Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.
(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 10 aqui.)
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Seu nome era Simba. Mas estava alheio a isso. Era de um tipo raro, raríssimo, Porém estava igualmente alheio a isso. Concentrava-se somente em beber. Agachado próximo às lépidas águas do riacho. 630 microgramas de glifosato estavam presente a cada litro. 26% acima do limite máximo para potabilidade. Isso era outra coisa a que estava alheio. Esticava a língua, formando uma concha com a ponta dobrada para baixo e para trás, que, uma vez repleta do refrescante líquido – juntamente com as moléculas de glifosato – era recolhida para a boca em uma operação monotonamente repetida.
Estava alheio também à presença do outro lado da margem à sotavento.
Sua respiração era tranquila. Ritmada com as batidas do coração. E as batidas eram lentas, um ciclo de sístole e diástole por segundo. Não mais do que isso.
Treinara semanas para a tarefa. (Em sua mente era uma tarefa a cumprir.) Não sentia mais a coceira na polpa do indicador, gentilmente posicionado sobre o gatilho.
No centro da retícula a região interocular do leão.
Simba, na verdade, era um ligre. Mas um detalhe desimportante para Flora naquele momento. Salvo pelo fato de que isso significava que era um animal de porte avantajado: respeitáveis 397 kg, que facilmente tornavam Padre Amaro um peso pena. Ainda assim a compleição de Simba era esbelta com seus mais de 3 metros de comprimento. Ela deveria ter atentado para isso.
Quando disparou, o centro do retículo mirava não a região entre os olhos ou qualquer parte da cabeça, mas uma parte da área lombar.
O gatilho liberou a válvula. O gás carbônico pressurizado quase que imediatamente expandiu-se para a câmara de munição, propelindo o dardo pelo cano a uma velocidade de 288 km/h. O dardo, basicamente uma seringa hipodérmica, tinha sua trajetória estabilizada pelas aletas em sua extremidade traseira. O vento lateral deslocou levemente a curva descrita – desvio parcialmente compensado por Flora mirando um pouco à esquerda do ponto que pretendia atingir (ela compensou também a leve queda causada pela gravidade). A ponta afiada da agulha abriu caminho por entre os pelos, rasgou a pele, atingindo a camada muscular superficial. Uma pequena carga explosiva empurrou o êmbolo injetando 25 ml de cloridrato de xilazina a 10% – o suficiente para derrubar um leão dos realmente grandes. Nada mal para alguém que, a meros 52 dias jamais tocara em uma arma.
Simba fugiu mata adentro, mas meia hora depois foi encontrado caído, sem reação.
"Morreu, dona Flora?"
"Não, Zenão. Veja, está respirando. Só está apagado." – adiantou-se o veterinário da equipe.
Flora olhava fixamente para o leão, ligre ou o que quer que fosse aquilo.
Os peões improvisaram uma padiola com a lona da picape. Seis homens arrastaram o bicho com bastante dificuldade até o carro à borda do bosque. Deram graças que a floresta original tivesse sido reduzida tão drasticamente em sua área. Não fora isso levariam horas no caminho de volta.
Flora ficou para trás enquanto observava o local em que há quase dois meses GC tombara sob o ataque da fera. A natureza já havia apagado qualquer marca de sangue. De repente, gritos.
A dosagem havia sido calculada para um leão grande, um muito grande. Mas Simba não era um leão muito grande. Era um ligre, maior ainda do que um leão muito grande. Era enorme. O efeito do tranquilizante passara meia hora antes do que o previsto.
Simba fugia mata adentro. Em direção à Flora.
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(Capítulo 12.)
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
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