sábado, 6 de outubro de 2012

Zero tom de verde - capítulo 7


Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.

(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 6 aqui.)
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"Porra, sensacional! Sensacional!", vibrou o governador.

"E não é?"

"Tem razão. Dá pra povoar esse cerrado. Transformar em um Serengueti. E sem aquele povo escurinho."

"Oh, governador, aí é racismo."

"Ah, eu tô falando no bom sentido."

"Mas é isso, e ainda ajuda a salvar os animais de lá da extinção."

"E declarar reserva de caça. Criar resorts para safári."

"Mas será que sai autorização pra caça?"

"Fauna exótica, filho. E mesmo que não saia, faz que nem lá, safári fotográfico."

"Tinha só uma preocupação com a população de animais sair do controle."

"Pensa, Felisberto, pensa. Os bichos lá na África vivem tudo em harmonia. Ah, a natureza é sábia. O leão não caça mais do que pode. E as zebras, elefantes, hipopótamos não pastam mais do que podem. Nenhum se reproduz mais do que pode. Só o homem que é um bicho que sai destruindo tudo à sua volta."

"Então submetemos o projeto hoje?"

"Hoje? É pra ontem, Felisberto. E bota o pedido de verba pro Fundo Nacional do Meio Ambiente. Acho que uns R$ 300 milhões bastam pra fase inicial. E pede pro Salinas escrever um projetinho pro BID. Vai logo."

O secretário de gabinete saiu. O governador pôs-se a mirar a paisagem pela janela. Via longe. Lá longe, no cerrado, os animais como havia visto em sua viagem de lua de mel à África do Sul.

Flora ouvira tudo, confusa. George, que estivera ao celular durante toda a reunião, de repente ficou sério.

"Cancela tudo, governador."

"O quê?"

"O projeto Pé na África."

"Está louco?"

"Estou. Estou louco da vida. Um maldito leão de circo escapou e pegou algumas novilhas minhas."

"Filha da p..."

George e Flora saíram para a fazenda. O secretário de gabinete retornou.

"Governador..."

"Que foi, Felisberto?"

"Uma comissão de horticultores está aí pra reunião com o Secretário da Agricultura e Vossa Excelência. Sobre o programa para erradicação do caramujo Achatina fulica."

"Ah, sim."

E rumou para a sala de reuniões. Resmungando e praguejando contra os idiotas que introduziram um organismo exótico que agora virara praga.
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(Capítulo 8.)

Continua sendo uma obra de ficção. Mas pode ser vagamente inspirada na realidade.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Zero tom de verde - capítulo 6


Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.

(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 5 aqui.)
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Quase nenhum pêssego viria naquela safra. Um ou outro, mirrados, em um ou outro pé. Fruto da polinização ineficiente pelo vento, mosca ou borboleta. A 60 metros do pomar, caixas vazias do apiário. No chão, próximo às colmeias, corpos ressecados de centenas de milhares de operárias formavam uma tenebrosa serapilheira. Seu João não tinha como saber que a causa estava a cerca de 800 metros dali. Sabia apenas que teria sérios problemas para pagar a dívida contraída com o banco.

Poucos dias antes, um avião monomotor dava rasantes sobre a plantação de algodão safrinha. Microgotículas pulverizadas a partir do sistema de atomização da formulação caíam como fina névoa. 30 a cada 100 das bilhões de esferas líquidas microscópicas repousavam sobre os algodoeiros; 50 a cada 100 caíam sobre o solo (dali, parte seria absorvida pelas raízes das plantas), e o restante flutuava ao sabor da brisa e se espalhava para além da área de plantio. Isso quando o equipamento estava perfeitamente calibrado, o dia estava bom, com baixa ventosidade e na temperatura ideal. Não era, nem de longe, as condições de então e raramente o era nas demais ocasiões. Os dias eram quentes nesse inverno, seco, e ali ventava quase sem parar. A população de ácaro rajado havia aumentado ligeiramente, levando a uma intensificação da aplicação à base de neonicotinoide – mesmo sob proibição pelo Ibama da aplicação aérea do composto.

40 a cada 100 gotas viajaram para além do algodoal da Fazenda Alba Baumwolle. 1 a cada 100 foram parar a mais 1 km de distância do local.

Da varanda da sede, Flora, enquanto sugava pelo canudinho o suco da caixinha, tinha à vista os volteios da aeronave. Não podia ver o exército de microgotas desgarradas. Via apenas a névoa das gotas maiores caindo exatamente sobre os pés de algodão. Ademais, garantiu-lhe o agrônomo, o produto era pouco tóxico para animais – isto é, para vertebrados, que são os únicos seres que valem a pena ser preservados (pelo menos na cartilha ambientalista classe média em que ela havia se alfabetizado; sim, havia as abelhas também, úteis, ao contrário das daninhas formigas e outras pragas rastejantes, mas estavam tãããão longe que não eram motivo para preocupação).

Estava absorta em outros pensamentos: a instalação da antena de celular naquelas bandas. Era, sem dúvida, um progresso trazido à cidade, graças à contribuição significativa da GC Foods. Mas a incidência de 30 casos de leucemia e de mielomas múltiplos naquele fim de mundo de 13 mil habitantes era, para Flora, a prova concreta do perigo da radiação de micro-ondas emitida pela torre.

"Quer um gole?", ofereceu a George.

"Eca. Odeio pêssego."

"Nossa, é meu sabor predileto."

Dali a dois meses, Flora reclamaria do súbito aumento do preço do suco de caixinha.
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(Capítulo 7.)

Recorde mundial de tiro olímpico no próprio pé

O Comitê Olímpico Brasileiro, que já não anda com boa imagem por causa dos eventos relacionados ao roubo de dados do Locog (mesmo com os panos quentes jogados) e também à invasão da sede da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo*, resolveu se queimar de vez em pira olímpica.

Está acionando extrajudicialmente - com promessas de ir para as barras dos tribunais se não atendido - os organizadores das chamadas "olimpíadas acadêmicas": como a Olimpíada Brasileira de Matemática, de Física, de História.... Por um raciocínio torto, o COB alega que tais usos do termo "olimpíada" lhe causam prejuízos.

Não são eventos comerciais, não são nem mesmo de natureza esportiva (como as paraolimpíadas) que pudesse levar a algum tipo de competição de marca.

Algumas dessas competições acadêmicas, de fato, usam logomarcas baseadas nos anéis olímpicos e isso poderia ser alterado. O Ato Olímpico, de 2009, protege os símbolos relacionados aos jogos olímpicos e paraolímpicos (ou paralímpicos como querem o COI e o COB). O COB quis que entre os termos protegidos fosse incluído até "olímpico" e "olimpíada", mas sem sucesso: estão protegidas, no entanto, as expressões "Jogos Olímpicos" e "Jogos Paraolímpicos".

O termo "olimpíadas" é privativo do COB pela lei 9.615 de 1998 (art. 15, parág. 2o). Porém, é dito explicitamente "permitida a utilização destas últimas quando se tratar de eventos vinculados ao desporto educacional e de participação" (na redação dada pela lei 9.981 de 2000)*

Em 20092010, o COB tentou tirar do ar uma propagandapublicidade de supermercado que falava em "olimpíadas", mas a Justiça rejeitou a demanda.

Os organizadores das "olimpíadas acadêmicas" poderiam levar o caso aos tribunais com boas chances de vitória. Mas isso custa dinheiro, coisa que eles, no geral, não têm. Porém, como o MEC organiza alguns, há espaço para a essa sanha insana do COB ser podada.

Ou um acordo que eu acharia justo: ok, o COB fica com a exclusividade do temo "olimpíada", porém deixa de receber as verbas públicas (o seu, o meu e o nosso dinheirinho suado) que o sustenta.

*Upideite(04/out/2012): adido a esta data.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Zero tom de verde - capítulo 5

Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.


(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 4 aqui.)
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O professor da USP arrancava gargalhadas da plateia.

"'Fessô, fessô', era assim que ele me chamava. 'Fessô, mas como que pode, como é que pode o efeito estufa não existir?' Eu: 'Não é que o efeito estufa não exista. Ele existe. Mas na estufa. Agora a Terra.' Alguém aí na plateia já viu se no céu tem paineis de vidro? Não tem. A Terra é aberta. Então não é uma estufa. Quem já viu uma estufa aberta? Pelo jeito só os aquecimentistas alarmistas. E tem mais. Olha esta foto. O que é?"

Todos os presentes em uníssono: "Uma estufa."

"Cês tão colando, hein?"

Risos.

"Muito bem, é uma estufa. Vocês estão afiados. Podem ser alunos da USP. Depois desta palestra podem passar lá na secretaria de graduação do instituto pedir o diploma."

Mais risos.

"Aqui, aqui.", frisava com a luz do laser, "Aqui é um gráfico de temperatura. É a temperatura desta estufa. Vejam, a curva sobe e desce. De dia, quando a luz do Sol bate, a temperatura da estufa aumenta. À medida em que o Sol vai subindo, subindo, a temperatura sobe junto. Aí o Sol vai baixando e a temperatura vai caindo. Chega à noite e a temperatura continua caindo. E vai voltar a aumentar. Ela, a temperatura, sobe e desce, na verdade fica oscilando e não sai do lugar. A temperatura média dessa estufa é de cerca de 30oC. Isso no verão. Ao longo do ano varia um pouco. O que a estufa está fazendo. Comparem com a temperatura de fora da estufa ao longo do dia. O que a estufa está fazendo é que a temperatura dentro oscila menos. Desculpe-me pelos detalhes aborrecidos, mas o que quero é que vejam como a temperatura se comporta em uma estufa."

E começou uma coreografia ondulando sua mão esquerda na horizontal, depois a mão direta.

O público ria.

"Agora veja isto aqui." Era o famoso gráfico de taco de hóquei.

"Nada a ver com aquele outro, né? Esse gráfico aqui é o que os alarmistas dizem que representa a temperatura da Terra. Se for um gráfico verdadeiro, é de um forno, não de uma estufa. Os aquecimentistas devem botar a plantinha que eles têm na casa deles, um vasinho de petúnias, botar no forno e aí coçam a cabeça: ué, minha flor morreu queimada. Eles não sabem a diferença entre um forno e uma estufa."

Gargalhadas e aplausos.

"Mas além de tentarem assar um frango na estufa, os alarmistas mentem. Vejam isto." O gráfico anterior do taco de hóquei se expandia temporalmente, apresentando a oscilação registrada da temperatura até cerca de 30 mil anos atrás.

"É o real gráfico da temperatura da Terra desde o último máximo glacial. Vejam como a variação da temperatura é muito maior do que nesta pontinha aqui onde estamos. Ou seja, não tem aquecimento nenhum."

"O que foi, meu bem? Não está gostando da palestra do professor Ricardo Rizzo?"

"Não, não é isso, George. Estou só pensando a respeito das coisas."

Flora tentava absorver aquilo. Estava em franco constraste com o que lhe ensinara o professor de biologia no colégio. Mas claro que um professor doutor da USP saberia muito mais. Sobretudo tendo feito pesquisa no Ártico. Ao menos era o que se informava o minicurrículo apresentado no material impresso daquele evento: "Orgulhosamente patrocinado pela GC Foods, que acredita no futuro do país e investe na pesquisa nacional."

Sentiu um calafrio. Era o ar-condicionado a toda. O salão parecia uma geladeira, deixando a todos os presentes confortavelmente protegidos do inferno lá fora: um veranico que durava já toda a primeira metade do inverno, 40oC a sombra.
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(Capítulo 6.)

Jornalistas sabem estatística? Uma outra leitura sobre estatística de leitura.

Manchete da Folha: "Maioria dos brasileiros não lê para as crianças, revela Datafolha" a respeito dos resultados da pesquisa realizada pelo Datafolha a pedido da Fundação Itaú Social sobre Leitura Infantil.

De fato, entre os 2.074 entrevistados, 63% disseram "não" para a primeira parte da pergunta: "Atualmente você costuma ler livros ou histórias para alguma criança? O que você é da criança?". Aí a reportagem da Folha contrasta o resultado com o fato de 96% dos entrevistados declararem ser importante o incentivo da leitura em crianças.

O brasileiro é mesmo um fanfarrão, não? Faça o que eu digo, não o que eu faço. Hã, mas alto lá. Segundo o Censo 2010, as crianças com menos de 9 anos correspondiam a 13,5% da população. Então, menos de 30% da população são pais de crianças com menos de 9 anos no Brasil.

37% que dizem que costumam ler livros para crianças é significativamente *acima* da proporção de pessoas *diretamente* ligadas a crianças pequenas (teste qui-quadrado p < 1,9.10^-24).

Eu destacaria em manchete: "Brasileiros leem para crianças mais do que o esperado".

Tios e tias (8%) leem tanto quanto os pais (7%) (ainda que menos do que as mães 13%). Avós (5%) também dão sua contribuição.

Upideite(03/out/2012): Dose de cautela na interpretação de resultado de pesquisa de *opinião* é sempre necessária. Pode haver variação no que as pessoas entendem por "atualmente" (foi hoje, ontem, mês passado, ano passado), "costuma" (uma vez na vida, todos os dias, pelo menos uma vez por semana) e criança (12 anos, em idade pré-escolar, pré-alfabetização). E, claro, pessoas que mentem descaradamente.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Zero tom de verde - capítulo 4

Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.

(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 3 aqui.)
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"Regino, não há nada a temer. Nossa maioria é folgada. Anistia ampla, geral e irrestrita está garantida. Pode tratorar, passa a corrente, precisamos ampliar a área de produção já que estamos produzindo menos por hectare."

Pelo celular, George seguiu acertando com o capataz as ordens do mês para a Fazenda Rebelo, ao norte de Mato Grosso, na fronteira com Rondônia. Dali a pouco estaria in loco para acompanhar o término das obras da pista de pouso. A emenda parlamentar fornecera a verba necessária para a construção do aeroporto municipal. Sim, dentro da Fazenda Comuna Rebelo. Tecnicamente a área havia sido doada para a prefeitura, mas um obscuro mecanismo havia conferido o uso preferencial pelo antigo dono – o dono de fato. De todo modo, em uma cidade com menos de três mil habitantes, o único a efetivamente usar o aeródromo seria ele mesmo e seus funcionários. E, eventualmente, alguma autoridade.

A obra havia sido brindada com autorização para a derrubada da floresta – com um EIA-RIMA produzido a toque de caixa e sob medida – incluindo uma faixa no entorno. Faixa que foi alargada e parte substancial seria ocupada para cultivo da soja. "Seria um pecado deixar um pedaço de terra tão bom sem uso."

A área avançaria sobre a porcentagem da reserva legal. Era com isso que o capataz estava apreensivo. Alguém havia buzinado em seu ouvido de que daria encrenca. Ouvir as palavras de George o deixava mais tranquilo. Afinal, a propriedade estava em nome do capataz. Se encrenca houvesse, sobraria só para ele.
Da janela do quarto, George via o morro. Tão belo era em sua memória das incontáveis vezes em que se hospedara ali. Uma linda floresta a cobri-lo da base ao topo. Mas agora. Agora horrendas casas subiam sua encosta, substituindo as árvores que tanto lhe alegravam os olhos. Não se ouviam mais o canto dos pássaros de antes. Não chegou a formular completamente uma maldição sobre aquele aglomerado urbano subnormal.

Do chuveiro uma voz entoava uma canção.

"That the river burns like the gasoline..."

A água cessou, mas os versos continuaram a ser entoados:

"...And they can't turn on the rain machine. And they tell me there is no more space. Won't you turn around..."

Saindo de roupão e enxugando a cabeça, aproximou-se de George que, calado, mirava o morro.

"Cuz I hate when I cannot see your face..."

Ela abraçou-se a George, recostando sua cabeça no ombro do amado – na verdade no braço, dada a diferença de altura entre eles. George baixou sua mão correndo as costas da menina terminando o percurso com uma apalpada.

Flora soltou um gritinho de falsa indignação.
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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Zero tom de verde - capítulo 3

Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.

(Capítulo 1 aqui; capítulo 2 aqui.)
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"Não."

"Mas senhor..."

"George. Senhor está no céu."

"...eu estou me demitindo."

"Já disse que não aceito."

"Não tenho condições de continuar."

"Eu aumento seu salário."

"Não é o caso. Não é o dinheiro."

Não que o salário não viesse a fazer falta. As despesas em casa aumentaram com a mudança de Kátia para o apartamento do namorado. A mensalidade havia sofrido um reajuste também. E havia as matérias de dependência - Flora era excelente aluna, mas as repetidas faltas por causa das viagens do trabalho levaram à depê. Talvez tivesse que desistir de seu sonho e voltar ao interior. Ainda assim a perspectiva de trabalhar como atendente em uma lojinha de uma pequena cidade lhe parecia melhor do que seguir violando seus princípios.

Havia adiado a decisão o quanto podia.

Entre machismo, mentiras e crimes ambientais, a gota d'água fora o caso de exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. Outra vez havia denúncia antiga, sindicância interna e relatório da auditoria garantindo ser inverídica a história. Mas uma mudança no Ministério Público Estadual teve consequências indesejadas para o esquema vigente. O procurador anterior, envolvido até a medula, havia sido flagrado em escutas telefônicas mais do que comprometedoras revelando suas relações com conhecido contraventor. Ésquines Montes foi compulsoriamente aposentado. "Caiu pra cima" um promotor encrenqueiro - entenda-se alguém que leva o serviço a sério - da capital. Não o queriam em lugar nenhum. No jogo do empurra, virou procurador de justiça daquela comarca. Alguém bateu com a língua nos dentes para o procurador, que acionou a Procuradoria Regional do Trabalho, que, a contragosto, efetuou o flagrante.

"Não posso ficar. Não concordo com como as coisas são conduzidas aqui."

"Eu sei. Por isso preciso de você aqui."

"Como???"

"Flora, você é uma jovem com ideias nobres. Foi por isso que te contratei. Há coisas aqui que precisam ser mudadas. E é seu idealismo que irá mudar. A empresa precisa de você. Eu. Eu preciso de você." George segurou Flora pelos dois braços, mirando-a nos olhos.

Ela não gostou nem um pouco de ser agarrada daquele modo possessivo. Mas aquele olhar. Meu deus, aquele olhar.

A voz de George passou de um tom de exasperação desesperada para um terno.

"Preciso. Preciso mesmo de você. Quero mudar, Flora. Quero mudar. Só você pode me ajudar. Você me ajuda?"

Era uma exposição inadequada de fragilidade para um homem daquela idade e posição. Ou assim pensariam as pessoas comuns. Flora se sentiu tocada. Era a chance que queria. E não poderia negar auxílio a alguém necessitado. Mesmo ao Generoso Corruptor, ao Grande Calhorda, ao Galã Canastrão, ao Grosso Correntão. Quem sabe não nascia ali o Gentil Conservacionista?

Flora não estava convencida disso. Mas aquele olhar, meu deus.
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(Capítulo 4 aqui.)