Comentei anteriormente os
erros que Aldo Rebelo e Reinaldo Azevedo cometeram ao tentar defender o texto da proposta de novo código florestal.
Azevedo
tornou a comentar o assunto, procurando rebater a explicação dada por um leitor de seu blogue.
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RESPONDO - Segundo o Relatório do Deputado Aldo Rebelo, em seu Artigo 4º, “considera-se como Área de Preservação Permanente (APP), EM ZONAS RURAIS E URBANAS, pelo só efeito desta Lei: I- As faixas marginais de qualquer curso d’água natural, DESDE A BORDA DO LEITO MENOR, em largura mínima de (…)” E seguem a metragens estipuladas no Código Florestal vigente, acrescentado de uma faixa para cursos d’água menores que cinco metros. Enquadra assim, como APP, a área sujeita a alagamento a partir do que exceder seu leito menor, que é o canal por onde corre regularmente as águas do curso d’água durante o ano.
O que exceder a metragem mínima estipulada, o poder público dispõe de prerrogativa de declarar como Área Protegida (§ 1º, art 4º).-----------------
Essa nova faixa significa que no código atual, rios de até 5 m de largura a faixa de proteção CAI de 30 metros para 15 metros.
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Ainda no Art 4 º, o parágrafo 3° dispõe:
“No caso de áreas urbanas consolidadas nos termos da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, alterações nos limites das Áreas de Preservação Permanentes deverão estar previstas nos planos diretores ou nas leis municipais de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.”
A Lei 11.977/09, conhecida como Lei do Minha Casa, Minha Vida, exige a adequação de ocupação urbana em APP a estudos técnicos. O projeto do Código Florestal de Aldo vai além, exigindo estudos técnicos para a feitura dos planos diretores ou leis municipais de zoneamento. Exige a aplicação do artigo 3º e parágrafo único da Lei 6.766/79, a saber: “Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:
I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;”
Mesmo nessa hipótese de viabilidade técnica, deverão ser respeitados o limites mínimos de APPs de curso d’água, previstos no Projeto de Lei.
Como se nota, a proposta de novo Código Florestal é até mais exigente. Mas sigamos.
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Mas nem em sonho a nova proposta é mais exigente. Como observei acima, cursos d'água com até 5 metros têm margem de proteção reduzida à metade. Veja no que isso implica:
Pequenos cursos d'água, naturalmente, possuem menor volume de vazão. Então qualquer fonte poluidora tem um potencial de impacto muito maior em rios pequenos do que em rios maiores.
Rios mais caudalosos formam-se pela junção de pequenos cursos d'água. Esses pequenos cursos d'água estarão muito mais expostos com o novo texto do que com a lei atual.
Qualquer chuvinha lavará os detritos das residências e suas ruas direto para os pequenos cursos d'água. Isso vai desaguar nos rios maiores... Normalmente há um fator de impacto relacionado ao quadrado da distância - diminuir pela metade significaria um impacto potencial quatro vezes maior, mas vamos admitir uma linearidade, o impacto nos pequenos cursos será dobrado.
Onde está a maior exigência nisso? Azevedo se refere a dispositivos de outras leis. Mas tais dispositivos já devem ser aplicados - estão no corpo legal afinal de contas. Só constar referência no novo texto não torna mais rigoroso.
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Considerar as margens da cheia máxima para, a partir daí, calcular a metragem das APPs, gera uma série de distorções e ilegalidades. Os rios da Amazônia, por exemplo, na cheia, atingem vários quilômetros mata adentro. Como ficaria a situação dos povoados e cidades que foram construídos exatamente por conta dos rios, que eram as únicas vias de acesso à floresta? Os ribeirinhos - povos tradicionais ou povos da floresta, na definição mariniana, a Santa da Floresta - estão todos na ilegalidade, visto que, nas cheias, a margem dos rios é empurrada por muitos quilômetros além do ponto em que estão fixados. As áreas inundáveis, mesmo nas secas, são, pelo atual Código Florestal, APPs - e, portanto, não poderiam abrigar nada que lembrasse gente, certo? É uma concepção realmente formidável porque contrária até à história da civilização, que se beneficiou da fertilização das enchentes para produzir alimento: Nilo, Tigre e Eufrates, Yang-Tsé… O relatório de Aldo só corrige uma insensatez.
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Vamos supor que a população ribeirinha esteja na ilegalidade com o código atual. Não estarão na legalidade com o texto proposto. Elas vivem nas margens dos rios. Não importa se o texto novo fala em leito menor - rios de 10 a 50 metros de larguram exigem 50 metros de distância mínima. Ou imagine o rio Amazonas, uma vez que rios com 600 metros de largura ou mais exigem uma distância de meio quilômetro. Se há alguma insensatez, o novo código não corrige nenhuma. (Naturalmente, as populações ribeirinhas são abarcadas pela exceção presente no código atual de interesse social - definido no inciso V do 2o parágrafo do artigo 1o.)
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No caso dos topos de morros, montanhas e serras, a lei de parcelamento do solo, associada ao § 3º do Artigo 4º do substitutivo de Aldo, não permite o parcelamento do solo em “terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação”. Adicionalmente, o relatório explica as razões técnicas de considerar APP um topo de morro que ainda não encontrou consenso em sua definição. O Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) ainda não definiu com precisão o que é um “topo de morro”, dadas as diferentes conformações, podendo perfeitamente ser explorados de acordo com suas características. Os técnicos da Embrapa, por exemplo, entendem inadequado tratar topo de morro como APP. Não se viu o colapso de nenhum topo de morro nas imagens da tragédia. Pelo contrário. As construções em topos de morro têm sido preservadas ao longo do tempo -Pão de Açúcar, Corcovado, Igreja da Penha etc. O grande problema são as encostas.
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Desastres naturais não apresentam como único fator condições geológicas. E condições geológicas que permitem edificação não garantem que edificações não tenham impacto importante. Construções impermeabilizam o solo. A água das chuvas vãovai rolar morro abaixo com muito mais velocidade. Se edificações no topo de morro resistem, ela pode - e muitas vezes vai - agravar o "grande problema" das encostas.
O problema da definição da resolução 303/2002 do Conama, tem menos a ver com o topo do que com a base. O topo é definido como região acima de 2/3 da altura total do morro em relação à base. Nem sempre é fácil definir a base, então a altura *mínima* do topo vai variar - mas as construções que estão *bem* no cume vai estar no topo da montanha em qualquer definição da linha de base.
E é mentira que não se tenha visto colapso de topo de morro, como se vê na imagem abaixo:
Nova Friburgo, RJ. 2011. Governo do RJ/Marino Azevedo.
E outra, do ano passado, em Angra dos Reis, RJ.
Angra dos Reis, RJ. 2010. Agência Estado, Danielle Viana.
E um vídeo do deslizamento de topo de morro em Nova Friburgo este ano*.
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A legislação ambiental também classifica as áreas com declividades maiores que 45º, equivalente a 100% na maior linha de declive, como Áreas de Preservação Permanente. Ainda assim, o substitutivo de Aldo permite considerar, no Artigo 6º, como de preservação permanente as áreas cobertas por florestas e outras formas de vegetação destinada a conter a erosão do solo, proteger várzeas e assegurar condições de bem-estar público. O relatório traz, ainda, proteção adicional a veredas, dunas e manguezais. Esses ecossistemas não eram considerados APPs, aumentando a proteção de grande parte do território nacional. Como o objetivo do ecoterrorismo é atacar o agronegócio, não proteger a natureza, não se diz uma vírgula a respeito. Voltemos ao leitor.
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Basta acrescentar tais áreas de dunas, veredas e manguezais no texto atual. Trocar dunas, veredas e manguezais pelo que se perde de resto não seria um bom negócio. Mas não é verdadeiro que tais áreas sejam um acréscimo real do novo texto proposto. O
código atual no artigo 3o traz como APP:
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;O novo texto apenas explicita as dunas e mangues como áreas de proteção. O que já é mais ou menos patente no texto atual. A explicitação na proposta teve que se dar pela definição adotada de restinga. Pelo
novo texto, a restinga deixa de ser área de proteção permanente. (As veredas, como as matas ciliares, são naturalmente protegidas como APP pelas faixas dadas na atual legislação.)
Pelo menos parece que Azevedo agora está ciente de que o novo texto proposto tem sim implicação para áreas urbanas (embora agora ele tente dizer que são implicações positivas).
*Upideite(26/jan/2011): Adido a esta data.