sábado, 29 de setembro de 2012

Zero tom de verde* - capítulo 1

Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.

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Flora Silva é uma jovem idealista. Recém-ingressa no curso de jornalismo, pretende se especializar na cobertura de questões ambientais. Aquela situação, assim, era-lhe um tanto constrangedora. Mas dizia para si mesma que se sujeitaria àquilo por uma boa causa. Precisava da grana para pagar a mensalidade do curso. E, além disso, seria uma oportunidade de estudar o sistema por dentro e, quem sabe, introduzir mudanças no estado das coisas. Sua alma... não, sua alma permaneceria intacta.

"O próximo!"

Entrou na saleta. Sentou-se no banquinho. À sua frente, uma mulher trintona, do tipo que parecia estar muito bem acomodada nas regras do jogo.

"Vejo aqui que acabou de entrar na faculdade. Não tem nenhuma experiência. Por que acha que é qualificada para a assessoria de imprensa da GC Foods?"

"Eu... é... hum... bem..."

A recrutadora não disfarçou sua cara de aborrecimento.

"Você não tem nenhuma experiência?", insistiu.

"Eu... tenho."

"Qual?"

"Eu... eu escrevi para um jornal."

"Qual?"

"O jornal do colégio."

Um leve sorriso foi o que Flora vira? Sim. Mas não poderia imaginar o quão terrivelmente enganada estava a respeito do significado daquilo. Não era um sutil sinal de aprovação. E sim de um prazer sádico. Era a senha para a entrevistadora brincar, como gatos brincam com camundongos.

"Mesmo? E o que você escrevia?"

"Temas variados. Sobre problemas da escola: falta de limpeza dos banheiros, professores ausentes, bullying, lâmpadas queimadas que nunca eram trocadas.", entregava-se Flora à armadilha, inocente, em um tom de empolgação sincera, imaginando que a entrevistadora estava realmente interessada no que dizia.

"Ah, claro, do tipo encrenqueira!", pensou a R.H. sem remover aquela curvatura quase pornográfica de seus lábios. Com a pata direita bloqueara uma rota de escape da presa.

"Vem cá, garota. Me diga o que você acha da preservação do meio ambiente."

Flora mal disfarçou sua surpresa. Se dissesse a verdade certamente perderia a pouca oportunidade que tinha. Mas mentir... Não, sua integridade valia mais. Tentaria novamente algum crédito educativo, trabalharia de garçonete se preciso.

"Acho que é uma questão fundamental."

"E?"

"E deveria ser uma preocupação de todos."

"Todos?"

"Sim."

"Mesmo para uma empresa?"

"Sim."

"Mesmo se significasse perda de lucros?"

Flora hesitou. Sentia que era algum tipo de armadilha. Não havia, porém, alternativa. Morderia a isca. Morreria feliz.

"Sim. Mesmo assim. Até porque se há destruição do ambiente, o lucro futuro da empresa é comprometido. Estaria abrindo mão da continuidade de sua atividade em nome de um ganho imediatista."

Pronto, com a pata esquerda, bloqueara todas as rotas de fuga. Era só abocanhar a presa indefesa.

"Muito bem, está contratada!"

Flora arregalou os olhos. Não mais do que a recrutadora.

Parado à porta lateral da saleta de entrevista um homem bem apessoado na casa dos quarenta, no entanto, aparentando não mais do que 35; gravata Hermès grafite impecavelmente atada; terno Spano negro de lã de vicunha com caxemira; abotoaduras de prata com um B alado; cabelos ainda negros com um leve tom grisalho em algumas mechas.

"Gostei de sua visão, senhorita... Flora, não?"

"Sim."

"George Campos, muito prazer." - apresentou-se o multibilionário dono da GC Foods.

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(Capítulo 2 aqui.)

*Sim, claro, uma paródia inspirada muito vagamente no best seller pornôerótico "Cinquenta tons de cinza" de E. L. James.

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