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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Cantadas e assédios: uma solução parcial?

A respeito de um episódio de assédio ocorrido há mais ou menos um ano lá na gringolândia, cujas consequências se deram agora, com a revelação do nome do assediador (para detalhes veja postagem de Carlos Hotta, no Brontossauros em Meu Jardim), o filósofo australiano John S. Wilkins pergunta-se que tipo de regra social deve ser estabelecida para minimizar o cruzamento de fronteiras entre um flerte aceitável e o assédio detestável.

A variação, mesmo entre as mulheres, de percepções e opiniões a respeito do tema - já tratei aqui algumas vezes, como no caso da campanha contra as cantadas de rua - é grande o bastante para tornar a possibilidade de qualquer regra universal ou amplamente aceita, se não remota, potencialmente muito difícil.

Considerando-se, no entanto, a disseminação de tecnologias móveis de comunicação, pode haver uma possível solução parcial.

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É um tipo de app que já existe, mas neste mundo WEIRDs (Western Educated Industrialized Rich and Democratic societies - e adjacências como o Brasil: não exatamente educado, não tão rico) cada vez mais complexo, cheio de nuanças e sensibilidades distintas a serem respeitadas, é algo que deveria ser cada vez mais adotado - sobretudo em encontros sociais: um auxiliar pessoal de flerte.

As pessoas se cadastram no serviço, fornecendo dados como gostos pessoais, tipos de pessoas que acham atraentes e tipos de abordagens permitidas. Estando em um dado local, a pessoa pode consultar a lista de pessoas presentes e marcar as que achar interessantes. Se houver coincidência mútua nas marcações, ambos são avisados. (O sistema de crush do quase finado orkut funcionava, nesse aspecto, de modo similar.)

É meio idiota, mas pode ser melhor do que ferir sensibilidades e ser exposto por abordagem inadequada - evitando processos e prejuízos no emprego.

domingo, 15 de setembro de 2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Da Pesquisa Chega de Fiu Fiu e uma sugestão

O pesquisa online realizada pelo site Olga tem tido bastante repercussão e foi objeto de reportagem do sítio web da revista Época.

De um lado é importante que a questão da "cantada de rua" - bandeira de várias feministas, como o próprio pessoal do Olga, do Cantada de Rua, Blogueira Feministas e outras - ganhe mais visibilidade para discussão. Só não estou muito certo a respeito do papel que tal visibilidade -e a consequente discussão - tem dado à percepção masculina a respeito das cantadas*. Há, de certo, um número grande de manifestações negativas e até grotescas, mas não sei quão representativo isso é do universo masculino.

Mas é preciso colocar em perspectiva ainda a representatividade da pesquisa "Chega de Fiu Fiu" promovida pelo Olga. O viés de autosseleção pode ter atuado de modo bastante intenso. Clara Averbuck enfatiza que foram 8 mil mulheres, das quais, 83% disseram se sentir, no mínimo, incomodada com as cantadas recebidas. Por outro lado, uma pesquisa nacional encomendada pela fundação Perseu Abramo em 2001 (a respeito da qual comentei aqui mesmo no NAQ), mostrava um número diferente: dos 73% de mulheres que disseram já terem sido cantadas, 43,8% se diziam incomodadas com as cantadas - o restante recebia como elogio, não ligava ou achava que dependia da cantada.

Será que a situação mudou nestes últimos 12 anos? É possível que, sim. Mas é possível que não. Ou pode ter mudado em outra direção. Como já disse antes, há mulheres que *declaradamente* gostam de ser cantadas. E, mais uma vez, não estou com isso dizendo que então tudo bem os homens abordarem indiscriminadamente as mulheres - o ponto que gostaria e muito de debater é *como* diferenciar as que gostam de ser cantadas das que não gostam (mas até o momento não venho sendo bem sucedido em obter um diálogo a respeito com a parte feminista contra as cantadas).

Minha sugestão é que seja feita uma pesquisa nacional representativa - digamos, 1.000 entrevistadas em todo o território nacional segundo os critérios de corte censitário. Um instituto de pesquisa haveria de ser contratado. O valor seria levantado via crowdfunding. Uma pesquisa completa deve sair na casa dos 200.000 a 500.000 reais, mas uma mais compacta (feita juntamente com várias outras pesquisas) pode sair mais em conta (embora menos detalhada): algo como 50 mil reais.

*Upideite(14/set/2013): pesquisas que indicam que o confrontamento de diferentes opiniões podem levar a um acirramento da oposição.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um pouco mais sobre cantadas: ajuste semântico necessário

Antes de prosseguir, dois avisos importantes:
1) Concordo que abordagens grosseiras às mulheres por parte dos homens (e outras mulheres) são altamente reprováveis;
2) Sou machista (mas não estou dizendo que é tudo bem ser machista, ao contrário).

Åsa Heuser, em seu Uma Ateia Humanista, aborda a questão da cantada. Do que ela chama de cantada-de-rua. Grosso modo, corresponde a cantadas grosseiras ou cantada de pedreiro/feirante...

Creio que haja concordância nos extremos do espectro: abordagens mais suaves - que Heuser chama de 'galanteio', do tipo: "poxa, você está bonita hoje", extremante polida e delicada são permitidas ou aceitáveis (desejáveis?); abordagens rudes do tipo: "e aí, tesuda, que tal uma tchatchaca na butchaca?" são vetadas e condenáveis.

Figura 1. Como algumas feministas veem a questão de cantadas aceitáveis e inaceitáveis. **Fonte.

O problema está no meio do caminho - ou que seria o meio do caminho. Heuser e várias das comentaristas e depoentes em seu "Cantada de rua" consideram ofensivas cantadas do tipo: "gostosa", "delícia". Há feministas que consideram ofensivas também: "essa cadeira está vazia?",

Mas não é uma posição defendida por todas mulheres - e creio que a estimativa de 99% de mulheres que não gostariam dessas cantadas que estou chamando de "meio do caminho" seja irrealisticamente alta - e nem mesmo por todas as feministas.

Abaixo uma seleção de depoimentos de mulheres famosas e desconhecidas (não se pretende aqui estabelecer que a maioria das mulheres gostem, apenas demonstrar que há um certo número delas que recebem bem cantadas que algumas feministas consideram como grosseira):

Algumas análises acadêmicas:

"Em primeiro lugar, a ênfase na decadência do corpo e na falta de homem é uma característica marcante do discurso das brasileiras. Muitas disseram que passaram a se sentir invisíveis depois dos 50 por não receberem mais elogios ou por não serem paqueradas na rua. Algumas relataram, com tristeza, que 'ninguém mais me chama de gostosa'." (Mirian Goldenber 2011)

"No depoimento das meninas e meninos da pesquisa são marcantes esses sinais corporais, quando enumeram qualidades negativas, defeitos, associando-os às representações que têm de si mesmo: 'sou feia e detesto meu cabelo' foi a caracterização que Violeta fez de si. Essa representação de si transmite a seguinte mensagem: sou negra, tenho cabelo de negra e moro num espaço considerado pobre e perigoso. Desse modo, ela pontua como gosta de ser considerada: 'eu gosto ser chamada de gostosa'. Ser 'gostosa' no cotidiano é ter sinais corporais que são valorizados pelo imaginário masculino. É a mulher que quando passa os homens 'mexem': 'ei gostosa!,' atitude muito presente nas ruas do bairro. Isso mostra como o espaço de moradia implica na construção do indivíduo, da alteridade e da relação entre indivíduos, grupos e sociedade, de forma que se constitui numa expressão de marcas culturais que são expressas intensamente na dimensão simbólica do corpo." (Rosângela da Silva Quintela 2003)

Para uma parcela do mulherio que gosta de ser chamada de gostosa, aparentemente há uma ligação com a autoimagem - mas não necessariamente são pessoas com autoimagem ruim. Não dá pra dizer que sejam todas apenas vítimas do machismo a que se submetem - na relação dos depoimentos acima há mulheres que são bem conscientes da questão do feminismo e da desvalorização das mulheres.

Não quero aqui fazer defesa de um suposto direito dos homens de chamarem as mulheres de gostosa, delícia, aimeudeusqueriaissoláemcasa. Não quero tampouco diminuir os dramas reais de mulheres que são tratadas de modo deselegante, desrespeitoso e até violento. Os depoimentos são bem contundentes quanto ao sentimento de insegurança e de indignação que provocam nas mulheres em geral.

Quero chamar a atenção para o fato da diversidade de opiniões a respeito deste ponto - a definição nesta zona intermediária de "cantada-de-rua" é menos clara do que o texto de Heuser faz supor. O ideal de interação imaginada por parcela das feministas (Figura 1) parece muito insosso* - se fosse realmente a maioria das mulheres que se sentissem mal com cantadas do tipo "gostosa/delícia", não haveria muito a fazer a não ser aceitar o fato e *não* se valer desse recurso. Porém, é bem possível que o quadro seja substancialmente diferente.

A divergência não é uma oposição homens x mulheres. Há divergência dentro do próprio grupo feminino (e feminista). Então, dentro dessa zona cinza, é preciso um diálogo mais intenso (e respeitoso) para a construção do sentido de "cantada-de-rua" ou qualquer outra expressão demarcatória do limite entre a cantada aceitável e a inaceitável.

*Upideite(30/mai/2013): Isso se os quatro primeiros quadrinhos representarem o limite superior do aceitável. Ninguém poderia sair da friendzone sem ser considerado um tarado.
**Upideite(31/mai/2013): Adido a esta data.
***Upideite(08/fev/2014): Adido a esta data.