sexta-feira, 30 de julho de 2010
Pesquisas 8 - Quadro eleitoral
DR - Dilma Rousseff-PT; JS - José Serra-PSDB; MS - Marina Silva-PV; BN - brancos e nulos; NS - não sabe ou não opinou. DF - Datafolha; IB - Ibope; SS - Sensus; VP - Vox Populi.
Mortalidade infantil: Folha faz confusão com números
Sabe o mote dos anos 1980 da Folha: É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade? Pois, então, a Folha acaba de cometer uma mentira dessas.
Diz a manchete: Em 20 anos, sobe 39% proporção de mortes neonatais
Pensará o leitor: nossa! estão morrendo mais bebês recém-nascidos!
Não. Aí está o engodo. A mortalidade infantil neonatal *caiu* em termos de mil nascimentos. Eram cerca de 20 mortes por mil nascidos em 1996 e passaram pra cerca de 15 mortes por mil nascidos vivos em 2004. (Queda de 25% em 8 anos.)
Qual é o truque? O truque é que a mortalidade infantil pós-neonatal caiu de modo mais acentuado. Foi de 14 mortes por mil em 1996 para 7,7 mortes por mil em 2004. (Queda de 45% em 8 anos.)
Assim, claro que proporcionalmente a mortalidade neonatal aumentou em relação à mortalidade infantil geral.
Certamente são ainda números altos, mas esse alarmismo não tem nenhum fundamento técnico. Seria mais sensato dizer que apesar da queda ainda estamos longe do nível civilizatório - na casa de 5 mortes por mil.
Upideite(02/ago/2010): Abaixo gráfico da evolução da mortalidade infantil.
Óbitos por mil nascidos vivos. Fonte: Datasus.
Diz a manchete: Em 20 anos, sobe 39% proporção de mortes neonatais
Pensará o leitor: nossa! estão morrendo mais bebês recém-nascidos!
Não. Aí está o engodo. A mortalidade infantil neonatal *caiu* em termos de mil nascimentos. Eram cerca de 20 mortes por mil nascidos em 1996 e passaram pra cerca de 15 mortes por mil nascidos vivos em 2004. (Queda de 25% em 8 anos.)
Qual é o truque? O truque é que a mortalidade infantil pós-neonatal caiu de modo mais acentuado. Foi de 14 mortes por mil em 1996 para 7,7 mortes por mil em 2004. (Queda de 45% em 8 anos.)
Assim, claro que proporcionalmente a mortalidade neonatal aumentou em relação à mortalidade infantil geral.
Certamente são ainda números altos, mas esse alarmismo não tem nenhum fundamento técnico. Seria mais sensato dizer que apesar da queda ainda estamos longe do nível civilizatório - na casa de 5 mortes por mil.
Upideite(02/ago/2010): Abaixo gráfico da evolução da mortalidade infantil.
Óbitos por mil nascidos vivos. Fonte: Datasus.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Pesquisas 7 - Um GSS eleitoral tupiniquim
Frente às várias dúvidas que surgem a respeito das pesquisas, enviei o seguinte comentário ao blogue do Nassif:
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Eu tenho uma proposta. Todas as pesquisas eleitorais deveriam ter os microdados reunidos em site de acesso público. Qualquer pessoa poderia consultar os dados - não individualmente, mas poderia estebelecer critérios de agrupamento quaisquer: por exemplo, pedir pro sistema recuperar os dados referentes a intenções de voto por grupos de idade e escolaridade de uma determinada cidade.
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Eu tenho uma proposta. Todas as pesquisas eleitorais deveriam ter os microdados reunidos em site de acesso público. Qualquer pessoa poderia consultar os dados - não individualmente, mas poderia estebelecer critérios de agrupamento quaisquer: por exemplo, pedir pro sistema recuperar os dados referentes a intenções de voto por grupos de idade e escolaridade de uma determinada cidade.
Seria similar ao sistema GSS (http://www.norc.org/GSS+Website/) e ao Sidra do IBGE: (http://www.sidra.ibge.gov.br/) .
O sistema poderia ser descentralizado - cada instituto de pesquisa fica responsável por gerenciar em seu próprio site uma seção que permitisse tal consulta - ou poderia ser centralizado em um site específico (ou talvez como uma seção no IBGE ou no TSE). Se necessário, poderia demandar um rápido cadastramento online das pessoas que desejassem consultar.
[]s,
Roberto Takata
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Seria um modo de controle social e direito à informação - mantendo-se a privacidade dos respondentes.
What's up, doc?
70 anos (oficiais) do coelho (ou é lebre?) mais adoravelmente chato da animação.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
O trololó de José Serra sobre casamento guei
Suponho que a Folha não iria inventar fala de José Serra a respeito. Segundo o jornal, o candidato disse: "Serra também disse que não pretende legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo se assumir a Presidência. Na opinião do tucano, as relações homoafetivas não são de responsabilidade do Estado. 'É um assunto que Estado não entra, é problema das pessoas. Cada crença tem a sua orientação. Se uma igreja não quer casar, mesmo reconhecendo união civil, a igreja não pode ser obrigada a isso. Se duas pessoas querem viver juntas, ter herança, é problema delas, não é do Estado.'"
José Serra, isso é trololó. Ninguém está falando em casamento religioso. É casamento civil. Não apenas relações homoafetivas, como qualquer relação afetiva não é assunto do Estado. A questão não são relações afetivas, é questão de direito. Um direito que o Estado não pode negar a seus cidadãos - independentemente de sua orientação sexual.
José Serra, isso é trololó. Ninguém está falando em casamento religioso. É casamento civil. Não apenas relações homoafetivas, como qualquer relação afetiva não é assunto do Estado. A questão não são relações afetivas, é questão de direito. Um direito que o Estado não pode negar a seus cidadãos - independentemente de sua orientação sexual.
Justiça miojo
O jornalista Itevaldo Júnior tem um blogue no qual denunciou que o juiz Nemias Nunes Carvalho, da 2ª Vara Cível de São Luís-MA havia comprado uma propriedade rural de 101,19 ha por R$ 5.000,00 de uma pessoa a quem o próprio juiz havia revogado um pedido de prisão pouco tempo antes. Carvalho entrou com um pedido liminar na 6a. Vara Cível e o juiz Alexandre Lopes de Abreu concedeu - em dois minutos - a liminar que determinou a imediata retirada da postagem do blogue referente à denúncia.
Informação do blogue Brasília, eu vi, de Leandro Fortes.
Informação do blogue Brasília, eu vi, de Leandro Fortes.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Por que não voto em Marina Silva?
Já falei em outra postagem. Desenvolverei um pouco mais a questão aqui.
Alguns perguntam se não é um motivo pequeno demais, dizem que tem outros elementos - como a questão ambiental. A resposta é "não" para a primeira e "sim" para a outra.
De fato, não é o único elemento que levo em conta. Mas é um elemento eliminatório. O que nos leva a não ser a restrição pessoal (religiosa/ideológica) da candidata ao casamento guei um tema de menor monta.
Não quero convencer ninguém aqui a não votar em Marina Silva. Apenas exponho meus motivos pessoais para rechaçar sua candidatura.
Falei alhures, respeito muito a história de vida pessoal da ex-ministra do Meio Ambiente. E minha objeção não é fruto de uma análise superficial. Se não é de todo objetiva, é resultado de uma reflexão profunda a respeito de meus valores pessoais.
Ao que respeito a trajetória pessoal da candidata e que isso me desperta simpatia, tenho que reconhecer que os direitos civis, os direitos individuais, os direitos humanos estão em uma escala muito acima das coisas que eu valorizo.
Marina Silva tem sido esquiva e ambígua em sua fala. A ponto de confundir muita gente informada. E eu mesmo - embora eu não seja parâmetro de pessoa informada - fiquei ali titubeante perante a resposta dela à questão do casamento guei. Ok, ela se diz favorável a que se faça um plebiscito. Vamos considerar que houvesse chances apreciáveis de que fosse aprovado pela população. Por que isso teria que ser decidido por plebiscito? (Imagine um plebiscito no começo do século passado sobre o direito a voto das mulheres. Ou um referendo sobre se gueis devem ter direito à cidadania...) Às vezes, as leis precisam ser mais avançadas do que pensam os cidadãos - se dependesse de vontade popular, o cinto de segurança nãoseria obrigatório à época de sua implantação se tornaria obrigatório à época da implantação da lei (e olha que eu sou mais contra a obrigação de seu uso - ao menos em uma situação ideal). Se um par de seres humanos desejam se casar por qual motivo isso é da conta de mais alguém que não esse par? (Eu iria além e derrubaria a cláusula que veda a poligamia.)
Mas nem é esse o ponto. O ponto é a perversidade que existe por trás do posicionamento de Marina Silva. Não estou dizendo que ela é perversa, mas há essa perversidade em seu discurso, ainda que de maneira inopinada. O que ela diz é: "Reconheço o direito do grupo X de querer um direito Y. Mas não reconheço o direito do grupo X de ter o direito Y." Sacam a sutileza? Sacam a terrível maldade que isso encerra?
É o mesmo ponto de vista utilizado por aqueles que detêm o poder de fato e não querem partilhá-lo com um grupo maior. Sabendo que um grupo minoritário não tem poder para alcançar o que deseja, diz algo como: "Vocês podem pedir à vontade (eu é que não vou dar)."
Não é nem pelo imobilismo declarado de Marina Silva. (Infelizmente é um tipo de imobilismo que não se encontrará apenas nela. Não será Serra e, duvido que também venha a ser Dilma, quem irá capitanear a proposição e lutar pela aprovação do casamento civil guei.) É pela própria rejeição à ideia. Ser tolerante a que outros avancem com a proposta não elimina o fato de que ela mesma a rejeita - e ficaria satisfeita se fracassassem no intento.
Refletindo sobre isso e em como é errado negar um direito a um grupo tão somente por sua orientação sexual é que não posso votar em Marina Silva. Essa diferença é incontornável - salvo, claro, ela mude de opinião e se ponha a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Por vicissitudes do destino, tenho relacionamentos afetivos com várias pessoas que têm posicionamentos conservadores. Convivo com elas e tenho carinho por elas. Mas continuo a discordar desses posicionamentos em específico. Em um político, no entanto, em uma pessoa pública, a expressão de tais posicionamentos é, a meu ver, inaceitável.
Se ainda lhe é difícil de enxergar onde está a perversidade desse tipo de discurso, substitua o grupo, imagine um candidato que assim se declarasse: "O casamento foi pensado para pessoas brancas. É uma instituição criada há milhares de anos. Não aceito o casamento de negros. Mas é direito dos negros lutarem pelo casamento civil." O absurdo é o mesmo. Brancos e negros devem ser iguais em direitos. Assim como hetero e homossexuais.
Uma vez escancarada tal perversidade, não consigo deixar de ter um arrepio na espinha quando penso no que isso implica.
Alguns perguntam se não é um motivo pequeno demais, dizem que tem outros elementos - como a questão ambiental. A resposta é "não" para a primeira e "sim" para a outra.
De fato, não é o único elemento que levo em conta. Mas é um elemento eliminatório. O que nos leva a não ser a restrição pessoal (religiosa/ideológica) da candidata ao casamento guei um tema de menor monta.
Não quero convencer ninguém aqui a não votar em Marina Silva. Apenas exponho meus motivos pessoais para rechaçar sua candidatura.
Falei alhures, respeito muito a história de vida pessoal da ex-ministra do Meio Ambiente. E minha objeção não é fruto de uma análise superficial. Se não é de todo objetiva, é resultado de uma reflexão profunda a respeito de meus valores pessoais.
Ao que respeito a trajetória pessoal da candidata e que isso me desperta simpatia, tenho que reconhecer que os direitos civis, os direitos individuais, os direitos humanos estão em uma escala muito acima das coisas que eu valorizo.
Marina Silva tem sido esquiva e ambígua em sua fala. A ponto de confundir muita gente informada. E eu mesmo - embora eu não seja parâmetro de pessoa informada - fiquei ali titubeante perante a resposta dela à questão do casamento guei. Ok, ela se diz favorável a que se faça um plebiscito. Vamos considerar que houvesse chances apreciáveis de que fosse aprovado pela população. Por que isso teria que ser decidido por plebiscito? (Imagine um plebiscito no começo do século passado sobre o direito a voto das mulheres. Ou um referendo sobre se gueis devem ter direito à cidadania...) Às vezes, as leis precisam ser mais avançadas do que pensam os cidadãos - se dependesse de vontade popular, o cinto de segurança não
Mas nem é esse o ponto. O ponto é a perversidade que existe por trás do posicionamento de Marina Silva. Não estou dizendo que ela é perversa, mas há essa perversidade em seu discurso, ainda que de maneira inopinada. O que ela diz é: "Reconheço o direito do grupo X de querer um direito Y. Mas não reconheço o direito do grupo X de ter o direito Y." Sacam a sutileza? Sacam a terrível maldade que isso encerra?
É o mesmo ponto de vista utilizado por aqueles que detêm o poder de fato e não querem partilhá-lo com um grupo maior. Sabendo que um grupo minoritário não tem poder para alcançar o que deseja, diz algo como: "Vocês podem pedir à vontade (eu é que não vou dar)."
Não é nem pelo imobilismo declarado de Marina Silva. (Infelizmente é um tipo de imobilismo que não se encontrará apenas nela. Não será Serra e, duvido que também venha a ser Dilma, quem irá capitanear a proposição e lutar pela aprovação do casamento civil guei.) É pela própria rejeição à ideia. Ser tolerante a que outros avancem com a proposta não elimina o fato de que ela mesma a rejeita - e ficaria satisfeita se fracassassem no intento.
Refletindo sobre isso e em como é errado negar um direito a um grupo tão somente por sua orientação sexual é que não posso votar em Marina Silva. Essa diferença é incontornável - salvo, claro, ela mude de opinião e se ponha a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Por vicissitudes do destino, tenho relacionamentos afetivos com várias pessoas que têm posicionamentos conservadores. Convivo com elas e tenho carinho por elas. Mas continuo a discordar desses posicionamentos em específico. Em um político, no entanto, em uma pessoa pública, a expressão de tais posicionamentos é, a meu ver, inaceitável.
Se ainda lhe é difícil de enxergar onde está a perversidade desse tipo de discurso, substitua o grupo, imagine um candidato que assim se declarasse: "O casamento foi pensado para pessoas brancas. É uma instituição criada há milhares de anos. Não aceito o casamento de negros. Mas é direito dos negros lutarem pelo casamento civil." O absurdo é o mesmo. Brancos e negros devem ser iguais em direitos. Assim como hetero e homossexuais.
Uma vez escancarada tal perversidade, não consigo deixar de ter um arrepio na espinha quando penso no que isso implica.
Garçom! Tem um pinguim na minha geladeira.
Os esfenicídeos com seu andar desengonçado em terra firme e coloração que sugere um traje de gala despertadespertam sentimentos contraditórios: de elegância e de patetice (ou meiguice vá lá). Associado que estáAssociados que estão ao continente antártico - ainda que sua distribuição chegue até a região tropical nas Galápagos - também representarepresentam o frio.
No logo da Penguin Books, o pinguim sugere a elegância e a simplicidade - ali de pé, hirto, com ar nobre e de sóbria coloração. No da Antárctica, o nomedadas geladas terras do sul e a gélida temperatura a que se costuma apreciar a cerveja. No do Linux, a simpatia, com sua cara amistosa, um pouco de gordura a completar seu ar bonachão. No dos Pittsburgh Penguins, o gelo do rinque de hóquei, mas tiveram que anabolizar o pinguim: seu ar natural não sugeriria a virilidade associada ao esporte de contato.
Upideite(21/jul/2010): Soube agora, via @cienciahoje, da mortandade de pinguins no litoral paulista.
Upideite(21/jul/2010): Atendendo ao pedido de @besteves nos comentários, o símbolo da revista piauí.
O pinguim, cujo nome,revelarevelam os editores, é pinguim - aparentemente em minúscula mesmo, como a revista - no traço de Angeli, com seu olhar meio vazio, meio ao infinito e sua boina a la Che Guevara parece totalmente deslocado de contexto: ainda mais considerando-se o clima nada polar do estado piauiense. Passa ar de impassividade, contrastando com a atitude editorial descontraída da piauí. Mas eu juro que o favicon do sítio web da revista tem o pinguim piscando - será então que seu inquebrantável distanciamento é apenas um mito? ou um impostor capitalista, em sua atitude nada cool, tomou-lhe o lugar?
Upideite(20/dez/2010): Aqui alguns fatos sobre a evolução e a biologia dos pinguins.
No logo da Penguin Books, o pinguim sugere a elegância e a simplicidade - ali de pé, hirto, com ar nobre e de sóbria coloração. No da Antárctica, o nome
Upideite(21/jul/2010): Soube agora, via @cienciahoje, da mortandade de pinguins no litoral paulista.
Upideite(21/jul/2010): Atendendo ao pedido de @besteves nos comentários, o símbolo da revista piauí.
O pinguim, cujo nome,
Upideite(20/dez/2010): Aqui alguns fatos sobre a evolução e a biologia dos pinguins.
sábado, 17 de julho de 2010
A boneca de porcelana
Carol é espevitada. Do alto dos seus seis anos, nem o atropelamento que lhe tirou a perna direita a impede de ser o que é: uma criança.
Olhando a cristaleira, ao fundo de uma das prateleiras, atrás do velho conjunto de chá (herança de família de um tempo mais próspero), uma boneca à moda antiga: não de plástico polietileno, mas de delicada porcelana branca. Aquele brilho perláceo fascinou-a.
Equilibrando-se sobre uma das muletas, abriu a porta de vidro, afastou cuidadosamente a bandeja com as xícaras e chaleira, esticando o braço alcançou finalmente aquilo que por tanto tempo lhe passara despercebido.
Mas, ao fechar a porta, o apoio de sua outra muleta enroscou-se na borda do tapete desequilibrando-a. Carol teve sua queda amortecida pelo próprio tapete. Mas a boneca... A boneca voou pelos ares em pirueta de ginasta olímpica aterrissando sobre o assoalho duro de madeira.
O barulho de algo quebrando atraiu a mãe, Mercedes.
- O que você fez, filha? - repreendeu à menina (após perceber que estava bem).
A mãe pegou a boneca. A parte de cima estava intacta, mas as pernas haviam se estilhaçado. Mercedes lançou um olhar entristecido. Dirigiu-se ao cesto de lixo para se livrar do brinquedo avariado.
- Vai jogar a boneca, mamãe?
- Vou né, filha.
- Só porque está sem as pernas?
- É. 'Tá quebrada. Agora não prest... - nem terminou a frase. Foi correndo em direção à menina. Abraçaram-se. Em silêncio. Aquela comunhão não durou mais do que 5 segundos e 128 milésimos, mas parecia jamais acabar.
E, em um sentido, jamais acabou. Nem quando Mercedes se foi - já velhinha e tendo Carol lhe dado um casal de netos.
Completa-se agora a quarta geração - não na opulência de tempos idos, mas recuperados dos piores anos de magras vacas de eras até recentes - que guarda a cristaleira: agora com a boneca em orgulhoso destaque.
Upideite(22/jul/2010): Via @clauchow.
Olhando a cristaleira, ao fundo de uma das prateleiras, atrás do velho conjunto de chá (herança de família de um tempo mais próspero), uma boneca à moda antiga: não de plástico polietileno, mas de delicada porcelana branca. Aquele brilho perláceo fascinou-a.
Equilibrando-se sobre uma das muletas, abriu a porta de vidro, afastou cuidadosamente a bandeja com as xícaras e chaleira, esticando o braço alcançou finalmente aquilo que por tanto tempo lhe passara despercebido.
Mas, ao fechar a porta, o apoio de sua outra muleta enroscou-se na borda do tapete desequilibrando-a. Carol teve sua queda amortecida pelo próprio tapete. Mas a boneca... A boneca voou pelos ares em pirueta de ginasta olímpica aterrissando sobre o assoalho duro de madeira.
O barulho de algo quebrando atraiu a mãe, Mercedes.
- O que você fez, filha? - repreendeu à menina (após perceber que estava bem).
A mãe pegou a boneca. A parte de cima estava intacta, mas as pernas haviam se estilhaçado. Mercedes lançou um olhar entristecido. Dirigiu-se ao cesto de lixo para se livrar do brinquedo avariado.
- Vai jogar a boneca, mamãe?
- Vou né, filha.
- Só porque está sem as pernas?
- É. 'Tá quebrada. Agora não prest... - nem terminou a frase. Foi correndo em direção à menina. Abraçaram-se. Em silêncio. Aquela comunhão não durou mais do que 5 segundos e 128 milésimos, mas parecia jamais acabar.
E, em um sentido, jamais acabou. Nem quando Mercedes se foi - já velhinha e tendo Carol lhe dado um casal de netos.
Completa-se agora a quarta geração - não na opulência de tempos idos, mas recuperados dos piores anos de magras vacas de eras até recentes - que guarda a cristaleira: agora com a boneca em orgulhoso destaque.
Upideite(22/jul/2010): Via @clauchow.
Os outros convites from AACD on Vimeo.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Pesquisas 6
Falo quase nada sobre eleições regionais, mas esta notícia agora...
O PSDB de Minas entrou com representação contra o instituto Sensus. De novo a ladainha velha de fraude em pesquisa. Agora por conta da metodologia de coleta de dados sobre a disputa ao governo mineiro. Claro, Hélio Costa do PMDB aparece bem à frente de Anastásia do PSDB. Se a situação fosse invertida, aqui farroupilha que o PSDB se prestaria a esse pastelão (não duvidaria que o papel ficasse por conta do PMDB, mas é só conjectura, de fato mesmo é o tucanato das Alterosas a nos brindar com mais uma cena triste de nossa história política - alguém aí se lembra do Senador Azeredo?).
Em abril foi o PSDB nacional a pedir inquérito contra o mesmo Sensus por conta do resultado da pesquisa que mostrava empate entre Dilma e Serra. Deu em nada, lógico - não havia nenhum problema na metodologia.
Fosse eu do Sensus processava o partido. O PSDB só me dá vergonha alheia agora.
O PSDB de Minas entrou com representação contra o instituto Sensus. De novo a ladainha velha de fraude em pesquisa. Agora por conta da metodologia de coleta de dados sobre a disputa ao governo mineiro. Claro, Hélio Costa do PMDB aparece bem à frente de Anastásia do PSDB. Se a situação fosse invertida, aqui farroupilha que o PSDB se prestaria a esse pastelão (não duvidaria que o papel ficasse por conta do PMDB, mas é só conjectura, de fato mesmo é o tucanato das Alterosas a nos brindar com mais uma cena triste de nossa história política - alguém aí se lembra do Senador Azeredo?).
Em abril foi o PSDB nacional a pedir inquérito contra o mesmo Sensus por conta do resultado da pesquisa que mostrava empate entre Dilma e Serra. Deu em nada, lógico - não havia nenhum problema na metodologia.
Fosse eu do Sensus processava o partido. O PSDB só me dá vergonha alheia agora.
Muito além das palmadas
Não consigo entender o motivo da polêmica. Abaixo reproduzo o teor do projeto de lei que nem fala de palmadas.
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PROJETO DE LEI
Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1o A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
“Art. 17-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II - tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.
Art. 17-B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes que utilizarem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação, ou a qualquer outro pretexto estarão sujeitos às medidas previstas no art. 129, incisos I, III, IV, VI e VII, desta Lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.” (NR)
“Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão de forma articulada na elaboração de políticas públicas e execução de ações destinadas a coibir o uso de castigos corporais e de tratamento cruel, tendo como principais ações:
I - a promoção e a realização de campanhas educativas e a divulgação desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;
II - a inclusão nos currículos escolares, em todos os níveis de ensino, de conteúdos relativos aos direitos humanos e prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;
III - a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente nos Estados, Distrito Federal e nos Municípios, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, e entidades não governamentais;
IV - a formação continuada dos profissionais que atuem na promoção dos direitos de crianças e adolescentes; e
V - o apoio e incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra criança e adolescente.” (NR)
Art. 2o O art. 130 da Lei no 8.069, de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:
“Parágrafo único. A medida cautelar prevista no caput poderá ser aplicada ainda no caso de descumprimento reiterado das medidas impostas nos termos do art. 17-B.” (NR)
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
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Vamos ler: "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente". Vou destacar: "dor ou lesão". Quem pode ser contra impedir que se provoque dor ou lesão às crianças?
Upideite(21/jul/2010): Recomendo a leitura do texto de Ana Arantes de O Divã de Einstein: Um tapinha dói, sim. E muito.
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PROJETO DE LEI
Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1o A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
“Art. 17-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II - tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.
Art. 17-B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes que utilizarem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação, ou a qualquer outro pretexto estarão sujeitos às medidas previstas no art. 129, incisos I, III, IV, VI e VII, desta Lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.” (NR)
“Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão de forma articulada na elaboração de políticas públicas e execução de ações destinadas a coibir o uso de castigos corporais e de tratamento cruel, tendo como principais ações:
I - a promoção e a realização de campanhas educativas e a divulgação desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;
II - a inclusão nos currículos escolares, em todos os níveis de ensino, de conteúdos relativos aos direitos humanos e prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;
III - a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente nos Estados, Distrito Federal e nos Municípios, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, e entidades não governamentais;
IV - a formação continuada dos profissionais que atuem na promoção dos direitos de crianças e adolescentes; e
V - o apoio e incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra criança e adolescente.” (NR)
Art. 2o O art. 130 da Lei no 8.069, de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:
“Parágrafo único. A medida cautelar prevista no caput poderá ser aplicada ainda no caso de descumprimento reiterado das medidas impostas nos termos do art. 17-B.” (NR)
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
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Vamos ler: "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente". Vou destacar: "dor ou lesão". Quem pode ser contra impedir que se provoque dor ou lesão às crianças?
Upideite(21/jul/2010): Recomendo a leitura do texto de Ana Arantes de O Divã de Einstein: Um tapinha dói, sim. E muito.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Propaganda política subliminar aqui? Onde?
-Ou de como virei um intelectualmente desonesto-
Falaram-me agora há pouco que me falta honestidade por fazer propaganda política subliminar neste blogue.
Chamar-me de intelectualmente desonesto é pedir pra perder minha amizade - ok, não que minha amizade tenha algum valor (acho que nunca salvei a vida de nenhum amigo ou amiga, no máximo, emprestei coisas de baixo valor agregado e ajudei nos estudos, tá dei alguns presentes também, mas nunca uma Ferrari). Isto posto, deveria ser patente que o NAQ *não* é um blogue de ciências. Ele é um blogue variado: com bastante discussão sobre política (incluindo partidária), esporte e humor. É um blogue ideológico e isso *nunca* foi oculto.
Agora, propaganda partidária? Se houvesse aqui, não teria problema - é, disse, um blogue ideológico. Mas não tem.
Falou-se que sou pessedebista (tucano). Não sou. Até gostaria de ser. Mas o partido atualmente não me apetece. Sou, isto sim, um social-democrata - coisa que o PSDB não tem sido: e o tenho criticado por isso. Verdade, não entendo como as postagens em que *critico* o partido (e.g. aqui e aqui) tenham sido interpretadas como pessedebismo.
Houvesse eu definido um candidato, eu até poderia declará-lo (poderia, não necessariamente o faria), mas não tenho mesmo um candidato definido.
O que tenho, isto sim, são alguns pontos mínimos necessários para que o candidato não perca meu voto. P.e. defender a tortura (não poderia ser direto já que a lei proíbe, mas se fosse uma defesa oblíqua) é um critério eliminatório: se acha que uma polícia do tipo "Tropa de Elite" é o que o Brasil precisa, tô fora.
No twitter dei uma declaração de que um candidato que tivesse restrições à homossexualidade por razões religiosas ou ideológicas dificilmente teria meu voto - fui eufemista, posso dizer que não votaria nem a pau, Juvenal. (Sim, eu tenho restrições, mas não sou candidato e sei que tais restrições são erradas - não as justifico, combato-as.)
Entre meus conhecidos do twitter, os mais ativos politicamente são os eleitores de Marina Silva. Interpretaram - não totalmente desprovido de razão - que isso seria uma restrição à candidata. É. Em resposta, disseram que outros candidatos também têm tais restrições. Se têm, tampouco terão meu voto. Mas não tenho acesso direto aos pensamentos e sentimentos íntimos das pessoas - ainda bem! (pras pessoas e pra minha própria sanidade) -, tudo a que tenho acesso são declarações. Se tiverem uma declaração do candidato A, B, C, D... do tipo: "Em relação ao casamento, o casamento é uma instituição de pessoas de sexos diferentes. Uma instituição pensada há milhares de anos. Não tenho uma posição favorável. Mas essas pessoas têm o direito de defender suas bandeiras." - não votarei nele. A última frase amaina, mas não elimina a diferença ideológica abissal entre minha visão e a visão de tal candidato.
Devo aqui lembrar a confusão que certos grupos fazem: a questão da união civil e do casamento. Alguns imaginam que a união civil é o casamento civil e o casamento é casamento religioso. Não. São situações distintas, ainda que, em muitos direitos se equiparem. Há projetos de união civil já implementadas em alguns países e há projetos de lei no Brasil. O casamento, há o religioso, mas há também o casamento civil: o Novo Código Civil tem um subtítulo inteiramente dedicado ao casamento. A união civil já será um grande avanço para a questão dos casais homoafetivos no país. Mas não há razão alguma - tirante a questão de abominação à homossexualidade - para que se lhes restrinja o casamento civil. Misturar com a questão do casamento religioso - como se a lei fosse ingerir sobre a religião - é ou má-fé ou ignorância (e tenho convicção de que os candidatos são muito bem instruídos quanto a isso).
Por esse meu posicionamento fizeram até uma rápida avaliação psicológica: eu teria medo da Marina Silva por ela ser evangélica. Eu não votaria em um candidato que tivesse essa restrição (ou outra) qualquer que fosse a religião dele (ou mesmo que não tivesse nenhuma). Se um candidato evangélico não tivesse restrição (há algumas igrejas evangélicas que admitem livremente homossexuais em sua comunidade), eu poderia votar nele (desde que atendesse a outras exigências do meu perfil mínimo ideal).
Por falar em perfil mínimo ideal, que faz com que eu possa votar nulo se nenhum candidato satisfizer as minhas condições, criticaram-me por ser uma utopia: nenhum candidato iria se adequar. Isso não é verdade de várias formas. 1) O perfil mínimo ideal não precisa ser muito restritivo - e, no meu caso, nem é, é apenas uma condição sine qua non de que o candidato não seja contrário aos direitos individuais, aos direitos humanos. 2) Mesmo que nenhum candidato venha se adequar, qual o problema? Ninguém é obrigado a votar neste, naquele ou em qualquer um. Isso não é antidemocrático e nem debilita ainda mais o sistema político. Em algum sentido, votar obrigatoriamente em um dos candidatos - o menos mau - contribui para a perpetuação do status quo. Como ilustração disso, peguei um exemplo caricatural: se só tivéssemos como candidatos um estuprador, um homicida e um neonazi - não me sentiria compelido a votar no "menos mau". Aí acusaram-me de ser intelectualmente desonesto e deturpar o debate. Não há nenhuma distorção em essência: e nem é uma situação totalmente inverossímil. É um exemplo, caricatural o quanto seja, de como o "menos mau" não é uma opção necessariamente razoável.
Concedo que a opção da "qualificação mínima" também não é uma opção necessariamente razoável. E é aí que devemos, então, analisar não de baciada, mas na situação que se nos apresenta (caso a caso).
Bem, *não* temos como candidatos apenas um estuprador, um homicida e um neonazi (alvíssaras!). Como devemos analisar? Bem, cada um analisa a seu modo. A minha análise é que a "qualificação mínima" pode (e deve) ser aplicada. Um ou mais candidatos têm restrições quanto à cidadania de um grupo social minoritário. Acho isso errado, tremendamente errado. Não é um grupo criminoso, são pessoas normais (diferentes apenas em relação à sua orientação sexual). Que indivíduos tenham restrições, não há muito o que se fazer (apenas impedir que tais atitudes se reflitam em ações discriminatórias). Mas se candidatos têm esse tipo de pensamento, não tenho maiores problemas em podá-los de meu voto. (Ok, meu voto vale tanto quanto minha amizade.)
A discussão acabou por se centrar em Marina Silva mais porque os apoiadores dela tomaram-lhe as dores. Já critiquei José Serra no próprio twitter (p.e. aqui, aqui, aqui): retuitado, vejam a ironia, justamente por quem disse que eu apoio Serra e o PSDB... Levantaram também a lebre de que eu havia enviado algumas perguntas apenas para Marina Silva (aqui), aí já entra, sei lá, teoria da conspiração (se bem que me chamar de pessedebista já é um pouco):
1) Foram apenas perguntas;
2) Queria conhecer mais a respeito da ex-Senadora;
3) Repare-se na data (ago/2009). E ela era candidata certa - saiu do PT para concorrer pelo PV. Dilma e Serra eram grandes possibilidades, mas não eram quase certezas (pelo PT ainda circulavam nomes alternativos, bem como pelo PSDB);
4) Além disso, ambos já tinham uma boa exposição na mídia - conhecer seus pensamentos e visões era mais fácil;
5) Some-se a isso que julguei que com Marina Silva teria maior possibilidade de resposta. Caso ela me respondesse talvez eu me animasse a tentar traçar perfil similar de outros candidatos.
Sério, não sei como transformar isso em uma conspiração... Não tem nenhuma pergunta capciosa, deixo até opção para uma alternativa não contemplada. (Na época, disseram até que era uma boa ideia.)
Dilmista, então? Não. Não tenho definido meu voto. Não tenho grandes simpatias pela ex-ministra, nem ódio mortal. Vejo com sérias desconfianças sua visão a respeito do meio ambiente (aqui).
Não se trata, portanto, de um critério especialmente criado para não votar em Marina Silva. Não é um critério único de julgamento - fiz uma avaliação aqui levando em conta vários eixos temáticos (aliás, criticar-me de pretender objetividade é outra piada - na própria avaliação deixo claro que é uma "análise" subjetiva). E nem que fosse, eu tenho a liberdade de votar do modo como mais me apetecer. (Eu preciso tomar cuidado com a argumentação que começa com "nem que fosse" ou "mesmo que fosse": tem gente que assume isso como uma admissão necessária da condição dada.)
Não tem, por equanto, ninguém que me empolgue. Aguardarei os próximos movimentos - talvez na propaganda de rádio e TV.
Minha conclusão disso é: não discuta política se tiver medo de perder amizades. Especialmente no twitter. Pra mim acabou mal. Eu disse o que *eu* penso a respeito - não insinuei em nenhum momento que os demais deveria pensar do mesmo modo que eu - aí veio a patrulha. Até é normal quererem me convencer do contrário. O debate político é saudável. Mas infelizmente descambou para acusações pessoais.
Eu entendo por discussão política coisas como: "Você está errado por isso e por isto" e não "Você está errado porque você é um canalha". Hulk saaaaaaaad!
Upideite(15/jul/2010): Aqui compilação do debate que descambou pro surreal. (Creio que esteja bem completo e razoavelmente na ordem cronológica. Foi o que consegui recuperar de minha timeline.)
Upideite(16/jul/2010): Na questão de adoção por homossexuais, até Reinaldo Azevedo, declarado católico rootz, tem posição mais avançada do que Marina Silva. Ela não é contrária, mas tem algumas reticências (diz que não tem opinião formada). Azevedo, não. Ele é a favor (ainda que dê preferência a casais heteros).
Falaram-me agora há pouco que me falta honestidade por fazer propaganda política subliminar neste blogue.
Chamar-me de intelectualmente desonesto é pedir pra perder minha amizade - ok, não que minha amizade tenha algum valor (acho que nunca salvei a vida de nenhum amigo ou amiga, no máximo, emprestei coisas de baixo valor agregado e ajudei nos estudos, tá dei alguns presentes também, mas nunca uma Ferrari). Isto posto, deveria ser patente que o NAQ *não* é um blogue de ciências. Ele é um blogue variado: com bastante discussão sobre política (incluindo partidária), esporte e humor. É um blogue ideológico e isso *nunca* foi oculto.
Agora, propaganda partidária? Se houvesse aqui, não teria problema - é, disse, um blogue ideológico. Mas não tem.
Falou-se que sou pessedebista (tucano). Não sou. Até gostaria de ser. Mas o partido atualmente não me apetece. Sou, isto sim, um social-democrata - coisa que o PSDB não tem sido: e o tenho criticado por isso. Verdade, não entendo como as postagens em que *critico* o partido (e.g. aqui e aqui) tenham sido interpretadas como pessedebismo.
Houvesse eu definido um candidato, eu até poderia declará-lo (poderia, não necessariamente o faria), mas não tenho mesmo um candidato definido.
O que tenho, isto sim, são alguns pontos mínimos necessários para que o candidato não perca meu voto. P.e. defender a tortura (não poderia ser direto já que a lei proíbe, mas se fosse uma defesa oblíqua) é um critério eliminatório: se acha que uma polícia do tipo "Tropa de Elite" é o que o Brasil precisa, tô fora.
No twitter dei uma declaração de que um candidato que tivesse restrições à homossexualidade por razões religiosas ou ideológicas dificilmente teria meu voto - fui eufemista, posso dizer que não votaria nem a pau, Juvenal. (Sim, eu tenho restrições, mas não sou candidato e sei que tais restrições são erradas - não as justifico, combato-as.)
Entre meus conhecidos do twitter, os mais ativos politicamente são os eleitores de Marina Silva. Interpretaram - não totalmente desprovido de razão - que isso seria uma restrição à candidata. É. Em resposta, disseram que outros candidatos também têm tais restrições. Se têm, tampouco terão meu voto. Mas não tenho acesso direto aos pensamentos e sentimentos íntimos das pessoas - ainda bem! (pras pessoas e pra minha própria sanidade) -, tudo a que tenho acesso são declarações. Se tiverem uma declaração do candidato A, B, C, D... do tipo: "Em relação ao casamento, o casamento é uma instituição de pessoas de sexos diferentes. Uma instituição pensada há milhares de anos. Não tenho uma posição favorável. Mas essas pessoas têm o direito de defender suas bandeiras." - não votarei nele. A última frase amaina, mas não elimina a diferença ideológica abissal entre minha visão e a visão de tal candidato.
Devo aqui lembrar a confusão que certos grupos fazem: a questão da união civil e do casamento. Alguns imaginam que a união civil é o casamento civil e o casamento é casamento religioso. Não. São situações distintas, ainda que, em muitos direitos se equiparem. Há projetos de união civil já implementadas em alguns países e há projetos de lei no Brasil. O casamento, há o religioso, mas há também o casamento civil: o Novo Código Civil tem um subtítulo inteiramente dedicado ao casamento. A união civil já será um grande avanço para a questão dos casais homoafetivos no país. Mas não há razão alguma - tirante a questão de abominação à homossexualidade - para que se lhes restrinja o casamento civil. Misturar com a questão do casamento religioso - como se a lei fosse ingerir sobre a religião - é ou má-fé ou ignorância (e tenho convicção de que os candidatos são muito bem instruídos quanto a isso).
Por esse meu posicionamento fizeram até uma rápida avaliação psicológica: eu teria medo da Marina Silva por ela ser evangélica. Eu não votaria em um candidato que tivesse essa restrição (ou outra) qualquer que fosse a religião dele (ou mesmo que não tivesse nenhuma). Se um candidato evangélico não tivesse restrição (há algumas igrejas evangélicas que admitem livremente homossexuais em sua comunidade), eu poderia votar nele (desde que atendesse a outras exigências do meu perfil mínimo ideal).
Por falar em perfil mínimo ideal, que faz com que eu possa votar nulo se nenhum candidato satisfizer as minhas condições, criticaram-me por ser uma utopia: nenhum candidato iria se adequar. Isso não é verdade de várias formas. 1) O perfil mínimo ideal não precisa ser muito restritivo - e, no meu caso, nem é, é apenas uma condição sine qua non de que o candidato não seja contrário aos direitos individuais, aos direitos humanos. 2) Mesmo que nenhum candidato venha se adequar, qual o problema? Ninguém é obrigado a votar neste, naquele ou em qualquer um. Isso não é antidemocrático e nem debilita ainda mais o sistema político. Em algum sentido, votar obrigatoriamente em um dos candidatos - o menos mau - contribui para a perpetuação do status quo. Como ilustração disso, peguei um exemplo caricatural: se só tivéssemos como candidatos um estuprador, um homicida e um neonazi - não me sentiria compelido a votar no "menos mau". Aí acusaram-me de ser intelectualmente desonesto e deturpar o debate. Não há nenhuma distorção em essência: e nem é uma situação totalmente inverossímil. É um exemplo, caricatural o quanto seja, de como o "menos mau" não é uma opção necessariamente razoável.
Concedo que a opção da "qualificação mínima" também não é uma opção necessariamente razoável. E é aí que devemos, então, analisar não de baciada, mas na situação que se nos apresenta (caso a caso).
Bem, *não* temos como candidatos apenas um estuprador, um homicida e um neonazi (alvíssaras!). Como devemos analisar? Bem, cada um analisa a seu modo. A minha análise é que a "qualificação mínima" pode (e deve) ser aplicada. Um ou mais candidatos têm restrições quanto à cidadania de um grupo social minoritário. Acho isso errado, tremendamente errado. Não é um grupo criminoso, são pessoas normais (diferentes apenas em relação à sua orientação sexual). Que indivíduos tenham restrições, não há muito o que se fazer (apenas impedir que tais atitudes se reflitam em ações discriminatórias). Mas se candidatos têm esse tipo de pensamento, não tenho maiores problemas em podá-los de meu voto. (Ok, meu voto vale tanto quanto minha amizade.)
A discussão acabou por se centrar em Marina Silva mais porque os apoiadores dela tomaram-lhe as dores. Já critiquei José Serra no próprio twitter (p.e. aqui, aqui, aqui): retuitado, vejam a ironia, justamente por quem disse que eu apoio Serra e o PSDB... Levantaram também a lebre de que eu havia enviado algumas perguntas apenas para Marina Silva (aqui), aí já entra, sei lá, teoria da conspiração (se bem que me chamar de pessedebista já é um pouco):
1) Foram apenas perguntas;
2) Queria conhecer mais a respeito da ex-Senadora;
3) Repare-se na data (ago/2009). E ela era candidata certa - saiu do PT para concorrer pelo PV. Dilma e Serra eram grandes possibilidades, mas não eram quase certezas (pelo PT ainda circulavam nomes alternativos, bem como pelo PSDB);
4) Além disso, ambos já tinham uma boa exposição na mídia - conhecer seus pensamentos e visões era mais fácil;
5) Some-se a isso que julguei que com Marina Silva teria maior possibilidade de resposta. Caso ela me respondesse talvez eu me animasse a tentar traçar perfil similar de outros candidatos.
Sério, não sei como transformar isso em uma conspiração... Não tem nenhuma pergunta capciosa, deixo até opção para uma alternativa não contemplada. (Na época, disseram até que era uma boa ideia.)
Dilmista, então? Não. Não tenho definido meu voto. Não tenho grandes simpatias pela ex-ministra, nem ódio mortal. Vejo com sérias desconfianças sua visão a respeito do meio ambiente (aqui).
Não se trata, portanto, de um critério especialmente criado para não votar em Marina Silva. Não é um critério único de julgamento - fiz uma avaliação aqui levando em conta vários eixos temáticos (aliás, criticar-me de pretender objetividade é outra piada - na própria avaliação deixo claro que é uma "análise" subjetiva). E nem que fosse, eu tenho a liberdade de votar do modo como mais me apetecer. (Eu preciso tomar cuidado com a argumentação que começa com "nem que fosse" ou "mesmo que fosse": tem gente que assume isso como uma admissão necessária da condição dada.)
Não tem, por equanto, ninguém que me empolgue. Aguardarei os próximos movimentos - talvez na propaganda de rádio e TV.
Minha conclusão disso é: não discuta política se tiver medo de perder amizades. Especialmente no twitter. Pra mim acabou mal. Eu disse o que *eu* penso a respeito - não insinuei em nenhum momento que os demais deveria pensar do mesmo modo que eu - aí veio a patrulha. Até é normal quererem me convencer do contrário. O debate político é saudável. Mas infelizmente descambou para acusações pessoais.
Eu entendo por discussão política coisas como: "Você está errado por isso e por isto" e não "Você está errado porque você é um canalha". Hulk saaaaaaaad!
Upideite(15/jul/2010): Aqui compilação do debate que descambou pro surreal. (Creio que esteja bem completo e razoavelmente na ordem cronológica. Foi o que consegui recuperar de minha timeline.)
Upideite(16/jul/2010): Na questão de adoção por homossexuais, até Reinaldo Azevedo, declarado católico rootz, tem posição mais avançada do que Marina Silva. Ela não é contrária, mas tem algumas reticências (diz que não tem opinião formada). Azevedo, não. Ele é a favor (ainda que dê preferência a casais heteros).
quinta-feira, 8 de julho de 2010
Pepsi Fight
A PepsiCo, empresa que fabrica não apenas os refrigerantes Pepsi, SevenUp e cia, como também os salgadinhos ElmaChips e outros elementos deliciosamente junkfoods, tem um blogue que fala exatamente de nutrição. Obviamente dá a versão da empresa sobre o tema, embora haja uma equipe de cientistas a gerar o conteúdo.
O Scienceblogs americano (Sb) é um condomínio bem sucedido de blogues sobre ciências e humanidades da Seed Media Group.
A PepsiCo entendeu que alugar um espaço no condomínio seria uma boa iniciativa. Certamente a empresa tem mais visibilidade do que o Sb, o que ganharia seria um grupo de leitores que buscam a credibilidade dos autores do Sb. Até aqui não é tão diferente, por exemplo, dos anúncios tradicionais.
O blogue de ciências do Guardian e Carl Zimmer relatam o caso.
O problema foi que o blogue corporativo foi juntado aos demais sem uma demarcação precisa que distinguisse o conteúdo comercial do editorial. Pegou fogo. Vários blogueiros do Sb - não totalmente desprovido de razão - criticaram fortemente a medida. Alguns desligaram-se em protesto. Vários leitores também escreveram comentários do crítico ao quase obsceno. Verdade que outros pareceram compreender a medida - dinheiro é muito bem vindo, ainda mais que é complicado gerar rendas com blogues científicos.
A Seed reconhecendo o problema da demarcação tratou de colocar um aviso no blogue da PepsiCo: "This blog is sponsored by PepsiCo. All editorial content is written by PepsiCo's scientists or scientists invited by PepsiCo and/or ScienceBlogs. All posts carry a byline above the fold indicating the scientist's affiliation and conflicts of interest." (Como lembra a Seed, não foi a primeira experiência com blogues corporativos no Sb: da Shell e da GE. Porém, na ocasião não se criou um clima de tanta animosidade. Há várias especulações para a diferença de recepção - irei me furtar de listá-las.)
Mas o estrago feito, o fogo amigo, as saídas... será passível de conserto? E o que terá achado a PepsiCo disso? Isso irá afastar anunciantes do Sb? Irá afetar a blogsfera cientófila? Aguardemos o desenrolar dos próximos capítulos.
Upideite(08/jul/2010): Parece que a PepsiCo acabou por sair antes da estreia.
Disclêimer: Faço parte do Scienceblogs Brasil (SBBr) escrevendo para o Tubo de Ensaios.
Disclêimer 2: Minhas observações aqui não refletem o posicionamento do SBBr.
Upideite(21/jul/2010): Disclêimer 3: não faço mais parte do SBBr. (Não tem nada a ver com o episódio PepsiCo na matriz, no entanto.)
A sangria não foi contida. Há ainda importante blogueiros deixando o Sb americano e um deles iniciou uma greve (mas com algum efeito já sentido).
O Scienceblogs americano (Sb) é um condomínio bem sucedido de blogues sobre ciências e humanidades da Seed Media Group.
A PepsiCo entendeu que alugar um espaço no condomínio seria uma boa iniciativa. Certamente a empresa tem mais visibilidade do que o Sb, o que ganharia seria um grupo de leitores que buscam a credibilidade dos autores do Sb. Até aqui não é tão diferente, por exemplo, dos anúncios tradicionais.
O blogue de ciências do Guardian e Carl Zimmer relatam o caso.
O problema foi que o blogue corporativo foi juntado aos demais sem uma demarcação precisa que distinguisse o conteúdo comercial do editorial. Pegou fogo. Vários blogueiros do Sb - não totalmente desprovido de razão - criticaram fortemente a medida. Alguns desligaram-se em protesto. Vários leitores também escreveram comentários do crítico ao quase obsceno. Verdade que outros pareceram compreender a medida - dinheiro é muito bem vindo, ainda mais que é complicado gerar rendas com blogues científicos.
A Seed reconhecendo o problema da demarcação tratou de colocar um aviso no blogue da PepsiCo: "This blog is sponsored by PepsiCo. All editorial content is written by PepsiCo's scientists or scientists invited by PepsiCo and/or ScienceBlogs. All posts carry a byline above the fold indicating the scientist's affiliation and conflicts of interest." (Como lembra a Seed, não foi a primeira experiência com blogues corporativos no Sb: da Shell e da GE. Porém, na ocasião não se criou um clima de tanta animosidade. Há várias especulações para a diferença de recepção - irei me furtar de listá-las.)
Mas o estrago feito, o fogo amigo, as saídas... será passível de conserto? E o que terá achado a PepsiCo disso? Isso irá afastar anunciantes do Sb? Irá afetar a blogsfera cientófila? Aguardemos o desenrolar dos próximos capítulos.
Upideite(08/jul/2010): Parece que a PepsiCo acabou por sair antes da estreia.
Disclêimer: Faço parte do Scienceblogs Brasil (SBBr) escrevendo para o Tubo de Ensaios.
Disclêimer 2: Minhas observações aqui não refletem o posicionamento do SBBr.
Upideite(21/jul/2010): Disclêimer 3: não faço mais parte do SBBr. (Não tem nada a ver com o episódio PepsiCo na matriz, no entanto.)
A sangria não foi contida. Há ainda importante blogueiros deixando o Sb americano e um deles iniciou uma greve (mas com algum efeito já sentido).
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Minha avaliação (subjetiva, claro) dos candidatos
Considerarei apenas os três principais: Dilma Rousseff, Marina Silva e José Serra. O quadro geral está logo abaixo, mais abaixo ainda, algumas explicações.
A avaliação vai de (---) muito ruim a (+++) muito boa, (0) é neutra.
História: principalmente o aspecto da história de vida.
*Dilma - economista, mineira, foi militante de grupo armado contra a Ditadura (Colina e Var-Palmares, nega que tenha participado de ações armadas), vítima de tortura, fez carreira no RS, fundou o PDT (filiou-se ao PT em 2001), foi secretária municipal da Fazenda de Porto Alegre, secretária estadual de Minas e Energia do RS, ministra de Minas e Energia e ministra da Casa Civil. (+)
*Marina - pedagoga, acreana, alfabetizou-se já adulta, formou-se em História (UFAC), fez pós-graduação em psicopedagogia, fundou a CUT, atuou ao lado de Chico Mendes no sindicalismo, filiou-se ao PT em 1986 (mudando-se para o PV em 2009 para ser candidata à presidência da república), vereadora de Rio Branco (abandonou o cargo para concorrer à Assembléia estadual), deputada estadual, senadora, ministra do Meio Ambiente. (++)
*Serra - sem formação (iniciou engenharia na Poli, fez cursos de economia no Chile e doutorado de economia nos EUA), paulista, foi presidente da UNE, exilou-se no Chile e depois nos EUA durante a Ditadura, fundou o PSDB juntamente com grupo dissidente do PMDB, secretário estadual de Planejamento de SP, deputado federal constituinte, senador, ministro de Planejamento e ministro da Saúde, prefeito de São Paulo (abandonou o cargo para concorrer ao governo do estado) e governador de SP. (+)
Os três têm um histórico de vida bonito. Mas Marina Silva apresenta, opinião minha, uma história pessoal de maior superação da dificuldade inicial (com todo o respeito aos sofrimentos psicológicos e físicos sofridos por Dilma Rousseff na mão dos policiais).
Honestidade: Ficha criminal, mentiras, quebras de promessas, corrupção...
*Dilma: Houve escândalos como a acusação da ex-diretora da Anac Denise Abreu denunciando favorecimento, por parte de Dilma, na venda da Varig; acusação pela Folha de São Paulo, de montar um dossiê contra FHC sobre gastos pessoais irregulares e publicação, pela mesma Folha de São Paulo, de uma ficha falsa da ex-ministra no DOPS segundo a qual ela teria participado de ações armadas durante a Ditadura; ainda a Folha denuncia que o comitê de campanha da Dilma pretendia montar um dossiê contra Serra - nenhuma dessas acusações foi comprovada. Houve um erro em seu currículo Lattes em que dizia ter concluído o doutorado na Unicamp (ela não chegou a entregar a tese final), em sua página pessoal também houve um erro com a publicação de foto da atriz Norma Bengel em meio às suas. As acusações não contam por não se ter provado nenhuma delas, ao menos por enquanto. Os erros no currículo e no uso da foto da atriz não são grandes coisas. (-)
*Marina: Não há, por enquanto, nenhuma denúncia ou acusação desabonadora. (+)
*Serra: Sua filha, Verônica Serra, é tida como sócia da irmã de Daniel Dantas; acusam-no também de pedir cabeça de jornalistas que publicam matérias desfavoráveis; o jornalista Paulo Henrique Amorim, afirma que a Operação Lunus, que inviabilizou a candidatura de Roseana Sarney em 2002, teria sido armação de Serra - nenhuma das duas denúncias ainda está provada; apresentou-se várias vezes como engenheiro e economista, incluindo em ficha do TSE, sem ter registro profissional nos conselhos; em 2002 omitiu uma empresa na declaração de bens à Justiça Eleitoral (falha que não se constituía crime); apresentou-se como pai dos genéricos, do programa de combate à aids, em campanha para presidente também em 2002 (a lei dos genéricos foi desenvolvida por Jamil Haddad durante o governo Itamar Franco; o programa de combate e prevenção à aids vem desde o governo José Sarney). As denúncias mais graves não foram provadas, então não são consideradas. A questão de ser apresentado como engenheiro ou economista, ou se apresentar como criador de programas implementados por outros são mais ou menos graves. Pega mais é ter assinado carta de que cumpriria integralmente o mandato como prefeito de São Paulo e ignorado completamente depois. (--)
Alianças: apoios recebidos e dados (não apenas declarações, mas alianças mais formais ou com resultados mais concretos).
*Dilma: tem como principal aliado o fisiológico PMDB, mas também qualquer partido gostaria de ter o PMDB ao lado com sua máquna partidária; há outros partidos estranhos, mas nanicos; o PT tem lá sua porção de políticos mais do que suspeitos. (-)
*Marina: basicamente somente o próprio PV. (0)
*Serra: tem o DEM, partido que se diz ter estado no poder desde as caravalas, dali se apeados somente com a chegada do PT. (--)
Realizações: principalmente como agente político - leis importantes, projetos implementados, obras realizadas, maior peso às realizações em nível federal.
*Dilma: vendida como gerentona e mãe do PAC, mas o quanto ela é mesmo responsável por isso é bastante discutível. Foi importante, no entanto, no novo modelo de leilão de energia quando ministra de Minas e Energia. (+)
*Marina: à frente do ministério do Meio Ambiente viu-se bastante isolada no governo - especialmente tida como barreira às ações ditas desenvolvimentistas. Desenvolveu um plano de ação contra o desmatamento na Amazônia Legal - houve redução, mas o quanto isso se deveu ao plano e não às conjunturas econômicas também é discutível. (0)
*Serra: não é pai dos genéricos, mas foi em sua administração frente à pasta da Saúde no governo FHC que se implementou de fato o programa dos genéricos; como prefeito foi pífio, como governador, foi apagado. (++)
Programas de governo: as propostas, os objetivos - o que fazer, por que e como.
A conferir. Por enquanto só algumas ideias e, no máximo, diretrizes.
Afinidade ideológica: o quanto as ideias defendidas pelos candidatos refletem o que eu penso a respeito da política e da sociedade.
*Dilma: não estou completamente certo a respeito de sua visão, aparentemente tem agenda esquerdista, com ênfase no social e no papel do estado mais atuante na economia, mas parece encarar o meio ambiente mais como atravancamento. (+)
*Marina: visão social e ambiental amplamente condizentes, não parece ter uma ideia muito clara em termos econômicos para viabilizar o tal desenvolvimento sustentável. Pega, no entanto, a questão da homoafetividade (ela, por religião, é contrária, p.e., à união entre parceiros do mesmo sexo), eu não chego a ser pró-escolha, mas não sou pró-vida (no sentido de proibir o aborto e criminalizar a gestante). Essas diferenças são amainadas pelo discurso de tolerância - ao menos concede a realização de plebiscito -, mas não eliminadas. (-)
*Serra: aparentemente tem uma visão desenvolvimentista, não sei o quão aprofundada estão a questão social e ambiental. A fala sobre a Bolívia pareceu-me totalmente despropositada - sério mesmo, soou-me a um discurso direitista. (-)
Naturalmente as avaliações podem mudar com o tempo e com novas informações.
Obs: Não se interprete isso como declaração de voto. Há muita coisa para rolar ainda. É um quadro bem parcial no que se refere a informações. E, claro, totalmente subjetivo.
A avaliação vai de (---) muito ruim a (+++) muito boa, (0) é neutra.
História: principalmente o aspecto da história de vida.
*Dilma - economista, mineira, foi militante de grupo armado contra a Ditadura (Colina e Var-Palmares, nega que tenha participado de ações armadas), vítima de tortura, fez carreira no RS, fundou o PDT (filiou-se ao PT em 2001), foi secretária municipal da Fazenda de Porto Alegre, secretária estadual de Minas e Energia do RS, ministra de Minas e Energia e ministra da Casa Civil. (+)
*Marina - pedagoga, acreana, alfabetizou-se já adulta, formou-se em História (UFAC), fez pós-graduação em psicopedagogia, fundou a CUT, atuou ao lado de Chico Mendes no sindicalismo, filiou-se ao PT em 1986 (mudando-se para o PV em 2009 para ser candidata à presidência da república), vereadora de Rio Branco (abandonou o cargo para concorrer à Assembléia estadual), deputada estadual, senadora, ministra do Meio Ambiente. (++)
*Serra - sem formação (iniciou engenharia na Poli, fez cursos de economia no Chile e doutorado de economia nos EUA), paulista, foi presidente da UNE, exilou-se no Chile e depois nos EUA durante a Ditadura, fundou o PSDB juntamente com grupo dissidente do PMDB, secretário estadual de Planejamento de SP, deputado federal constituinte, senador, ministro de Planejamento e ministro da Saúde, prefeito de São Paulo (abandonou o cargo para concorrer ao governo do estado) e governador de SP. (+)
Os três têm um histórico de vida bonito. Mas Marina Silva apresenta, opinião minha, uma história pessoal de maior superação da dificuldade inicial (com todo o respeito aos sofrimentos psicológicos e físicos sofridos por Dilma Rousseff na mão dos policiais).
Honestidade: Ficha criminal, mentiras, quebras de promessas, corrupção...
*Dilma: Houve escândalos como a acusação da ex-diretora da Anac Denise Abreu denunciando favorecimento, por parte de Dilma, na venda da Varig; acusação pela Folha de São Paulo, de montar um dossiê contra FHC sobre gastos pessoais irregulares e publicação, pela mesma Folha de São Paulo, de uma ficha falsa da ex-ministra no DOPS segundo a qual ela teria participado de ações armadas durante a Ditadura; ainda a Folha denuncia que o comitê de campanha da Dilma pretendia montar um dossiê contra Serra - nenhuma dessas acusações foi comprovada. Houve um erro em seu currículo Lattes em que dizia ter concluído o doutorado na Unicamp (ela não chegou a entregar a tese final), em sua página pessoal também houve um erro com a publicação de foto da atriz Norma Bengel em meio às suas. As acusações não contam por não se ter provado nenhuma delas, ao menos por enquanto. Os erros no currículo e no uso da foto da atriz não são grandes coisas. (-)
*Marina: Não há, por enquanto, nenhuma denúncia ou acusação desabonadora. (+)
*Serra: Sua filha, Verônica Serra, é tida como sócia da irmã de Daniel Dantas; acusam-no também de pedir cabeça de jornalistas que publicam matérias desfavoráveis; o jornalista Paulo Henrique Amorim, afirma que a Operação Lunus, que inviabilizou a candidatura de Roseana Sarney em 2002, teria sido armação de Serra - nenhuma das duas denúncias ainda está provada; apresentou-se várias vezes como engenheiro e economista, incluindo em ficha do TSE, sem ter registro profissional nos conselhos; em 2002 omitiu uma empresa na declaração de bens à Justiça Eleitoral (falha que não se constituía crime); apresentou-se como pai dos genéricos, do programa de combate à aids, em campanha para presidente também em 2002 (a lei dos genéricos foi desenvolvida por Jamil Haddad durante o governo Itamar Franco; o programa de combate e prevenção à aids vem desde o governo José Sarney). As denúncias mais graves não foram provadas, então não são consideradas. A questão de ser apresentado como engenheiro ou economista, ou se apresentar como criador de programas implementados por outros são mais ou menos graves. Pega mais é ter assinado carta de que cumpriria integralmente o mandato como prefeito de São Paulo e ignorado completamente depois. (--)
Alianças: apoios recebidos e dados (não apenas declarações, mas alianças mais formais ou com resultados mais concretos).
*Dilma: tem como principal aliado o fisiológico PMDB, mas também qualquer partido gostaria de ter o PMDB ao lado com sua máquna partidária; há outros partidos estranhos, mas nanicos; o PT tem lá sua porção de políticos mais do que suspeitos. (-)
*Marina: basicamente somente o próprio PV. (0)
*Serra: tem o DEM, partido que se diz ter estado no poder desde as caravalas, dali se apeados somente com a chegada do PT. (--)
Realizações: principalmente como agente político - leis importantes, projetos implementados, obras realizadas, maior peso às realizações em nível federal.
*Dilma: vendida como gerentona e mãe do PAC, mas o quanto ela é mesmo responsável por isso é bastante discutível. Foi importante, no entanto, no novo modelo de leilão de energia quando ministra de Minas e Energia. (+)
*Marina: à frente do ministério do Meio Ambiente viu-se bastante isolada no governo - especialmente tida como barreira às ações ditas desenvolvimentistas. Desenvolveu um plano de ação contra o desmatamento na Amazônia Legal - houve redução, mas o quanto isso se deveu ao plano e não às conjunturas econômicas também é discutível. (0)
*Serra: não é pai dos genéricos, mas foi em sua administração frente à pasta da Saúde no governo FHC que se implementou de fato o programa dos genéricos; como prefeito foi pífio, como governador, foi apagado. (++)
Programas de governo: as propostas, os objetivos - o que fazer, por que e como.
A conferir. Por enquanto só algumas ideias e, no máximo, diretrizes.
Afinidade ideológica: o quanto as ideias defendidas pelos candidatos refletem o que eu penso a respeito da política e da sociedade.
*Dilma: não estou completamente certo a respeito de sua visão, aparentemente tem agenda esquerdista, com ênfase no social e no papel do estado mais atuante na economia, mas parece encarar o meio ambiente mais como atravancamento. (+)
*Marina: visão social e ambiental amplamente condizentes, não parece ter uma ideia muito clara em termos econômicos para viabilizar o tal desenvolvimento sustentável. Pega, no entanto, a questão da homoafetividade (ela, por religião, é contrária, p.e., à união entre parceiros do mesmo sexo), eu não chego a ser pró-escolha, mas não sou pró-vida (no sentido de proibir o aborto e criminalizar a gestante). Essas diferenças são amainadas pelo discurso de tolerância - ao menos concede a realização de plebiscito -, mas não eliminadas. (-)
*Serra: aparentemente tem uma visão desenvolvimentista, não sei o quão aprofundada estão a questão social e ambiental. A fala sobre a Bolívia pareceu-me totalmente despropositada - sério mesmo, soou-me a um discurso direitista. (-)
Naturalmente as avaliações podem mudar com o tempo e com novas informações.
Obs: Não se interprete isso como declaração de voto. Há muita coisa para rolar ainda. É um quadro bem parcial no que se refere a informações. E, claro, totalmente subjetivo.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Pesquisas 6
Inverteram-se os sinais. Antes o PSDB de modo bisonho criticou e pediu investigação ao Sensus pelos resultados de abril da pesquisa sobre intenção de voto para presidente. Agora é a Datafolha que está sob suspeição por parte dos críticos do PSDB e do candidato José Serra (aqui e aqui).
Vale a mesma coisa do que já disse na ocasião. (Muda apenas o cenário - a melhor interpretação agora é de constante e suave subida da opção por Dilma Rousseff e certa estagnação ou ligeira queda da opção pelo candidato José Serra.)
Insinuar fraude, sem provas, pelo Datafolha é patético. Diferenças no tempo de coleta e na metodologia, além de flutuações aleatórias mais do que explicam a discrepância. Atentem que a metodologia usada pelo Datafolha - pode-se criticá-la pela escolha de tais critérios - é consistente e utilizada há muito tempo: não é uma metodologia inventada agora para beneficiar este ou aquele candidato (dando nome ao boi: Serra).
Vale a mesma coisa do que já disse na ocasião. (Muda apenas o cenário - a melhor interpretação agora é de constante e suave subida da opção por Dilma Rousseff e certa estagnação ou ligeira queda da opção pelo candidato José Serra.)
Insinuar fraude, sem provas, pelo Datafolha é patético. Diferenças no tempo de coleta e na metodologia, além de flutuações aleatórias mais do que explicam a discrepância. Atentem que a metodologia usada pelo Datafolha - pode-se criticá-la pela escolha de tais critérios - é consistente e utilizada há muito tempo: não é uma metodologia inventada agora para beneficiar este ou aquele candidato (dando nome ao boi: Serra).
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Pesquisas 5 - Quadro eleitoral - de dez/09 até jun/10
O quadro das preferências declaradas do eleitorado para a corrida presidencial está acima. Em tons de azul, os dados de José Serra, em tons avermelhados, de Dilma Rousseff e em tons esverdeados, de Marina Silva. Quadrados são os dados do Datafolha, losango, do Ibope, triângulo invertido, do Vox Populi e gravata, do Sensus.
São dados referentes aos cenários estimulados com lista em que constam apenas os três nomes - mais as opções de nenhum/nulo/branco e não sabe/sem opinião.
No alto, as datas dos programas partidários - vermelho: PT, verde: PV, azul: PSDB.
Hoje deve sair a última do Datafolha. A Veja, que já errou antes (confira aqui e aqui)*, antecipa que Serra e Dilma estão empatados com ligeira vantagem de Serra - é possível. Mas as interpretações continuam equivocadas - não apenas da Veja como de todos os analistas que já li. Continuam comparando diretamente as pesquisas de institutos diferentes (que usam metodologias diferentes), falando em subida e descida. A interpretação pode mudar com novos dados, mas até o momento parece que há uma tendência de subida de Dilma e ligeira queda de Serra. Os programas partidários na televisão não parecem ter efeitos significativos.
Upideite(02/jul/2010): Desta vez a Veja estava certa sobre a pesquisa do Datafolha. O quadro não se altera - abaixo o gráfico atualizado.
Upideite(02/jul/2010): *Adido a esta data.
São dados referentes aos cenários estimulados com lista em que constam apenas os três nomes - mais as opções de nenhum/nulo/branco e não sabe/sem opinião.
No alto, as datas dos programas partidários - vermelho: PT, verde: PV, azul: PSDB.
Hoje deve sair a última do Datafolha. A Veja, que já errou antes (confira aqui e aqui)*, antecipa que Serra e Dilma estão empatados com ligeira vantagem de Serra - é possível. Mas as interpretações continuam equivocadas - não apenas da Veja como de todos os analistas que já li. Continuam comparando diretamente as pesquisas de institutos diferentes (que usam metodologias diferentes), falando em subida e descida. A interpretação pode mudar com novos dados, mas até o momento parece que há uma tendência de subida de Dilma e ligeira queda de Serra. Os programas partidários na televisão não parecem ter efeitos significativos.
Upideite(02/jul/2010): Desta vez a Veja estava certa sobre a pesquisa do Datafolha. O quadro não se altera - abaixo o gráfico atualizado.
Upideite(02/jul/2010): *Adido a esta data.
Apocalipse Now
Espero que seja meu último post sobre o tema pelo menos por um bom tempo.
O Prof. Kinouchi ainda não entendeu o meu posicionamento - é bem possível que seja culpa de falta de clareza de minha parte, mas não consigo ser mais explícito a respeito do que penso.
1) Não posso fazer uma resenha crítica de um livro que não li. Não tenho interesse imediato em lê-lo. (Certamente não pretendo gastar um centavo nele, mas mesmo que o recebesse de graça, ficaria mofando um bom tempo na fila - entre outras coisas há vários livros bem acima na minha lista de prioridades. Nota mental: preciso resenhar o "Ab Initio" que ganhei do Ciência à Bessa.)
2) Também não sei qual a diferença entre meu posicionamento e a de Doherty. Mas isso porque não sei qual o posicionamento dele. O meu é claro: Os indícios atualmente disponíveis sobre a existência de um Jesus histórico são fracos.
3) Não é verdade que eu não reconheça as diferenças de posicionamento entre o que eu acho e o que os estudiosos do tema acham. Creio ter sido suficientemente explícito em outra postagem: "Kino insiste que minha visão é minoritária e que deveria explicitar essa condição. Ok. Sim, aparentemente a maioria dos acadêmicos que estudam temas relacionados à Bíblia aceitam a historicidade de Jesus. Se for por isso, pronto. (No contexto, acho desnecessário, pois não estava a discutir com alguém que era exatamente leigo no assunto. Se eu tivesse escrito uma postagem sobre isso, aí, creio que seria o caso.)" Aparentemente Kino não está lendo com atenção o que eu escrevo sobre o tema, o que só reforça meu juízo de que é um assunto aborrecido.
4) Sim, o ônus da prova está comigo. Por isso nos argumentos procuro mostrar por que os indícios atuais são fracos e não sustentam a existência de um Jesus histórico - entre outras coisas porque o mesmo critério nos obrigaria (salvo por um corte arbitrário de defasagem cronológica entre os textos mais antigos existentes e os supostos fatos narrados) a aceitar a historicidade de personagens que, por enquanto, consideramos míticas. Repito: não sustentar a existência de um Jesus histórico não é a mesma coisa que sustentar a inexistência de um Jesus histórico. (É perfeitamente possível que tenha havido um rabino Yoshua, filho de Yosef, na Judeia romana. Apenas que os indícios de que de fato tenha sido assim são fracos.)
5) Não posso refutar a tese de que estou adotando as mesmas ideias de Doherty porque eu desconheço, como disse acima, tais ideias. (Posso refutar que eu esteja adotando as ideias do próprio Doherty na medida em que não as li. Posso também refutar a ideia - e creio já ter feito isso em postagens anteriores - de que eu esteja defendendo coisas como: Jesus certamente não existiu, Jesus provavelmente não existiu, o mito de Jesus é simplesmente uma cópia de mitos preexistentes, há uma conspiração que procura ocultar as provas da existência ou inexistência de Jesus, Jesus teve filhos com Maria de Magdala e isso é protegido pelo Priorado de Sião, Jesus fumava maconha, Jesus era loiro, Jesus era caucasiano, Jesus era um alienígena, Jesus era portorriquenho e coisas assim.)
Mas Kinouchi parece não acreditar no que eu, seu contemporâneo, falo a respeito de minhas próprias ideias (claro que eu poderia interpretar isso como um julgamento do tipo: sou mentiroso, sou burro, sou incongruente, não sei no que estou pensando). Normal. É, porém, o mesmo ceticismo que aplico em relação a relatos sobre eventos não-presenciados.
O Prof. Kinouchi ainda não entendeu o meu posicionamento - é bem possível que seja culpa de falta de clareza de minha parte, mas não consigo ser mais explícito a respeito do que penso.
1) Não posso fazer uma resenha crítica de um livro que não li. Não tenho interesse imediato em lê-lo. (Certamente não pretendo gastar um centavo nele, mas mesmo que o recebesse de graça, ficaria mofando um bom tempo na fila - entre outras coisas há vários livros bem acima na minha lista de prioridades. Nota mental: preciso resenhar o "Ab Initio" que ganhei do Ciência à Bessa.)
2) Também não sei qual a diferença entre meu posicionamento e a de Doherty. Mas isso porque não sei qual o posicionamento dele. O meu é claro: Os indícios atualmente disponíveis sobre a existência de um Jesus histórico são fracos.
3) Não é verdade que eu não reconheça as diferenças de posicionamento entre o que eu acho e o que os estudiosos do tema acham. Creio ter sido suficientemente explícito em outra postagem: "Kino insiste que minha visão é minoritária e que deveria explicitar essa condição. Ok. Sim, aparentemente a maioria dos acadêmicos que estudam temas relacionados à Bíblia aceitam a historicidade de Jesus. Se for por isso, pronto. (No contexto, acho desnecessário, pois não estava a discutir com alguém que era exatamente leigo no assunto. Se eu tivesse escrito uma postagem sobre isso, aí, creio que seria o caso.)" Aparentemente Kino não está lendo com atenção o que eu escrevo sobre o tema, o que só reforça meu juízo de que é um assunto aborrecido.
4) Sim, o ônus da prova está comigo. Por isso nos argumentos procuro mostrar por que os indícios atuais são fracos e não sustentam a existência de um Jesus histórico - entre outras coisas porque o mesmo critério nos obrigaria (salvo por um corte arbitrário de defasagem cronológica entre os textos mais antigos existentes e os supostos fatos narrados) a aceitar a historicidade de personagens que, por enquanto, consideramos míticas. Repito: não sustentar a existência de um Jesus histórico não é a mesma coisa que sustentar a inexistência de um Jesus histórico. (É perfeitamente possível que tenha havido um rabino Yoshua, filho de Yosef, na Judeia romana. Apenas que os indícios de que de fato tenha sido assim são fracos.)
5) Não posso refutar a tese de que estou adotando as mesmas ideias de Doherty porque eu desconheço, como disse acima, tais ideias. (Posso refutar que eu esteja adotando as ideias do próprio Doherty na medida em que não as li. Posso também refutar a ideia - e creio já ter feito isso em postagens anteriores - de que eu esteja defendendo coisas como: Jesus certamente não existiu, Jesus provavelmente não existiu, o mito de Jesus é simplesmente uma cópia de mitos preexistentes, há uma conspiração que procura ocultar as provas da existência ou inexistência de Jesus, Jesus teve filhos com Maria de Magdala e isso é protegido pelo Priorado de Sião, Jesus fumava maconha, Jesus era loiro, Jesus era caucasiano, Jesus era um alienígena, Jesus era portorriquenho e coisas assim.)
Mas Kinouchi parece não acreditar no que eu, seu contemporâneo, falo a respeito de minhas próprias ideias (claro que eu poderia interpretar isso como um julgamento do tipo: sou mentiroso, sou burro, sou incongruente, não sei no que estou pensando). Normal. É, porém, o mesmo ceticismo que aplico em relação a relatos sobre eventos não-presenciados.
Fuzzy Jesus: O Não-Paradoxo de Sodom e Amorah
Gênesis 18:20-33 (versão de Almeida Corrigida e Fiel)
"#Disse mais o Senhor: Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito, descerei agora, e verei se com efeito têm praticado segundo o seu clamor, que é vindo até mim; e se não, sabê-lo-ei.
#Então viraram aqueles homens os rostos dali, e foram-se para Sodoma; mas Abraão ficou ainda em pé diante da face do Senhor.
#E chegou-se Abraão, dizendo: Destruirás também o justo com o ímpio? Se porventura houver cinqüenta justos na cidade, destruirás também, e não pouparás o lugar por causa dos cinqüenta justos que estão dentro dela? Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra?
#Então disse o Senhor: Se eu em Sodoma achar cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei a todo o lugar por amor deles.
#E respondeu Abraão dizendo: Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza. Se porventura de cinqüenta justos faltarem cinco, destruirás por aqueles cinco toda a cidade?
#E disse: Não a destruirei, se eu achar ali quarenta e cinco.
#E continuou ainda a falar-lhe, e disse: Se porventura se acharem ali quarenta?
#E disse: Não o farei por amor dos quarenta.
#Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, se eu ainda falar: Se porventura se acharem ali trinta?
#E disse: Não o farei se achar ali trinta.
#E disse: Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor: Se porventura se acharem ali vinte?
#E disse: Não a destruirei por amor dos vinte.
#Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, que ainda só mais esta vez falo: Se porventura se acharem ali dez?
#E disse: Não a destruirei por amor dos dez. E retirou-se o Senhor, quando acabou de falar a Abraão; e Abraão tornou-se ao seu lugar."
A narrativa segue com as duas cidades sendo destruídas, depois da multidão querer estuprar dois enviados por Javé. Interpreta-se tradicionalmente que os únicos homens justos - em número menor do que os dez combinado - encontravam-se na casa de Ló, sobrinho de Abraão.
Há um falso paradoxo que combina com a história. Quantos fios de cabelo uma pessoa pode ter no máximo para ser considerada careca? 150 mil fios no couro cabeludo é de uma pessoa com respeitável cabeleira. Um fio a menos não faz diferença. Dois também não. Nem três, quatro, cinco... Dez mil não fazem... Mas seguramente 130 mil fios a menos serão notados. Onde fica o ponto intermediário que definiria a pessoa como careca? Não há um ponto fixo. O que não quer dizer que não existam pessoas carecas ou pessoas cabeludas. Matematicamente isso é resolvido pela chamada lógica fuzzy - em vez de definir categoricamente as pessoas como cabeludas ou carecas, cada pessoa possui uma probabilidade de ser careca ou cabeluda (no caso, probabilidades complementares). Uma pessoa com 150 mil fios teria, digamos, uma probabilidade 1 (ou 100%) de ser cabeluda, uma pessoa com a cabeça lisinha teria uma probabilidade de 0 de ser cabeluda. As com quantidades intermediárias teriam probabilidades intermediárias - não necessariamente com 50% para alguém com 75 mil fios de cabelo, mas o decréscimo ou acréscimo da probabilidade seria contínuo.
Vamos a um outro ponto que ligarei com a questão acima. Não é uma alegação extraordinária dizermos que havia uma pessoa não identificada na Judeia do século 1. Tampouco seria uma alegação extraordinária dizermos que haveria duas pessoas... ou três... ou quatro. Mas certamente não deveria haver 1 bilhão. Com excavações arqueológicas podemos fazer algumas inferências sobre a densidade populacional, número de cidades à época e ter uma estimativa. Não sei quanto seria - considerando-se Jaffa, Gaza, Jerusalém e Hebron, estas quatro cidades teriam uma população de cerca de 150 mil habitantes em conjunto. Digamos que fossem umas 500 mil na província romana. Dizer que haveria um, digamos, José não traria maiores complicações. Poderíamos dizer que haveria uma Maria. Uma Ana. Um Josué... A questão é que, cada indivíduo isoladamente não teria uma existência implausível. Porém, em conjunto, não poderiam ultrapassar uma marca razoável - aqui, bastante no chutômetro, 500 mil. Estamos na questão do mais um (ou menos um) fio de cabelo.
Sabemos que havia homens e mulheres na Judeia no começo da era Cristã. Então qual o problema de dizer que haveria uma pessoa em específico?
A questão é que quando começa a se detalhar a pessoa: seu nome, suas relações familiares, seu sexo, sua idade, sua condição social... isto é, quando a individualizamos - cada detalhe tem uma probabilidade (não-estimada em sua maior parte - embora o sexo possamos aproximar como tendo 50% de início e variando de acordo com o nome), parcialmente independente da probabilidade de outros detalhes. Se multiplicarmos essas frações independentes, a probabilidade cai. Digamos: 50% de ser homem, em sendo homem, 70% de ter cabelos escuros - a probabilidade será de 35% de ser homem de cabelos escuros. (Claro que isso não quer dizer que as chances de existir um homem de cabelos escuros seja de 35% - por exemplo, as chances uma pessoa tomada ao acaso ser homem seria de 50%, mas as chances de haver um ou mais homens seria muito próximo de 100%. Mas ambas as probabilidades decrescem - salvo informações extras - com o grau de detalhamento dado.)
O ponto portanto são as tais informações extras. Se pegarmos uma coordenada ao acaso da Judeia romana, as chances de se encontrar ali uma pessoa é muito baixa. Mas se tivermos a informação de que ali há uma cidade (ou sítio arqueológico), a probabilidade aumenta. As chances de haver um nativo americano é considerada nula - salvo se tivermos, p.e., um esqueleto completo cuja análise osteológica (ou melhor, exame genético) indique pertencer a um grupo como gês ou comanches.
Quais as chances de ter havido um prefeito romano chamado Gaius Antonius em Judeia em algum momento da história antiga? Se não houver nenhuma fonte, simplesmente desconsideramos essa possibilidade - mesmo que não seja nem um pouco impossível (é um nome romano da época e certamente haveria prefeitos romanos em outros tempos além de Pôncio Pilatos). Digamos que encontremos um texto de século 1 a.C. que fale de Gaius Antonius - que ele tinha 3 metros de altura, dois olhos, havia exterminado 3 bilhões de guerreiros árabes, gostava de flores, rezava à Júpiter toda sexta-feira, filho de Gaius Marco, sua mãe era a própria deusa Diana, comia pedras e gostava de muito vinho. Podemos abstrair tudo e considerar que Gaius Antonius tenha sido mesmo prefeito de Judeia? Esse texto seria uma fonte histórica credível? Haveria um Gaius Antonius histórico com dois olhos, provavelmente alto (mas certamente não com 3 metros), guerreiro famoso (mas que certamente não exterminou 3 bilhões de árabes), filho de Gaius Marco (mas com mãe terrena), talvez algo religioso, chegado a vinho (sem comer pedras) e flores? Imagine agora um texto, mais ou menos da mesma época, que lista vários nomes encimados com o título: Iudaeae Praefectorum (ou algo assim, não sei latim) - arrolado, Gaius Antonius. Nenhum outro comentário. Essa lista parece mais credível (não necessariamente será verdadeira).
Por que, em um julgamento, advogados do réu procuram estabelecer a credibilidade do depoente de defesa e diminuir a credibilidade dos depoentes de acusação? Ok, as chances de ser pura chicana são altas. Digamos que seja - ó, oxímoro - um advogado honesto (ei, advogados, não me processem, não é sério!). A credibilidade do depoente afeta a credibilidade do depoimento. Se um sujeito se senta e diz que viu o acusado falando com um elefante cor-de-rosa invisível e afirmando que iria matar a vítima, o fato de mencionar elefante cor-de-rosa invisível não faz com que se torne mentira a afirmação de que o acusado disse que iria matar a vítima, não o inocenta - mas faz com que a afirmação feita seja pouco acreditável. Provavelmente o acusado não pegará xadrez - se a única prova for o depoimento do sujeito acima -, mas aí por causa da presunção da inocência. E não porque o depoimento provou que o acusado não matou ninguém - o depoimento apenas falha em demonstrar a culpa. Mas se, digamos, uma gravação do local do homicídio mostra o acusado ameaçando a vítima e nela atirando teremos provavelmente uma condenação - o doido estaria certo, porém só sabemos disso por uma fonte independente (e mais credível).
A distinção entre "seguramente verdadeiro" e "seguramente falso" não é dicotômica. Na maior parte das vezes é impossível atribuir probabilidades. Algumas pessoas acharão alguém com, digamos, 50 mil fios de cabelo suficientemente cabeluda - especialmente se for uma pessoa sem cabelo algum -, outras a considerarão carecas - especialmente os cabeludos com 150 mil fios ou mais. Claro que quanto mais indícios, para um lado ou para outro, acumularem-se, menos defensável o posicionamento contrário ao conjunto de tais indícios.
Não temos exatamente um equivalente para a presunção da inocência no caso - o que mais se aproxima é a hipótese nula (no caso, de que não tenha havido um prefeito Gaius Antonius). Também não iremos fazer chover fogo e enxofre sobre o herege que duvida que Gaius Antonius tenha existido.
"#Disse mais o Senhor: Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito, descerei agora, e verei se com efeito têm praticado segundo o seu clamor, que é vindo até mim; e se não, sabê-lo-ei.
#Então viraram aqueles homens os rostos dali, e foram-se para Sodoma; mas Abraão ficou ainda em pé diante da face do Senhor.
#E chegou-se Abraão, dizendo: Destruirás também o justo com o ímpio? Se porventura houver cinqüenta justos na cidade, destruirás também, e não pouparás o lugar por causa dos cinqüenta justos que estão dentro dela? Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra?
#Então disse o Senhor: Se eu em Sodoma achar cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei a todo o lugar por amor deles.
#E respondeu Abraão dizendo: Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza. Se porventura de cinqüenta justos faltarem cinco, destruirás por aqueles cinco toda a cidade?
#E disse: Não a destruirei, se eu achar ali quarenta e cinco.
#E continuou ainda a falar-lhe, e disse: Se porventura se acharem ali quarenta?
#E disse: Não o farei por amor dos quarenta.
#Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, se eu ainda falar: Se porventura se acharem ali trinta?
#E disse: Não o farei se achar ali trinta.
#E disse: Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor: Se porventura se acharem ali vinte?
#E disse: Não a destruirei por amor dos vinte.
#Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, que ainda só mais esta vez falo: Se porventura se acharem ali dez?
#E disse: Não a destruirei por amor dos dez. E retirou-se o Senhor, quando acabou de falar a Abraão; e Abraão tornou-se ao seu lugar."
A narrativa segue com as duas cidades sendo destruídas, depois da multidão querer estuprar dois enviados por Javé. Interpreta-se tradicionalmente que os únicos homens justos - em número menor do que os dez combinado - encontravam-se na casa de Ló, sobrinho de Abraão.
Há um falso paradoxo que combina com a história. Quantos fios de cabelo uma pessoa pode ter no máximo para ser considerada careca? 150 mil fios no couro cabeludo é de uma pessoa com respeitável cabeleira. Um fio a menos não faz diferença. Dois também não. Nem três, quatro, cinco... Dez mil não fazem... Mas seguramente 130 mil fios a menos serão notados. Onde fica o ponto intermediário que definiria a pessoa como careca? Não há um ponto fixo. O que não quer dizer que não existam pessoas carecas ou pessoas cabeludas. Matematicamente isso é resolvido pela chamada lógica fuzzy - em vez de definir categoricamente as pessoas como cabeludas ou carecas, cada pessoa possui uma probabilidade de ser careca ou cabeluda (no caso, probabilidades complementares). Uma pessoa com 150 mil fios teria, digamos, uma probabilidade 1 (ou 100%) de ser cabeluda, uma pessoa com a cabeça lisinha teria uma probabilidade de 0 de ser cabeluda. As com quantidades intermediárias teriam probabilidades intermediárias - não necessariamente com 50% para alguém com 75 mil fios de cabelo, mas o decréscimo ou acréscimo da probabilidade seria contínuo.
Vamos a um outro ponto que ligarei com a questão acima. Não é uma alegação extraordinária dizermos que havia uma pessoa não identificada na Judeia do século 1. Tampouco seria uma alegação extraordinária dizermos que haveria duas pessoas... ou três... ou quatro. Mas certamente não deveria haver 1 bilhão. Com excavações arqueológicas podemos fazer algumas inferências sobre a densidade populacional, número de cidades à época e ter uma estimativa. Não sei quanto seria - considerando-se Jaffa, Gaza, Jerusalém e Hebron, estas quatro cidades teriam uma população de cerca de 150 mil habitantes em conjunto. Digamos que fossem umas 500 mil na província romana. Dizer que haveria um, digamos, José não traria maiores complicações. Poderíamos dizer que haveria uma Maria. Uma Ana. Um Josué... A questão é que, cada indivíduo isoladamente não teria uma existência implausível. Porém, em conjunto, não poderiam ultrapassar uma marca razoável - aqui, bastante no chutômetro, 500 mil. Estamos na questão do mais um (ou menos um) fio de cabelo.
Sabemos que havia homens e mulheres na Judeia no começo da era Cristã. Então qual o problema de dizer que haveria uma pessoa em específico?
A questão é que quando começa a se detalhar a pessoa: seu nome, suas relações familiares, seu sexo, sua idade, sua condição social... isto é, quando a individualizamos - cada detalhe tem uma probabilidade (não-estimada em sua maior parte - embora o sexo possamos aproximar como tendo 50% de início e variando de acordo com o nome), parcialmente independente da probabilidade de outros detalhes. Se multiplicarmos essas frações independentes, a probabilidade cai. Digamos: 50% de ser homem, em sendo homem, 70% de ter cabelos escuros - a probabilidade será de 35% de ser homem de cabelos escuros. (Claro que isso não quer dizer que as chances de existir um homem de cabelos escuros seja de 35% - por exemplo, as chances uma pessoa tomada ao acaso ser homem seria de 50%, mas as chances de haver um ou mais homens seria muito próximo de 100%. Mas ambas as probabilidades decrescem - salvo informações extras - com o grau de detalhamento dado.)
O ponto portanto são as tais informações extras. Se pegarmos uma coordenada ao acaso da Judeia romana, as chances de se encontrar ali uma pessoa é muito baixa. Mas se tivermos a informação de que ali há uma cidade (ou sítio arqueológico), a probabilidade aumenta. As chances de haver um nativo americano é considerada nula - salvo se tivermos, p.e., um esqueleto completo cuja análise osteológica (ou melhor, exame genético) indique pertencer a um grupo como gês ou comanches.
Quais as chances de ter havido um prefeito romano chamado Gaius Antonius em Judeia em algum momento da história antiga? Se não houver nenhuma fonte, simplesmente desconsideramos essa possibilidade - mesmo que não seja nem um pouco impossível (é um nome romano da época e certamente haveria prefeitos romanos em outros tempos além de Pôncio Pilatos). Digamos que encontremos um texto de século 1 a.C. que fale de Gaius Antonius - que ele tinha 3 metros de altura, dois olhos, havia exterminado 3 bilhões de guerreiros árabes, gostava de flores, rezava à Júpiter toda sexta-feira, filho de Gaius Marco, sua mãe era a própria deusa Diana, comia pedras e gostava de muito vinho. Podemos abstrair tudo e considerar que Gaius Antonius tenha sido mesmo prefeito de Judeia? Esse texto seria uma fonte histórica credível? Haveria um Gaius Antonius histórico com dois olhos, provavelmente alto (mas certamente não com 3 metros), guerreiro famoso (mas que certamente não exterminou 3 bilhões de árabes), filho de Gaius Marco (mas com mãe terrena), talvez algo religioso, chegado a vinho (sem comer pedras) e flores? Imagine agora um texto, mais ou menos da mesma época, que lista vários nomes encimados com o título: Iudaeae Praefectorum (ou algo assim, não sei latim) - arrolado, Gaius Antonius. Nenhum outro comentário. Essa lista parece mais credível (não necessariamente será verdadeira).
Por que, em um julgamento, advogados do réu procuram estabelecer a credibilidade do depoente de defesa e diminuir a credibilidade dos depoentes de acusação? Ok, as chances de ser pura chicana são altas. Digamos que seja - ó, oxímoro - um advogado honesto (ei, advogados, não me processem, não é sério!). A credibilidade do depoente afeta a credibilidade do depoimento. Se um sujeito se senta e diz que viu o acusado falando com um elefante cor-de-rosa invisível e afirmando que iria matar a vítima, o fato de mencionar elefante cor-de-rosa invisível não faz com que se torne mentira a afirmação de que o acusado disse que iria matar a vítima, não o inocenta - mas faz com que a afirmação feita seja pouco acreditável. Provavelmente o acusado não pegará xadrez - se a única prova for o depoimento do sujeito acima -, mas aí por causa da presunção da inocência. E não porque o depoimento provou que o acusado não matou ninguém - o depoimento apenas falha em demonstrar a culpa. Mas se, digamos, uma gravação do local do homicídio mostra o acusado ameaçando a vítima e nela atirando teremos provavelmente uma condenação - o doido estaria certo, porém só sabemos disso por uma fonte independente (e mais credível).
A distinção entre "seguramente verdadeiro" e "seguramente falso" não é dicotômica. Na maior parte das vezes é impossível atribuir probabilidades. Algumas pessoas acharão alguém com, digamos, 50 mil fios de cabelo suficientemente cabeluda - especialmente se for uma pessoa sem cabelo algum -, outras a considerarão carecas - especialmente os cabeludos com 150 mil fios ou mais. Claro que quanto mais indícios, para um lado ou para outro, acumularem-se, menos defensável o posicionamento contrário ao conjunto de tais indícios.
Não temos exatamente um equivalente para a presunção da inocência no caso - o que mais se aproxima é a hipótese nula (no caso, de que não tenha havido um prefeito Gaius Antonius). Também não iremos fazer chover fogo e enxofre sobre o herege que duvida que Gaius Antonius tenha existido.
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