quinta-feira, 6 de junho de 2013

Abortando uma discussão: Os homens são mesmo o "inimigo" das pró-escolha?

Com a aprovação pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal dos Deputados do PL 478/2007, o "Estatuto de Nascituro" ou "Bolsa Estupro"*, uma nova leva de protestos - legítimos - e uma discussão sobre o aborto e os direitos da mulher.

Sobre as bisonhices do projeto escrevi aqui.

Sobre os erros de muitos dos argumentos pró e contra o aborto, escrevi aqui.

Feministas (ao menos uma parte) continuam errando o alvo, achando que a maioria dos que são contrários ao aborto são homens.
Por feministas, não se entenda apenas mulheres:
Pela pesquisa Ibope de 2003 sobre o tema:

  • 8% das mulheres apoiavam uma flexibilização da lei permitindo o aborto em mais casos do que os previstos; entre os homens, eram 12%.
  • 51% das mulheres disseram que a lei deveria continuar como está; 55% dos homens disseram o mesmo.
  • 33% das mulheres achavam que o aborto não deveria ser permitido em nenhum caso; 31% dos homens tinham a mesma opinião.


Pelo Datafolha de 2008:

  • 12% das mulheres responderam que o aborto deveria ser permitido em qualquer caso; 10% dos homens responderam igual.
  • 13% das mulheres apoiavam que o aborto fosse permitido em mais casos; 16% dos homens tinham a mesma opinião.
  • 68% das mulheres achavam que a lei deveria continuar como está; 68% dos homens pensavam do mesmo modo.

Já na pesquisa Ibope de 2011:

  • 11% das mulheres são a favor de se permitir o aborto em caso de faltas de condições econômicas; 17% dos homens pensam o mesmo.
  • 9% das mulheres são a favor no caso de falha de anticoncepcional; 13% dos homens acham isso também.
  • 48% das mulheres são a favor no caso de estupro; 50% dos homens também são favoráveis.
  • 63% das mulheres apoiam o aborto no caso de feto com defeito grave; 67% dos homens pensam isso.
  • 56% das mulheres querem apoiam o aborto em caso de risco de vida da gestante; 62% dos homens apoiam igualmente.

Não há diferenças significativas entre homens e mulheres no que se refere à opinião sobre o aborto - na verdade, mais homens do que mulheres tendem a apoiar a permissão do aborto de modo geral. Mas a situação é que as mulheres que pretendem ampliação dos casos em que o aborto seja legalmente permitido *precisam* convencer os homens - somos maioria nas posições decisórias, no legislativo, no executivo e no judiciário. Se esperam que os homens sairão do caminho apenas com palavras de ordem do tipo "só quem tem útero pode opinar", tenderão a fracassar. Ainda mais se não conseguem convencer um número equivalente ou até ligeiramente maior de "seres com útero" (estou incluindo aqui, claro, mulheres que por razões médicas tiveram que se submeter à histerectomia, já que o sentido não é literal) de sua posição.

Upideite(07/jun/2013): Disclêimer: o de praxe, sou machista, mas não me orgulho disso.

Upideite(07/jun/2013): Parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-RJ. via @prisciencia.


*Upideite(07/jun/2013): Concordo com os que reclamam da expressão "Bolsa Estupro". O uso depreciativo como "bolsa xis" faz parte do discurso conservador de desmerecimento de toda forma de investimento social. Por outro lado, pode ser uma estratégia de adequação da linguagem ao público-alvo: a tentativa de dissuasão do apoio ao PL 478/07 é voltada justamente ao público conservador. Mas como os demais elementos do discurso destoam: para boa parte dos conservadores, quando falam "direitos reprodutivos", "direito ao corpo", "empoderamento feminino", "opressão machista", eles escutam "blablablá".

8 comentários:

  1. Agradeço pela postagem, que me fez refletir um pouco mais sobre o assunto e acabar escrevendo: http://medesculpefoiengano.blogspot.com.br/2013/06/nascituro.html

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  2. mari,
    Se o aborto pode gerar sofrimento para o casal então o pai do feto deveria ter direito de opinar sobre o aborto (caso ele fosse liberado)?

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  3. André,
    Evidentemente o pai deve ter direito de opinar sobre aborto. Usar uma lei pra obrigar a parceira a ser mãe é que não parece muito sensato. Quando não há consenso, trazer um advogado pra discussão não é muito produtivo. (Não é de hoje que casais usam os filhos pra se atacar, portanto usar os fetos pra se atacar é apenas uma extensão da chantagem: eu não obrigaria uma criança a nascer no meio dessa briga.)

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  4. Mari,
    Essa nossa opinião encontra pouco apoio entre as feministas que eu conheço. O mote geral é que até o nascimento o pai não pode opinar em nada. Eu penso que, se o aborto for liberado mesmo por motivos de conveniência ou não da gravidez, a decisão final sobre o aborto deve ser sempre da mulher mas deveria haver alguma forma de, até o prazo legal para se fazer o aborto, o pai poder optar por uma renúncia à paternidade.

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  5. Se o único motivo para criminalizar o aborto fosse que é um desrespeito à vontade do pai, certamente estaríamos falando de outra coisa. A gente diria: "aborto é permitido quando o casal estiver de acordo. Vamos discutir o que acontece quando o casal não está de acordo." E basicamente um potencial pai precisaria conhecer a posição da potencial mãe antes de potencialmente fecundá-la. Mas afinal, o que é que bebês tinham a ver com sexo mesmo?

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  6. Mari, André,

    Valeu pela visita e comentários.

    No caso do direito do pai, é complicado assim. O cara não quer, a mulher quer. A criança, em nascendo, *ela* (a criança) tem direitos e o cara não pode simplesmente renunciar à paternidade e, por mais que a mãe venha a ser a responsável, ela não pode abrir mão dos direitos da criança.

    Também não dá pra falar em aborto sem discutir o status do feto. Embora a discussão não deva se resumir a isso. Se o feto não é considerado um ser humano, ainda assim tem outros pontos a se considerar. Mas se o feto é um ser humano, o aborto é efetivamente um homicídio. Certos homicídios são justificáveis - no nosso ordenamento, o homicídio em autodefesa não é punido; tb é admitido em caso de pena de morte (no nosso ordenamento jurídico atual admissível apenas em caso de guerra).

    []s,

    Roberto Takata

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  7. Roberto,
    sapatear no blog dos outros é divertido, mas me sinto um tanto quanto inconsequente. Obrigada pela oportunidade e desculpe a bagunça.

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  8. Mari,

    Fique à vontade para expor seus pontos de vista aqui.

    Afinal essa é uma das funções dos comentários neste blogue.

    []s,

    Roberto Takata

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