quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Zero tom de verde - capítulo 13
Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.
(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 12 aqui.)
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Solange Carvalho é uma mulher pragmática. Há oito anos formada em psicologia e especializada, por acaso, em gestão de recursos humanos; há seis trabalhava no setor de pessoal da empresa admitindo e demitindo funcionários. Aquela situação era-lhe, assim, completamente constrangedora. Precisava da grana para cobrir as despesas do cartão de crédito. Sem os extras pelos serviços especiais desde o passamento de GC, seu salário atual não comportava seu estilo de vida. Dizia para si mesma que se sairia bem daquilo. Anos de estudo em psicologia e de prática em entrevistas a tornara especialista na detecção de mudanças sutis de humor, sinais de contradição e de mentiras. Poderia explorar isso. Sua alma... que se danasse a alma.
"Srta. Solange!"
Ela entrou na ampla sala da presidência. Sentou-se na cadeira de visitas. À sua frente, uma menina recém-saída formalmente da adolescência, do tipo que parecia empolgada em, pela primeira vez, ter domínio sobre as regras do jogo.
"Fale sobre GC...", comandou Flora, distraída com os pêndulos de Newton, sem olhar para a RH.
"É uma empresa sólida, bem posicionada no mercado..."
"Não a GC Foods. George Campos, o homem."
"Foi um ótimo patrão. Não tenho do que reclamar..."
"Não o patrão. O homem."
"Como?"
"Como alguém mais... íntimo."
Solange entendeu. Estava perdida. Flora sabia. Só lhe restava o protocolo Nixon de denegação implausível.
"O quê?"
"Sem joguinhos, Sô. Posso te chamar de Sô?", ainda brincando com as esferas de aço.
"Eu não... Sra. Campos, não sei do que está falando."
"Silva."
"Como?"
"Silva. Não mudei meu nome. Mas pode me chamar de Flora."
"Certo, Sra. Flora. Não sei do que esteja falando..."
Flora se levantou. Olhando para o teto e batucando uma caneta na palma de sua mão esquerda caminhou para trás de Solange. Curvou-se sobre a RH, sussurrando em seu ouvido.
"Tem certeza?"
"Tenho."
"Sô, por que faz isso?"
"O quê?"
"Sô, você não me deixa alternativas..."
Uma tela desceu rente à parede dos fundos. Cenas comprometedoras eram projetadas.
"E então?"
"Então o quê, Sra. Flora?"
"Não estou certa, mas acho que algumas manobras aí são consideradas ilegais em muitos países. Talvez até mesmo no Brasil..."
"Suponho que sim."
"Continua a negar?"
"Não tenho e não tive nenhum relacionamento..."
"Ok. Vejo que não pretende mesmo falar. Pegue este envelope e passe no RH, acho que você sabe onde fica...", a voz lasciva de até há pouco foi substituída por um tom seco.
Solange mal conseguiu disfarçar o tremor de suas mãos suadas. Como, como podia ter sido traída dessa maneira? Esses vídeos nunca, nunca deveriam ter chegado até Flora. Estava confiante,confiante de que conseguiria o aumento. Assustou-se um pouco quando o diretor de recursos humanos, seu superior imediato, disse que o assunto seria tratado diretamente pela presidente, pela presidente. Ainda assim... não, não esperava que as coisas fossem acabar daquela maneira. Jamais, jamais poderia imaginar isso.
Resmungava entre os dentes.
"Menininha mimada. Conseguiu o que queria. Minha cabeça em uma bandeja de prata. Quer me f...? Que me f... Eu me viro. Sempre me virei."
Tentava se acostumar com a ideia da demissão. Lembrou-se, então, das dívidas no cartão. O desespero sobreveio.
Por um momento parou em seu caminho até a seção de RH. E se... e se voltasse e pedisse desculpas à Flora? Se confessasse tudo, tudo – não que houvesse muitas coisas mais a confessar com aqueles vídeos... Não, não se entregaria. Havia sido traída, porém não pagaria na mesma moeda. Amava George, amava-o com todas as forças. Suportaria tudo por ele. Tudo.
Entregou o envelope para a secretária da seção.
"Que cara é essa, Solange?"
"E com que cara eu deveria estar, Mariana?"
"Até parece que recebeu notícia ruim..."
"Está nas suas mãos."
"Notícia ruim?"
Mariana entregou o conteúdo do envelope.
Anos de estudo em psicologia e de prática em entrevistas a tornara especialista na detecção de mudanças sutis de humor, sinais de contradição e de mentiras. Puro nervosismo gerado por algum outro fator tornava-se indicador de mentira; um intervalo maior para a elaboração da resposta era interpretado como criação de história; olhos para cima à direita indicariam recordação de uma história; para cima à esquerda, imaginação de uma história; para baixo, vergonha... Tudo baseado em teorias terrivelmente falsas. Quantos excelentes funcionários não deixaram de ser contratados ou foram simplesmente demitidos? Quantos funcionários medíocres, mas razoáveis atores não foram promovidos? Não podia calcular. Só conseguia pensar no que agora via em suas mãos.
Seu salário acabara de sofrer um aumento de trezentos porcentos.
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(Capítulo 14.)
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