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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ateus de alma humana: Minha cordial discordância a Carlos Orsi

O jornalista Carlos Orsi escreveu em seu blogue um texto em defesa do direitos ateus em debocharem abertamente do sentimento religioso das pessoas: "Cuidado com quem prega o ateísmo de 'alma branca'".

A linha de defesa, pelo que entendi, passa por:
1) Liberdade de expressão;
2) Direito de resposta: "eles (os religiosos) que começaram, professor";
3) Estão apenas dizendo a verdade: "religião *é* ridícula";
4) Estratégia retórica: tem que bater o pau na mesa pra se fazer respeitar;
5) Dizer que não deveriam ridicularizar seria o mesmo que dizer que negros deveriam saber seu lugar, homossexuais devem ser discretos e mulheres devem se vestir como pudicas.

1) Como o próprio Orsi reconhece nos comentários da postagem dele, a liberdade de expressão tem limites: de um lado, a lei, e de outro, há a reprovação dos intelectuais. E, bem, aparentemente parte dos intelectuais acham que essa ridicularização passou mesmo o limite do bom gosto e da civilidade a ponto de fazerem crítica pública a essas ações, inclusive intelectuais dentro da própria comunidade ateísta e ateia. (Quanto ao limite legal estou mais incerto - creio que ninguém ainda tenha sido processado.)

2) Em conjunto com certas interpretações de (1) isso acaba legitimando também o próprio discurso *contra* os ateus (ou contra a ateidade/ateísmo). Por quê? Porque de um lado, se *todo mundo* tem a liberdade de dizer *o que quiser*, esse "todo mundo" inclui os religiosos e esse "o que quiser" inclui descascar os ateus. De outro, é o princípio em que a reciprocidade elimina a ofensa inicial. Os dois se xingaram, estão quites. Ninguém tem que falar nada de ninguém. (É um dispositivo de exclusão de pena no Código Penal para os casos de injúrias - art. 140:
"§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria."
Isto é, ateus ficam sem a carta do "quero respeito", a menos que ambas as partes se sentem para um armistício.
E a prioridade da provocação é invertida quando começa a caçoar de Ganexa - há poucos casos de atritos entre hindus (religiões orientais de modo geral, e as de matrizes nativas e africanas também) e ateus no Brasil.

3) O conceito de ridicularidade é extremamente subjetivo ou, no máximo, intersubjetivo. Mas mesmo assim há coisas que não precisam ser ditas por serem provocações puras, sem nenhum aspecto pedagógico. Sério, qual o sentido de ridicularizar Ganexa? O mesmo sentido do Rodeio das Gordas, pelo visto. Ninguém há de defender a humilhação de pessoas obesas para que "elas se toquem e comecem a fazer regime, faz até bem pra saúde delas" - oquei, há gente que defende isso, mas acho que concordaremos que é uma tentativa absurda de justificação.

4) De um lado há que se discutir se a hora é agora. E de outro se é verdade que isso é necessário. Orsi também reconhece nos comentários da postagem dele a possibilidade de escalada, o que chama de "corrida armamentista". Se o efeito desejado é de *convencimento*, isso parece um tiro pela culatra.

5) A comparação não procede como argumentei lá na postagem de Orsi:
"A comparação com 'negro saber seu lugar', 'homossexuais não pode[m] andar de mãos dadas na rua', 'mulher não pode usar roupa sensual' não é bom [sic, boa] em relação a 'ateus devem ser respeitosos'. Em primeiro lugar, desrespeito é criticável - mesmo o responsivo. Além disso, desrespeito *não* é uma característica intrinsecamente necessária para o exercício da ateidade ou do ateísmo. Em terceiro lugar - ligando-se com o primeiro -, 'negro saber seu lugar' restringe os direitos dos negros porque todo mundo, menos os negros, podem ir e vir para qualquer lugar, 'homossexual deve ser discreto' restringe o direito dos homossexuais porque todo mundo, menos os homossexuais, podem demonstrar afeto em público; 'mulher deve se vestir puritanamente' restringe os direitos das mulheres porque todo mundo, menos as mulheres, podem se vestir do jeito que quiserem.

'Ateus devem se comportar' só é comparável a essas situações se a todo mundo, menos os ateus, fosse dado o direito de ser desrespeitoso."

O desrespeito por parte dos ateus em relação aos religiosos deve ser criticado. Também devem ser criticados os desrespeito dos religiosos em relação aos ateus. E também o desrespeito de grupos religiosos em relação a outros grupos religiosos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Ateísmo, felicidade e desenvolvimento

Abaixo seguem alguns gráficos de correlação entre porcentual de ateus em uma população (dados de 2005 - usando-se os maiores valores dos intervalos), o grau de felicidade relatado (satisfação geral com a vida) (dados de 2009) e o índice de desenvolvimento humano (dados do relatório de 2010).
Há uma razoável correlação entre o índice de desenvolvimento humano de uma nação e a felicidade reportada por seus habitantes.

Entre o grau de ateísmo da população (isto é, a fração dos habitantes que se declaram ateus - ou ao menos não-crentes em deus - a conta, a rigor, incluem os agnósticos) e o desenvolvimento do país não é tão claro. (Note-se que há menos países - ou seja, menos pontos no gráfico - em função da ausência de estimativas sobre o número de ateus e agnósticos na maioria dos países.) Parece haver uma tendência de haver menos descrentes nos países menos desenvolvimentos - não se deve aqui, no entanto, imaginar que um aumento no número de descrentes tenda a fazer o país se desenvolver mais, é bem possível que ocorra o oposto: em países mais desenvolvidos, os descrentes tenham mais oportunidades ou de assim se declararem ou mesmo de se preocuparem menos com certos tipos de questões.

Já a relação entre número de ateus e agnósticos na população e a felicidade relatada é ainda menos clara.

Alguns poréns quanto aos dados: as estatísticas sobre a fração de ateus/agnósticos são de 2005, enquanto a de felicidade são de 2009 e de IDH de 2010 (mas suponho que não tenha havido tanta variação no número de descrentes nesse período); utilizei os maiores valores para a porcentagem de descrentes (em muitos casos a faixa de variação publicada é bastante alta).

Upideite(18/ago/2011): Acrescento aqui mais um fator: a taxa de suicídio em homens. (O problema é que os dados das taxas de suicídio estão espalhados por um período bastante amplo de tempo: para alguns países os dados são de 1985 e para outros de 2001 e vários com dados de datas intermediárias. Em muitos países, as taxas oficiais de suicídio também são suspeitos: como em países de regime ditatorial, em particular em teocracias islâmicas.)

Os gráficos não são de interpretação trivial (não apenas por seu padrão e o fato de os dados não se referirem ao mesmo corte temporal, como há vários outros fatores ocultos), mas interessante observar que parece que não há uma relação direta entre felicidade da população e taxa de suicídio: as maiores taxas de suicídios são de países com grau intermediário de felicidade declarada por seus habitantes (embora não se possa dizer que países com grau intermediário de felicidade tenham maior taxa de suicídio - há uma ampla variação das taxas).

Aparentemente há menos suicídios de homens em países com grau menor de desenvolvimento.

E não parece haver uma relação clara entre ateísmo (e agnosticismo) na população e taxa de suicídio: países com maiores proporções de ateus/agnósticos não são os com maiores taxas, mas também não são os com menores.