*Antes de atirarem as pedras em mim, leiam a observação lá embaixo desta postagem.**
Não pretendo dizer ao movimento feminista o que ele deve dizer ou como ele deve dizer. Só expresso minha opinião [sim, não tem importância alguma, menos ainda para o movimento feminista - o que é ótimo por duas razões: 1) o que eu disser não irá afetar o movimento; 2) não firo sua autonomia] de que a opção discursiva de parte desse movimento dificilmente servirá para atrair aliados estratégicos nas "hostes" masculinas.
O post "Óbvio que todos os homens não odeiam mulheres. Mas todos os homens devem saber que são beneficiados pelo sexismo" [1], ao dizer que o sexismo beneficia todos os homens, basicamente diz: "Homens, o feminismo é PREJUDICIAL a vocês".
Se o sexismo beneficia os homens, pra quê iríamos querer mudar?
O tom do artigo é de chamada à consciência. Mas se os homens tivéssemos consciência, não haveria muita coisa a mudar pra começo de conversa. Oquei, a conscientização é necessária, mas: a) nem é suficiente (preciso dizer que de boa intenção o congresso nacional está cheio?), b) nem creio que isso se desenvolva com um argumento do tipo: "você é opressor, ponto". (Sério, "poxa eu sou mesmo um opressor, preciso mudar minhas atitudes", é algo que alguém esperaria ouvir?)
Åsa Heuser disse que argumentar que o sexismo é prejudicial ao homem seria como tentar por fim à escravidão dizendo ao escravocrata que a escravidão é prejudicial à eles. Primeiro: esse *foi* um dos argumentos utilizados para o fim da escravidão a fim de vencer essa resistência; segundo: a questão é convencer *quem tem poder*. No caso, a Inglaterra estava mais do que convencida de que a escravidão no Brasil era prejudicial a seus negócios.
Infelizmente, embora a Inglaterra esteja mais do que convencida de que o sexismo no Brasil é prejudicial a seus negócios, hoje ela não pode bloquear portos, saquear cidades e apontar canhões para o palácio imperial brasileiro. São os *homens* brasileiros que têm o poder - e, embora nem todos os homens odeiem mulheres, virtualmente 100% somos machistas (mesmo os que acham que não são - me mostre um homem feminista e eu te mostrarei um hipócrita).
O fim da escravidão até teve um elemento moral - uma leitura cristã condenando a escravidão -, mas não vinha com um argumento do tipo: "escravocratas, a escravidão beneficia totalmente a vocês". E nem foi o elemento principal para sua abolição nestas paragens. [2]
É um erro muito similar a de certa parte do movimento ateísta que diz: "religiosos, vocês deveriam nos tolerar porque a religião é estúpida e como ela os faz estúpidos, ela os faz nos odiarem, não sejam estúpidos".
E entro só de leve no argumento de que, afinal, o sexismo *é* prejudicial aos homens. Em primeiro lugar porque coloca nossas irmãs, esposas, filhas, mães, avós... em relação de desvantagem. Isso *diminui* efetivamente o orçamento familiar, isso *expõe* efetivamente nossas parentas e amigas a perigos inomináveis, isso *aumenta* os custos sociais (sim, isso implica em impostos mais caros - entre segurança, gastos com saúde, estrutura de política para a mulher, políticas compensatórias como cotas e ações afirmativas em geral...).
Mas o meu ponto mesmo (já que não se afeta no caso de o sexismo ser mesmo benéfico aos homens) é um argumento do tipo "olha como você é meu inimigo... quer ser meu amigo?" tende a ser pouco produtivo. O enquadramento da questão afeta sobremaneira como ela é percebida. A percepção afeta sobremaneira as atitudes. Atitudes influenciam as decisões. Decisões... bem, decisões são as que são necessárias para implementar mudanças.
A menos, é claro, que as mulheres tenham segurança para mudar o quadro por elas mesmas. Isso é possível? Seguramente: elas são a maioria censitária, poderiam eleger representantes estratégicos (uma presidenta já temos - ainda que não exatamente graças a elas***) - caveat: precisariam convencer a mais da metade das mulheres que votam em homens. Plano B: uprising - caveat: as mulheres *são* fisicamente mais fracas (em média) do que as forças policiais e nem têm acesso a arsenais significativos (claro, sempre podem tentar sequestrar figuras importantes - ei, ABIN, nota irônica, ok?).
Há várias estratégias eficientes para se combater mais efetivamente o sexismo. Quase todas passam justamente por mostrar como o sexismo é prejudicial aos homens. Uma empresa trata desigualmente as mulheres? Campanhas, protestos, locautes, boicotes, greves, ataques terroristas (NSA, again, just kidding)... que mostrem *como* o sexismo prejudica a empresa - seja diretamente nas vendas, seja com prejuízo da imagem, seja por vias legais (felizmente temos mecanismos legais de combate à discriminação sexual) - e, consequentemente, como prejudica o executivo idiota sexista (todo sexista é idiota, mas nem todo idiota é sexista) que terá o emprego em risco na próxima assembleia de acionistas.
Você pode desejar que os homens sejam maduros o suficiente para combater o sexismo porque é certo, mesmo que isso o prejudique. Desejar pode. Mas, a menos que Aladdin tenha emprestado sua lâmpada, não é o meio mais eficiente para se obter as mudanças necessárias.
**Se você é feminista e o título deste post a fez ter simpatias por mim, então eu dou meu braço a torcer e retiro o argumento de que dizer que o sexismo é benéfico aos homens é ineficaz. (Pra eventualidade de alguém não ter entendido: sim, o machismo é *prejudicial* às feministas, às mulheres, à humanidade. Só não é prejudicial ao Universo porque, se ele fosse capaz de ligar pra alguma coisa, certamente não estaria nem aí com a humanidade.)
***58% dos eleitores masculinos votaram em Dilma (42% em Serra), apenas 54% das eleitoras fizeram o mesmo (44% em Serra). [3]
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[1] http://blogueirasfeministas.com/2013/10/obvio-que-todos-os-homens-nao-odeiam-mulheres-mas-todos-os-homens-devem-saber-que-sao-beneficiados-pelo-sexismo/
[2] http://revistaacervo.an.gov.br/seer/index.php/info/article/view/105/85
[3] http://novo-jornal.jusbrasil.com.br/politica/6094496/ibope-aponta-dilma-com-56-dos-votos-validos-e-serra-44
A analogia com os ateístas é a melhor disponível, mas é bom salientar que os homens não temos um catecismo formalmente escrito e imposto aos meninos, não temos líderes infalíveis nem instituições que financiamos com dízimos.
ResponderExcluirLegalmente as mulheres talvez tenham até mais direitos que os homens. O que falta é efetivamente aplicar esses direitos e mudar a cultura que impõe os papéis sociais de gênero (que ora prejudica e ora beneficia homens e mulheres).
Salve, André,
ResponderExcluirA maior parte do religiosos provavelmente nunca leu seu livro sagrado.
Sim, precisamos aplicar os dispositivos legais, aperfeiçoá-los e criar mais alguns para diminuir a diferença de gênero. Também é preciso, mesmo mudar a cultura. Só acho que ficaria complicado mudar a cultura com um argumento que, em essência diz: "vamos prejudicá-los".
[]s,
Roberto Takata