@nadialapa, também conhecida como Letícia F., postou no blogue Cem Homens um texto sobre mulheres que agem de modo machista ao criticarem mulheres que gostam de se vestir de modo considerado sensual (roupas coladas, que mostram partes do corpo e acentuam as curvas).
Nos comentários, uma leitora reproduziu uma publicação no facebook de uma mulher que gosta de ser assediada (receber cantadas grosseiras). nadialapa sugeriu que a solução seria o assediador perguntar antes.
Creio que não funcione. E não pelo motivo que nadialapa sugere: "Se você não sabe a diferença entre flerte e assédio, realmente perguntar antes não resolve." Essa distinção não tem nenhum papel relevante na questão. Está a se falar de mulheres que gostam de receber cantadas, mesmo as mais grosseiras.
Sim, há que se respeitar as mulheres que não gostam de assédio. Mas a parcela que gosta de cantadas não é insignificante. Se você pergunta antes, digamos, "oi, você gosta de ser assediada?" para uma estranha na rua, a parcela que não gosta vai ser incomodada do mesmo jeito, já para a parcela que gosta será algo anticlimático.
Não convém adotar a estratégia de se assediar a todas, causará transtornos à parcela das mulheres que não gostam disso. Não dá para simplesmente não assediar nenhuma. Declaradamente, as mulheres que gostam têm até a autoestima afetada quando não recebem elogios (mesmo o do tipo que a outra parcela consideraria grosseria)*.
É preciso pensar em um modo prático e que não gere anticlímax que permita a distinção entre os grupos. A prática corriqueira de muitos homens de se fiarem no modo de se vestirem não é boa: parcela significativa das mulheres que gostam de se vestir 'sensualmente' não querem ser assediadas. E não é justo privar essa parcela do direito de se vestirem como gostarem.
(Obviamente o assédio definido como cantada grosseira *não* comporta nenhum consentimento de violação física. Se uma mulher gosta de receber 'cantada de pedreiro', não significa que ela aceite ser tocada.)
*Obs: Não se interprete essa questão de autoestima como uma desculpa, por parte dos homens, de assédio para o bem das mulheres, algo ridículo do tipo: "estou até fazendo um favor". É uma constatação, *declaradamente*, mulheres que gostam de ser assediadas sentem-se feias ou desvalorizadas quando não o são. Obviamente, os assediadores o farão porque faz bem a *eles*.
Disclêimer: O de praxe, sou machista. Não me orgulho disso.
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sexta-feira, 23 de novembro de 2012
domingo, 15 de abril de 2012
Cantadas, galanteios e outras questões feministas
Como uma pessoa recebe uma cantada é um ato pessoal: pode achar um galanteio, pode ser indiferente a ela, pode considerar um aborrecimento menor ou ter uma forte opinião contrária - mesmo a cantadas das mais leves como "e aí, gatinha/o". Não me cabe julgar isso, só respeitar os sentimentos de cada um/a.
Porém, chamou-me a atenção um trecho do texto publicado no Blogueiras Feministas:
"Ao contrário do que muitos homens gostam de dizer por aí, a maioria de nós, mulheres, não se sente prestigiada ou enaltecida ao ser assediada na rua por um sujeito que ela não conhece e, tampouco, tem a intenção de conhecer."
Claro, depende um pouco do significado de assédio - no texto, a autora discute casos grotescos de tocar nas partes íntimas sem permissão, mas também diz que: "um dos medos constante na mente de qualquer mulher é o abuso sexual, que pode começar com uma aparentemente inofensiva 'cantada'" (grifo meu).
Tocar partes íntimas é considerado ato libidinoso e pode ser tipificado como estupro se envolver ameaça (art. 213 do Código Penal) ou violência sexual mediante fraude se envolver modo que dificulte a livre manifestação da vontade da vítima (art. 215) ou assédio sexual se se valer da condição de superior hierárquico (art. 216-A) ou, pelo menos, como ato obsceno (art. 233). Há que se avançar na legislação: por exemplo, não prevê casos que não envolvam ameaça (incluindo demissão) ou fraude realizados em locais não públicos - como no recesso do lar.
Mas, voltemos às cantadas inofensivas. Mesmo estas, se a pessoa não gosta, não devem ser proferidas. Não é este, no entanto, o ponto que discuto. É a afirmação de que a maioria das mulheres não recebem a cantada como elogio. Tecnicamente é verdade, mas não quer dizer que a maioria se sinta ofendida. Pesquisa realizada a pedido da Fundação Perseu Abramo* (do PT) em 2001, mostra que, se 32% das mulheres consideram as cantadas como desrespeitosas, 27% as recebem como elogio; 8% dizem que depende da cantada, 6% são indiferentes e 27% declaram que nunca foram cantadas.
Vendo unicamente pelo lado da reação das receptoras, a questão é um pouco mais matizada. O argumento não é exatamente: "não cante as mulheres porque elas consideram grosseiro", mas, sim: "Assumindo que a sensação de desrespeito tenha o mesmo peso da sensação de elogio e assumindo a probabilidade de que uma cantada tenha 50% de chances de ser do tipo grosseira; tomando-se uma mulher ao acaso da população, há uma chance de (32%+4%)/(100%-27%) = 49,31% de ser desagradável, uma chance de (27%+4%)/(100%-27%) = 42,46% de ser agradável e 8,22% de ser recebido com indiferença; portanto a expectativa de ganho é negativa, ainda que por pouco (-49,31% + 42,46% + 0 x 8,22% = -0,0685); então, a menos que você seja um galanteador muito bom, quando a expectativa de ganho é positiva (+0,0411 se 100% das suas cantadas forem positivas), o melhor é ficar quieto."
Esse raciocínio, no entanto, não vai funcionar bem se levarmos em conta o ganho por parte de quem faz a cantada. Se para o sujeito, ele ganha sempre que cantar alguma mulher, independente da resposta que provocar (um sorriso ou xingamento), a cantada vai ocorrer sempre. Porém, o argumento acima é para sensibilizar parte dos homens susceptível a esse tipo de argumento.
A coisa se complica mais se levarmos em conta o chamado sexismo benevolente. Provavelmente boa parte das cantadas e galanteios poderão ser vistas como reforço da imagem socialmente construída da mulher, qual seja, a de um ser incompletamente independente (é delicada, precisa ser protegida, ser tutelada). Mesmo para um homem mais esclarecido na questão (não é bem o meu caso, tenho que confessar), é um problema que vai entrar em sutilezas ainda maiores. Estudos mostram que as mulheres precisam ser treinadas para detectar casos de sexismo benevolente e nós, homens, mesmo quando enxergamos tais situações, recusamo-nos a ver como algo negativo.
Digamos que se trate de um homem razoavelmente esclarecido diante de uma mulher não treinada (a situação é improvável somente pela parte do homem razoavelmente esclarecido - no entanto, faz sentido somente nesse caso), como ele deve se portar? Respeitar a decisão da mulher como um agente independente ou tutelá-la treinando-a?
Bom esclarecer que ao expor tal situação, não estou tentando caricaturizar o feminismo; considero, porém, a questão bem posta: o que fazer?
Como disse no começo, meu posicionamento é de respeitar a decisão da pessoa. Se ela recebe uma cantada como ofensa pessoal, não passarei uma cantada; se ela recebe bem, não vejo problema algum (mesmo sob o mencionado risco do sexismo). Mas como saber se a garota recebe bem ou mal um galanteio? Se se trata de uma completa desconhecida, pra mim, vale o quadro discutido para uma cantada no meio da rua: de modo geral, é bom evitar (até porque, infelizmente, não me encaixo na categoria dos que dão cantadas certeiras). No entanto, se se conhece a pessoa, pode haver informação suficiente para que a expectativa de ganho seja positiva (para a mulher).
Mas e o fator do sexismo benevolente? A solução que vejo é deixar isso a cargo das mulheres. Que haja conversa e debate entre elas, feministas ou não, e elas decidam por si o que vale e o que não vale. Não no sentido de que um grupo dite para os homens como eles devem agir com todas as mulheres, mas que cada mulher, devidamente informada pelo debate, tenha clareza sobre o modo como deseja ser tratada e os homens respeitem as decisões individuais.
As feministas têm uma outra frente de trabalho também: fazer as próprias mulheres compreenderem o feminismo. Também segundo a pesquisa encomendada pela FPA, somente 45% das mulheres identificam o feminismo com a luta pela igualdade de diretos, 22% acham que se trata da superioridade feminina ou ser briguenta, 16% que é ser feminina (ser vaidosa, cuidar da casa), 23% nunca ouviram falar ou não sabem (a soma final é maior do que 100% - suponho que mais de uma opção poderia ser mencionada).
Disclêimer: O aviso de praxe - sou machista, mas não me orgulho disso.
*Upideite(11/set/2013): O link está quebrado. O atual é este.
*Upideite(8/mai/2014): Um estudo científico sobre o tema. (via @carlosom71)
Porém, chamou-me a atenção um trecho do texto publicado no Blogueiras Feministas:
"Ao contrário do que muitos homens gostam de dizer por aí, a maioria de nós, mulheres, não se sente prestigiada ou enaltecida ao ser assediada na rua por um sujeito que ela não conhece e, tampouco, tem a intenção de conhecer."
Claro, depende um pouco do significado de assédio - no texto, a autora discute casos grotescos de tocar nas partes íntimas sem permissão, mas também diz que: "um dos medos constante na mente de qualquer mulher é o abuso sexual, que pode começar com uma aparentemente inofensiva 'cantada'" (grifo meu).
Tocar partes íntimas é considerado ato libidinoso e pode ser tipificado como estupro se envolver ameaça (art. 213 do Código Penal) ou violência sexual mediante fraude se envolver modo que dificulte a livre manifestação da vontade da vítima (art. 215) ou assédio sexual se se valer da condição de superior hierárquico (art. 216-A) ou, pelo menos, como ato obsceno (art. 233). Há que se avançar na legislação: por exemplo, não prevê casos que não envolvam ameaça (incluindo demissão) ou fraude realizados em locais não públicos - como no recesso do lar.
Mas, voltemos às cantadas inofensivas. Mesmo estas, se a pessoa não gosta, não devem ser proferidas. Não é este, no entanto, o ponto que discuto. É a afirmação de que a maioria das mulheres não recebem a cantada como elogio. Tecnicamente é verdade, mas não quer dizer que a maioria se sinta ofendida. Pesquisa realizada a pedido da Fundação Perseu Abramo* (do PT) em 2001, mostra que, se 32% das mulheres consideram as cantadas como desrespeitosas, 27% as recebem como elogio; 8% dizem que depende da cantada, 6% são indiferentes e 27% declaram que nunca foram cantadas.
Vendo unicamente pelo lado da reação das receptoras, a questão é um pouco mais matizada. O argumento não é exatamente: "não cante as mulheres porque elas consideram grosseiro", mas, sim: "Assumindo que a sensação de desrespeito tenha o mesmo peso da sensação de elogio e assumindo a probabilidade de que uma cantada tenha 50% de chances de ser do tipo grosseira; tomando-se uma mulher ao acaso da população, há uma chance de (32%+4%)/(100%-27%) = 49,31% de ser desagradável, uma chance de (27%+4%)/(100%-27%) = 42,46% de ser agradável e 8,22% de ser recebido com indiferença; portanto a expectativa de ganho é negativa, ainda que por pouco (-49,31% + 42,46% + 0 x 8,22% = -0,0685); então, a menos que você seja um galanteador muito bom, quando a expectativa de ganho é positiva (+0,0411 se 100% das suas cantadas forem positivas), o melhor é ficar quieto."
Esse raciocínio, no entanto, não vai funcionar bem se levarmos em conta o ganho por parte de quem faz a cantada. Se para o sujeito, ele ganha sempre que cantar alguma mulher, independente da resposta que provocar (um sorriso ou xingamento), a cantada vai ocorrer sempre. Porém, o argumento acima é para sensibilizar parte dos homens susceptível a esse tipo de argumento.
A coisa se complica mais se levarmos em conta o chamado sexismo benevolente. Provavelmente boa parte das cantadas e galanteios poderão ser vistas como reforço da imagem socialmente construída da mulher, qual seja, a de um ser incompletamente independente (é delicada, precisa ser protegida, ser tutelada). Mesmo para um homem mais esclarecido na questão (não é bem o meu caso, tenho que confessar), é um problema que vai entrar em sutilezas ainda maiores. Estudos mostram que as mulheres precisam ser treinadas para detectar casos de sexismo benevolente e nós, homens, mesmo quando enxergamos tais situações, recusamo-nos a ver como algo negativo.
Digamos que se trate de um homem razoavelmente esclarecido diante de uma mulher não treinada (a situação é improvável somente pela parte do homem razoavelmente esclarecido - no entanto, faz sentido somente nesse caso), como ele deve se portar? Respeitar a decisão da mulher como um agente independente ou tutelá-la treinando-a?
Bom esclarecer que ao expor tal situação, não estou tentando caricaturizar o feminismo; considero, porém, a questão bem posta: o que fazer?
Como disse no começo, meu posicionamento é de respeitar a decisão da pessoa. Se ela recebe uma cantada como ofensa pessoal, não passarei uma cantada; se ela recebe bem, não vejo problema algum (mesmo sob o mencionado risco do sexismo). Mas como saber se a garota recebe bem ou mal um galanteio? Se se trata de uma completa desconhecida, pra mim, vale o quadro discutido para uma cantada no meio da rua: de modo geral, é bom evitar (até porque, infelizmente, não me encaixo na categoria dos que dão cantadas certeiras). No entanto, se se conhece a pessoa, pode haver informação suficiente para que a expectativa de ganho seja positiva (para a mulher).
Mas e o fator do sexismo benevolente? A solução que vejo é deixar isso a cargo das mulheres. Que haja conversa e debate entre elas, feministas ou não, e elas decidam por si o que vale e o que não vale. Não no sentido de que um grupo dite para os homens como eles devem agir com todas as mulheres, mas que cada mulher, devidamente informada pelo debate, tenha clareza sobre o modo como deseja ser tratada e os homens respeitem as decisões individuais.
As feministas têm uma outra frente de trabalho também: fazer as próprias mulheres compreenderem o feminismo. Também segundo a pesquisa encomendada pela FPA, somente 45% das mulheres identificam o feminismo com a luta pela igualdade de diretos, 22% acham que se trata da superioridade feminina ou ser briguenta, 16% que é ser feminina (ser vaidosa, cuidar da casa), 23% nunca ouviram falar ou não sabem (a soma final é maior do que 100% - suponho que mais de uma opção poderia ser mencionada).
Disclêimer: O aviso de praxe - sou machista, mas não me orgulho disso.
*Upideite(11/set/2013): O link está quebrado. O atual é este.
*Upideite(8/mai/2014): Um estudo científico sobre o tema. (via @carlosom71)
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Dia do Orgulho Paulistano
Diário Oficial do Município de São Paulo
-----------------RAZÕES DE VETO
Projeto de Lei nº 294/05
Ofício ATL nº 105, de 30 de agosto de 2011
Ref.: OF-SGP23 nº 2701/2011
Senhor Presidente
Por meio do ofício acima referenciado, ao qual ora me reporto,
Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 294/05, de autoria do Vereador Carlos Apolinário, aprovado na sessão de 2 de agosto do corrente ano, que objetiva dispor sobre a instituição do “Dia Municipal do Orgulho Heterossexual”.
De acordo com o teor da propositura, o “Dia Municipal do Orgulho Heterossexual”, a ser anualmente comemorado no 3º domingo do mês de dezembro, integrará o “Calendário Oficial de Datas e Eventos do Município de São Paulo”, devendo o Poder Executivo envidar esforços no sentido de divulgar a data com o objetivo de “conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes” (artigos 1º e 2º).
Contudo, considerando que, à vista das conclusões alcançadas no parecer expendido pela Procuradoria Geral do Município, acolhida pela Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos, e na manifestação da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, conforme restará adiante explicitado, o conteúdo da propositura é materialmente inconstitucional e ilegal, bem como contraria o interesse público, vejo-me na contingência de, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município, vetar totalmente o texto assim aprovado.
Referido projeto de lei, cujo artigo 1º parece tão somente instituir e acrescentar mais uma data comemorativa ao Calendário de Eventos da Cidade de São Paulo, o que seria plenamente legítimo, na realidade não se reveste da simplicidade que aparenta ostentar, circunstância que, por certo, explica a sua enorme repercussão, majoritariamente negativa, no Brasil e até mesmo na imprensa internacional, como é o caso, só para exemplificar, das revistas “Forbes” e “Newsday”, que destacaram a inusitada criação do “Straight Pride Day” em seus respectivos sites, consoante noticiado no Portal da “Folha.com” em 2 de agosto de 2011.
Em princípio, poder-se-ia argumentar que, se a Cidade de São Paulo comemora, como tantas outras no Brasil e no mundo, o “Dia do Orgulho Gay” (Homossexual), então, sob o pálio de uma isonomia meramente formal, seria legítimo que ela igualmente comemorasse o “Dia do Orgulho Heterossexual”, pois dessa forma todas as preferências, orientações ou tendências sexuais estariam contempladas pelo legislador no aludido Calendário, confirmando a vocação democrática e pluralista desta terra paulistana.
Essa não é, todavia, a isonomia de tratamento que o comando contido no artigo 2º do indigitado texto pareceu querer por evidência, na medida em que ali está prescrito que, vale a pena repetir, o Poder Executivo Municipal “envidará esforços no sentido de divulgar a data instituída por esta lei, objetivando conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes”. Como se vê, o dispositivo expressamente patenteia que o “Dia do Orgulho Heterossexual”, cuja comemoração anual dar-se-á na semana do natal, estará associado ao resguardo da moral e dos bons costumes. Logo, não é necessário fazer grande esforço interpretativo para ler, nas entrelinhas do pretendido preceito, que apenas e tão só a heterossexualidade deve ser associada à moral e aos bons costumes, indicando, ao revés, que a homossexualidade seria avessa a essa moral e a esses bons costumes. Aliás, o texto da “justificativa” que acompanhou o projeto de lei por ocasião de sua apresentação descreve, em vários trechos, condutas atribuídas aos homossexuais, todas impregnadas de sentimentos de intolerância com conotação homofóbica.
Consequentemente, sob essa perspectiva, caso o Município de São Paulo, por qualquer de seus órgãos, viesse a dar cumprimento ao mencionado artigo 2º, daí resultaria a inequívoca mensagem à população em geral no sentido de que a homossexualidade seria “um modo de ser” supostamente contrário à moral e aos bons costumes, com isso violando princípios basilares e objetivos fundamentais constitucionalmente agasalhados, dentre eles o da cidadania, o da dignidade da pessoa humana, o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o da redução das desigualdades sociais, o da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e “quaisquer outras formas de discriminação”, e o da prevalência dos direitos humanos (Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 1º, incisos II e III, artigo 3º, incisos I, III e IV, e artigo 4º, inciso II).
Mas não é só. A essa desconformidade da proposta legislativa com a Carta Magna Brasileira, por si só suficiente para impedir a sua conversão em lei, soma-se o fato de que ela também não está de acordo com o interesse público.
Com efeito, sob a aparência de promover o “orgulho da heterossexualidade” - e aqui se deve observar que não faz sentido algum “ter” ou “comemorar” o orgulho de pertencer a uma maioria que não sofre qualquer tipo de discriminação - a carta de lei vinda à sanção mal disfarça o preconceito contra a homossexualidade, associada, por inferência (artigo 2º) e consoante se colhe de sua “justificativa”, à falta de moral e de bons costumes. Assim, ao invés de promover o entendimento das diferenças e, pois, a paz social, função maior da Política, o projeto de lei milita a serviço do confronto e do preconceito, razão primeira da sua contrariedade ao interesse público.
Acerca do tema, lapidar e percuciente é a abordagem realizada pelo jurista MARCOS ZILLI, Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP e Coordenador da “Coleção Fórum de Direitos Humanos”, no artigo intitulado “A criação do Dia do Orgulho Hétero Incentiva a homofobia? - Tolerar, verbo transitivo”, publicado na seção “Tendências/Debates” do Jornal Folha de S.Paulo, edição do dia 13 de agosto de 2011, do qual, por pertinente e oportuno, ora se transcreve o seguinte trecho:
“A expressão “orgulho” (“pride”), estreitamente associada à luta pela conquista da cidadania plena da chamada comunidade LGBT, representa o contraponto do sentimento de “vergonha”, que sempre pautou o tratamento opressivo dado à orientação e à identidade sexual diversa do padrão socialmente aceito. Afinal, tais comportamentos evocavam a noção de defeito, de modo que deveriam permanecer ocultos diante do vexame familiar e social que provocavam. A dignidade humana, como se sabe, é patrimônio que não está restrito a grupos específicos. No entanto, são justamente as minorias que mais se ressentem do exercício pleno de seus direitos, já que as sociedades tendem a ditar o seu ritmo à luz de uma maioria. Fixa-se, então, um padrão comum, e a ele se agrega o qualificativo da normalidade. A situação se agrava quando a minoria não é percebida como uma projeção natural da diversidade e da pluralidade humana, mas como um desvio a ser menosprezado, esquecido ou corrigido. É nesse momento que se abrem as portas para o exercício diário da intolerância e da violência. A destinação de datas relacionadas com as minorias é apenas uma das ferramentas disponíveis no vasto terreno da luta pela efetividade dos direitos humanos. Em realidade, elas possuem valor meramente simbólico, já que o objetivo é o de chamar a atenção do grupo social em favor de quem é, diariamente, esquecido no exercício de seus direitos. Busca-se promover a conscientização de que a dignidade humana não é monopólio restrito à maioria.Vem daí a consagração dos dias “da Mulher”, “da “Consciência Negra” e “do Índio”. Nessa perspectiva, a reserva de uma data especial para a celebração do orgulho dos heterossexuais se mostra desnecessária, uma vez que não há discriminação por tal condição. Não são associados à doença ou ao pecado, tampouco são alvo de perseguições no trabalho, nas escolas ou em outros ambientes sociais. A união heterossexual, por sua vez, é totalmente amparada pelo Estado e pelo Direito. Além disso, a iniciativa legislativa propicia uma leitura perigosa, capaz de desvirtuar a própria dinâmica dos direitos humanos. Com efeito, ao acentuar o vínculo já consolidado entre “orgulho” e o “padrão socialmente aceito”, a lei cria dificuldades para que se elimine o estigma da “vergonha” que persegue o movimento oposto.Afinal, vergonha não emerge do que se mostra normal, mas, sim, do que se qualifica como anormal. Em verdade, a energia criativa do legislador deveria ser canalizada em prol de políticas públicas eficientes para o processo de consolidação da respeitabilidade integral dos direitos humanos. A questão é especialmente urgente em uma cidade onde são recorrentes os atos de violência racial, étnica, religiosa, de gênero e de orientação sexual. Experiências frutíferas poderiam ser alcançadas nos bancos escolares públicos. Leis que se mostrassem preocupadas com a formação de crianças desprovidas de quaisquer preconceitos já seriam muito bem-vindas. Afinal, na base da educação dos direitos humanos repousa o valor-fonte da tolerância. É chegada a hora de aceitarmos tudo o que não se apresente como espelho."
Com esse propósito, cabe destacar, pela pertinência com o assunto aqui enfocado, as políticas públicas voltadas à específica proteção do segmento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT, como a adoção, dentre outras, das seguintes medidas: a) criação da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, cuja Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual - CADS tem por atribuição atender as necessidades específicas de referido segmento, visando a promoção da sua cidadania e o combate a todas as formas de discriminação e de preconceito; b) instituição do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual, órgão colegiado, de caráter consultivo, composto por membros da sociedade civil e Poder Público Municipal, com competência para propor o desenvolvimento de atividades que contribuam para a efetiva integração cultural, econômica, social e política do segmento LGBT; c) edição do Decreto nº 51.180, de 14 de janeiro de 2010, dispondo sobre a inclusão e uso do nome social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da Administração Direta e Indireta; e d) envio, à Câmara Municipal, do Projeto de Lei nº 359/07, estabelecendo medidas destinadas ao combate de toda e qualquer forma de discriminação por orientação sexual no Município de São Paulo.
Por conseguinte, claro está que o projeto de lei em relevo, mormente em face do seu conteúdo discriminatório, efetivamente não se coaduna com as ações governamentais que vêm sendo implementadas no âmbito da Administração Pública do Município de São Paulo, direcionadas ao bem comum e à paz social.
Nessas condições, assentadas e explicitadas as razões de inconstitucionalidade, de ilegalidade e de contrariedade ao interesse público que me impedem de sancionar a iniciativa assim aprovada, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB, Prefeito
Ao Excelentíssimo Senhor
JOSÉ POLICE NETO
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
-----------------
Clap, clap, clap.
Declaro hoje, o Dia do Orgulho do Prefeito de São Paulo.
domingo, 10 de janeiro de 2010
Discriminação sexual na Royal Institution?
A ex-diretora da Royal Institution, Susan Greenfield, segundo reportagem do Guardian, decidiu processar a instituição por discriminação sexual.
É estranho que ela tenha sido trancada para fora de seu flat poucas horas depois de demitida do cargo que exerceu por 11 anos. Mas teria sido sua demissão motivada mesmo por questões sexuais?
Entre as especulações levantadas pela reportagem está a crise financeira por que passa a RI. Crise que teria se agravado por decisões de Greenfield.
É estranho que ela tenha sido trancada para fora de seu flat poucas horas depois de demitida do cargo que exerceu por 11 anos. Mas teria sido sua demissão motivada mesmo por questões sexuais?
Entre as especulações levantadas pela reportagem está a crise financeira por que passa a RI. Crise que teria se agravado por decisões de Greenfield.
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