Pelo que se sabe, houve uso sem autorização da imagem da pleiteante, e ela se sente lesada pelas consequências das piadas feitas no programa "Agora É Tarde" em relação ao fato dela ser uma importante doadora de leite materno.
Quem decide se a demanda é embasada ou não é o sistema judicial brasileiro. Com todos os seus defeitos e eventuais méritos.
Mas há um tribunal paralelo nas mídias sociais, um tribunal moral. Alguns condenam qualquer "ameaça" de processo como uma tentativa de tolher a liberdade de expressão de humoristas - se alguém não gostou de uma piada, teria direito apenas de xingar, reclamar, ou responder com outra piada.
O ponto da liberdade de expressão tem um apelo bastante forte, sobretudo pelo seu vínculo com a questão democrática. O problema de se elevar a liberdade de expressão a um valor absoluto é que ele se baseia fortemente em um mundo totalmente idealizado. Como se todo mundo tivesse a mesma liberdade de expressão, o mesmo grau de acesso aos meios de comunicação (e a internet cria uma certa ilusão de que um simples blogue independente tem o mesmo poder do que um canal de TV aberto), o mesmo poder econômico, a mesma habilidade retórica... e que todas as pessoas são perfeitamente racionais e capazes de fazer um julgamento equilibrado. O mundo real é muito longe disso. Os meios de comunicação em massa são oligopolizados, o acesso aos recursos de comunicação não é nem próximo de uma distribuição homogênea e, se as pessoas fossem todas racionais e equilibradas, bem, pra começo de conversa não haveria questões relativas à liberdade de expressão - todos tenderiam a concordar em quase tudo.
Como tal mundo ideal está muito além do nosso horizonte visível, nosso ordenamento jurídico reconhece uma série de restrições à liberdade de expressão - por exemplo, não se pode fazer uso dela no anonimato (eu meio que discordo desse aspecto, mas, enfim, é a lei, é a constituição), a liberdade de expressão não cobre o direito
No meu tribunal moral, tendo a adotar uma visão consequencialista no julgamento de uma ofensa. Bem simplificadamente, ela comporta três eixos (figura 1):
Figura 1. Eixos de julgamento moral de uma ofensa.
Ofensa aqui pode ser entendido em um sentido mais amplo - não apenas um xingamento ou ofensa moral, mas inclusive ofensas físicas, patrimoniais e outras.
Quanto maior o poder do agressor, mais grave considero a consequência da ofensa. Se um moleque de rua me chama de "fdp", pra mim, tem menos potencial ofensivo do que se um político me xinga da mesma coisa.
Quanto *menor* o poder do agredido, mais grave considero a consequência da ofensa. Xingar um garotinho na rua é pior do que xingar um político.
E, claro, há ofensas e ofensas. Chamar de "bocó" é menos grave do que dizer que alguém é um "ladrão safado corrupto"; atirar em alguém é mais grave do que dar um pescotapa. Chamar de "bocó" em uma mesa de bar é uma coisa, pior é chamar de "bocó" em uma rede social aberta.
Claro que o gráfico da figura 1 é mais metafórico - não é possível uma valoração numérica precisa e sem nenhuma ambiguidade. No entanto, como metáfora ilustra bem, ainda que de modo bem simplificado, meu processo subjetivo e não plenamente consciente de julgamento moral em relação a uma ofensa.
É por isso que me sensibilizo pelo pleito da técnica de enfermagem. Há ofensa - no sentido amplo - tanto no uso não autorizado da imagem, como nas piadas proferidas - embora eu considere o potencial ofensivo de grau médio (mais graves são barbaridades que ela sofre nas ruas de Quipapá); e isso é potencializado pela diferença no grau de poder político, midiático e socioeconômico entre a ofendida e o ofensor.
Em uma pseudomatematização, seria:
Seja X o poder do ofensor; Y, o poder do ofendido e Z, a gravidade da ofensa; a consequência da ofensa D poderia ser dada por D=[X2+(1/Y)2+Z2](1/2).*
Aí D poderia ter seu valor cotejado contra outros valores como a diferença entre a liberdade de expressão do ofensor e do ofendido.
*Upideite(30/out/2013): Mas talvez fosse melhor a pseudofórmula D=(X.1/Y.Z)(1/3). Na fórmula de distância trigonométrica, haveria potencial de consequência da ofensa mesmo quando a gravidade fosse zero (por exemplo, um elogio - embora um elogio possa mesmo causar danos).
**Upideite(30/out/2013): Em primeira instância, a juíza da 2ª Vara Cível de Olinda, Cíntia Daniela Albuquerque deu ganho de causa à técnica de enfermagem.
Upideite(04/fev/2014): Até o momento dois recursos do humorista e da emissora foram negados. A mulher acabou mudando de cidade pelas piadas constantes.