Via blogue do Nassif.
sábado, 30 de abril de 2011
Toyota notifica Notícias Automotivas para que não publique nada sobre ela
A Toyota do Brasil notificou extrajudicialmente o sítio web Notícias Automotivas por conta de reportagem em que mostra testes de um modelo a ser lançado em 2012. A notificação ameaça com processo judicial caso a matéria não seja retirada do NA e insta-o a não mais publicar nenhuma informação sobre a montadora.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Carrefour também não sabe ler
A respeito da lei sobre sacolas plásticas em BH, enviei pelo formulário de contato no site do Carrefour a mensagem abaixo:
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De: Roberto Takata
Para: naoresponder@carrefour.com
Enviada em: 27/04/2011 15:47:53
Assunto: Responsabilidade Social
Nome: Roberto Takata
E-mail: rmtakata@xxx
Telefone: (xx) xxx
Estado: MG
Loja: B.H. Shopping
Mensagem:
Prezados Senhores,
Em respeito à lei municipal 9.529/2008 de Belo Horizonte, MG, as lojas da cidade estão oferecendo alternativas pagas de sacolas retornáveis ou descartáveis compostáveis.
Gostaria de saber por que motivo não é oferecida também a alternativa de sacos de papel, que eram, em passado recente, oferecidos gratuitamente pelos supermercados.
Agradeço desde já a atenção.
Cordialmente,
Roberto Takata
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Eles responderam:
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From: naoresponder@carrefour.com
Subject: Re: Responsabilidade Social
To: rmtakata@xxx
Date: Thu, 28 Apr 2011 19:39:07 -0300
Prezado Roberto,
Agradecemos o envio de sua mensagem ao Serviço AMIGO do Cliente Carrefour.
O Grupo Carrefour, vem trabalhando arduamente para oferecer aos nossos clientes preços competitivos, variedades de produtos com qualidade.
Lamentamos que ao visitar nossa loja, não tenha encontrado as sacolas reutilizaveis, informamos que sua manifestação será acatada como uma sugestão para melhoria de nossos serviços.
Nesse sentido, nos colocamos à disposição sempre que preciso.
Seu contato está registrado em nosso serviço sob o número: 2321291
Caso queira retornar, por favor, não responda ao remetente deste e-mail. Acesse o site: www.grupocarrefour.com.br, e na opção "Fale Conosco" selecione o ícone "Serviço AMIGO do Cliente", e clique em "Envie um E-mail".
Atenciosamente,
xxxx
Serviço AMIGO do Cliente
Carrefour Brasil
Subject: Re: Responsabilidade Social
To: rmtakata@xxx
Date: Thu, 28 Apr 2011 19:39:07 -0300
Prezado Roberto,
Agradecemos o envio de sua mensagem ao Serviço AMIGO do Cliente Carrefour.
O Grupo Carrefour, vem trabalhando arduamente para oferecer aos nossos clientes preços competitivos, variedades de produtos com qualidade.
Lamentamos que ao visitar nossa loja, não tenha encontrado as sacolas reutilizaveis, informamos que sua manifestação será acatada como uma sugestão para melhoria de nossos serviços.
Nesse sentido, nos colocamos à disposição sempre que preciso.
Seu contato está registrado em nosso serviço sob o número: 2321291
Caso queira retornar, por favor, não responda ao remetente deste e-mail. Acesse o site: www.grupocarrefour.com.br, e na opção "Fale Conosco" selecione o ícone "Serviço AMIGO do Cliente", e clique em "Envie um E-mail".
Atenciosamente,
xxxx
Serviço AMIGO do Cliente
Carrefour Brasil
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quinta-feira, 28 de abril de 2011
Feminismo e trabalhadoras domésticas
O português exigiria a denominação no masculino: "empregados domésticos" para o genérico, mas esta é das raras profissões/ocupações em que quase não há homens atuando. E é um símbolo da degradação das condições das mulheres em nossa sociedade.
Não pelo trabalho em si. Ele é digno. Mas as condições em que a maioria das empregadas domésticas se encontram - mesmo as que são 'promovidas' a secretárias do lar - é mais do que lastimável. Muitas são maltratadas pelos empregadores e recebem muito pouco e têm poucos direitos trabalhistas - e frequentemente os poucos que têm são desrespeitados.
A jornalista Niara de Oliveira em uma postagem convidada no Escreva Lola Escreva trata da questão sob a óptica feminista. E convoca a todas a simplesmente não participarem disso, fazer o próprio serviço doméstico (partilhando igualmente entre todos da casa), sem explorar o trabalho das mulheres pobres.
A reflexão é muito interessante e creio que mereça uma profunda reflexãoconsideração.
De minha parte noto que, não obstante ser motivada por espírito nobre, a solução encontrada é altamente incompleta.
A maioria das empregadas domésticas, pra não dizer todas, só se sujeitam a isso porque não encontram outras ocupações.
Uma alternativa seria pagar salários justos e garantir-lhe todos os direitos: férias acrescidas de 1/3, décimo terceiro, folga semanal remunerada, jornada de 40 horas, etc. Mas, de um lado, poucas seriam as famílias capazes de arcar com tais custos. De outro, pode-se entender que ainda assim seria colocar a mulher em condição de inferioridade.
Mas simplesmente demitir a empregada e passar a fazer a própria limpeza e arrumação da casa não irá melhorar a situação delas. Irá até mesmo piorar: já que lhe cortará a fonte de renda.
A feminista encontrar-se-á em um impasse: valer-se de empregada será uma exploração; simplesmente demiti-la será tirar-lhe o sustento.
Uma solução mais completa que vejo é: não se valer de serviços das domésticas, mas utilizar o dinheiro que seria pago pelo serviço no treinamento e capacitação das mulheres pobres.
Ao mesmo tempo em que se deixa de participar da exploração, estará a contribuir para a melhoria real das condições das domésticas.
Obs: O mesmo disclaimer feito na ocasião da discussão sobre o machismo nos blogues ditos progressistas vale aqui.
domingo, 24 de abril de 2011
Do banimento das burqas e niqabs na França
A lei francesa 2010-1192 em pleno vigor a partir de 11 de abril de 2011 que trata de ocultação da face em locais públicos é, ela mesma, dissimulada.
Diz o texto do artigo 1o:
"Nul ne peut, dans l'espace public, porter une tenue destinée à dissimuler son visage."
Aparentemente é livre de qualquer conotação antirreligiosa em geral e anti-islâmica em particular. Afinal, não apenas não menciona nenhum tipo em específico como burqa e niqab como implica na proibição da ocultação da face por quaisquer meios: como capacetes, máscaras, balaclavas, etc.
Mas aí vem o segundo parágrafo do art. 2o que lista as exceções:
"II. ― L'interdiction prévue à l'article 1er ne s'applique pas si la tenue est prescrite ou autorisée par des dispositions législatives ou réglementaires, si elle est justifiée par des raisons de santé ou des motifs professionnels, ou si elle s'inscrit dans le cadre de pratiques sportives, de fêtes ou de manifestations artistiques ou traditionnelles."
Claro, bombeiros precisam usar máscaras de oxigênio em incêndios, não faz sentido proibi-los. E esgrimistas? Sim, também liberado. E máscaras de carnaval? Opa, pode sim. E capacete para motocicletas? Claro que pode usar. E máscaras de proteção para vítimas de queimaduras? Sim, sim, não faz sentido proibi-los. Isto é, o artigo 2o em seu parágrafo II desfaz toda a proibição abrangente do artigo 1o menos para... sim, você adivinhou, os aparatos usados por mulheres muçulmanas. O mesmo artifício que baniu das escolas públicas francesas o uso de símbolos religiosos pelos alunos: para não se referir especificamente aos véus islâmicos, referiu-se genericamente a símbolos religiosos, mas para que se aplicasse somente aos véus islâmicos, adjetivou-se com "ostensivo" - a senha para o uso de outros símbolos, menos os véus.
(Se eu fosse advogado de uma muçulmana multada por uso de burqa apelaria para "manifestations traditionnelles" - ao menos no que se refere a alimentos, a legislação europeia considera como tradicional algo em uso contínuo por 25 anos.)
Claro que tem pouco efeito prático, nós daqui manifestarmo-nos sobre leis de acolá, mas é preocupante a escalada do cerco islamofóbico - e xenofóbico mais genericamente (ciganos também são afetados com leis restritivas, além de imigrantes africanos, asiáticos e latinoamericanos) - travestida em atos laicizantes e libertários.
Na edição de 23/abr/2011 da Folha, a Procuradora do MP/SP Luiza Nagib Eluf defende a lei francesa (só pra asssinantes aqui)*. Para responder que a lei *não* fere a laicidade estatal ela elenca três argumentos.
1) "Primeiro, porque, conforme as leis francesas, a humilhação ou a escravização da mulher não é permitida."
2) "Segundo, porque o Alcorão não determina o uso do véu."
3) "Em terceiro lugar, é preciso lembrar que as regras mais elementares de segurança pública recomendam que as pessoas não cubram suas faces e não se ponham mascaradas ao frequentar espaços de uso comum."
1a - se há já uma lei, para que uma nova?
1b - o problema é a humilhação, puna-se a agressão às mulheres. Se um homem açoita uma mulher, o problema é resolvido proibindo-se a posse de açoite ou punindo-se o uso do açoite contra pessoas? E se o homem humilha a esposa fazendo a vestir uma camiseta com os dizeres "sou uma prostituta", vai se proibir o uso de camisetas (talvez camisetas com qualquer tipo de frases)?
2 - para efeito da laicidade pouco importa o que o Corão determina ou deixa de determinar, a laicidade é cega a isso. Ou para se elaborar, aprovar e aplicar uma lei de um estado laico deve consultar primeiro o que um livro sagrado diz para ver se é ou não o caso?
3 - as regras que, pela própria redação da lei, admitem exceções. Por que exatamente a burqa e o niqab seriam perigosos para a segurança pública enquanto palhaços não?
A procuradora segue dizendo: "Por outro lado, quando algumas mulheres árabes se posicionam publicamente a favor da burca ou do niqab (os dois tipos de véu que cobrem o rosto, bem como todo o corpo e até as mãos), essas declarações demonstram a total falta de percepção da realidade e de sua própria condição. São pessoas que foram condicionadas a esse uso durante toda a existência e começaram a acreditar que são felizes assim." Ou seja, reduz essas mulheres a umas incapazes e que necessitam da tutela do estado.
Uma coisa é proibir que se obrigue alguém a fazer uma coisa, outra é proibir qualquer um de fazer essa uma coisa. Será que proibindo o uso de burqa e niqab magicamente as mulheres muçulmanas que são escravizadas pelos maridos ganharão uma consciência emancipatória (não estou nem considerando aqui os maridos que simplesmente proibirão suas esposas de sairem sem burqa e niqab)? Não seria liberdade garantir condições para que ninguém seja obrigado a usar burqas, nuqabs ou qualquer outra coisa contra sua vontade - e que quem quiser, de sua própria vontade, usar possa usá-los?
Proibir a burqa e niqab é, por si só, ineficiente para se atingir o objetivo de impedir a humilhação das mulheres. Enquanto priva dessa opção aquelas que realmente a desejam usar. Para se resolver a crítica situação das muitas mulheres muçulmanas (e não apenas as muçulmanas) submetidas a seus maridos é preciso criar condições: sistemas de denúncias de maus tratos e proteção à mulher, educação e trabalho, assistência social... e, nesse caso, proibir a burqa e niqab é inútil: as que não quiserem utilizar, não utilizarão.
Para algumas seitas cristãs, é obrigatório que as mulheres usem saias. Elas não podem, sob nenhuma hipótese, usar calças. Vai se proibir o uso de saias para libertar mulheres dessas seitas cristãs?
(*via @carloshotta)
Obs: O mesmo disclaimer feito na ocasião da discussão sobre o machismo nos blogues ditos progressistas vale aqui.
Diz o texto do artigo 1o:
"Nul ne peut, dans l'espace public, porter une tenue destinée à dissimuler son visage."
Aparentemente é livre de qualquer conotação antirreligiosa em geral e anti-islâmica em particular. Afinal, não apenas não menciona nenhum tipo em específico como burqa e niqab como implica na proibição da ocultação da face por quaisquer meios: como capacetes, máscaras, balaclavas, etc.
Mas aí vem o segundo parágrafo do art. 2o que lista as exceções:
"II. ― L'interdiction prévue à l'article 1er ne s'applique pas si la tenue est prescrite ou autorisée par des dispositions législatives ou réglementaires, si elle est justifiée par des raisons de santé ou des motifs professionnels, ou si elle s'inscrit dans le cadre de pratiques sportives, de fêtes ou de manifestations artistiques ou traditionnelles."
Claro, bombeiros precisam usar máscaras de oxigênio em incêndios, não faz sentido proibi-los. E esgrimistas? Sim, também liberado. E máscaras de carnaval? Opa, pode sim. E capacete para motocicletas? Claro que pode usar. E máscaras de proteção para vítimas de queimaduras? Sim, sim, não faz sentido proibi-los. Isto é, o artigo 2o em seu parágrafo II desfaz toda a proibição abrangente do artigo 1o menos para... sim, você adivinhou, os aparatos usados por mulheres muçulmanas. O mesmo artifício que baniu das escolas públicas francesas o uso de símbolos religiosos pelos alunos: para não se referir especificamente aos véus islâmicos, referiu-se genericamente a símbolos religiosos, mas para que se aplicasse somente aos véus islâmicos, adjetivou-se com "ostensivo" - a senha para o uso de outros símbolos, menos os véus.
(Se eu fosse advogado de uma muçulmana multada por uso de burqa apelaria para "manifestations traditionnelles" - ao menos no que se refere a alimentos, a legislação europeia considera como tradicional algo em uso contínuo por 25 anos.)
Claro que tem pouco efeito prático, nós daqui manifestarmo-nos sobre leis de acolá, mas é preocupante a escalada do cerco islamofóbico - e xenofóbico mais genericamente (ciganos também são afetados com leis restritivas, além de imigrantes africanos, asiáticos e latinoamericanos) - travestida em atos laicizantes e libertários.
Na edição de 23/abr/2011 da Folha, a Procuradora do MP/SP Luiza Nagib Eluf defende a lei francesa (só pra asssinantes aqui)*. Para responder que a lei *não* fere a laicidade estatal ela elenca três argumentos.
1) "Primeiro, porque, conforme as leis francesas, a humilhação ou a escravização da mulher não é permitida."
2) "Segundo, porque o Alcorão não determina o uso do véu."
3) "Em terceiro lugar, é preciso lembrar que as regras mais elementares de segurança pública recomendam que as pessoas não cubram suas faces e não se ponham mascaradas ao frequentar espaços de uso comum."
1a - se há já uma lei, para que uma nova?
1b - o problema é a humilhação, puna-se a agressão às mulheres. Se um homem açoita uma mulher, o problema é resolvido proibindo-se a posse de açoite ou punindo-se o uso do açoite contra pessoas? E se o homem humilha a esposa fazendo a vestir uma camiseta com os dizeres "sou uma prostituta", vai se proibir o uso de camisetas (talvez camisetas com qualquer tipo de frases)?
2 - para efeito da laicidade pouco importa o que o Corão determina ou deixa de determinar, a laicidade é cega a isso. Ou para se elaborar, aprovar e aplicar uma lei de um estado laico deve consultar primeiro o que um livro sagrado diz para ver se é ou não o caso?
3 - as regras que, pela própria redação da lei, admitem exceções. Por que exatamente a burqa e o niqab seriam perigosos para a segurança pública enquanto palhaços não?
A procuradora segue dizendo: "Por outro lado, quando algumas mulheres árabes se posicionam publicamente a favor da burca ou do niqab (os dois tipos de véu que cobrem o rosto, bem como todo o corpo e até as mãos), essas declarações demonstram a total falta de percepção da realidade e de sua própria condição. São pessoas que foram condicionadas a esse uso durante toda a existência e começaram a acreditar que são felizes assim." Ou seja, reduz essas mulheres a umas incapazes e que necessitam da tutela do estado.
Uma coisa é proibir que se obrigue alguém a fazer uma coisa, outra é proibir qualquer um de fazer essa uma coisa. Será que proibindo o uso de burqa e niqab magicamente as mulheres muçulmanas que são escravizadas pelos maridos ganharão uma consciência emancipatória (não estou nem considerando aqui os maridos que simplesmente proibirão suas esposas de sairem sem burqa e niqab)? Não seria liberdade garantir condições para que ninguém seja obrigado a usar burqas, nuqabs ou qualquer outra coisa contra sua vontade - e que quem quiser, de sua própria vontade, usar possa usá-los?
Proibir a burqa e niqab é, por si só, ineficiente para se atingir o objetivo de impedir a humilhação das mulheres. Enquanto priva dessa opção aquelas que realmente a desejam usar. Para se resolver a crítica situação das muitas mulheres muçulmanas (e não apenas as muçulmanas) submetidas a seus maridos é preciso criar condições: sistemas de denúncias de maus tratos e proteção à mulher, educação e trabalho, assistência social... e, nesse caso, proibir a burqa e niqab é inútil: as que não quiserem utilizar, não utilizarão.
Para algumas seitas cristãs, é obrigatório que as mulheres usem saias. Elas não podem, sob nenhuma hipótese, usar calças. Vai se proibir o uso de saias para libertar mulheres dessas seitas cristãs?
(*via @carloshotta)
Obs: O mesmo disclaimer feito na ocasião da discussão sobre o machismo nos blogues ditos progressistas vale aqui.
Do banimento das sacolas plásticas
Em BH já está em vigor o caráter obrigatório dos dispostos na lei 9.529/2008 que proíbe o uso de saco plástico de lixo e sacola plástica convencional em estabelecimentos privados e órgãos públicos do município. O artigo 4o estabelece as penalidades, inicialmente vetado pelo Prefeito Fernando Pimentel, mas depois promulgado pela Câmara: a lei não teria nenhum efeito prático se não houvesse penalidades.
A intenção é boa, embora ainda não tenhamos por claro se os benefícios socioambientais esperados decorrerão da lei.
Há um problema que vejo na redação da lei. Em sua redação atual, o artigo 1o determina:
"Art. 1º - O uso de saco plástico de lixo e de sacola plástica deverá ser substituído pelo uso de saco de lixo ecológico e de sacola ecológica, nos termos desta Lei."
Mas não há no dispositivo a definição do que sejam as sacolas ecológicas. Pela prática adotada pelos supermercados, estão a se oferecer - vender - sacolas de lona de algodão e sacolas de plástico compostável e reciclável. Tem alguns poréns: pelo menos um estudo indica queo impacto de sacolas de algodão têm um impacto maior do que sacolas plásticas. Como lembra, Claudia Chow, no Ecodesenvolvimento, há plásticos produzidos com matéria vegetal - bioplásticos - que não são recicláveis. E como aponta Thanuci Silva, no Rastros de Carbono, alguns plásticos ditos oxibiodegradáveis não são realmente degradados por micro-organismos: eles fragmentam-se e se acumulam como partículas menores (um estudo recente mostra isso*).
Porém, a minha questão é: por que não retornar ao uso de sacos de papel para compras?
As soluções atuais são cobradas: a sacola retornável de lona custa 15 reais ou mais (a durabilidade é de 2 a 3 anos), a de plástico compostável sai por 19 centavos ao consumidor. Eu posso pagar, mas isso pode pesar para consumidores de menor renda: uma ida ao supermercado que demande 5 sacolas para carregar os produtos sai por praticamente 1 real.
O saco de papel é reciclável e compostável e pode ser produzido a preços competitivos no mercado nacional: a ponto de, em um passado recente, ser distribuídao gratuitamente pelos próprios supermercados aos clientes. As chamadas 'ecobags' de algodão são em grande parte importadas da China - como grande parte dos produtos têxteis.
Mas pela redação da lei da capital mineira fica a dúvida de se o saco de papel entra na categoria de "sacolas ecológicas". Como há um movimento de que o banimento das sacolas plásticas convencionais se espalhe por outras capitais e grandes municípios, seria importante que esse hiato jurídico fosse bem analisado.
*Upideite(26/abr/2011): adido a esta data.
Upideite (22/dez/2011): as sacolas de papel parecem ter um impacto bem maior do que as sacolas plásticas convencionais, mas ainda são menos problemáticas do que as sacolas compostáveis. (A se notar que o estudo é americano, no Brasil, a contabilidade do impacto pode ser um tanto diferente, pela diferença na matriz energética.)
A intenção é boa, embora ainda não tenhamos por claro se os benefícios socioambientais esperados decorrerão da lei.
Há um problema que vejo na redação da lei. Em sua redação atual, o artigo 1o determina:
"Art. 1º - O uso de saco plástico de lixo e de sacola plástica deverá ser substituído pelo uso de saco de lixo ecológico e de sacola ecológica, nos termos desta Lei."
Mas não há no dispositivo a definição do que sejam as sacolas ecológicas. Pela prática adotada pelos supermercados, estão a se oferecer - vender - sacolas de lona de algodão e sacolas de plástico compostável e reciclável. Tem alguns poréns: pelo menos um estudo indica que
Porém, a minha questão é: por que não retornar ao uso de sacos de papel para compras?
As soluções atuais são cobradas: a sacola retornável de lona custa 15 reais ou mais (a durabilidade é de 2 a 3 anos), a de plástico compostável sai por 19 centavos ao consumidor. Eu posso pagar, mas isso pode pesar para consumidores de menor renda: uma ida ao supermercado que demande 5 sacolas para carregar os produtos sai por praticamente 1 real.
O saco de papel é reciclável e compostável e pode ser produzido a preços competitivos no mercado nacional: a ponto de, em um passado recente, ser distribuíd
Mas pela redação da lei da capital mineira fica a dúvida de se o saco de papel entra na categoria de "sacolas ecológicas". Como há um movimento de que o banimento das sacolas plásticas convencionais se espalhe por outras capitais e grandes municípios, seria importante que esse hiato jurídico fosse bem analisado.
*Upideite(26/abr/2011): adido a esta data.
Upideite (22/dez/2011): as sacolas de papel parecem ter um impacto bem maior do que as sacolas plásticas convencionais, mas ainda são menos problemáticas do que as sacolas compostáveis. (A se notar que o estudo é americano, no Brasil, a contabilidade do impacto pode ser um tanto diferente, pela diferença na matriz energética.)
quinta-feira, 21 de abril de 2011
Ministra Ana de Hollanda, agora já chega né?
Não quero baixar o nível acusando a Ministra da Cultura Ana de Hollanda de representar este ou aquele interesse. Até prova em contrário, ela defende as causas em que ela acredita.
Mas na questão sobre direitos autorais, especificamente a respeito das licenças Creative Commons, a ministra tem falado tantas bobagens que me dá nos nervos. Não, não vou dizer que as desinformações sejam fruto de má-fé. Porém, não dá mais pra se atribuir a um simples desconhecimento; não para o caso de uma ministra de estado, há três meses no poder e que tenha se metido em polêmica sobre a questão.
Ela pode ser ignorante a respeito das CC, mas, se for o caso, é uma ignorância ativa: isto é, ela terá que ter escolhido ativamente permanecer ignorante.
Via blogue do Luis Nassif leio a entrevista da ministra ao jornal O Globo. Em que pese que sempre pode ter havido alguma interpretação equivocada do jornalista entrevistador em sua transcrição, o teor não difere de entrevistas anteriores e às quais a ministra não fez nenhuma objeção de incorreção.
Diz ela a respeito das Creatives Commons: "E eles trabalham com licenciamento de obras para a internet". Ministra, pelamordedeus, o licenciamento extrapola a internet - posso botar CC em um livro impresso, em um DVD, em um poema para ser reproduzido na rádio, na TV, declamado em público, ser colocado em caderno escolar... não é apenas para textos de sites e blogues para serem reproduzidos entre outros sites e blogues.
"O problema do Creative Commons é que não prevê o pagamento a quem cria". Ministra, isso não é problema algum. É o autor quem escolhe se quer ser remunerado e que forma ele quer. Se quer ser remunerado, logicamente não irá licenciar sua obra em CC. Ninguém é obrigado a licenciar obras em CC ou em qualquer outro sistema. As CC simplesmente facilitam o processo de licenciamento para uso gratuito: há versões que mantém restrição ao uso comercial.
Frise-se, é uma *opção* e uma opção do *autor* (ou dos detentores dos direitos de cópia). Não é uma imposição. Ninguém pensa em uma lei que obrigue a todas as obras a serem licenciadas em CC ou outra forma de copyleft. Não se obriga a nenhum autor a adotar esse caminho.
"Não se pode, sem um processo legal, colocar uma propaganda, uma marquinha que leva para o site de uma entidade que presta um serviço". Ministra, cadê o devido processo legal para ter a marquinha e link do: WordPress, twitter, YouTube e flickr?
Portanto, chega, ministra, está na hora de falarmos bem a sério sobre essas questões. Sem rodeios, sem desinformações e, sobretudo, sem mentir.
Mas na questão sobre direitos autorais, especificamente a respeito das licenças Creative Commons, a ministra tem falado tantas bobagens que me dá nos nervos. Não, não vou dizer que as desinformações sejam fruto de má-fé. Porém, não dá mais pra se atribuir a um simples desconhecimento; não para o caso de uma ministra de estado, há três meses no poder e que tenha se metido em polêmica sobre a questão.
Ela pode ser ignorante a respeito das CC, mas, se for o caso, é uma ignorância ativa: isto é, ela terá que ter escolhido ativamente permanecer ignorante.
Via blogue do Luis Nassif leio a entrevista da ministra ao jornal O Globo. Em que pese que sempre pode ter havido alguma interpretação equivocada do jornalista entrevistador em sua transcrição, o teor não difere de entrevistas anteriores e às quais a ministra não fez nenhuma objeção de incorreção.
Diz ela a respeito das Creatives Commons: "E eles trabalham com licenciamento de obras para a internet". Ministra, pelamordedeus, o licenciamento extrapola a internet - posso botar CC em um livro impresso, em um DVD, em um poema para ser reproduzido na rádio, na TV, declamado em público, ser colocado em caderno escolar... não é apenas para textos de sites e blogues para serem reproduzidos entre outros sites e blogues.
"O problema do Creative Commons é que não prevê o pagamento a quem cria". Ministra, isso não é problema algum. É o autor quem escolhe se quer ser remunerado e que forma ele quer. Se quer ser remunerado, logicamente não irá licenciar sua obra em CC. Ninguém é obrigado a licenciar obras em CC ou em qualquer outro sistema. As CC simplesmente facilitam o processo de licenciamento para uso gratuito: há versões que mantém restrição ao uso comercial.
Frise-se, é uma *opção* e uma opção do *autor* (ou dos detentores dos direitos de cópia). Não é uma imposição. Ninguém pensa em uma lei que obrigue a todas as obras a serem licenciadas em CC ou outra forma de copyleft. Não se obriga a nenhum autor a adotar esse caminho.
"Não se pode, sem um processo legal, colocar uma propaganda, uma marquinha que leva para o site de uma entidade que presta um serviço". Ministra, cadê o devido processo legal para ter a marquinha e link do: WordPress, twitter, YouTube e flickr?
Portanto, chega, ministra, está na hora de falarmos bem a sério sobre essas questões. Sem rodeios, sem desinformações e, sobretudo, sem mentir.
sábado, 16 de abril de 2011
Desventuras em BH
Pedrinho não chega ser um safo, mas com um mapa na mão sabe se virar em qualquer cidade. Ao menos achava isso até passar por beagá.
Notou que é uma boa cidade, mas que tem lá suas armadilhas contra os incautos e novatos.
Se em guerras de conquistas recentes, moradores das cidades removiam placas indicativas a fim de desnortear os invasores, algo não muito menos radical ocorre em alguns recantos da capital mineira.
Há estranhas ruas que serpenteiam e coleiam como rios meandrosos de planícies aluviais. Literalmente, ruas que dobram esquinas. A falta de placas indicadoras de ruas ocorre em alguns trechos, enquanto outros são mais bem sinalizados.
Aquela rua era lhe ainda mais perturbadora. Não apenas se dobrava sobre si mesma, como, vira no mapa, ela era até mesmo descontínua: desaparecia em uma extremidade e ressurgia mais além - em outra direção - como rios que caem em sumidouros e reemergem mais adiante. As placas ao menos indicavam-lhe o nome da labiríntica via; mas a armadilha mesmo era a numeração.
Acostumara-se a alguma ordem da numeração das ruas - pares a um lado, ímpares a outro, os números sempre descrentes em um dado sentido da rua (em geral no sentido a se afastar do centro histórico da cidade dada). Em muitas cidades, a numeração obedece até mesma a uma metragem fixa: a casa 500 estaria a mais ou menos 500 m do início da rua, e estaria a mais ou menos 300 metros da casa 800.
Não, não naquela rua peculiar.
- Número 612, número 612 - seguia Pedrinho relembrando em voz baixa o local em que deveria estar dali a 10 minutos. ("Beleza, vou chegar no horário.")
Vira logo de cara o número 580. "Que bom, estou perto". Não havia mais numeração do lado par, mas no ímpar seguia: 597 - estava no sentido correto, pois não?
Alguns metros mais e... número 32. Não, não era possível... Ou era? Mais adiante ainda: número 48.
Como séries quadrinísticas em crise, a numeração havia recomeçado. Como em bibliotecas públicas, justamente a edição do periódico que se queria estava a faltar.
- Já sei - foi o eureca de Pedrinho, quase a acordar um mendigo que se espraiava na calçada oposta sob um aconchegante sol da manhã de sábado.
A ideia lhe pareceu brilhante. Lá estava o 580, mais à frente, do outro lado da rua, o 597. Uma simples extrapolação linear lhe daria alguma indicação do 612.
Parou em frente a um prédio que estava onde a matemática lhe indicava.
- Sala 601. - Bem ali, no interfone: 101, 201, 301, 401, 501, 601, 701, 801... Apertou o 601.
- Pois não?
- Queria falar com a Tereza.
Bzzzz. A trava elétrica se abre. Yes, matemática for the win. Já pensava em sugerir um post a um amigo blogueiro: "Como a matemática me ajudou a achar a Batcaverna".
Empurra a porta, fecha-a e segue. A porta do hall do prédio: "Verifique se a porta está trancada". Ou algum morador não observara o alerta do adesivo ou o mesmo sinal que lhe abrira a porta da entrada lhe destravara a segunda porta.
Sobe ao elevador. 6o andar. A luz não se acende, nem a porta se fecha. Sai. Subiria de escada?
Chega uma jovem.
- Bom dia!
- Bom dia!
Aperta-lhe o botão do elevador e estende o braço para manter a porta aberta para a entrada da jovem. Ela aperta o botão 6. Maravilha, mesmo andar. Ambos descem no sexto.
Ele se dirige à porta 601. A jovem estranha.
- Você está procurando quem?
- Tereza.
- Tereza?
- Sim, Tereza Matsumoto.
"Ele está querendo assaltar o prédio", pensa a jovem. Junta-se uma senhora saída não se sabe de onde.
- Pois não?
- Estou procurando Tereza Matsumoto.
- Hmmm, eu sou nova no prédio então não sei. Vá ao oitavo andar pra falar com o síndico. Ele deve saber.
Pedrinho sobe as escadas. Para em frente ao 801.
"Aperto a campainha ou não?". Estava na cara que era o prédio errado. Pareceu-lhe mais simples descer e ir embora para retornar a sua busca.
"Burro, deveria ter anotado o celular da Tereza." Inês era morta.
Sai do hall, bate a porta. Dirige-se à saída e... Não, não tem botão de abertura. A porta de vidro blindado o impede de esticar o braço e alcançar o interfone. O muro não é alto, mas dotado de cerca elétrica. Quase ouviu um: "Let's the game begin".
Uma moçada sentada na calçada... "Não, seria muita pagação de mico."
Decide esperar algum morador descer ou chegar. Não chega nenhum em minutos. Sábado de manhã. Manhã quase morta. O sol agradável começa a lhe esquentar o cocuruto. Era o Neo preso em uma estação de trem entre a realidade e a Matrix. Um peixe em um aquário a ver solitárias almas passarem pela rua.
Talvez pedir pro pessoal à calçada seja o menor dos males... Já tinham indo embora.
De repente descobrira o valor do celular. Não, não ligaria para o único conhecido na cidade de quem tinha o número. Polícia? Hmm, talvez em último caso. Seria esquisito narrar a história. Poderia pegar algum policial de ovo mais virado.
Um colante na porta. Do serviço de chaveiro responsável pelo sistema de travas do prédio. Chama pelo número fixo. Claro que titio Murphy não deixaria tão barato: "Este número não existe". Ok, valeria a pena gastar mais dos créditos poucos para ligar para o número do celular que havia ao lado.
Sucesso. O chaveiro atende. Ele acha que é um morador que ficou preso sem as chaves. Não seria prático desmenti-lo agora. Estava em outro atendimento, retornaria a ligação logo mais. (Sim, tinha captado o número do celular de Pedrinho.) Afora um leve incômodo da insolação - que poderia ser aliviada pela pouca sombra projetada pelo muro - era uma situação suportável, ademais não havia escolha. Esperou.
Toca o celular dali a uns dez minutos (a cobrar, claro - não importa, e perfeitamente compreensível). O chaveiro pedia a indicação do local. Não havia número no prédio, Pedrinho não conhecia aquele local. Como orientar-lhe a navegação? Conseguiu ler a placa do outro lado da rua: "Rua X". "Esquina da rua Y com a rua X, edifício ABC."
Mais uns cinco minutos e toca de novo o celular. Não conseguia encontrar. Descreve os prédios em volta: "Em frente em um azulejado de azul e branco. Com placa de 'Aluga-se'". "Não, não estou em um prédio de vidro esfumaçado. Ele tem terraços de granito e é azulejado de branco. Não, não tem guarita." (Salvo algum problema de regionalismos, de resto parecia haver boa comunicação. Agradeceu ao Marquês de Pombal e aos imperadores - e à TV Globo - a relativa homogeneização da lingua nacional no vasto território brasileiro.)
Quinze minutos depois, um homem de boné vermelho sobe a rua X, olhando as coisas com atenção. Ele se aproxima apontando o dedo com um 'arrá!": "É você?". Era.
O chaveiro abre sua maleta e se prepara para destrancar. Nesse momento, aproximadamente uma hora depois do início da prisão insólita, um morador se aproxima para entrar. A porta se abre. A tela fica branca e sobem os créditos finais. Não, não era um jogo de escapada. Mas era.
Pedrinho hesita. Deveria esclarecer o síndico? Não, seria confuso demais. Criaria desconfiança desnecessária. Paga ao chaveiro pelo tempo tomado. Este retribui dando-lhe uma carona até o local certo - mas toma voltas e mais voltas para desvendar aquela rua. O chaveiro atendia nas vizinhanças, mas ele mesmo se perdia por lá.
Finalmente, Rua Y, 612. Desce, agradece ao chaveiro e lhe deseja um bom dia de trabalho. Leva a mão ao bolso. Seu celular havia caído no carro. Corre a gritar. Tarde demais. O chaveiro some em uma das curvas daquele labirinto.
"Só falta não ser aqui".
Murphy estava condescendente. Era. (E mais tarde conseguiu falar com o chaveiro e reaver o celular perdido.)
Pedrinho acha que alguma hora verão as fitas de segurança, os moradores do prédio comentarão e acharão que houve invasão do condomínio e uma tentativa frustrada de roubo. O chaveiro será chamado e ele dará o número do celular. Pedrinho não sabe se isso será um bom filme de comédia, mas acha que poderá ser um bom filme educativo sobre sistemas numéricos.
Notou que é uma boa cidade, mas que tem lá suas armadilhas contra os incautos e novatos.
Se em guerras de conquistas recentes, moradores das cidades removiam placas indicativas a fim de desnortear os invasores, algo não muito menos radical ocorre em alguns recantos da capital mineira.
Há estranhas ruas que serpenteiam e coleiam como rios meandrosos de planícies aluviais. Literalmente, ruas que dobram esquinas. A falta de placas indicadoras de ruas ocorre em alguns trechos, enquanto outros são mais bem sinalizados.
Aquela rua era lhe ainda mais perturbadora. Não apenas se dobrava sobre si mesma, como, vira no mapa, ela era até mesmo descontínua: desaparecia em uma extremidade e ressurgia mais além - em outra direção - como rios que caem em sumidouros e reemergem mais adiante. As placas ao menos indicavam-lhe o nome da labiríntica via; mas a armadilha mesmo era a numeração.
Acostumara-se a alguma ordem da numeração das ruas - pares a um lado, ímpares a outro, os números sempre descrentes em um dado sentido da rua (em geral no sentido a se afastar do centro histórico da cidade dada). Em muitas cidades, a numeração obedece até mesma a uma metragem fixa: a casa 500 estaria a mais ou menos 500 m do início da rua, e estaria a mais ou menos 300 metros da casa 800.
Não, não naquela rua peculiar.
- Número 612, número 612 - seguia Pedrinho relembrando em voz baixa o local em que deveria estar dali a 10 minutos. ("Beleza, vou chegar no horário.")
Vira logo de cara o número 580. "Que bom, estou perto". Não havia mais numeração do lado par, mas no ímpar seguia: 597 - estava no sentido correto, pois não?
Alguns metros mais e... número 32. Não, não era possível... Ou era? Mais adiante ainda: número 48.
Como séries quadrinísticas em crise, a numeração havia recomeçado. Como em bibliotecas públicas, justamente a edição do periódico que se queria estava a faltar.
- Já sei - foi o eureca de Pedrinho, quase a acordar um mendigo que se espraiava na calçada oposta sob um aconchegante sol da manhã de sábado.
A ideia lhe pareceu brilhante. Lá estava o 580, mais à frente, do outro lado da rua, o 597. Uma simples extrapolação linear lhe daria alguma indicação do 612.
Parou em frente a um prédio que estava onde a matemática lhe indicava.
- Sala 601. - Bem ali, no interfone: 101, 201, 301, 401, 501, 601, 701, 801... Apertou o 601.
- Pois não?
- Queria falar com a Tereza.
Bzzzz. A trava elétrica se abre. Yes, matemática for the win. Já pensava em sugerir um post a um amigo blogueiro: "Como a matemática me ajudou a achar a Batcaverna".
Empurra a porta, fecha-a e segue. A porta do hall do prédio: "Verifique se a porta está trancada". Ou algum morador não observara o alerta do adesivo ou o mesmo sinal que lhe abrira a porta da entrada lhe destravara a segunda porta.
Sobe ao elevador. 6o andar. A luz não se acende, nem a porta se fecha. Sai. Subiria de escada?
Chega uma jovem.
- Bom dia!
- Bom dia!
Aperta-lhe o botão do elevador e estende o braço para manter a porta aberta para a entrada da jovem. Ela aperta o botão 6. Maravilha, mesmo andar. Ambos descem no sexto.
Ele se dirige à porta 601. A jovem estranha.
- Você está procurando quem?
- Tereza.
- Tereza?
- Sim, Tereza Matsumoto.
"Ele está querendo assaltar o prédio", pensa a jovem. Junta-se uma senhora saída não se sabe de onde.
- Pois não?
- Estou procurando Tereza Matsumoto.
- Hmmm, eu sou nova no prédio então não sei. Vá ao oitavo andar pra falar com o síndico. Ele deve saber.
Pedrinho sobe as escadas. Para em frente ao 801.
"Aperto a campainha ou não?". Estava na cara que era o prédio errado. Pareceu-lhe mais simples descer e ir embora para retornar a sua busca.
"Burro, deveria ter anotado o celular da Tereza." Inês era morta.
Sai do hall, bate a porta. Dirige-se à saída e... Não, não tem botão de abertura. A porta de vidro blindado o impede de esticar o braço e alcançar o interfone. O muro não é alto, mas dotado de cerca elétrica. Quase ouviu um: "Let's the game begin".
Uma moçada sentada na calçada... "Não, seria muita pagação de mico."
Decide esperar algum morador descer ou chegar. Não chega nenhum em minutos. Sábado de manhã. Manhã quase morta. O sol agradável começa a lhe esquentar o cocuruto. Era o Neo preso em uma estação de trem entre a realidade e a Matrix. Um peixe em um aquário a ver solitárias almas passarem pela rua.
Talvez pedir pro pessoal à calçada seja o menor dos males... Já tinham indo embora.
De repente descobrira o valor do celular. Não, não ligaria para o único conhecido na cidade de quem tinha o número. Polícia? Hmm, talvez em último caso. Seria esquisito narrar a história. Poderia pegar algum policial de ovo mais virado.
Um colante na porta. Do serviço de chaveiro responsável pelo sistema de travas do prédio. Chama pelo número fixo. Claro que titio Murphy não deixaria tão barato: "Este número não existe". Ok, valeria a pena gastar mais dos créditos poucos para ligar para o número do celular que havia ao lado.
Sucesso. O chaveiro atende. Ele acha que é um morador que ficou preso sem as chaves. Não seria prático desmenti-lo agora. Estava em outro atendimento, retornaria a ligação logo mais. (Sim, tinha captado o número do celular de Pedrinho.) Afora um leve incômodo da insolação - que poderia ser aliviada pela pouca sombra projetada pelo muro - era uma situação suportável, ademais não havia escolha. Esperou.
Toca o celular dali a uns dez minutos (a cobrar, claro - não importa, e perfeitamente compreensível). O chaveiro pedia a indicação do local. Não havia número no prédio, Pedrinho não conhecia aquele local. Como orientar-lhe a navegação? Conseguiu ler a placa do outro lado da rua: "Rua X". "Esquina da rua Y com a rua X, edifício ABC."
Mais uns cinco minutos e toca de novo o celular. Não conseguia encontrar. Descreve os prédios em volta: "Em frente em um azulejado de azul e branco. Com placa de 'Aluga-se'". "Não, não estou em um prédio de vidro esfumaçado. Ele tem terraços de granito e é azulejado de branco. Não, não tem guarita." (Salvo algum problema de regionalismos, de resto parecia haver boa comunicação. Agradeceu ao Marquês de Pombal e aos imperadores - e à TV Globo - a relativa homogeneização da lingua nacional no vasto território brasileiro.)
Quinze minutos depois, um homem de boné vermelho sobe a rua X, olhando as coisas com atenção. Ele se aproxima apontando o dedo com um 'arrá!": "É você?". Era.
O chaveiro abre sua maleta e se prepara para destrancar. Nesse momento, aproximadamente uma hora depois do início da prisão insólita, um morador se aproxima para entrar. A porta se abre. A tela fica branca e sobem os créditos finais. Não, não era um jogo de escapada. Mas era.
Pedrinho hesita. Deveria esclarecer o síndico? Não, seria confuso demais. Criaria desconfiança desnecessária. Paga ao chaveiro pelo tempo tomado. Este retribui dando-lhe uma carona até o local certo - mas toma voltas e mais voltas para desvendar aquela rua. O chaveiro atendia nas vizinhanças, mas ele mesmo se perdia por lá.
Finalmente, Rua Y, 612. Desce, agradece ao chaveiro e lhe deseja um bom dia de trabalho. Leva a mão ao bolso. Seu celular havia caído no carro. Corre a gritar. Tarde demais. O chaveiro some em uma das curvas daquele labirinto.
"Só falta não ser aqui".
Murphy estava condescendente. Era. (E mais tarde conseguiu falar com o chaveiro e reaver o celular perdido.)
Pedrinho acha que alguma hora verão as fitas de segurança, os moradores do prédio comentarão e acharão que houve invasão do condomínio e uma tentativa frustrada de roubo. O chaveiro será chamado e ele dará o número do celular. Pedrinho não sabe se isso será um bom filme de comédia, mas acha que poderá ser um bom filme educativo sobre sistemas numéricos.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
Falar que o pessoal do SPFW é bambi é ser homofóbico?
Nota prévia 1: Abomino a atitude vergonhosa da torcida do Cruzeiro no primeiro jogo contra o Vôlei Futuro.
Postei no twitter (segue como está sem correções gramaticais):
"Serio que tem gente que acha q xingar Michael e os corintianos chamarem o pessoal do SPFW de bambi é a mm coisa?"*
Aí travei um diálogo como segue (coloquei mais ou menos na ordem da postagem, mas talvez seja preciso um pequeno esforço pra reconstituir exatamente a estrutura do diálogo, cheguei a colocar espaços pra fazer o aninhamento, mas o Blogger sumiu com eles - omiti o nome do interlocutor, ou da interlocutora, pois ele ou ela pode ter alguma objeção a ser mencionado/a aqui):
AA: Errrrrrrrrr... Na verdade, é sim.
Eu: Xingar um cara que é guei de guei é diferente de xingar quem não é.
AA: "XINGAR", dear... that's the question!
Eu: Não. No 1o caso é uma ofensa homofóbica.
AA: Nos dois casos é uma OFENSA.
AA: Ah... Takata, Takata... É a função, querido. É a FUNÇÃO o que conta.
Eu: Não. Importam a motivação e o efeito, não apenas os meios.
AA: Se você usa uma palavra cujo significado é "homossexual" como xingamento, está dando a ela uma conotação negativa.
Eu: Sim, mas em contextos distintos.
AA: Está agregando um significado negativo à classe "homossexual", independente de dirigir a ofensa a um home ou a um hetero.
Eu: Na verdade depende. No caso de ofensa ao homossexual, há agressão direta à humanidade dele.
AA: A função de "xingar" é ofender, ferir, machucar. Ninguém "xinga" com a função de ser agradável.
Eu: Opa, xingam sim. Cumprimentos masculinos: "E aê, sua mãe ainda na zona?" "Aprendendo com a sua" e saem dando risada.
AA: Isso não é xingar, fiote. Isso é usar uma "gíria", um dialeto específico partilhado por uma pequena comunidade...
AA: Usar um sinônimo de "homossexual" como xingamento, é, em si, um ato homofóbico. Significa que "homossexual" *É* negativo, feio, sujo, errado, ou seja, é o que um xingamento deve ser.
Eu: Não é a mm coisa. Efeitos distintos.
AA: Desculpa, quem xinga procura SEMPRE o mesmo efeito. Independente do alvo a ser xingado.
Eu: Xingamento depende de contexto. Quem xinga, como xinga, quem xinga...**
AA: Aham, Takata, senta lá. Continue sendo "inocentemente" homofóbico e use a falácia da "intenção" p racionalizar seu erro. Be happy!***
Eu: Huahuahua... Que erro?
Eu: Se a troca de gentilezas de dois caras a respeito da mãe é só gíria, o mm com a troca de gentilezas sobre porcos, gambás...
Eu: ...bambis, sardinhas.
----------------
*Na eventualidade de algum incauto não saber, SPFW se refere, não ao evento de moda, mas ao time do Jardim Leonor.
**Errei, claro. Era "Quem xinga, como xinga, quem é xingado..."
***Yo! A carta do "você é homofóbico!". Calha que eu sou assumidamente homofóbico (sem ter nenhum orgulho disso - e em contínuo processo de extirpar minha homofobia - já disse isso antes), mas não é por ser homófobo que sustento a distinção entre as duas situações - o que passou o jogador Michael e a provocação dos corintianos (e parmerenses e santistas...) em relação aos são-paulinos. A carta da "racionalização" é outra que é facílima de jogar. Experimente, sempre que encontrar algum ponto de discordância diga: "você está apenas racionalizando" (é um trunfo que pode tirá-lo ou tirá-la de várias enrascadas, como quando não tiver mais contra-argumentos).
O leitor atento ou a leitora atenta terá percebido que em nenhum momento usei o argumento da "intenção": falei em "contexto", "motivação, efeitos e meios" ("motivação" = "intenção", mas não está sozinho/a), "quem xinga, como xinga, quem é xingado". Na verdade meu interlocutor (ou minha interlocutora) é quem insiste na intenção ao dizer: "quem xinga *procura* sempre o mesmo efeito".
Eventualmente terá notado que não disse: "não tem problema nenhum, então, falar 'bambi' para se referir ao time do Jardim Leonor". Sim, tiro onda da afetação associada a muitas coisas que vem do SPFW - inclusive com o uso das iniciais SPFW. E, sim, há alguns problemas em relação a isso. Mas não é - e digo que nem de longe - a mesma coisa do comportamento da torcida cruzeirense naquele jogo.
Dizer "ô, boiola" pra um amigo heterossexual, no fundo (epa!), encerra uma opinião negativa sobre o comportamento homossexual; falar a mesma coisa para um homossexual torna a questão não "no fundo", mas absolutamente à tona. O "no fundo" envolve aspectos indiretos e mitigados; o "à tona" é uma manifestação direta e tende a ter uma carga fortemente virulenta.
Do mesmo modo que falamos para um amigo que deixou escapar algo evidente: "como você é cego" sem que haja problema algum, dado que ele, na verdade, enxergue muito bem. Mas - mesmo em circunstâncias similares - dizer isso para alguém que realmente é cego é, no mais das vezes, altamente ofensivo. Podemos pensar em vários casos similares: "seu perna de pau", "mas que cara retardado", "morfético", "esclerosado", "tá doido?"...
Até mesmo fdp é um termo que se evita para se referir a alguém que realmente tem como genitora uma profissional do sexo.
(Claro que se pode dizer: "fácil pra você falar que é diferente, já que você não é homossexual". Sim, terá esse fator.)
Postei no twitter (segue como está sem correções gramaticais):
"Serio que tem gente que acha q xingar Michael e os corintianos chamarem o pessoal do SPFW de bambi é a mm coisa?"*
Aí travei um diálogo como segue (coloquei mais ou menos na ordem da postagem, mas talvez seja preciso um pequeno esforço pra reconstituir exatamente a estrutura do diálogo, cheguei a colocar espaços pra fazer o aninhamento, mas o Blogger sumiu com eles - omiti o nome do interlocutor, ou da interlocutora, pois ele ou ela pode ter alguma objeção a ser mencionado/a aqui):
AA: Errrrrrrrrr... Na verdade, é sim.
Eu: Xingar um cara que é guei de guei é diferente de xingar quem não é.
AA: "XINGAR", dear... that's the question!
Eu: Não. No 1o caso é uma ofensa homofóbica.
AA: Nos dois casos é uma OFENSA.
AA: Ah... Takata, Takata... É a função, querido. É a FUNÇÃO o que conta.
Eu: Não. Importam a motivação e o efeito, não apenas os meios.
AA: Se você usa uma palavra cujo significado é "homossexual" como xingamento, está dando a ela uma conotação negativa.
Eu: Sim, mas em contextos distintos.
AA: Está agregando um significado negativo à classe "homossexual", independente de dirigir a ofensa a um home ou a um hetero.
Eu: Na verdade depende. No caso de ofensa ao homossexual, há agressão direta à humanidade dele.
AA: A função de "xingar" é ofender, ferir, machucar. Ninguém "xinga" com a função de ser agradável.
Eu: Opa, xingam sim. Cumprimentos masculinos: "E aê, sua mãe ainda na zona?" "Aprendendo com a sua" e saem dando risada.
AA: Isso não é xingar, fiote. Isso é usar uma "gíria", um dialeto específico partilhado por uma pequena comunidade...
AA: Usar um sinônimo de "homossexual" como xingamento, é, em si, um ato homofóbico. Significa que "homossexual" *É* negativo, feio, sujo, errado, ou seja, é o que um xingamento deve ser.
Eu: Não é a mm coisa. Efeitos distintos.
AA: Desculpa, quem xinga procura SEMPRE o mesmo efeito. Independente do alvo a ser xingado.
Eu: Xingamento depende de contexto. Quem xinga, como xinga, quem xinga...**
AA: Aham, Takata, senta lá. Continue sendo "inocentemente" homofóbico e use a falácia da "intenção" p racionalizar seu erro. Be happy!***
Eu: Huahuahua... Que erro?
Eu: Se a troca de gentilezas de dois caras a respeito da mãe é só gíria, o mm com a troca de gentilezas sobre porcos, gambás...
Eu: ...bambis, sardinhas.
----------------
*Na eventualidade de algum incauto não saber, SPFW se refere, não ao evento de moda, mas ao time do Jardim Leonor.
**Errei, claro. Era "Quem xinga, como xinga, quem é xingado..."
***Yo! A carta do "você é homofóbico!". Calha que eu sou assumidamente homofóbico (sem ter nenhum orgulho disso - e em contínuo processo de extirpar minha homofobia - já disse isso antes), mas não é por ser homófobo que sustento a distinção entre as duas situações - o que passou o jogador Michael e a provocação dos corintianos (e parmerenses e santistas...) em relação aos são-paulinos. A carta da "racionalização" é outra que é facílima de jogar. Experimente, sempre que encontrar algum ponto de discordância diga: "você está apenas racionalizando" (é um trunfo que pode tirá-lo ou tirá-la de várias enrascadas, como quando não tiver mais contra-argumentos).
O leitor atento ou a leitora atenta terá percebido que em nenhum momento usei o argumento da "intenção": falei em "contexto", "motivação, efeitos e meios" ("motivação" = "intenção", mas não está sozinho/a), "quem xinga, como xinga, quem é xingado". Na verdade meu interlocutor (ou minha interlocutora) é quem insiste na intenção ao dizer: "quem xinga *procura* sempre o mesmo efeito".
Eventualmente terá notado que não disse: "não tem problema nenhum, então, falar 'bambi' para se referir ao time do Jardim Leonor". Sim, tiro onda da afetação associada a muitas coisas que vem do SPFW - inclusive com o uso das iniciais SPFW. E, sim, há alguns problemas em relação a isso. Mas não é - e digo que nem de longe - a mesma coisa do comportamento da torcida cruzeirense naquele jogo.
Dizer "ô, boiola" pra um amigo heterossexual, no fundo (epa!), encerra uma opinião negativa sobre o comportamento homossexual; falar a mesma coisa para um homossexual torna a questão não "no fundo", mas absolutamente à tona. O "no fundo" envolve aspectos indiretos e mitigados; o "à tona" é uma manifestação direta e tende a ter uma carga fortemente virulenta.
Do mesmo modo que falamos para um amigo que deixou escapar algo evidente: "como você é cego" sem que haja problema algum, dado que ele, na verdade, enxergue muito bem. Mas - mesmo em circunstâncias similares - dizer isso para alguém que realmente é cego é, no mais das vezes, altamente ofensivo. Podemos pensar em vários casos similares: "seu perna de pau", "mas que cara retardado", "morfético", "esclerosado", "tá doido?"...
Até mesmo fdp é um termo que se evita para se referir a alguém que realmente tem como genitora uma profissional do sexo.
(Claro que se pode dizer: "fácil pra você falar que é diferente, já que você não é homossexual". Sim, terá esse fator.)
domingo, 10 de abril de 2011
Shannon e política
Na postagem anterior fiz a sugestão de alterar o cálculo do coeficiente eleitoral utilizando a entropia de Shannon. Abaixo uma tabela com os resultados comparativos de duas eleições simuladas - e um tanto idealizadas. O propósito de diminuir o impacto de um punhado de candidatos com alta votação na eleição de outros candidatos com poucos votos parece ser alcançado.
O cálculo não é tão complicado quanto se possa parecer. A fração pi de cada candidato é calculada dividindo-se os votos obtidos pelo candidato i pelo total de votos em todos os candidatos. Para cada candidato é, então, calculada a entropia s(i) de Shannon pela fórmula: - pi.ln(pi). A divisão das entropias s(i) pelo total S das entropias nos fornece então o fator de correção - bastando multiplicar a razão pelo total de vagas.
Obviamente a proposta não pretende ser uma panaceia e precisaria ser mais bem explorada para verificar os pontos fracos que com certeza existem - não devemos esperar que haja reformas que resolvam todos os problemas (embora certamente haja as que aumentem os problemas - ou que tragam outros que são ainda menos desejáveis).
O cálculo não é tão complicado quanto se possa parecer. A fração pi de cada candidato é calculada dividindo-se os votos obtidos pelo candidato i pelo total de votos em todos os candidatos. Para cada candidato é, então, calculada a entropia s(i) de Shannon pela fórmula: - pi.ln(pi). A divisão das entropias s(i) pelo total S das entropias nos fornece então o fator de correção - bastando multiplicar a razão pelo total de vagas.
Obviamente a proposta não pretende ser uma panaceia e precisaria ser mais bem explorada para verificar os pontos fracos que com certeza existem - não devemos esperar que haja reformas que resolvam todos os problemas (embora certamente haja as que aumentem os problemas - ou que tragam outros que são ainda menos desejáveis).
domingo, 3 de abril de 2011
Que reforma (política) você defende?
Em uma das últimas postagens do finado Biscoito Fino e a Massa, Idelber Avelar tocou no tema da reforma política.
É um tema que vem, vai e volta já faz vários anos. Há quase um consenso de que deve haver alguma reforma - quase sempre com base em um genérico "está tudo errado, precisa mudar tudo" (bem, pelo menos melhor do que "é preciso fechar o Congresso") -, mas nenhum no que se refere a que tipo de reforma é necessária.
Acho que podemos dividir as propostas em duas grandes correntes (há outras menores que não se encaixam): as que pretendem fortalecer os partidos e as que pretendem fortalecer sistemas de candidaturas individuais (ou que representem grupos mais pulverizados). Isto é, um sistema proporcinal versus um sistema majoritário. (Naturalmente, estamos aqui falando das eleições para deputados.)
No sistema atual temos um certo meio termo: os números de vagas que os partidos terão no total dentro de cada Estado (obedecidos os limites totais de cada unidade da federação) são definidos pelo quociente eleitoral - o número de vagas totais é dividido pelo número total de votos válidos, e a cada unidade de quociente eleitoral que o partido tiver, este tem garantido um deputado em sua bancada. Aí, entram por ordem de votação os deputados que concorreram por aquele partido até atingir o número de quocientes eleitorais do partido.
Boa parte da insatisfação com este sistema por parte dos eleitores se deve ao problema que os próprios eleitores criam: votação maciça em um determinado candidato levando a, por quociente eleitoral, outros candidatos com diminutas votações serem eleitos. Dois casos gritantes da distorção sedeuderam na eleição do deputado Enéas Carneiro, morto em 2007, e, mais recentemente, do deputado Tiririca. Especialmente no caso do Tiririca - até por já ter havido o antecedente da votação do Enéas Carneiro - podemos classificar de analfabetismo eleitoral.
Mas cada vez que analiso as propostas de mudança do sistema eleitoral: distrital, distrital misto, distritão, lista fechada... tenho a impressão de que o sistema atual é o menos ruim.
Uma ideia que apresentaria para ser mais bem analisada seria a modificação do cálculo do quociente eleitoral. Em vez de uma simples razão linear, calcular com base no índice de entropia de Shannon (usado no cálculo de diversidade biológica em Ecologia). Precisaria ser mais bem explorada para verificar se procede, mas a ideia básica é a seguinte.
O quociente eleitoral foi introduzido para que um partido que tenha bastante votos, mas no qual nenhum candidato isoladamente tenha tido grande votação, possa estar representado - afinal, os eleitores votaram na plataforma partidária comum dos candidatos. Porém, de outro lado, permite a distorção de que, se um partido tem um candidato com expressiva votação, "puxe" outros canditados do partido que não foram votados - em detrimento de candidatos de outros partidos que tiveram votação até superior.
Acho que o uso do índice de entropia de Shannon permitiria a representação de partidos com bastantes votos pulverizados entre seus candidatos e limitaria a distorção do supercandidato. Claro que a fórmula precisaria ser adaptada para a somatória corresponder ao número de vagas do Estado.
Aliás, a reforma política precisaria rever os limites mínimos e máximos de representantes dos Estados. Isso tem causado uma super-representação de Estados com populações muito pequenas e uma subrepresentação do Estado de São Paulo.
É um tema que vem, vai e volta já faz vários anos. Há quase um consenso de que deve haver alguma reforma - quase sempre com base em um genérico "está tudo errado, precisa mudar tudo" (bem, pelo menos melhor do que "é preciso fechar o Congresso") -, mas nenhum no que se refere a que tipo de reforma é necessária.
Acho que podemos dividir as propostas em duas grandes correntes (há outras menores que não se encaixam): as que pretendem fortalecer os partidos e as que pretendem fortalecer sistemas de candidaturas individuais (ou que representem grupos mais pulverizados). Isto é, um sistema proporcinal versus um sistema majoritário. (Naturalmente, estamos aqui falando das eleições para deputados.)
No sistema atual temos um certo meio termo: os números de vagas que os partidos terão no total dentro de cada Estado (obedecidos os limites totais de cada unidade da federação) são definidos pelo quociente eleitoral - o número de vagas totais é dividido pelo número total de votos válidos, e a cada unidade de quociente eleitoral que o partido tiver, este tem garantido um deputado em sua bancada. Aí, entram por ordem de votação os deputados que concorreram por aquele partido até atingir o número de quocientes eleitorais do partido.
Boa parte da insatisfação com este sistema por parte dos eleitores se deve ao problema que os próprios eleitores criam: votação maciça em um determinado candidato levando a, por quociente eleitoral, outros candidatos com diminutas votações serem eleitos. Dois casos gritantes da distorção se
Mas cada vez que analiso as propostas de mudança do sistema eleitoral: distrital, distrital misto, distritão, lista fechada... tenho a impressão de que o sistema atual é o menos ruim.
Uma ideia que apresentaria para ser mais bem analisada seria a modificação do cálculo do quociente eleitoral. Em vez de uma simples razão linear, calcular com base no índice de entropia de Shannon (usado no cálculo de diversidade biológica em Ecologia). Precisaria ser mais bem explorada para verificar se procede, mas a ideia básica é a seguinte.
O quociente eleitoral foi introduzido para que um partido que tenha bastante votos, mas no qual nenhum candidato isoladamente tenha tido grande votação, possa estar representado - afinal, os eleitores votaram na plataforma partidária comum dos candidatos. Porém, de outro lado, permite a distorção de que, se um partido tem um candidato com expressiva votação, "puxe" outros canditados do partido que não foram votados - em detrimento de candidatos de outros partidos que tiveram votação até superior.
Acho que o uso do índice de entropia de Shannon permitiria a representação de partidos com bastantes votos pulverizados entre seus candidatos e limitaria a distorção do supercandidato. Claro que a fórmula precisaria ser adaptada para a somatória corresponder ao número de vagas do Estado.
Aliás, a reforma política precisaria rever os limites mínimos e máximos de representantes dos Estados. Isso tem causado uma super-representação de Estados com populações muito pequenas e uma subrepresentação do Estado de São Paulo.
sábado, 2 de abril de 2011
"Legião é o meu nome, porque somos muitos."
Como escrevi antes, temos sim - ainda que a passos de tartaruga - avançado na questão da igualdade racial e sexual (incluindo a questão dos LGBTT).
Se de um lado é chocante constatar que haja ainda gente como Bolsonaros e Felicianos da vida - e gente que defenda o que disseram -, o próprio fato dessas falas e pensamentos chocarem indicam que avançamos: antes essas coisas seriam tidas como naturais, banais. Hoje, não. Muitas vozes se levantaram indignadas.
Seria exemplar se a própria Câmara os denunciasse e oscaçassecassasse por conduta incompatível com a vida parlamentar; mas o histórico do tratamento da casa para com seus membros não permite se depositar muitas esperanças nesse final. Seria exemplar também se os eleitores tratassem de manter esse tipo de pessoas longe das vagas representativas, porém, é um nicho político que rende votos suficientes.
Há também gente que, embora não deva compactuar com esse tipo de pensamento, defenda a liberdade de que tais disparates sejam ditas. Sorry. Que tais defensores sejam, quase que invariavalmente, brancos (e não sejam gueis assumidos) tornam as coisas suspeitas. Não de que pensem, no fundo, como tais boçais.
Mas um branco dizendo que os negros (e os gueis) não deveriam ligar pra isso é forçar a amizade. De onde Guterman tirou que ficar calado é a melhor estratégia? Essa foi a situação que imperou por séculos. As coisas só melhoraram quando se passou a *protestar* contra os ataques aos grupos minoritários. "Ah, eu não ligaria." Fácil dizer isso quando se está em uma situação em que jamais passaria por isso.
Haveremos de construir uma sociedade em que tais sandices não encontrariam nenhum refúgio em bolsões quer políticos, quer religiosos, quer de outra natureza. O trabalho é, porém, árduo.
Se de um lado é chocante constatar que haja ainda gente como Bolsonaros e Felicianos da vida - e gente que defenda o que disseram -, o próprio fato dessas falas e pensamentos chocarem indica
Seria exemplar se a própria Câmara os denunciasse e os
Há também gente que, embora não deva compactuar com esse tipo de pensamento, defenda a liberdade de que tais disparates sejam ditas. Sorry. Que tais defensores sejam, quase que invariavalmente, brancos (e não sejam gueis assumidos) tornam as coisas suspeitas. Não de que pensem, no fundo, como tais boçais.
Mas um branco dizendo que os negros (e os gueis) não deveriam ligar pra isso é forçar a amizade. De onde Guterman tirou que ficar calado é a melhor estratégia? Essa foi a situação que imperou por séculos. As coisas só melhoraram quando se passou a *protestar* contra os ataques aos grupos minoritários. "Ah, eu não ligaria." Fácil dizer isso quando se está em uma situação em que jamais passaria por isso.
Haveremos de construir uma sociedade em que tais sandices não encontrariam nenhum refúgio em bolsões quer políticos, quer religiosos, quer de outra natureza. O trabalho é, porém, árduo.
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