmo de 'alma branca'".
A linha de defesa, pelo que entendi, passa por:
1) Liberdade de expressão;
2) Direito de resposta: "eles (os religiosos) que começaram, professor";
3) Estão apenas dizendo a verdade: "religião *é* ridícula";
4) Estratégia retórica: tem que bater o pau na mesa pra se fazer respeitar;
5) Dizer que não deveriam ridicularizar seria o mesmo que dizer que negros deveriam saber seu lugar, homossexuais devem ser discretos e mulheres devem se vestir como pudicas.
1) Como o próprio Orsi reconhece nos comentários da postagem dele, a liberdade de expressão tem limites: de um lado, a lei, e de outro, há a reprovação dos intelectuais. E, bem, aparentemente parte dos intelectuais acham que essa ridicularização passou mesmo o limite do bom gosto e da civilidade a ponto de fazerem crítica pública a essas ações, inclusive intelectuais dentro da própria comunidade ateísta e ateia. (Quanto ao limite legal estou mais incerto - creio que ninguém ainda tenha sido processado.)
2) Em conjunto com certas interpretações de (1) isso acaba legitimando também o próprio discurso *contra* os ateus (ou contra a ateidade/ateísmo). Por quê? Porque de um lado, se *todo mundo* tem a liberdade de dizer *o que quiser*, esse "todo mundo" inclui os religiosos e esse "o que quiser" inclui descascar os ateus. De outro, é o princípio em que a reciprocidade elimina a ofensa inicial. Os dois se xingaram, estão quites. Ninguém tem que falar nada de ninguém. (É um dispositivo de exclusão de pena no Código Penal para os casos de injúrias - art. 140:
"§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria."
Isto é, ateus ficam sem a carta do "quero respeito", a menos que ambas as partes se sentem para um armistício.
E a prioridade da provocação é invertida quando começa a caçoar de Ganexa - há poucos casos de atritos entre hindus (religiões orientais de modo geral, e as de matrizes nativas e africanas também) e ateus no Brasil.
3) O conceito de ridicularidade é extremamente subjetivo ou, no máximo, intersubjetivo. Mas mesmo assim há coisas que não precisam ser ditas por serem provocações puras, sem nenhum aspecto pedagógico. Sério, qual o sentido de ridicularizar Ganexa? O mesmo sentido do Rodeio das Gordas, pelo visto. Ninguém há de defender a humilhação de pessoas obesas para que "elas se toquem e comecem a fazer regime, faz até bem pra saúde delas" - oquei, há gente que defende isso, mas acho que concordaremos que é uma tentativa absurda de justificação.
4) De um lado há que se discutir se a hora é agora. E de outro se é verdade que isso é necessário. Orsi também reconhece nos comentários da postagem dele a possibilidade de escalada, o que chama de "corrida armamentista". Se o efeito desejado é de *convencimento*, isso parece um tiro pela culatra.
5) A comparação não procede como argumentei lá na postagem de Orsi:
"A comparação com 'negro saber seu lugar', 'homossexuais não pode[m] andar de mãos dadas na rua', 'mulher não pode usar roupa sensual' não é bom [sic, boa] em relação a 'ateus devem ser respeitosos'. Em primeiro lugar, desrespeito é criticável - mesmo o responsivo. Além disso, desrespeito *não* é uma característica intrinsecamente necessária para o exercício da ateidade ou do ateísmo. Em terceiro lugar - ligando-se com o primeiro -, 'negro saber seu lugar' restringe os direitos dos negros porque todo mundo, menos os negros, podem ir e vir para qualquer lugar, 'homossexual deve ser discreto' restringe o direito dos homossexuais porque todo mundo, menos os homossexuais, podem demonstrar afeto em público; 'mulher deve se vestir puritanamente' restringe os direitos das mulheres porque todo mundo, menos as mulheres, podem se vestir do jeito que quiserem.
'Ateus devem se comportar' só é comparável a essas situações se a todo mundo, menos os ateus, fosse dado o direito de ser desrespeitoso."
O desrespeito por parte dos ateus em relação aos religiosos deve ser criticado. Também devem ser criticados os desrespeito dos religiosos em relação aos ateus. E também o desrespeito de grupos religiosos em relação a outros grupos religiosos.
1) Parte da crítica do Carlos Orsi, me parece, ser direcionada justamente para esses intelectuais que acham que o deboche ateu passou do ponto.
ResponderExcluir2) De fato, o direito de resposta pode gerar um laço infinito. Acho que não cabe a uma parte exigir que a outra encerre o círculo vicioso.
4) Não me parece que o deboche faça parte de uma estratégia de convencimento.
Penso que tem um ponto extra (que não está claro no texto) que você não abordou. Não há uma igreja atéia hierarquizada, de modo que se possa cobrar uma posição oficial do ateísmo.
Salve, André,
ResponderExcluir1) Sim. Mas aí é que fica estranho argumentar que a extrapolação do bom senso é marcada pela crítica feita pelos intelectuais se se critica exatamente a crítica desses intelectuais.
2) Nem é o direito de resposta em si. Mas mais a ridicularização do outro.
4) Mas se deseja o convencimento ao mesmo tempo em que se debocha.
6) Não se está a cobrar uma posição oficial. A postura é individual.
[]s,
Roberto Takata