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quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Corinthians, gigante desde sempre

Alguns importantes marcos e conquistas não esportivas do Sport Club Corinthians Pauista.
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1918.
"Todo mundo ficava doente. [...] O Corinthians divulgou humilde comunicado afirmando que, sendo composto em sua maioria por operários, sentia-se 'na obrigação de vir, apesar de sua insignificante valia, concorrer, com seu esforço [...] para alívio dos infelizes operários atacados pela pandemia que assola esta capital'. Assim, embora 'pobre por sua natureza', achou-se 'forte para sair de seu modesto canto' e abrir uma lista de contribuições aos sócios e admiradores, cuja arrecadação seria destinada à Cruz Vermelha." Pp: 187-8.
TOLEDO 2015.

1925
"Segundo depoimentos, além de seu próprio testemunho, Rebolo foi um pioneiro na luta para que o negro fosse incorporado ao futebol das ligas oficiais. Conhecia o assunto e manifestou-se contra a segregação que predominava nas primeiras décadas do século XX. Inclusive, ele mesmo foi jogador de futebol de 1917 a 1932, antes de se tornar artista: no Corinthians, clube para o qual desenharia o emblema definitivo, nos anos 1930, jogou de 1922 a 1927.

Em 1975, Rebolo contou, não sem indignação, sobre o preconceito: 'Um absurdo, mas existia mesmo essa interdição. Os times da elite não admitiam a entrada de jogadores negros. No meu tempo de jogador, não havia negros em nenhum time. Acabou minha carreira e posso assegurar que não joguei com preto e nem contra pretos, nos jogos da Liga; eu só tinha colegas negros na várzea.. Eu me recordo de que no Corinthians surgiu um mulato chamado Tatu, que jogava muita bola, era um craque. Certa vez, num jogo entre Corinthians e Paulistano, o Tatu marcou o gol da vitória. A cidade ficou tomada, com gente fazendo discurso, já foi uma vitória do povão.'" P. 230

RODRIGUES, Mário. O negro no futebol brasileiro. Mauad Ed. 343 pp.

1979.
"Quando a polícia começou a subir os degraus da arquibancada, os torcedores da Gaviões da Fiel deram-se os braços e fecharam o caminho. Os soldados da Polícia Militar ainda tentaram forçar a passagem mas, nas fileiras de trás, milhares de outros corinthianos, braços dados, formando uma massa compacta, começaram a gritar, ameaçando descer as escadarias do estádio do Morumbi. O comando do policiamento deve ter avaliado a situação e dado uma contra-ordem, porque os PMs recuaram, desistindo de chegar até nós.
- 'Eles estavam falando da nossa faixa'- rádio de pilha colado no ouvido, boné e camiseta do Corinthians e um sorriso nos lábios, o torcedor a meu lado informava a reação no estádio. Eu jamais o vira antes e nem o encontrei depois, mas nunca o pronome possessivo na primeira pessoa do plural me pareceu tão saboroso.
'Anistia, ampla, geral e irrestrita' – dizia a faixa, e o fato dele a chamar de 'nossa' tinha, para mim, pelo menos, um significado que ultrapassava em muito aquela fugaz solidariedade que se estabelece nos campos de futebol entre torcedores do mesmo time: a bandeira era minha e da torcida do Corinthians."

FON, A.C. 2006. Depoimento à Fundação Perseu Abramo.

1983. Final do Paulista.
Jogadores do Timão entram com a faixa: "Ganhar ou perder. Sempre com Democracia."

2014.
"E aqui não há, e nem pode haver, homofobia. Pelo fim de grito de 'bicha' no tiro de meta do goleiro adversário. Porque a homofobia, além de ir contra o princípio de igualdade que está no DNA corinthiano, ainda pode prejudicar o Timão. Aqui é Corinthians!"

Manifesto contra a homofobia.

2016.
"Refugiados vivem um dia inesquecível em acolhida promovida pelo Corinthians"

2017
Suspende por tempo indeterminado atleta de MMA por homofobia.

2020
"O Corinthians colocará as suas instalações à disposição do Estado e da Prefeitura de São Paulo para ajudar no combate contra a pandemia de coronavírus. Através de nota em seu site oficial, o clube confirmou que disponibiliza a Arena, o CT Joaquim Grava e sua sede social para auxiliar na luta contra o Covid-19."
Gazeta Esportiva

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

"Escarra nessa boca que te beija"

Poupá-los ei de um link para o texto do colunista da Veja. Remeto-os à crítica de Tony Goes às asneiras de Rodrigo Constantino.

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Os primeiros beijos, héteros mesmo, foram motivos de indignação por parte da população. Ninguém tampouco é obrigado a achar linda a exibição pública de carinho entre duas pessoas - ainda que de sexos opostos. Pelo argumento do RC isso também seria um tipo de imposição de "preferência" dos "tolerantes" aos intolerantes.

Uma parte significativa dos evangélicos fica ressabiada com a exibição de rituais da cultura de matriz africana. Também seria uma imposição da "preferência" dos "tolerantes" aos intolerantes.

Negros, então, só podem aparecer em posições subalternas e papéis secundários- nada de um Milton Gonçalves no papel de Coronel Caetano, de Morgan Freeman como, vejam só, Deus; de Camila Pitanga, Taís Araújo como protagonistas. Senão vai ofender os intolerantes.

Lá se vai o tempo em que divórcio, mãe solteira, mulher chefe de família também horrorizavam o povo ao passarem em novelas e seriados televisivos. Mocinha casar sem ser virgem? Virgem Maria! Pior: terminar com o mocinho sem casar? E com filhos? Diabo em cruz!

Por isso são conservadores. Querem conservar um mundo naftalínico, pré-histórico, onde mandavam e desmandavam e a ralé... bem a ralé sabia muito bem o seu lugar. E não era em aviões, em shoppings, nas universidades nem mesmo nas ruas.

Eu fico ressabiado com a exposição de ideias do tipo do RC. Cadê o meu direito de ser intolerante com os intolerantes?

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

"Desse fruto não comereis" - minha cordial (mas enfática) discordância a Sakamoto

O jornalista Leonardo Sakamoto em seu blogue escreveu a respeito de briquedos infantis e a questão de papéis de gênero ("Por uma sociedade melhor, meninos deveriam brincar de boneca e de casinha"). Disse que dava bonecas de presente aos filhos meninos de seus amigos, para que os pais não os criassem de modo a reforçar a divisão dos papéis: meninas cuidam do lar, os homens trabalham.

Frente a algumas críticas por parte de seus leitores, justificou com uma analogia/parábola - seria o mesmo que discutir se uma criança poderia comer laranja em lugar de mexerica (tangerina, bergamota).

Antes de apresentar meus pontos de crítica ao que disse Sakamoto, deixe-me apresentar meu ponto de concordância: devemos criar nossas crianças em uma cultura de paz e evitar o sexismo. Criar filhos e filhas de modo que - quando adultos - carreguem como valor que ambos, pai e mãe, são responsáveis pela criação dos filhos (incluindo divisão de trabalho de dar mamadeira, trocar fraldas, levar na escola, tirar a lição, cobrar os estudos, etc.).

Meu ponto enfático de discordância: "Tenho dado bonecas de pano de presente para filhos de alguns amigos." Isso, pra mim, é uma intromissão sem cabimento na criação dos filhos dos outros. Claro, depende de se a natureza da amizade que ele cultiva permite esse tipo de intervenção, mas para mim é um absurdo. Seria como dar uma bíblia de presente para filho de um casal de amigos hindus; de dar um exemplar de A Origem das Espécies para de amigos criacionistas; camisa do Flamengo para o filho do casal fluminense. Alto lá, do meu filho, cuido eu!

Sim, pode-se - e dependendo do modo como isso é feito, é saudável - discutir com os *pais* o modo de criação dos filhos. Mas não com intervenção direta.

O ponto em que eu tenho dúvidas é se dar bonecas para os filhos homens tem algum tipo de influência positiva sobre sua educação e se compensa eventual influência negativa. Claro, pais que quiserem experimentar com *seus próprios* filhos devem ter o direito de fazê-lo. Fazer com o filho dos outros, sem consentimento prévio dos pais, fere a ética - não apenas pela intromissão indevida na criação, mas pelo fato de faltar exatamente dados que indiquem que tenha efeito benéfico (e não tenha efeito maléfico).

Dificilmente um menino que brinque com bonecas virá a se tornar um adulto efeminado quando crescer em função de ter brincado com bonecas. Quando espontâneo, brincar com bonecas pode ser (ênfase no 'pode', não necessariamente será) um indicativo de tendência natural do menino e pouco provável que o impedir de brincar assim o faça crescer como adulto heterossexual. O quanto que brincar de cuidar de bonecas fará o garoto crescer como adulto que cuidará de seus filhos está aberto à discussão. O lado negativo que pode aflorar é expor a criança ao preconceito da sociedade, p.e., os amiguinhos poderão caçoar do menino.

Agora sobre mexericas e laranjas. Bem, Sakamoto, se os termos são esses... Digamos que a ação seja tão inócua quanto dar mexericas à criança. Primeiro, qual a vantagem da laranja sobre a mexerica? Segundo, porque devemos evitar a mexerica? Terceiro, então tudo bem seus amigos darem mexerica a seus filhos? Laranja obviamente são bonecas (para meninos). Mexerica seria o quê? Armas de fogo de brinquedo? Você acha legal dar armas de fogo de brinquedo para crianças? Tem pais que acham que não. Então para os filhos deles eu não daria armas de fogo de brinquedo. Além disso, o título "Por uma sociedade melhor, meninos deveriam comer laranja no lugar de mexerica" faria pouco sentido. Então sua comparação de intervir na criação dos filhos dos outros dando bonecas com dar laranja está capenga no mínimo. E, se os pais, por algum motivo, não querem dar laranja para os filhos (talvez algum trauma), eu não vou me intrometer dando laranja para os filhos deles. No máximo, perguntaria aos pais qual o problema com a laranja - e poderia listar eventuais vantagens da laranja sobre a mexerica (talvez ajudar produtores locais de laranja orgânica frente aos latifúndios de mexerica com agrotóxico talvez uma menor quantidade de ataque de insetos).*

*Upideite(09/jan/2013): Eu havia inadvertidamente invertido o exemplo de Sakamoto entre laranjas e mexericas.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Deu bode... vade retro, Veja

A transformação da revista Veja em veículo neocon está completa com o texto do diretor editorial do grupo Exame e colunista da revista.

Não irei analisar o texto em si. As bobagens foram todas muito bem identificadas por vários, como Carlos Orsi, Carlos Cardoso, Lola Aronovich, Madrasta do Texto Ruim e vários mais.

A questão é como chegamos ao ponto em que uma publicação que se pretende séria sente-se segura em veicular tamanho despropósito francamente homofóbico. Provavelmente o texto foi revisado pelo setor jurídico para garantir que eventuais processos não deem em muita coisa, mas a revista certamente conta que, de um lado, seus leitores não protestarão - ou o farão com pouca veemência, nada do tipo de cancelamentos em massa de assinaturas -, e, de outro, os anunciantes continuarão a garantir o faturamento bilionário do veículo.

Pelo jeito, fui um tanto otimista há dois anos quando escrevi: "Hoje, se um apresentador de TV brasileiro diz algo que soe minimamente crítico à homossexualidade, haverá uma forte cobrança e há chances de que ele seja condenado na justiça por discriminação sexual."

Sim, somos um país com um certo grau de homofobia mais explícita. 55% dos brasileiros, sabe-se lá por que razão, são contra o casamento entre homossexuais; 34% não votariam de jeito nenhum em um homossexual para presidente; 25% dos brasileiros apresentam um grau mediano a forte de homofobia.

Mas o que fará a parte nada desprezível da população que entende plenamente a legitimidade das reivindicações do movimento LGBTT (que existe sim, afinal, não é o fato de partidos políticos, igrejas e torcidas de futebol congregarem dentro de si tantas correntes, até antagônicas, que faz com que deixem de existir) frente a essa manifestação preconceituosa de um veículo com a visibilidade do semanário da Abril?

Upideite(12/nov/2012): A Diversidade Tucana, pelo twitter, manifestou que o texto merece repúdio de toda a sociedade.

Upideite(13/nov/2012): Além da homofobia, o racismo contra índios também dá o ar de sua desgraça. O jornal mineiro O Tempo, que adota como divisa "jornalismo de qualidade" publicou uma peça de arrepiar tanto quanto o da Veja.*

Upideite(13/nov/2012): O ultraconservadorismo está mesmo em um momento bem saliente: "Estudante que tenta refundar a Arena publica estatuto no 'Diário Oficial'"

*Upideite(13/nov/2012): Menos mal que o colunista de O Tempo tenha sido afastado.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Provocações (futebolísticas) e preconceitos

Já toquei no assunto antes. Mas volto ao tema. Reproduzo um diálogo que tive no twitter:
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DB: Residência de técnico Leão é assaltada; bandidos fogem... http://uol.com/bycpwr // A velha rivalidade Tricolor X Corinthians!
Eu: Freguesia, não rivalidade.
DB: Deu mole = vocês roubam, dentro e fora do campo. Que coisa!
Eu: Dar é com o 5PFW mesmo.
DB: Não tenho nenhum problema com relação a isso. Nunca fui homofóbico. Você é?
Eu: Eu sou emofóbico.
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Como dito antes, sim, sou homofóbico, não, não me orgulho disso. De todo modo, isso não tem a ver com homofobia. Tem a ver com preconceito? Sim. Há alguma manifestação de preconceito. Mas não é uma manifestação que pretenda ser ofensiva, mas galhofeira.

Uma das fontes do humor é a da antítese ou contradição: como a recorrente piada de elefante com medo de um camundongo em desenhos animados; outra é do exagero: como os traços extremados de uma caricatura.

As provocações do futebol são invariavelmente de natureza preconceituosa. Ou não há um preconceito social embutido em se chamar corintianos de bandidos? O que fica subentendido é que todo corintiano é pobre e todo pobre é bandido. E, claro, que ser bandido é algo ruim. Mas o que opera aí é o humor por contradição: não é nem de longe verdade que todo corintiano seja bandido (nem que todo bandido seja corintiano). E também o humor por exagero: muitos corintianos são, de fato, pessoas com condições socioeconômicas mais baixas (mas a proporção de corintianos não varia entre as diferentes classes sociais).

Todo preconceito deve ser varrido do mapa? Talvez. O pensamento *real* de que ser guei é ruim ou o pensamento *real* de que ser pobre é o mesmo que ser bandido deve ter sua manifestação condenada. A brincadeira com essas ideias, uma falsa manifestação desse tipo de pensamento também deve ser censurada? Eu, por enquanto, tendo a achar que isso seria um exagero.

A minha visão é de que boa parte da graça de se torcer por um time de futebol é galhofar com os adversários. Provocar e ser provocado. E, disse acima, todas as provocações futebolísticas envolvem algum preconceito: sofredor, freguês, maricas, ladrão, sujo, pobre... Entre as regras não escritas nesse jogo fora das quatro linhas está: se você quer poder provocar alguém, tem que aceitar ser provocado (bem, agora está escrita).

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Dia do Orgulho Paulistano

Diário Oficial do Município de São Paulo
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RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 294/05

Ofício ATL nº 105, de 30 de agosto de 2011

Ref.: OF-SGP23 nº 2701/2011

Senhor Presidente

Por meio do ofício acima referenciado, ao qual ora me reporto,

Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 294/05, de autoria do Vereador Carlos Apolinário, aprovado na sessão de 2 de agosto do corrente ano, que objetiva dispor sobre a instituição do “Dia Municipal do Orgulho Heterossexual”.

De acordo com o teor da propositura, o “Dia Municipal do Orgulho Heterossexual”, a ser anualmente comemorado no 3º domingo do mês de dezembro, integrará o “Calendário Oficial de Datas e Eventos do Município de São Paulo”, devendo o Poder Executivo envidar esforços no sentido de divulgar a data com o objetivo de “conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes” (artigos 1º e 2º).

Contudo, considerando que, à vista das conclusões alcançadas no parecer expendido pela Procuradoria Geral do Município, acolhida pela Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos, e na manifestação da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, conforme restará adiante explicitado, o conteúdo da propositura é materialmente inconstitucional e ilegal, bem como contraria o interesse público, vejo-me na contingência de, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município, vetar totalmente o texto assim aprovado.

Referido projeto de lei, cujo artigo 1º parece tão somente instituir e acrescentar mais uma data comemorativa ao Calendário de Eventos da Cidade de São Paulo, o que seria plenamente legítimo, na realidade não se reveste da simplicidade que aparenta ostentar, circunstância que, por certo, explica a sua enorme repercussão, majoritariamente negativa, no Brasil e até mesmo na imprensa internacional, como é o caso, só para exemplificar, das revistas “Forbes” e “Newsday”, que destacaram a inusitada criação do “Straight Pride Day” em seus respectivos sites, consoante noticiado no Portal da “Folha.com” em 2 de agosto de 2011.

Em princípio, poder-se-ia argumentar que, se a Cidade de São Paulo comemora, como tantas outras no Brasil e no mundo, o “Dia do Orgulho Gay” (Homossexual), então, sob o pálio de uma isonomia meramente formal, seria legítimo que ela igualmente comemorasse o “Dia do Orgulho Heterossexual”, pois dessa forma todas as preferências, orientações ou tendências sexuais estariam contempladas pelo legislador no aludido Calendário, confirmando a vocação democrática e pluralista desta terra paulistana.

Essa não é, todavia, a isonomia de tratamento que o comando contido no artigo 2º do indigitado texto pareceu querer por evidência, na medida em que ali está prescrito que, vale a pena repetir, o Poder Executivo Municipal “envidará esforços no sentido de divulgar a data instituída por esta lei, objetivando conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes”. Como se vê, o dispositivo expressamente patenteia que o “Dia do Orgulho Heterossexual”, cuja comemoração anual dar-se-á na semana do natal, estará associado ao resguardo da moral e dos bons costumes. Logo, não é necessário fazer grande esforço interpretativo para ler, nas entrelinhas do pretendido preceito, que apenas e tão só a heterossexualidade deve ser associada à moral e aos bons costumes, indicando, ao revés, que a homossexualidade seria avessa a essa moral e a esses bons costumes. Aliás, o texto da “justificativa” que acompanhou o projeto de lei por ocasião de sua apresentação descreve, em vários trechos, condutas atribuídas aos homossexuais, todas impregnadas de sentimentos de intolerância com conotação homofóbica.

Consequentemente, sob essa perspectiva, caso o Município de São Paulo, por qualquer de seus órgãos, viesse a dar cumprimento ao mencionado artigo 2º, daí resultaria a inequívoca mensagem à população em geral no sentido de que a homossexualidade seria “um modo de ser” supostamente contrário à moral e aos bons costumes, com isso violando princípios basilares e objetivos fundamentais constitucionalmente agasalhados, dentre eles o da cidadania, o da dignidade da pessoa humana, o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o da redução das desigualdades sociais, o da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e “quaisquer outras formas de discriminação”, e o da prevalência dos direitos humanos (Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 1º, incisos II e III, artigo 3º, incisos I, III e IV, e artigo 4º, inciso II).

Mas não é só. A essa desconformidade da proposta legislativa com a Carta Magna Brasileira, por si só suficiente para impedir a sua conversão em lei, soma-se o fato de que ela também não está de acordo com o interesse público.

Com efeito, sob a aparência de promover o “orgulho da heterossexualidade” - e aqui se deve observar que não faz sentido algum “ter” ou “comemorar” o orgulho de pertencer a uma maioria que não sofre qualquer tipo de discriminação - a carta de lei vinda à sanção mal disfarça o preconceito contra a homossexualidade, associada, por inferência (artigo 2º) e consoante se colhe de sua “justificativa”, à falta de moral e de bons costumes. Assim, ao invés de promover o entendimento das diferenças e, pois, a paz social, função maior da Política, o projeto de lei milita a serviço do confronto e do preconceito, razão primeira da sua contrariedade ao interesse público.

Acerca do tema, lapidar e percuciente é a abordagem realizada pelo jurista MARCOS ZILLI, Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP e Coordenador da “Coleção Fórum de Direitos Humanos”, no artigo intitulado “A criação do Dia do Orgulho Hétero Incentiva a homofobia? - Tolerar, verbo transitivo”, publicado na seção “Tendências/Debates” do Jornal Folha de S.Paulo, edição do dia 13 de agosto de 2011, do qual, por pertinente e oportuno, ora se transcreve o seguinte trecho:
“A expressão “orgulho” (“pride”), estreitamente associada à luta pela conquista da cidadania plena da chamada comunidade LGBT, representa o contraponto do sentimento de “vergonha”, que sempre pautou o tratamento opressivo dado à orientação e à identidade sexual diversa do padrão socialmente aceito. Afinal, tais comportamentos evocavam a noção de defeito, de modo que deveriam permanecer ocultos diante do vexame familiar e social que provocavam. A dignidade humana, como se sabe, é patrimônio que não está restrito a grupos específicos. No entanto, são justamente as minorias que mais se ressentem do exercício pleno de seus direitos, já que as sociedades tendem a ditar o seu ritmo à luz de uma maioria. Fixa-se, então, um padrão comum, e a ele se agrega o qualificativo da normalidade. A situação se agrava quando a minoria não é percebida como uma projeção natural da diversidade e da pluralidade humana, mas como um desvio a ser menosprezado, esquecido ou corrigido. É nesse momento que se abrem as portas para o exercício diário da intolerância e da violência. A destinação de datas relacionadas com as minorias é apenas uma das ferramentas disponíveis no vasto terreno da luta pela efetividade dos direitos humanos. Em realidade, elas possuem valor meramente simbólico, já que o objetivo é o de chamar a atenção do grupo social em favor de quem é, diariamente, esquecido no exercício de seus direitos. Busca-se promover a conscientização de que a dignidade humana não é monopólio restrito à maioria.

Vem daí a consagração dos dias “da Mulher”, “da “Consciência Negra” e “do Índio”. Nessa perspectiva, a reserva de uma data especial para a celebração do orgulho dos heterossexuais se mostra desnecessária, uma vez que não há discriminação por tal condição. Não são associados à doença ou ao pecado, tampouco são alvo de perseguições no trabalho, nas escolas ou em outros ambientes sociais. A união heterossexual, por sua vez, é totalmente amparada pelo Estado e pelo Direito. Além disso, a iniciativa legislativa propicia uma leitura perigosa, capaz de desvirtuar a própria dinâmica dos direitos humanos. Com efeito, ao acentuar o vínculo já consolidado entre “orgulho” e o “padrão socialmente aceito”, a lei cria dificuldades para que se elimine o estigma da “vergonha” que persegue o movimento oposto.

Afinal, vergonha não emerge do que se mostra normal, mas, sim, do que se qualifica como anormal. Em verdade, a energia criativa do legislador deveria ser canalizada em prol de políticas públicas eficientes para o processo de consolidação da respeitabilidade integral dos direitos humanos. A questão é especialmente urgente em uma cidade onde são recorrentes os atos de violência racial, étnica, religiosa, de gênero e de orientação sexual. Experiências frutíferas poderiam ser alcançadas nos bancos escolares públicos. Leis que se mostrassem preocupadas com a formação de crianças desprovidas de quaisquer preconceitos já seriam muito bem-vindas. Afinal, na base da educação dos direitos humanos repousa o valor-fonte da tolerância. É chegada a hora de aceitarmos tudo o que não se apresente como espelho."

Por derradeiro, impende ressaltar que as políticas públicas encampadas pelo Município de São Paulo inserem-se no atual contexto nacional e internacional de reconhecimento e garantia dos direitos das denominadas minorias ou grupos em situação de vulnerabilidade social (mulheres, negros, nordestinos, crianças, pessoas com deficiência física, comunidade LGBT, idosos, pessoas em situação de rua e outros), em perfeita harmonia, aliás, com o disposto no artigo 2º, “caput” e inciso VIII, da Lei Orgânica da nossa Cidade, segundo o qual a organização do Município observará, dentre outros princípios e diretrizes, a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, “orientação sexual”, cor, idade, condição econômica, religião “ou qualquer outra discriminação”, aos bens, serviços e condições de vida indispensáveis a uma existência digna. Por óbvio, para o alcance desse desiderato, no caso dessas minorias, faz se necessário lançar mão da figura da “discriminação positiva”, calcada na noção aristotélica de isonomia, qual seja, tratamento igual entre os iguais e desigual entre os desiguais.

Com esse propósito, cabe destacar, pela pertinência com o assunto aqui enfocado, as políticas públicas voltadas à específica proteção do segmento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT, como a adoção, dentre outras, das seguintes medidas: a) criação da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, cuja Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual - CADS tem por atribuição atender as necessidades específicas de referido segmento, visando a promoção da sua cidadania e o combate a todas as formas de discriminação e de preconceito; b) instituição do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual, órgão colegiado, de caráter consultivo, composto por membros da sociedade civil e Poder Público Municipal, com competência para propor o desenvolvimento de atividades que contribuam para a efetiva integração cultural, econômica, social e política do segmento LGBT; c) edição do Decreto nº 51.180, de 14 de janeiro de 2010, dispondo sobre a inclusão e uso do nome social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da Administração Direta e Indireta; e d) envio, à Câmara Municipal, do Projeto de Lei nº 359/07, estabelecendo medidas destinadas ao combate de toda e qualquer forma de discriminação por orientação sexual no Município de São Paulo.

Por conseguinte, claro está que o projeto de lei em relevo, mormente em face do seu conteúdo discriminatório, efetivamente não se coaduna com as ações governamentais que vêm sendo implementadas no âmbito da Administração Pública do Município de São Paulo, direcionadas ao bem comum e à paz social.

Nessas condições, assentadas e explicitadas as razões de inconstitucionalidade, de ilegalidade e de contrariedade ao interesse público que me impedem de sancionar a iniciativa assim aprovada, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB, Prefeito

Ao Excelentíssimo Senhor
JOSÉ POLICE NETO
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
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Clap, clap, clap.

Declaro hoje, o Dia do Orgulho do Prefeito de São Paulo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Dia do Orgulho Besta

G1 (02/ago/2011): Câmara de SP aprova Dia do Orgulho Hétero

À bancada evangélica eu só tenho a dizer o seguinte:
"Os olhos altivos dos homens serão abatidos, e a sua altivez será humilhada; e só o SENHOR será exaltado naquele dia." Isaías 2:11
"Porque quebrarei a soberba da vossa força; e farei que os vossos céus sejam como ferro e a vossa terra como cobre." Levítico 26:19
"Por isso a soberba os cerca como um colar; vestem-se de violência como de adorno." Salmos 73:6
"Em vindo a soberba, virá também a afronta; mas com os humildes está a sabedoria." Provérbios 11:2
"Da soberba só provém a contenda, mas com os que se aconselham se acha a sabedoria." Provérbios 13:10
"A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda." Provérbios 16:18
"O soberbo e presumido, zombador é o seu nome, trata com indignação e soberba." Provérbios 21:24
"A soberba do homem o abaterá, mas a honra sustentará o humilde de espírito." Provérbios 29:23

Que o Kassab tenha a decência de vetar essa aberração**. Orgulho hetero? Vergonha alheia.

Upideite(02/ago/2011): A culpa da aprovação dessa lei despropositada não é, claro, culpa exclusiva da bancada evangélica. A culpa é de toda a Câmara Municipal de São Paulo que, apesar da maioria de seus representantes ser contrária*, permitiu que isso fosse decidido em votação simbólica.
*Upideite(03/ago/2011): As informações são desencontradas. O noticiário fala em 39 presentes, com 20 contra: diz-se que a aprovação se deu pelo voto ser simbólico, mas votação simbólica implica apenas que se vota por meio de gestos (como mão levantada), a maioria ainda seria considerada no resultado de aprovação ou não. No Viomundo, listam-se 50, com 31 a favor e 19 contra. No site da CMSP, constam 43 presentes na seção extraordinária e 16 que registraram voto contra.
**Upideite(06/ago/2011): As primeiras declarações não são muito animadoras.***
***Upideite(17/ago/2011): Estas são mais auspiciosas.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Reaças e fascistas?

Marcelo Coelho na Folha e Marcelo Rubens Paiva no Estadão analisam episódios recentes de manifestação de intolerância e preconceito e a questão da (in)correção política.

Em linhas gerais, tocam nos pontos que eu já havia citado no "Manifesto pela correção política"; os textos dos articulistas são uma boa chamada à consciência, mas eu não iria tão longe em designar boa parte dos criticados (e dos defensores dos criticados) de reacionários e fascistoides.

A meu ver estão mais para mal guiados. O fato de a maioria reconhecerem (antes que algum desavisado que andou lendo textos contrários ao livro "Por uma vida melhor" da editora Global aponte erro de concordância entre 'maioria' e 'reconhecerem', trata-se de uma concordância ideológica) a bobagem que disseram parece-me indicar isso. Sim, devem ser criticados - e sempre que voltarem a dizer ou escrever tolices desse calibre. Mas estão longe de serem Boçonaros da vida.

De qualquer maneira, ainda bem que pessoas com alcance dos Marcelos ajudem a desarmar a armadilha retórica do "politicamente incorreto".

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Falar que o pessoal do SPFW é bambi é ser homofóbico?

Nota prévia 1: Abomino a atitude vergonhosa da torcida do Cruzeiro no primeiro jogo contra o Vôlei Futuro.

Postei no twitter (segue como está sem correções gramaticais):
"Serio que tem gente que acha q xingar Michael e os corintianos chamarem o pessoal do SPFW de bambi é a mm coisa?"*

Aí travei um diálogo como segue (coloquei mais ou menos na ordem da postagem, mas talvez seja preciso um pequeno esforço pra reconstituir exatamente a estrutura do diálogo, cheguei a colocar espaços pra fazer o aninhamento, mas o Blogger sumiu com eles - omiti o nome do interlocutor, ou da interlocutora, pois ele ou ela pode ter alguma objeção a ser mencionado/a aqui):
AA: Errrrrrrrrr... Na verdade, é sim.
Eu: Xingar um cara que é guei de guei é diferente de xingar quem não é.
AA: "XINGAR", dear... that's the question!
Eu: Não. No 1o caso é uma ofensa homofóbica.
AA: Nos dois casos é uma OFENSA.
AA: Ah... Takata, Takata... É a função, querido. É a FUNÇÃO o que conta.
Eu: Não. Importam a motivação e o efeito, não apenas os meios.
AA: Se você usa uma palavra cujo significado é "homossexual" como xingamento, está dando a ela uma conotação negativa.
Eu: Sim, mas em contextos distintos.
AA: Está agregando um significado negativo à classe "homossexual", independente de dirigir a ofensa a um home ou a um hetero.
Eu: Na verdade depende. No caso de ofensa ao homossexual, há agressão direta à humanidade dele.
AA: A função de "xingar" é ofender, ferir, machucar. Ninguém "xinga" com a função de ser agradável.
Eu: Opa, xingam sim. Cumprimentos masculinos: "E aê, sua mãe ainda na zona?" "Aprendendo com a sua" e saem dando risada.
AA: Isso não é xingar, fiote. Isso é usar uma "gíria", um dialeto específico partilhado por uma pequena comunidade...
AA: Usar um sinônimo de "homossexual" como xingamento, é, em si, um ato homofóbico. Significa que "homossexual" *É* negativo, feio, sujo, errado, ou seja, é o que um xingamento deve ser.
Eu: Não é a mm coisa. Efeitos distintos.
AA: Desculpa, quem xinga procura SEMPRE o mesmo efeito. Independente do alvo a ser xingado.
Eu: Xingamento depende de contexto. Quem xinga, como xinga, quem xinga...**
AA: Aham, Takata, senta lá. Continue sendo "inocentemente" homofóbico e use a falácia da "intenção" p racionalizar seu erro. Be happy!***
Eu: Huahuahua... Que erro?
Eu: Se a troca de gentilezas de dois caras a respeito da mãe é só gíria, o mm com a troca de gentilezas sobre porcos, gambás...
Eu: ...bambis, sardinhas.
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*Na eventualidade de algum incauto não saber, SPFW se refere, não ao evento de moda, mas ao time do Jardim Leonor.
**Errei, claro. Era "Quem xinga, como xinga, quem é xingado..."
***Yo! A carta do "você é homofóbico!". Calha que eu sou assumidamente homofóbico (sem ter nenhum orgulho disso - e em contínuo processo de extirpar minha homofobia - já disse isso antes), mas não é por ser homófobo que sustento a distinção entre as duas situações - o que passou o jogador Michael e a provocação dos corintianos (e parmerenses e santistas...) em relação aos são-paulinos. A carta da "racionalização" é outra que é facílima de jogar. Experimente, sempre que encontrar algum ponto de discordância diga: "você está apenas racionalizando" (é um trunfo que pode tirá-lo ou tirá-la de várias enrascadas, como quando não tiver mais contra-argumentos).

O leitor atento ou a leitora atenta terá percebido que em nenhum momento usei o argumento da "intenção": falei em "contexto", "motivação, efeitos e meios" ("motivação" = "intenção", mas não está sozinho/a), "quem xinga, como xinga, quem é xingado". Na verdade meu interlocutor (ou minha interlocutora) é quem insiste na intenção ao dizer: "quem xinga *procura* sempre o mesmo efeito".

Eventualmente terá notado que não disse: "não tem problema nenhum, então, falar 'bambi' para se referir ao time do Jardim Leonor". Sim, tiro onda da afetação associada a muitas coisas que vem do SPFW - inclusive com o uso das iniciais SPFW. E, sim, há alguns problemas em relação a isso. Mas não é - e digo que nem de longe - a mesma coisa do comportamento da torcida cruzeirense naquele jogo.

Dizer "ô, boiola" pra um amigo heterossexual, no fundo (epa!), encerra uma opinião negativa sobre o comportamento homossexual; falar a mesma coisa para um homossexual torna a questão não "no fundo", mas absolutamente à tona. O "no fundo" envolve aspectos indiretos e mitigados; o "à tona" é uma manifestação direta e tende a ter uma carga fortemente virulenta.

Do mesmo modo que falamos para um amigo que deixou escapar algo evidente: "como você é cego" sem que haja problema algum, dado que ele, na verdade, enxergue muito bem. Mas - mesmo em circunstâncias similares - dizer isso para alguém que realmente é cego é, no mais das vezes, altamente ofensivo. Podemos pensar em vários casos similares: "seu perna de pau", "mas que cara retardado", "morfético", "esclerosado", "tá doido?"...

Até mesmo fdp é um termo que se evita para se referir a alguém que realmente tem como genitora uma profissional do sexo.

(Claro que se pode dizer: "fácil pra você falar que é diferente, já que você não é homossexual". Sim, terá esse fator.)

domingo, 9 de maio de 2010

Porra, Garcia

O jornalista Alexandre Garcia falou uma enorme bobagem sobre a questão da gravidez de mulheres soropositivas. Causou respostas bastante fortes de algumas entidades relacionadas aos direitos civis e de combate à Aids e uma dura "nota de esclarecimento" emitida pelo MS. Manifestações contrárias já haviam sido feitas em outra oportunidade em que o jornalista emitiu opinião parecida.

Infelizmente, Garcia apenas reflete uma opinião desinformada que há na população. Estranho que, como jornalista, não tenha se dado ao trabalho de buscar estudar a questão - ainda mais que não é a primeira vez.

Já disse em outras ocasiões - personalidades continuam a ser seres humanos e as suas falhas devem ser entendidas pela óptica da falibilidade de nós, humanos, mas também podemos, sim, cobrar retificações e tanto mais quanto maior a visibilidade da personalidade.

Um ponto que precisa ser entendido muito bem é que há uma diferença significativa entre *orientação* e incentivo. Do contrário, o que diriam Garcias da vida então, de programas de aconselhamento genético, em que as chances de transmissão de doenças de componentes genéticos ficam em torno de 25%? Os orientadores mostram os riscos e, quando os há, os modos de minimizá-los - sendo transparentes nas informações disponíveis: a decisão final é sempre dos pais. A responsabilidade dos orientadores é que qualquer que seja a decisão do casal - ou da mulher - ela seja uma decisão *informada*. Isso *não* é estimular. (Estímulos seriam, p.e., dar descontos nos impostos para que os casais tenham filhos. Ou mesmo dizer que eles devem ter filhos.)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Menas, Barbara, menas

Barbara Gancia,

No geral gosto do que você escreve. Tenho discordâncias, mas até aí aquela história do verde com todos gostando do amarelo (não entendo muito bem essa frase, porém sei que o sentido geral é da valorização da diversidade de pontos de vista).

Em relação a sua defesa de Casoy (aqui). Bem, de um lado é muita fineza de sua parte defender um colega e uma pessoa que você aprecia. No entanto, não douremos a pílula, né?

O próprio Casoy reconheceu que falou uma grande bobagem. E falou mesmo, uma *enorme* bobagem. Com hombridade se desculpou. De modo tímido, mas se desculpou. A bobagem que ele disse não é isso de que "ele não aprovou a escolha dos personagens usados em uma matéria de Boas Festas". Foi bem mais do que isso. Não irei reproduzir aqui as terríveis palavras ditas. No entanto ele *humilhou* os varredores de rua. Da fala de Casoy se depreende perfeitamente que, na visão dele, quem ganha pouco não tem direito de ser feliz ou de desejar felicidade a outros. Subtexto: têm que se colocar no devido lugar.

Certamente há os que aproveitaram para destilar mais maldades sobre Casoy. A referência à ascendência judaica é algo criminoso certamente - preconceito religioso tipificado como crime.

Criticar as reações exageradas, ok. Porém para tanto não é preciso minimizar a asneira de Casoy. Ele merece, sim, um amplo puxão de orelhas.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Space quota exceeded 3

(Esta postagem deverá sofrer atualizações posteriores.)

Abaixo algumas afirmações e negativas (ainda) frequentes entre os opositores mais veementes das cotas raciais (para acesso ao ensino superior).

+ Cotas irão aumentar o preconceito contra os negros, acirrar os ânimos e a tensão social.
A) Vamos supor que aumentem. A culpa é dos preconceituosos, não das medidas. Seria o mesmo que dizer que não se deve instalar iluminação em um bairro porque os criminosos que ali atuam não irão gostar.
B) Cotas - e políticas de ações afirmativas - não visam a combater o preconceito. Visam apenas a equalizar as condições de acesso aos recursos sociais.
C) Não há nenhum indício sólido de que as cotas aumentem o preconceito contra os negros. Ao contrário, o instituto Datafolha apurou em duas oportunidades o apoio da população às cotas para negros nas universidades. Em julho de 2007, 65% dos entrevistados declararam ser favoráveis às cotas para negros (e 87% para as pessoas de baixa renda); em novembro de 2008, 62% declararam concordar que "as cotas para negros nas universidades são fundamentais para ampliar o acesso de toda a população à educação". Em outubro de 2003, a Fundação Perseu Abramo fez uma pesquisa sobre cotas e 59% dos entrevistados concordavam (total ou parcialmente) com a reserva de vagas para negros no estudo e no trabalho (em 1995, 48% concordavam total ou parcialmente). Em janeiro de 2013, 62% dos brasileiros eram a favor de cotas em IES públicas para negros, pobres e alunos de escolas públicas (64% eram favoráveis a cotas que só considerassem a raça autodeclarada).
C1)** Há estudos que indicam uma *diminuição* do preconceito com a exposição à diversidade étnico-racial-cultural (hipótese do contato). Para uma revisão: Paluck & Green 2009.

+ Cotas diminuem a qualidade do ensino.
A) Pesquisas indicam que, de modo geral, os cotistas apresentam um desempenho acadêmico igual ou superior aos não-cotistas.
Na UFBA, em 11 dos 18 cursos mais concorridos, os cotistas tiveram desempenho igual ou superior aos não-cotistas.
Na UFPR, os cotistas raciais tiveram, na média, um desempenho pior nos dois primeiros anos de avaliação: índice de rendimento acadêmico dos cotistas raciais - 53% -, de não-cotistas: 62%. Por outro lado, o abandono de curso foi menor: 4% dos cotistas raciais contra 11,2% dos não-cotistas.
Na UnB, em 27 cursos os cotistas raciais tiveram um desempenho superior; em três, o mesmo desempenho e, em 31, um desempenho pior. Quanto à evasão[5], os cotistas apresentam uma taxa não superior ou inferior: 8% contra 10% de não-cotistas em um período de 1,5 ano para ingressos em 2004 (subindo para 15,7% contra 17,5% em 2,5 anos), para ingressos em 2005, em um período de 1,5 anos, as taxas foram: 9,7% contra 16,1%.
Na Uerj*, os cotistas tiveram um desempenho acadêmico praticamente igual (ligeiramente superior) aos não-cotistas: 6,74 contra 6,71 de nota média.
Na UFABC*****, os cotistas, em geral, tiveram um desempenho médio similar (ligeiramente inferior) aos não cotistas: 1,99 de coeficiente de rendimento acadêmico contra 2,11. Os cotistas raciais tiveram um desempenho menor: -35,4% (pretos cotistas), -17,6% (pardos cotistas), -17,2% (pretos não-cotistas), +14,0% (brancos não cotistas), +10,2% (amarelos não-cotistas).
Na UFRGS****, os cotistas raciais (advindos das escolas públicas) que entraram em 2008 tiveram um desempenho pior (maior tempo de integralização do curso) e maior taxa de evasão do que os não cotistas de escolas públicas e não cotistas que não se declararam negros. (Não encontrei os valores.)
Na Unifesp6,  cotistas tiveram desempenho médio 1,26% inferior aos não-cotistas; em cursos do câmpus de São Paulo-SP o desempenho médio foi 6,65% inferior; nos do câmpus de Santos-SP, o desempenho foi 8,71% superior.
No Enade 20086, cotistas (e beneficiários de bônus) tiveram um desempenho médio 9,3% inferior aos não-cotistas. 10% inferior no caso das estaduais paulistas.
Na Unicamp***, que usa o sistema de bonificação em lugar de cotas, os contemplados por critérios sociais (escolas públicas) não tiveram diferenças de desempenho; os bonificados por critérios raciais obtiveram um desempenho pior: 16% de reprovação contra 10% geral e 28% de abandono contra 24% geral.
(Esta argumentação era mais frequente antes da implementação mais ampla das cotas e do surgimento desses estudos. Atualmente é menos sacada, mostrando como dados claros podem ajudar no debate.)

+ Os cotistas não conseguirão emprego por serem considerados inferiores.
Não há distinção na diplomação a respeito de se se trata ou não de aluno cotista. Mas poderia haver uma desconfiança geral - mais facilmente voltada contra os negros -, é preciso estudos para se verificar isso e alguns começam a ser feitos com os cotistas formados.
Na UFRGS7, os egressos cotistas sociais e raciais do curso de Ciências Jurídicas e Sociais estão no mercado dentro de sua área de formação, e relatam não sofrer preconceito.

De todo modo, se houver discriminação contra cotistas/beneficiários de programas de ações afirmativas, o problema tem origem no mercado, não nas ações afirmativas. Eventuais soluções deverão ser encontradas para se impedir essa discriminação e não simplesmente acabar com as políticas de ações afirmativas.

+ Devemos utilizar cotas sociais no lugar das raciais, já que os negros estão mesmo em maior número entre os mais pobres.
Números do Inclusp7 mostram que, entre os beneficiados do programa de inclusão de alunos de escolas públicas na USP, ocorre uma desproporção ainda maior entre brancos e negros do que entre os aprovados na Fuvest que não são beneficiados pelo programa.

O uso exclusivo de cotas sociais pode, assim, agravar ainda mais a exclusão dos negros.

*Upideite(04/fev/2011): adido a esta data.
**Upideite(05/fev/2011): adido a esta data.
***Upideite(30/abr/2012): adido a esta data.
****Upideite(01/ago/2012): adido a esta data.
*****Upideite(13/ago/2012): adido a esta data.
5Updeite(09/abr/2013): adido a esta data.
6Upideite(19/mai/2013): adido a esta data.
7Upideite(23/set/2016): adido a esta data.