Mostrando postagens com marcador educação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador educação. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Analfabetismo Miojal

Quando até fazer *miojo* é visto como algo que deve ser paulofreirizado, começo a entender receita de miojo em redação do ENEM...

*

Sério, pra ensinar a fazer miojo é preciso ressignificar o miojo na vida cotidiana das pessoas... Provavelmente também tem que eliciar questionamentos a respeito da organização social que permite que se obtenha o miojo nas vendinhas e a questão da distribuição de renda que impede que todos tenham acesso ao miojo. Claro, na transdisciplinaridade, discutir o teor de sódio e calorias vazias do produto e as implicações sobre a medicalização na sociedade contemporânea.

Imagino que pra ensinar a fazer miojo *de verdade* tenha que ser assim, então:
-------------------
Miojo 101: Introdução Epistemológica e Funcional da Miojocidade na Sociedade Pós-Industrial Ocidental, uma Análise Pós-Conceitual da Ritmicidade Neocapitalista
NATUREZA. Semestral. PERÍODO. 16° semestre.
PRÉ-REQUISITOS. História dos Alimentos 4; Sociologia 6; Cálculo 2; Séries e Equações Diferenciais 2; Termodinâmica 2; Engenharia de Materiais 1; Nutrologia Básica; Nutrologia Avançada; Fisiologia Humana 2; Operações Unitárias; Direito Romano 2; Psicologia e Psicopedagogia 4; Polímeros 3; Direito do Consumidor 2; Ecologia 4; Antropologia 4; Física 6; Tópicos Avançados de Cosmologia 2; Física Quântica 3; Geografia Humana 5; Economia Doméstica 3; Microeconomia 7; Microbiologia 3.
CARGA. 90h; TEÓRICA. 30h; PRÁTICA. 60h.
EMENTA. Preparo de macarrão instantâneo no ambiente doméstico. Variações de preparo do macarrão instantâneo no ambiente doméstico. História do preparo do macarrão instantâneo. Saquinho ou cup noodles? Possíveis aplicações comerciais de habilidades de preparo de macarrão instantâneo. Problematização do preparo do macarrão instantâneo. Avaliação organoléptica do produto do preparo do macarrão instantâneo no ambiente doméstico. Relações familiares e o preparo do macarrão instantâneo. Tópicos atuais do preparo do macarrão instantâneo.
AVALIAÇÃO. 4 testes discursivos (peso 3); prova prática 1 (peso 5); prova prática 2 (peso 5).
PRESENÇA MÍNIMA OBRIGATÓRIA. 75%.
NOTA MÍNIMA PARA APROVAÇÃO. 7.
BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA.
Caldwel. 2002. The Taste of Nationalism: Food Politics in Postsocialist Moscow. DOI: 10.1080/0014184022000031185;
Choo et al. 2008. Too Hot to Handle—Instant Noodle Burns in Children. DOI: 10.1097/BCR.0b013e31816679d0;
Crosbi et al. 1999. Starch and Protein Quality Requirements of Japanese Alkaline Noodles (Ramen) DOI: 10.1094/CCHEM.1999.76.3.328;
Deleuze. 1953. Empirisme et subjectivité.
Foucault. 1975. Surveiller et punir.
Kushner. 2014. Slurp! A Social and Culinary History of Ramen -
Japan’s Favorite Noodle Soup. ISBN: 978 90 04 26927 9;
Lee & Lee. 2003. Frequency of Instant Noodle (Ramyeon) Intake and Food Value Recognition, and their Relationship to Blood Lipid Levels of Male Adolescents in Rural Area. Korean J Community Nutr. 2003 Aug;8(4):485-494.;
Lee et al. 2008. Major Dietary Patterns and Their Associations with Socio-Demographic, Psychological and Physical Factors Among Generally Healthy Korean Middle-Aged Women. Korean J Community Nutr. 2008 Jun;13(3):439-452;
Marx. 1867. Das Kapital.
Okada & Ihida. 1968. Studies on the Storage of Instant Ramen (Fried Chinese Noodle) Part II. 日本食品工業学会誌;
Wang et al. 2011. Effect of phosphate salts on the Korean non-fried instant noodle quality. DOI: 10.1016/j.jcs.2011.09.008;
Xu. 2012. The plasticizer crisis affects on instant noodle packaging materials.
OBS. Esta disciplina é pré-requisito para Miojo 102.
-----------------
Upideite(28/nov/2014):
*Upideite(29/11/2014): Acrescentei um print que havia me escapado - mas que não muda o contexto da troca de comentários. É o que começa com: "agora vejamos o exemplo do Roberto Takata sobre a aula simples".

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Crise na USP: por que desconfio que cobrança de mensalidade não é a panaceia

Não sou contra a tese de cobrança de mensalidade em IES públicas. Já fui terminantemente contra, mas tendo a achar justo que, os que podem contribuir, paguem mensalidades.

A instituição de universidades públicas pagas não é uma tese nova. Já rolava no tempo de minha graduação nos anos de 1990, durante os governos de FHC. Volta à tona com a agudização da crise financeira da USP e das outras estaduais paulistas.

Sabine Righetti, em seu blogue Abecedário, na Folha, sugere que a cobrança pelos cursos tiraria a principal universidade brasileira do vermelho. Eu sou bem reticente quanto a isso.

Reconhecendo o vespeiro que seria instituir a cobrança pelos cursos de graduação, ela diz que se poderiam cobrar pelos cursos de especialização ("Mas, ok, deixando a graduação de fora da matemática. Por que não cobrar da pós-graduação?") - as empresas em que os alunos estudam poderiam bancar os custos. Bem, não vejo essa valorização toda pelas empresas por cursos de pós lato sensu - há não poucos casos em que os alunos precisam brigar ou implorar muito para o patrão para poderem cursar as especializações. Mas digamos que essa questão seja superável.

Há, em 2014, 19 cursos de especialização/MBA na USP - todos pagos - com 1.378 vagas. Se forem cobrados uma média de 30.000 BRL de anuidade por aluno, isso corresponderia a uma receita de 41.340.000 BRL. Respeitável, mas bem longe de cobrir um déficit orçamentário na casa dos 400 milhões BRL. Para que a pós lato sensu desse conta, ela teria que ser expandida pelo menos 10 vezes - a própria expansão geraria custos (instalações, docentes, burocracia, material de consumo) - e desviaria substancialmente a USP de suas funções como universidade pública. Uma alternativa seria cobrar anuidades mais substanciais. Mas haveria procura? Não estou dizendo que seja impossível, apenas apresentando algumas das dificuldades dessa proposta.

Um dos problemas dessas propostas de soluções de problemas reais - e isso vale para qualquer área de questões de políticas públicas - é o excesso de idealizações.

E quanto à graduação? Em 2009, só 13,52% dos alunos ingressantes eram das classes A/B. Projetando essa proporção para o universo de  92.064, serão algo como 12.500 alunos. Cobrando uma anuidade média de 30.000 BRL, seriam 373.411.584 BRL. Suficiente para cobrir o rombo atual.

O problema é saber se essa elite continuaria nas estaduais paulistas sendo que haveria a possibilidade de tentarem outras IES públicas gratuitas - estaduais de outros estados e as federais. Ou mesmo para IES privadas de reputação relativamente boa, mas mais baratas.

A cobrança de mensalidades nas IEES paulistas depende também de emenda da Constituição do Estado*.
"Artigo 52 - Nos termos do art. 253 desta Constituição e do art. 60, parágrafo único do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, o Poder Público Estadual implantará ensino superior público e gratuito nas regiões de maior densidade populacional, no prazo de até três anos, estendendo às unidades das universidades públicas estaduais e diversificando os cursos de acordo com as necessidades sócio-econômicas dessas regiões." (grifo meu)

Enfatizo que, como disse antes, não sou contrário à cobrança de mensalidades. (Elas serviriam justamente para equalizar os subsídios - a gratuidade do ensino superior. Se o corte socioeconômico mais alto quiser utilizar o serviço, deve pagar a taxa - mensalidade. Se não quiser pagar a taxa, abre espaço para o público para quem o subsídio deveria ser voltado.) Boto minhas barbas de molho quando elas são apresentadas como a salvação da lavoura.

Parcerias com empresas para pesquisas? Ok também. Mas haveria demanda suficiente? Com todos os programas de incentivo - inclusive com financiamento a fundo perdido - os investimentos em P&D nas instituições privadas são menores do que os investimentos públicos. E outro: como evitar que a dependência por investimentos privados nas pesquisas não distorcesse (ainda mais) toda a pesquisa quanto a suas prioridades? P.e. é notório que a questão da pouca pesquisa em doenças tropicais negligenciadas é fruto do desinteresse comercial por parte da Big Pharma e dos países industrializados. Como convencer empresas privadas a investirem na pesquisa historiográfica dos séculos 16 a 19?

Um perigo real dessas fontes independentes de financiamento das universidades é que os governos reduzam, por outro lado, o repasse das verbas. Isso ocorreu quando da instituição do IPMF - depois CPMF - para destinação à saúde. Inicialmente, Adib Jatene capitaneou a aprovação do dispositivo fiscal para *aumentar* a verba total investida na saúde. Mas a área econômica, espertamente, retirou o aporte orçamentário, descompensando o que seria ganho com a CPMF.

Uma coisa curiosa de se notar é que um dos argumentos contrários a um aumento da dotação orçamentária das estaduais paulistas pelo aumento da alíquota do ICMS destinada a elas - de 9,57% atuais para 11,6% - é que não adiantaria nada, já que o problema é a má administração. É um argumento correto, mas parcial. Sim, é preciso uma administração eficiente dos recursos; porém é parcial quando não se considera que as demais alternativas apresentadas: cobrança de mensalidades, estacionamento, loteamento dos espaços pra exploração pela iniciativa privada, etc. também seriam inúteis diante de má gestão orçamentária.

Mas mesmo com uma boa administração o orçamento das universidades estaduais (e outras públicas) *precisa* ser expandido. Os salários estão defasados (a própria Folha noticiou como é complicado encontrar docentes em certas áreas pela concorrência com a iniciativa privada) - fora outros investimentos que precisam ser feitos (muitos prédios estão caindo aos pedaços e necessitam de reforma e expansão; novas vagas precisam ser criadas; laboratórios precisam ser modernizados...).

Podemos (e devemos), sim, discutir as soluções para a crise, inclusive a instituição de mensalidades. Mas essa discussão precisa ser feita em base realista. Sem criar barreiras imaginárias intransponíveis para as alternativas de que não se gosta, ao mesmo tempo em que se ignoram as dificuldades das propostas que se defende.

*Upideite(07/jun/2014): Seria preciso emendar também a constituição federal, já que o inc. IV do art. 206 prevê: "IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais".

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Política para vândalos e manifestantes coxinhas: Lição 11 #ProtestaBR

Salários de professores.

"Brasil, vamos acordar; o professor vale mais que o Neymar" - protesto entoado em 2014, mas também em 2013.

O salário de Neymar é de 108 milhões EUR por ano ou 45,59 27,38 milhões BRL/mês.

Em 2012 eram 2.095.013 de professores na educação básica brasileira. Em 2009, apenas cerca de 16,4% trabalhavam exclusivamente na rede privada. Então, um salário de Neymar para cerca de 1.750.000 equivaleria a um gasto de 574.311.941.903.470 575.572.726.150.840 BRL/ano - mais de 118 vezes o PIB do Brasil.

Claro que Neymar é apenas um símbolo. O protesto é para que os professores sejam tão valorizados quanto os jogadores de futebol na média. Bem...

82% dos jogadores de futebol no Brasil recebiam em 2012 menos de 2 S.M. (1.448 BRL/mês em valores de 2014). O piso salarial dos professores é de 1.567 BRL - embora 5 redes estaduais não obedecessem ao piso em 2011, a média na rede municipal e estadual era de 2.265 BRL/mês. Tenho a ligeira impressão de que os políticos atenderiam a essa vontade popular com o maior prazer.

Ok, bem, então os professores da rede pública deveriam ser tão valorizados quanto os da rede privada. Bem...

Professores da rede pública recebem em média 11% a mais do que os da rede privada - considerando-se os benefícios, recebem 38% a mais.

Não digo que os professores recebam bem, longe disso, professores do ensino básico deveriam receber pelo menos tanto quanto os professores do ensino superior - o salário médio deveria dobrar. É ótimo que os manifestantes demonstrem preocupação com a educação. Só deveriam escolher uma comparação melhor.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

O Brasil, em fração de PIB, gasta mais em educação do que a Alemanha. E daí?

A nova (nem tão nova) ladainha é que o Brasil gasta, proporcionalmente a seu PIB, muito mais em educação do que países desenvolvidos e com sistema educacional muito mais avançado.

A ideia é menos enfatizar que gastamos mal - o que é verdade (será?) - do que insinuar que gastamos muito: virão acoplados argumentos de que dá pra fazer mais com muito menos. Não precisamos, afinal, gastar tanto em educação e estão errados aqueles que defendem que é preciso aumentar os investimentos na área (anátema pior: defender o aumento dos salários dos professores).

Omitem nesse argumento que não faz nenhum sentido - ou pelo menos está para se demonstrar a existência de sentido - em comparar gastos educacionais proporcionais ao PIB, em vez de gastos por aluno (ou per capita). Nisso - gastos por aluno - estamos *muito* atrás de Alemanha, Cingapura, Noruega, etc.

Não faz sentido comparar gastos em proporção ao PIB: países têm populações com quantidades diferentes de indivíduos em idade escolar e o PIB não é proporcional ao número de estudantes. De modo geral, quanto maiores os investimentos por aluno em educação - surpresa! - melhor o desempenho dos alunos em exames padronizados como o PISA (Fig. 1). (Se tem um país que parece gastar mal é Luxemburgo.)

Figura 1. Relação entre investimento em educação por aluno e desempenho no exame PISA (média para leitura, matemática e ciências). Em vermelho, Brasil; em amarelo, Alemanha. Ano: 2009.

Upideite(10/mai/2014): A figura abaixo (Fig. 2) mostra uma análise da eficiência de investimentos educacionais.

Figura 2. Eficiência de investimento educacional. No painel à esquerda, uma curva de ajuste linear maximizada (com descarte de pontos) entre desempenho no PISA e o investimento por aluno; no painel à direita, uma curva de ajuste linear maximizada (com descarte de pontos) entre o índice de eficiência de investimento e o investimento por aluno. O índice de eficiência foi calculado a partir da divisão entre o total de pontos no PISA acima do valor mínimo calculado pela curva de ajuste no painel à esquerda dividido pelo montante investido por aluno. Ano 2009.

A eficiência de investimento educacional no Brasil está dentro do esperado em relação ao montante investido por aluno. Para maximizá-lo, é preciso *aumentar* o investimento até cerca de 4.500 USD PPP; ou seja, dobrar o montante investido em 2009. Como em 2009 eram investidos cerca de 5% do PIB em educação, isso significa que o objetivo de 10% do PIB em educação é exatamente o que deve ser perseguido para a situação atual do país.

sábado, 5 de outubro de 2013

Professores devem tomar cuidado com estudos, aponta estudo

Ei, professores, cuidado com estudos (duplo sentido pretendido).

Mais um ranking.

Sim, sabemos que os professores são desvalorizados no Brasil. Mas dá pra confiar nesee estudo noticiado pelo G1?

"Brasil é um dos países que menos respeita professor, diz estudo"

Talvez, porém muita atenção na hora de interpretar o resultado.

"Brasil, penúltimo colocado com 2,4 pontos. Muito abaixo da média do estudo de 37 pontos. Está nem dentro do que se esperaria." - poderão dizer.

Ok. Mas e Israel em último com 2 pontos? E a Finlândia com apenas uma posição intermediária (abaixo da média)?

Esse estudo mistura vários indicadores, muitos de percepção - subjetiva. Uma das conclusões do estudo é que, para o nível de remuneração dos professores, o desempenho dos alunos está muito abaixo do que seria o esperado. Seria possível se dizer que: "ok, os professores recebem mal, mas trabalham ainda pior; eles têm muito espaço para melhorar antes de reivindicarem aumentos salariais". E aí?

O estudo considera que 80% dos brasileiros são a favor da remuneração dos professores atreladas ao desempenho do aluno. E aí?

Faz sentido aplicar o princípio Ricupero e só pegar do estudo o que é favorável às demandas docentes? Ou, se você é um neoliberal empedernido, a só catar o que se coaduna com sua ideologia?

Professores, cuidado com estudos.

De Mona Lisa, universidades, rankings e eleições para reitor

Não leve rankings a ferro e a fogo.

Podem ser úteis em alguma medida, mas não necessariamente o primeiro é melhor do que o segundo em termos para além do próprio ranking.

E raramente os rankings são projetados para que a distância entre o primeiro e o décimo seja a mesma da entre o décimo e o décimo nono.

Muito cuidado ao fazer benchmarks com base em rankings. Você pode listar propriedades comuns aos primeiros colocados (obviamente que não digam respeito diretamente às características usadas para fazer o ranqueamento) que estejam ausentes nos últimos colocados, mas não quer dizer que necessariamente ou com maior probabilidade que o acaso que haja uma relação causal entre tais propriedades e a posição no ranking.

Por exemplo, em uma análise da Folha sobre eleição para reitores em IES públicas no Brasil (em particular na USP):
"A pergunta é: nas grandes universidades do mundo as eleições para reitor são baseadas em voto direto e interno na comunidade? Não."

Por que *a* pergunta seria essa? Aparentemente há a premissa oculta de que "quaisquer qualidades aleatórias presentes em comum nas maiores universidades do mundo estão ligadas à qualidade de ser uma grande universidade". É uma premissa que não se basta por si. Podemos listar uma série de outras características em comum que dificilmente consideraríamos como determinantes válidos de qualidade: as grandes universidades estão nos EUA/Europa - se levarmos essa observação a ferro e a fogo, a conclusão lógica é que não adiantaria criar universidades em outros lugares e esperar que elas sejam grandes.

As grandes universidades do mundo *não* têm um orçamento garantido com base em 10%* dos impostos sobre circulação de mercadorias e serviços. As grandes universidades do mundo *não* têm um processo seletivo formado exclusivamente por uma prova comum de conhecimentos aplicada uma única vez no ano. Haverá ligação causal? Talvez haja, mas não de modo óbvio.

É possível que muito que faz as grandes universidades do mundo grandes seja o fato tautológico de que são as grandes universidades do mundo - o fato de serem grandes, por exemplo, facilitaria a atraírem as melhores pessoas para estudar e trabalhar nelas. Aí seria preciso se voltar para o que *fez* as grandes universidades serem grandes universidades. E é possível que muito disso sejam processos que não tenham diretamente a ver com o modo como as universidades se organizam. Muita coisa pode se dever a fatores casuais ou mesmo aleatórios. Outras a fatores históricos não exatamente reprodutíveis - pode não ser coincidência de que as grandes universidades estejam localizadas nos países que mais fortemente se industrializaram entre os séculos 19 e começo do 20.

É possível que o modo como selecionam os reitores e deões tenha alguma coisa a ver. Mas não de modo óbvio. Assim como não há nada óbvio no fato de a Mona Lisa ser a pintura mais famosa do mundo - a despeito dos milhares de estudos sobre as técnicas de pintura e de composição (a respeito disso vide Watts 2011 "Tudo é óbvio").

Vale ler:
Mlodinow 2009. "O andar do bêbado". Ed. Zahar, 264pp.
Watts 2011. "Tudo é óbvio". Ed. Paz e Terra, 328pp.

*Upideite(08/out/2013): Corrigido a esta data por observação de Ewout ter Haar nos comentários.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Política para vândalos e manifestantes coxinhas: Lição 3 #ProtestaBR

"Menos Copa. Mais escola!", "Enquanto a bola rola, no Brasil falta escola!" dizem muitos cartazes nos protestos pós-Noite de Santo Antônio. Mais escolas é o que pedem também vários manifestantes digitais nas mídias sociais.

Muito legal. Parabéns pela preocupação com a educação. Mas... Mas?

Sabia que *noventa e oito* porcento das crianças entre 7 e 14 anos estão matriculadas ns escolas [1]? Desde a implementação do programa "Toda Criança na Escola", ainda nos governos FHC, tem sido mantido um nível não menor do que 95%.

Entre os jovens de 15 a 17 anos, a taxa de matrícula é de 84%. Nos últimos 7 anos, essa proporção tem oscilado em torno dessa média [2]. É preciso aumentar, mas o fator limitante não é falta de escolas. Para essa faixa etária, a questão da evasão é o desinteresse [3].

Crianças de 4 a 6 anos estão matriculadas nas escolas a uma taxa de 80% [1, 4]. Nessa faixa, sim, há falta de escolas. Especialmente porque a educação infantil é uma atribuição fundamentalmente dos municípios - e muitos mal conseguem se manter. Mas programas federais têm ajudado a expandir o número de vagas. O ritmo atual tem sido de redução de 2% por ano, mas o governo federal tem planos de acelerar e ter mais de 98% matriculadas até 2016 [4].

A faixa em pior condição são crianças até 3 anos. Somente 20% encontram vagas [1] e o governo federal espera expandir para 50% até 2016 [4]. Então o problema é menos de escolas do que de creches - ainda mais necessárias com a implementação da Lei das Domésticas (duplamente, para as domésticas e para as patroas).

Sim, o nível atual da educação é bem longe do satisfatório. Bem ruim, na verdade. Porém, ele tem melhorado [5, 6]. Há uma certa estagnação no ensino médio nos últimos 4 anos - em boa medida com o problema da evasão.

Proposta do governo federal de destinar 100% dos royalties do pré-sal à educação está em tramitação. A emenda de meta de investimento de 10% do PIB em educação foi adicionada na Câmara. [7]

Então, obrigado por se juntar à luta por uma educação básica melhor e espero que esse dados o ajudem a direcionar melhor as cobranças na área.

Referências:
[1] http://migre.me/f7N7n
[2] http://migre.me/f7N8R
[3] http://migre.me/f7Ngn
[4] http://migre.me/f7NFW
[5] http://migre.me/f7ObW
[6] http://migre.me/f7OfT
[7] http://migre.me/f7OnO

Dicão: Saquear escolas *não* ajuda a melhorar o ensino no país.

sábado, 4 de junho de 2011

10 - 7 = 4?

Pode isso, Arnaldo? Pode.

Não no contexto dos livros da coleção Escola Ativa distribuídos pelo MEC como material complementar para alunos de escolas rurais. Detectado o erro, o próprio ministério recomendou que os textos não fossem utilizados com os alunos.

Na notação decimal comum, dentro da aritmética padrão, 10 - 7 = 4 é uma expressão errada.

Erros ocorrem e isso, por si mesmo, não seria um problema: poderia ser um erro tipográfico ou algo assim, mas a comissão de especialistas contratados pelo MEC detectou uma série de erros grosseiros. É bom que a impresa chie, que a classemédia chie, que todos cobrem. Que a CGU detecte a origem da falha no processo de avaliação e, se necessário, aperfeiçoamentos sejam sugeridos.

R$ 13,6 milhões não são dinheirinho do café, mas é quase nada diante dos R$ 880 milhões do PNLD: são 135,6 milhões de exemplares de diversos títulos - o da coleção problemática, são 35 x 200 mil. Representa 1,55% do montante e 5,16% das unidades.

Parece, então, que o processo de avaliação do livro não está tão ruim assim. E a detecção do erro e a suspensão da utilização do material faz parte do processo de autocorreção.

Erros sempre ocorrerão, o sistema precisa é fazer com que fiquem em uma taxa aceitavelmente baixa.

P.e., a Toyota, símbolo de excelência, entre 1997 e 2008 vendeu 1 milhão de automóveis Prius. Este ano, a montadora japonesa fez um recall para 106 mil veículos produzidos entre 1997 e 2003. Assumindo uma taxa constante - o que não é verdadeiro - de cerca de 100 mil veículos vendidos por ano, são 100 mil carros com problemas em 600 mil unidades: ou cerca de 17%. Atualmente são 3 milhões de unidades vendidas no mundo. Se assumirmos que nenhum outro veículo com problemas foi produzido, a fração será de 3,53%.

Então, tudo bem a chiadeira, mas não façamos também uma tempestade em copo d'água, que tudo é uma porcaria, politizar a coisa dizendo que o MEC petista promove o analfabetismo e cousa e lousa.

Como adendo, como é sempre bom a gente aprender um pouquinho mais. 10 - 7 = 4 não está sempre errado. Já frisei, não é o caso dos livros mencionados - estão com problemas sérios -, mas essa conta faz todo o sentido em um contexto, por exemplo, de uso de sistema de notação undecimal - isto é, de base 11 em vez do tradicional sistema decimal.

O uso do sistema decimal é praticamente um acidente de percurso da evolução, que nos brindou com o total de dez dedos nas mãos - excetuando-se casos de poli e oligodactilia. Sistemas digitais costumam usar o sistema binário, aí o 10 representa não as dez unidades do sistema decimal, mas duas unidades do sistema decimal. No sistema undecimal, 10 representa não as dez unidades do sistema decimal, mas onze unidades. 7 representa sete unidades tanto no sistema decimal quanto no sistema undecimal. E como se representam dez unidades no sistema undecimal? Pode ser qualquer outro símbolo, mas costumam usar a letra A maiúscula, que representa também o algarismo dez.

Não é um sistema tão comum quanto o decimal, o binário, o octal (com base 8), o hexadecimal (com base 16: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, A, B, C, D, E, F como algarismos), mas é tão válido quanto esses.

sábado, 14 de agosto de 2010

Senso ao Censo 2010

O matemático Marcos Cavalcanti em sua coluna em O Globo reclama do Censo 2010.

Concordo com ele de que seja uma falha que o sistema do questionário informatizado não permita a opção de não se declarar a raça. Mas não é verdade que o censo não procure saber sobre a escolaridade. No formulário da amostra há o item.

Por que a escolaridade é perguntada apenas na amostra e não no censo padrão? O censo padrão procura fazer um levantamento da população *total* - saber exatamente quantos brasileiros existem (e exatamente quanto estão em determinadas condições, como moradia). A amostra pega apenas parte do universo total.

Naturalmente, realizar o censo é mais caro do que realizar a amostra. Pegar a população total envolve ir a cada cidade, em cada residência - é necessário treinar um número muito grande de recessenceadores, equipá-los adequadamente, garantir o transporte... Na amostra, pega-se um total muito menor. Por isso, o censo é realizado apenas a cada 10 anos. Já a amostra é realizada anualmente (a PNAD - pesquisa nacional por amostra de domicílios).

A PNAD é boa, assim, para mostrar tendências - mas, não captando toda a população, tem, claro, um certo erro embutido. Não que o Censo seja livre de erro, porém, em termos estatísticos, tende a ser insignificante. O Censo, então, é melhor para nos fornecer dados a respeito de grandezas que evoluem mais lentamente no tempo - a população varia de tamanho, mas sua taxa de variação tende a não ser tão brusca, então interpolações entre os dados dos censos e extrapolações entre o último censo e o próximo tendem a ser mais seguras.

Algumas variáveis, como o tamanho populacional, são cruciais para muitas políticas - p.e., as cotas do fundo de participação dos municípios são definidas pelo tamanho populacional de cada localidade. Mas, como dito antes, medir o exato tamanho populacional envolve custos proibitivos para a realização entre intervalos mais curtos. E, felizmente, como dito acima, é de previsão mais fácil e confiável. Além disso, por amostragem, quase não faz sentido estimar-se o tamanho populacional total - a amostragem é feita com base em um certo número de residências e não por uma certa área geográfica.

Saber a raça e etnia é fundamental para políticas como de combate à discriminação de minoriais étnicos-raciais. E, no caso dos indígenas, é importante saber como sua população evolui - são, afinal, descendentes dos habitantes destas terras antes da invasão pelos colonizadores: há uma dívida histórica de contínua expropriação por nossa parte. No caso da população negra, há também uma dívida histórica de exclusão socioeconômica.

E no caso da escolaridade? É uma informação de alguma utilidade, mas saber *exatamente* quantas pessoas têm x ou y anos de estudos não é fundamental. É mais importante saber a *proporção* de pessoas que têm x ou y anos de estudos. Por isso o sistema de amostra funciona bem. Além disso, o MEC tem informações a respeito de exatamente quantas crianças de z anos estão matriculadas no w ano escolar. Com a informação sobre o tamanho populacional total de crianças de z anos que é obtida no censo, é possível saber quantos porcentos de crianças de z anos estão matriculadas no w ano escolar; essa informação é mais importante do que saber quantos adultos têm 20 anos de estudos.

Tendo Cavalcanti formação em matemática é um tanto estranho que isso lhe tenha escapado.

Upideite(16/ago/2010): Na reportagem da Folha, o IBGE esclarece parte da questão.