segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Todas as formas de ignonímia

A Folha, a Abril, a BBC, o Guardian, China Daily e Al Jazeera adotam a forma Gaddafi; o Estadão, O Globo e o Clarín, Kadafi; Jornal Nacional, G1, Le Figaro e Le Monde, Kadhafi; o N.Y. Times, Qaddafi; a CNN, Gadhafi; La Nación, Khadafy; El País, Gadafi; La Repubblica, Gheddafi... Não há uniformidade em uma mesma língua, em um mesmo país, em veículos de uma mesma organização. E um mesmo veículo pode adotar diferentes padronizações ao longo do tempo (e haverá variações em diferentes textos de um mesmo período - já que são produzidos por diferentes pessoas que nem sempre estão a par da padronização ou que provêm de agências internacionais com padronização diferente).

Qual a forma correta de transliterar o sobrenome do ditador líbio ('قذافي')**? Todas. Não existe uma forma oficial ou universalmente aceita de se transliterar a escrita árabe para o sistema de escrita latina. Variações quase sempre ocorrem quando se tenta transliterar palavras de um sistema para outro, isso porque os fonemas presentes em uma língua nem sempre estão presentes na outra. Isso é válido inclusive para línguas que usam o mesmo sistema de escrita. P.e., Bush é lido aproximadamente como 'bâxi', mas como o sistema de escrita é o mesmo, não se altera de um texto em inglês para um em português. O japonês e o chinês possuem sistemas oficiais de romanização (transliteração para o alfabeto latino) - o roomaji e o pinyin. Mas isso porque o japonês é falado apenas no Japão como língua oficial e o chinês é falado predominantemente na China. Já o árabe é falado em 22 países como língua oficial.

A letra 'ق' (qaf) representa um som de 'q' enfático. No português não há esse fonema, ficando entre o /k/, o /g/ e o /q/. Pode parecer estranho à primeira vista, mas esses sons são 'vizinhos'. Essas consoantes são chamadas de plosivas ou oclusivas: repare que para pronunciar /k/asa, /g/omo ou /q/ueijo sua garganta se contrai interrompendo a passagem de ar (daí oclusiva) e liberando-a repentinamente (daí plosiva - de explosiva). E mais, /k/ e /g/ são ditas velares, a articulação* do som se dá no palato mole (véu) da boca; o som /q/ quase sempre é transformado em /k/, mas a rigor é uvular, a articulação se dá, sim, na campainha da boca. /k/ e /q/ são surdas (as cordas vocais não vibram), /g/ é sonora (bingo, as cordas vocais vibram). Assim, acabamos aproximando o som 'qaf': alguns puxam mais para o /g/, outros mais para o /k/ - na transliteração pode aparecer o 'h': 'gh' ou 'kh', indicando que o som não é exatamente 'g' nem 'k' (mas iremos ler sem o 'h' - /g/ ou /k/).

A letra 'ذ' (Dal) representa um som de 'd' duro, similar ao som do dígrafo 'th' nas palavras inglesas: 'then' ou 'that'. É uma consoante chamada de fricativa: os articuladores estão posicionados bem próximos entre si e o som é produzido pela 'fricção' do ar que passa entre eles - e dental ou linguodental: no início a língua - um pouco além da ponta - toca nos incisivos superiores. Difere do /d/ também porque não há oclusão da passagem do ar na garganta. Uma aproximação natural, em português, é com o 'd', mas alguns acrescentam 'h' ou outro 'd' para indicar que é diferente do /d/ (mas vamos pronunciar como /d/ de qualquer maneira).

A letra 'ا' (alif) representa ou uma parada glotal (uma interrupção com o fechamento da glote) ou um 'a' longo. No caso, um 'a' longo. Mas como um mesmo símbolo representa sons tão diferentes? Bem, em português temos o 'x' que representa vários sons: pei/sh/e, se/cs/o, he/cz/assílabo, e/z/ato, pró/s/imo.

A letra 'ف' (fa) é mais tranquila. Representa o som /f/. Mais tranquila não quer dizer tranquila de todo modo. Como o árabe não tem som /v/, quando eles fazem a transliteração de uma palavra com esse som, eles normalmente usam o, vocês sabem, 'fa'. (Se acham isso estranho, de novo, são sons 'vizinhos': ambos são fricativos - como o 'dal' - de articulação labiodental, os lábios inferiores tocam nos incisivos; a diferença é que /f/ é surda e /v/ é sonora. E mais, o que chamamos de /v/olkswagen, os alemães chamam de /f/olkswagen - eles representam o som /f/ com a letra 'v'. 'Volk', lê-se, /f/olk, significando povo, como em inglês é 'folk' com 'f' mesmo.) Além disso, 'fa' é derivada do 'pe' fenício (que deu no 'pi' grego e no nosso ''): no árabe não há também o som /p/.

A letra 'ي' (ya) representa três sons: o /j/, o 'i' longo e o ditongo /aj/. No nome do ditador líbio é o 'i' longo. O som /j/ não é da nossa letra 'j', mas da consoante 'y' - sim, confuso: até porque, no português, tendemos a pronunciar a consoante 'y' como vogal 'i'.

Tudo certinho, então... epa, peraê. E entre a consoante 'qaf' e a consoante 'Dal'? Não tem letra nenhuma, de onde surge o 'a' ou o 'e'? No árabe, muitas vezes omitem-se as vogais, elas são deduzidas pelo leitor. Para o falante (ou melhor, escrevente) do árabe nada mais natural (infelizmente não é o meu caso) - aliás, é uma característica das líguas semíticas, no hebraico isso ocorre também.

Como dito, no árabe não tem o som /p/, mas no português felizmente temos, então, embora haja vários modos de transliterar 'قذافي', podemos perfeitamente substituir todos por três consoantes bem conhecidas (não, não é o Freie Demokratische Partei ou outra listada aqui).

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*A articulação é a conformação e o posicionamento relativo dos órgãos das vias aéreas externas à glote (o sistema articulatório): faringe, língua, cavidade nasal, dentes e lábios.

Para detalhes:
Portugiesisch: Interne Sprachgeschichte und Entwicklungstendenze
A produção dos sons na lígua portuguesa
The international phonetic alphabet
Arabic alphabet

**Upideite(01/mar/2011): O leitor ou a leitora terá observado, claro, que a escrita árabe é da direita para a esquerda.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

SM: sadomasô e salário mínimo

Talvez seja exagero falar em terceiro turno para as encrencas que a oposição tenta impor ao governo eleito e funfando desde o dia 1o deste ano. Mas presenciamos algumas cenas ridículas - como as centrais sindicais ao lado de políticos conservadores que sempre deu banana às reivindicações trabalhistas. (O que me faz questionar se os sindicatos dos trabalhadores é capaz de ter uma visão estratégica de um prazo médio a longo - apoiar opositores e enfraquecer um governo trabalhista por causa de um ponto específico?)

Outra coisa ridícula são os perdedores - a oposição, claro, em franca minoria nas duas casas do Congresso - entrarem com ação no STF pra melar o que foi decidido. Pior ainda é a demanda encontrar eco lá na casa que tem como função primordial a 'guarda da Constituição Federal'.

Mas não me surpreende. Não sei se já tivemos uma composição pior, mas o STF atual é de causar pena. Não sabe nem ler um pedido de um cidadão, atropela a independência dos poderes, a patacoada de defender que juiz possa considerar e expressar que a mulher é a 'desgraça da humanidade' porque não se referir a ninguém em específico (ei, Marco Aurélio, então racismo liberou geral, né? só não pode se referir a, digamos, Pelé... ah, claro, só pra juiz), solta duas vezes grã-fino preso por crimes de colarinho branco, acusa a existência de grampo do qual não há nem sombra de provas. Em decisões monocráticas e colegiadas, o STF tem produzido vários desastres.

Sim, não tenho nenhuma formação em direito. Sim, eles entendem muito mais do que eu nessas artes. Mas estou aqui apresentando os indícios que mostram suas falhas.

Voltemos, no entanto, à questão do mínimo. Argumenta-se, e um membro do STF concorda, que a lei aprovada que fixa o reajuste do SM para os próximos 4 anos seria inconstitucional por dois pontos: a) O valor do mínimo deve ser fixado em lei; b) É atribuição exclusiva do Congresso e que não pode ser delegada ao presidente da República.

Sim, a CF determina que o valor do SM seja fixado em lei (art. 7o, inc. IV). Só que, dããã, ele *está* fixado em lei - foi a lei que aprovaram, que o Congresso aprovou.

A mesma CF lista as atribuições que são exclusivas do CN (art. 49) e a fixação do valor do SM *não* está entre elas. Se fosse uma lei delegada - e não é - o art. 68 regula o que pode e o que não pode - o CN *poderia* delegar a fixação do SM ao presidente (à presidenta, no caso) porque a CF *permite* ao CN delegar ao poder (ao mesmo tempo em que *não proíbe* que o SM seja objeto de tal delegação). Eu disse, mas me deixe repetir, *não* é o caso de lei delegada aqui. Há uma lei que passou - por deliberação do CN (na Câmara dos Deputados e no Senado) - que fixa em *lei* as regras da correção do valor do SM (nos próximos quatro anos).

Não é Poder Executivo quem dita o valor do SM, este apenas calcula e divulga o índice de inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes.

Pode-se discutir a conveniência ou não de tal regra. (Eu vejo o inconveniente da indexação da correção à inflação.) Mas a oposição e o STF deveriam se portar de um modo mais sério - ou, como dizem em expressão desgastada, respeitar a liturgia do cargo. Francamente.

(Curiosamente, oposição e STF deixam de apontar a real inconstitucionalidade do valor do SM: no art. 7o. inc. IV é estabelecido que o valor deve ser "capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social" - algo que há muito tempo é descumprido.)

Entenda o porquê da "ditabranda"

A Folha em editorial chamou a ditadura militar no Brasil de "ditabranda" e teve que se desculpar.

Em comemorações de seus 90 anos, a Folha achou por bem mexer em alguns esqueletos de seu armário - como o apoio a essa ditadura ("4 - O Papel na Ditadura"). É um exercício salutar de autocrítica. Embora Rodrigo Vianna considere algo insuficiente - bem, até concordo, como foi colocado em meio a uma tentativa de narrativa objetiva, eliminaram-se juízos, não há uma linha que diga algo como: "em uma ação vergonhosa nós apoiamos a ditadura".

Mas com episódios recentes como a própria "ditabranda" e a tal ficha da Dilma (pela qual o jornal não se desculpou - uma falsificação grosseira que o jornal sustenta como não sendo possível de ser demonstrada falsa...) é mesmo de se pôr as barbas de molho e saber o quanto de mea culpa é essa admissão.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O corte do orçamento federal em C&T

Claro, não é uma notícia bonita. Mas, a respeito do corte (ou contingenciamento) anunciado de R$ 1,7 bilhão, precisamos ver quais seriam as alternativas.

A comunidade científica (ou parte dela), como não poderia deixar de ser, criticou a medida.

Partindo-se da premissa de que nenhum governo - especialmente um de espectro de esquerda - gosta de sair cortando verbas a torto e a direito, qual a racionalidade do corte?

O contingenciamento total anunciado é de 50 bilhões de reais - necessário para evitar uma pressão inflacionária (do contrário, o governo apertaria ainda mais na arredação - isto é, aumentaria os impostos). Uma alternativa ao corte seria, por exemplo, o aumento dos juros. Mas isso significaria também um aumento posterior nas despesas do governo.

É uma discussão que necessita uma análise mais sofisticada do que ser simplesmente contra ou a favor. Mas diante da possibilidade de desarrumação da economia via inflação (que corroi poder de compra - especialmente dos mais pobres) e/ou de um choque de juros (que encarece o crédito - e, de novo, a conta sobra principalmente para os mais pobres), um corte duro agora para salvaguardar um ritmo de crescimento mais longo é defensável.

Definida a necessidade (e o tamanho) do corte, a pergunta: onde cortar? A proteção dos projetos sociais como o Bolsa Família me parece acertada (acho que não preciso lembrar a ninguém que não sou economista); também o investimento em infraestrutura (o PAC): um dos gargalos diagnosticados para o crescimento. Vai sobrar pro resto. Claro, aí fica a questão da divisão: quais áreas restantes vão sofrer que grau de corte?

Parte grossa do corte vai para as despesas das emendas parlamentares - as indicações de gastos feitas pelos congressistas (em muitos casos com uso eleitoral - beneficiando suas bases com um hospital, uma escola nova, um programa qualquer que traga dinheiro à região em que vivem seus eleitores). Mas o baque de 3,4% do total jogada na conta de C&T é forte.

Sou dos que defendem (sim, meu viés - que não de formação, não sou defensor das ciências por ser cientista, sou formado em área de ciências, entre outras coisas, por ser um entusiasta das ciências) o investimento maciço em C&T - até por serem um dos motores do desenvolvimento econômico e social do país (reconhecidas como tal pela presidente/a Rousseff), então, claro que eu acho uma notícia ruim. De outro, como discorri acima, compreendo a necessidade. Se surtir o efeito desejado de conter a inflação e permitir a continuidade do crescimento econômico do país - com a retomada do crescimento do investimento federal em C&T - terá sido, ok, imagem batida, um remédio amargo, mas que terá valido a pena.

A dúvida com que fico é se não teria sido possível um corte menor em C&T. De todo modo, parece-me que seja um choque parcialmente absorvível - há gordura de eficiência que se pode queimar (isto é, aumentar a racionalidade dos gastos). P.e., passando o projeto que facilita a importação de insumos para pesquisa, poderia implicar em redução substancial de custos (menos material seria perdido, os cientistas não precisariam optar por soluções mais caras...). As universidades ainda não funcionam com eficiência econômica possível, bem longe disso, há desperdícios em várias frentes: a começar por perda de água (vazamentos, mau uso de sanitários, irrigação desregulada...), de energia elétrica (instalações mal-feitas, equipamentos desregulados, luz largada acesa...), conta telefônica (especialmente ligações particulares a longa distância): dá, sim, para se reduzir os gastos em 3,4% ou até mais somente com aumento de eficiência. Mas não deve chegar aos quase um quarto do orçamento inicial para a área.

Menos defensável é o contingenciamento na Educação. Deveria ser protegida tanto quanto a área social.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Democracia direta e a tecnologia digital

Sou um entusiasta da utopia da democracia participativa através das tecnologias como a internet.

O Prof. Dr. Miguel Nicolelis propõe um recall anual para prefeitos. Acho a ideia muito boa, mas...

Mas não vejo como ela possa ser aplicável em um futuro imediato - digamos, em uma janela de uma década.

Não é todo mundo que tem acesso à internet. Considerando casa, trabalho, bibliotecas públicas, lan houses, temos algo como 70 milhões de usuários ativos acima de 15 anos. Em dezembro de 2010, éramos 135,5 milhões de eleitores. Quase metade do eleitorado ficaria de fora.

Consideremos, porém, que consigamos dar acesso a todos, resolvendo o problema da universalidade. Embora o sistema eleitoral atual tenha vários problemas de segurança, a internet seria ainda mais devassável.

Poderíamos ter segurança quanto à autenticação do voto por meio de tokens gerados por, digamos, chips do RIC. Protocolos de transmissão segura minimizariam a interceptação por pessoas não autorizadas, bem como o acesso de crackers ao sistema. Assim, teríamos talvez um bom grau de inviolabilidade eletrônica dos votos. Mas *eletrônica*. Off-line a coisa é diferente.

O problema é que tal sistema disperso - cada um podendo votar de casa ou de qualquer outro ponto com acesso à internet - tornaria os eleitores de diversas localidades do país ainda mais vulneráveis ao voto de cabresto. Como garantir que é o próprio eleitor a expressar sua vontade e não alguém que obteve a chave e a senha ou esteja coagindo o indivíduo de algum modo? (Supondo, claro, que cada computador esteja devidamente protegido contra programas maliciosos. O que está *beeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem* longe da verdade.)

Uma solução seria centralizar o local de votação: fiscais do governo e dos partidos poderiam garantir a votação individualizada em cabinas indevassáveis. Mas isso é o processo eleitoral que temos atualmente. Os custos associados a tal processo tornariam-no inviável para sua aplicação com uma regularidade anual: cada eleição custa algo como 500 milhões de reais.

Acho que teríamos que criar a neuronet - com indivíduos acessando a internet do próprio cérebro (sob o risco de descarregarem vírus lógicos diretamente em suas mentes).

Desinformation Society: refrigerantes no blogue do Nassif

Nassif resolveu subir como postagem um comentário conspiratório sobre a Coca-Cola.

Enviei o comentário que reproduzo abaixo

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Tem um monte de refri que leva ácido fosfórico na formulação. P.e. a Pepsi, só pra citar uma concorrente [1].

Mentira que haja proibição do uso de ácido fosfórico em refrigerantes. O que existe são normas que estabelecem limites máximos: no caso, 0,07 g/100 ml [2].

Não é particularmente perigoso - a não ser em sua forma pura, que não é a que está presente nos refrigerantes e alimentos em geral (até aí, o gás cloro em sua forma pura é muito mais perigoso, mas não é assim que ele se apresenta na água tratada). A dose letal 50 (quantidade que provoca morte de 50% dos indivíduos) em ratos por administração oral é de 3,5 g/kg. [3] Se o indivíduo beber uma garrafa de 2 litros, terá ingerido 1,4 g: para uma criança recém-nascido de 3 kg, isso daria 0,47 g/kg; em crianças de 30 kg: 0,05 g/kg; em adultos de 60 kg: 0,03 g/kg.

Há, de fato, bastante açúcar nos refrigerantes, de modo que as pessoas devem consumi-los com moderação - aliás, elas devem tomar cuidado com suas dietas de modo geral, já que a obesidade é cada vez mais um problema de saúde pública no país.

Em suma, é até melhor não se consumir refrigerantes, mas não por causa de teorias conspiratórias e alarmismos infundados.

[]s,

Roberto Takata

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[1] http://www.ambev.com.br/pt-br/nossas-marcas/refrigerantes/pepsi/pepsi

[2] http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/389_99.htm

[3] http://www.basequimica.com/websitebase/index.php?option=com_content&view=article&id=76:acido-fosforico-r-fispq&catid=37:linha-de-produtos-basequimica&Itemid=63

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Embromation Society: Aldo Rebelo e sua (falta de) lógica...

Karl do Ecce Medicus chamou-me a atenção para uma entrevista do deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) sobre o projeto para um novo código florestal concedida ao Sul 21 e reproduzida pela Carta Capital.

Os argumentos do deputado para a defesa do projeto são, hã, toscos.

"A situação é insustentável, não se pode continuar com 100% dos agricultores brasileiros praticamente em situação de ilegalidade"
"Não tem sentido mexer (no Código) e deixar todos os agricultores na ilegalidade. O que eu procuro é uma solução concreta para um problema concreto."

Ok, verdade. Mas quem disse que a legalização passa por adaptar a lei à situação em vez de corrigir a situação frente à lei atual? Sabemos que há corrupção no país, será que a solução é mudar a lei para permitir que agentes do governo recebam dinheiro para garantir facilidades - já que, coitadinhos, seus salários são baixos? E para não dizerem que vale tudo, limitamos esse tipo de fonte de renda: o teto é de 100% do salário percebido pelo agente - e, claro, cobramos impostos sobre tais provimentos. É isso, deputado?

"O que se pode fazer? (Se o novo Código não é bom) então o Ministério Público e as ONGs tragam alguma solução. O que eles apresentam, o que eles trazem como solução, implica em manter todos os produtores rurais na ilegalidade. Multa, prisão, processo… Eu não vejo como isso possa ser uma solução razoável. Se eles apresentarem uma alternativa que, ao mesmo tempo, proteja o meio ambiente e atenda as necessidades da agricultura, eu não tenho nada contra."

Há exemplos de adequação da situação dos produtores à legislação atual, garantindo a qualidade da água e proteção do ambiente, que não passa pela simples multa, prisão e encerramento das atividades. Vinícius Nardi nos comentário de outra postagem lembrou de um projeto em Extrema.

"Como é que vamos proibir agricultura em várzea? Cultivo em várzeas é algo que existe no mundo inteiro, como a gente vai proibir plantio de arroz em várzea no Brasil? Vai acabar o arroz no Brasil! Como proibir criação de gado no Pantanal, se há 270 anos se cria gado lá?"

Deputado, não é que vamos proibir o plantio na várzea, ele já é proibido. E (1) não vai acabar com a cultura do arroz no Brasil. Uns 20% da produção do arroz é do tipo sequeiro - em terras secas, não em várzeas. E mesmo a cultura irrigada, com solo alagado, não precisa se dar em áreas de várzea. (2) Há cultivares de sequeiro de alta produtividade. (3) Como seria seu posicionamento diante do decreto de abolição da escravatura: seria algo assim "como proibir a posse de escravos no Brasil, há 300 anos temos escravidão no país"? (4) Há o dispositivo do "interesse social" presente na legislação atual (lei 4.771/1965 art. 1o, parág. 2o, inc, V e art. 4o.)

"O que eu sei é que se planta arroz há 2000 anos em várzeas da China e da Índia, por exemplo, e eles continuam plantando. O meio ambiente desses países não foi prejudicado por esse plantio."

Mentiro, deputado. O sistema tradicional chinês de cultivo de arroz é pelo sistema de poças interconectadas (multipond): a água vai de uma poça a outra que retém o fluxo de nutrientes evitando a descarga direta de fertlizantes no rio principal. O sistema funciona como um filtro, absorvendo e reciclando a matéria orgânica. No Brasil, não se usa tal sistema: que demanda uso intenso de mão-de-obra e não permite adequada mecanização - tornando-o inviável para produção comercial em larga escala. E mais, na China esse sistema tem sido abandonado - justamente para aumentar a produção - e, sem surpresas, o impacto de degradação da qualidade da água é o resultado mais direto (sem falar que a produção de arroz alagado é uma importante fonte de metano - um potente gás-estufa).

"Sul21 — O novo Código Florestal refere-se também a áreas urbanas? Existe o risco de termos construções em áreas que atualmente são consideradas como de preservação?"
"Não, essa é outra desinformação. O Código não permite construção em encostas, por exemplo."

Mais mentiro, deputado. Sim, as encostas continuam proibidas. Mas quedê topo de morro? A faixa de proteção das margens cai à metade em rios de até 5 m de largura. E afeta as áreas urbanas.

"Do ponto de vista da população e de seus interesses, as duas coisas (agricultura e meio ambiente) precisam ser levadas em conta na mesma intensidade."

Ah, um ponto de concordância finalmente. Oh, wait...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Fenômeno: Obrigado

Valeu, Ronaldo! Palavras não farão jus a tudo o que fez de bem pro futebol, pro Corinthians, pro país, para as pessoas.

There is only one Ronaldo

(Só de passagem, a história do hipotiroidismo está aí desde pelo menos 2007: Folha, Jornal da Tarde, Estadão, O Globo, SporTV, todo mundo sabia...)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Salário parlamentar e referendo

O aumento que os parlamentares se deram (tecnicamente deram para a legislatura seguinte, mas como muitos foram reeleitos, acabam sendo os próprios beneficiários) causou muita indignação entre os brasileiros, em certa medida com alguma razão.

Há um movimento para que tal reajuste seja obrigatoriamente submetido a referendo popular. A Deputada Federal Luiza Erundina aencampou a ideia e submeteu um projeto de lei sobre o tema.

As intenções são boas, mas não faz nenhum sentido econômico.

Os salários foram reajustado de 16.500 reais para 26.700 reais mensais para os não tão nobres deputados.

Façamos as contas. São 500 deputados que recebem 14 vencimentos anuais. O aumento representa então: (26.700-16.500)*14*500 = 71.400.000/ano de despesas. O mandato parlamentar é de quatro anos, então isso totaliza: 285.600.000 de gastos a mais.

Seria melhor que não houvesse. Mas o referendo não sai de graça. O referendo sobre o desarmamento em 2005 custou R$ 274 milhões. Atualize os custos e teríamos um gasto igual ou maior com o referendo para barrar o aumento.

Melhor aprendermos a votar e a fiscalizar e cobrar.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Segundo clichê: perguntas manjadas para... escritores

Perguntas manjadas para fazer quando se entrevista...

Escritores

"O quanto seus personagens têm de você?"
"De onde você tira a inspiração?"
"Como você se descobriu escritor/a?"
"Quais são suas influências literárias?" (Especialmente para iniciantes)
"Qual será seu próximo livro?" (@Cardoso)
"Quando você escreve, que tipo de leitor imagina?"
"Você prefere sucesso de crítica ou de público?"
"Como é seu processo criativo?"
"Para quantas editoras você ofereceu seu livro antes de publicá-lo?" (Especialmente sobre estreias) (@sibelefausto)
"Que dica você daria para alguém que quer ser escritor?" (Especialmente para autores consagrados)

(Sim, é clichê listar coisas-clichês. Também é clichê observar que listar coisas-clichês é clichê.)