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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Médicos e profissionais de saúde obrigados a declarar CPF de clientes. O que pode dar errado?

A Receita Federal tornou a fiscalização de declaração de despesas médicas e de saúde e agora exige de profissionais como médicos, dentistas e psicólogos a inclusão do CPF (cuidado! contém paywall poroso) de seus clientes/pacientes em suas declarações.

Suponhamos que os governos não persigam seus desafetos a partir de informações desse tipo: p.e. deduzir algum fato embaraçoso sobre a vida sexual de alguém com base nos médicos que consultou e nos antibióticos que comprou (a venda de antibióticos já é controlada).

O que poderia dar errado?

Isto poderia dar errado. CDs (agora deve ser pendrive ou arquivos pra baixar na internet) com declarações de IR são facilmente encontrados por aí à venda.

Planos de saúde terão quase todo o histórico de saúde anterior de seus prospectivos clientes; empregadores terão a mesma informação: "Ih, esse daí é pinel; foi no mesmo psiquiatra que tratou daquele assassino em série".

Mas mesmo que: 1) governos não usem essas informações contra os cidadãos além de fiscalização tributária (Snowden e NSA alguém?); 2) esses dados não caiam em mãos erradas (ok, e você também pode comprar esta escritura para terreno na Lua por módicos R$ 1.200.000); não me sinto nem um pouco confortável em que algum operador desconhecido possa ter acesso a esse tipo de dados.

Não bastasse isso, é uma violação inaceitável de sigilo profissional e privacidade. Espero que o procedimento seja derrubado na Justiça e que outro mecanismo de fiscalização seja aventado. Se nenhum outro for possível, lamento, terão que fazer o que fizeram até aqui: continuar confiando na palavra dos profissionais.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O que procurei saber: anotações para uma biografia de uma polêmica desinformada

1. Somos muito rápidos em condenar as pessoas que têm ideias contrárias às nossas. Não raro, de forma definitiva.

2. A lei *não* exige autorização prévia. O Novo Código Civil (Lei 10.406/2002) diz:
"Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma."

Uma editora *pode* publicar uma biografia *sem autorização* do biografado (ou de seus parentes). Apenas que, neste caso, o biografado (ou seus parentes) têm o direito de embargar a distribuição e comercialização da obra que fira sua boa imagem ou tiverem fins comerciais.

3. Não há censura prévia. Todos os casos de embargos de biografias foram analisados pela Justiça. (Pode-se discutir a correção ou não das decisões. Eu discordo de várias.)
3.1 Francisco Bosco, em O Globo, desmonta a armadilha:
"Muitos criticam esse princípio opondo-lhe o art. 220, § 2º, da Constituição, que proíbe qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Mas a “censura” em questão não incide sobre nenhum desses âmbitos; o político é o domínio público por definição, e o ideológico e o artístico referem-se ao direito que cada sujeito tem de manifestar suas próprias ideias, formas ou afetos. É fundamentalmente diverso o pleiteado direito de tornar públicos os fatos (na verdade, a interpretação deles) que um outro sujeito determinou privados." O público e o privado
"Barcinski sugere também uma contradição entre o passado de Chico Buarque, um dos autores mais censurados pela ditadura brasileira, e sua presente posição de suposto censor. Mais uma vez, a contradição é falsa. Uma censura é inaceitável porque versa sobre matéria de natureza pública. Um cidadão é censurado quando o Estado impede que ele intervenha na situação pública. Ora, novamente, o que está em jogo é a discussão sobre se a matéria biográfica — a vida do biografado — deve ou não ser considerada passível de expropriação pela coletividade, os direitos sobre ela pertencendo ao coletivo, não ao indivíduo. Antes de estabelecer esse ponto, chamar Chico Buarque de censor é uma petição de princípio.O público e o privado II

4. A preocupação de muitos artistas com a Adin 4.815 (patrocinada pela Associação Nacional de Editores de Livros - ANEL) e, princiaplmente com o Projeto de Lei 393/2011, não é a de proibir suas biografias não autorizadas, mas de terem efetivo direito de terem sua integridade moral e privacidade resguardadas de ataques injustos (propositais ou não). A preocupação é que os dispositivos legais atualmente existentes sejam simplesmente suprimidos, em nome da liberdade de expressão, sem a possibilidade de defesa eficaz (um processo demorado não é eficaz - um julgamento que leve, digamos, um ano entre a audiência das partes, a análise de recursos, julgamento, publicação da decisão final, é ineficaz porque aí os livros já foram vendidos e o dano já foi feito; restaria a reparação, o que nem sempre consegue compensar o dano feito à imagem).
4.1 O compositor e humorista Tim Rescala, por exemplo, diz (ainda que de modo um pouco enrolado):
"A questão, no final das contas, é muito simples. É preciso haver total liberdade de expressão na hora de escrever? Sim, sem a menor dúvida. Sempre. Mas também é preciso, por outro lado, que haja punição exemplar para aqueles que fizerem um mau uso dessa liberdade. É assim nos países onde há liberdade plena. Essa é a única forma de estabelecer limites de um lado, sem ultrapassar os do outro. Se o caso é mudar a lei, que se mude de forma ampla , abrangente, senão estaremos vestindo um santo e desnudando outro."

5. O que a ANEL acharia de declaração de inconstitucionalidade da necessidade autorização prévia para a reprodução de textos de livros que seus associados editam? A necessidade dessa autorização também restringe a liberdade de expressão e de informação.

6. É estranho o argumento de ganhos econômicos utilizados por ambas as partes. A ANEL, em sua petição, diz que os biografados cobram fortunas pela autorização. Qual o problema? Os artistas dizem que editoras e biógrafos ganham fortunas pelas vendas. Qual o problema? Problema haveria se fosse ganho indevido ou ilícito. É indevido se a editora lucra em cima do biografado sem compensação a este. É indevido se o biografado lucra em cima da editora sem compensação a esta. É indevido se qualquer das partes lucra de modo indevido em cima dos consumidores. É indevido se qualquer das partes deixa de recolher o imposto correspondente aos ganhos auferidos.

7. A petição da ANEL é razoável (ainda que baseada na premissa errônea de que há exigência de autorização prévia). Assim como a dos artistas do Procure Saber. Os argumentos dos dois é que são ruins - especialmente ao vilanizar a parte contrária.

8. Paula Lavigne deu um p*ta bola fora com a Barbara Gancia ao falar sobre a sexualidade desta - embora seja compreensível a reação, dado o que Gancia escreveu a respeito de Lavigne.

9. Vale o ensinamento de ET Bilu: busquem conhecimento. Mas a questão exige uma reflexão profunda, não meros slogans, pensamentos superficiais... Há solução de compromisso? Que valores estão envolvidos?
9.1 Nisso parece prudente a chamada à consulta pública pela Ministra Carmen Lúcia.
9.2 Mas as pessoas devem *mesmo* fazer uma análise equilibrada. Alguém que considero, de resto, muito razoável encampou o lado de que a lei do modo como está é censura - tudo bem, é uma posição legítima -, e vetou meu comentário em seu blogue no qual eu apenas dizia que não havia censura prévia (não havia exigência de autorização prévia e os embargos eram por via judiciária)*, é direito do dono do blogue aprovar ou não os comentários. Só é irônico, neste caso.

*poderia ser um simples caso de extravio da mensagem, no entanto, é parece mais provável o veto porque essa pessoa disse que não abre concessão nenhuma pra quem defende censura; não era defesa de censura, mas enfim.