sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Homicídios por armas de fogo: fatores correlacionados

Já tratei anteriormente aqui a relação entre homicídios e o número de armas de fogo em posse dos cidadãos.

Considerando-se vinte e dois países para os quais há dados disponíveis para todos os fatores analisados: taxa de posse de armas de fogo na população (número de armas por 100 habitantes), incidência de doenças mentais de qualquer tipo (em um intervalo de 12 meses), desenvolvimento socioeconômico (IDH), igualdade de renda (índice GINI) e riqueza (PIB per capita em dólar PPP), transformados em log - no caso do índice GINI e PIB per capita, como estão correlacionados com o IDH, considerou-se apenas o resíduo desses indicadores após a subtração da parte correlacionada com o IDH - cada um isoladamente, apresenta uma correlação não particularmente alta com a taxa de homicídios por armas de fogo (por 100 mil habitantes/ano): a maior correlação foi com o IDH (r2 = 0,35). (Fig. 1)

Figura 1. Correlação entre homicídios por arma de fogo e diversos fatores sociais e econômicos: lnHBFAR - logaritmo natural da taxa de homicídio por arma de fogo por 100 mil habitantes/ano; lnFA100 - logarítimo natural do número de armas de fogo por 100 habitantes; lnMDR - logaritmo natural da taxa de doenças mentais na população em 12 meses; lnHDI - logaritmo natural do Índice de Desenvolvimento Humano; reslnGINI - resíduo do logaritmo natural do índice GINI descontada a parte correlacionada como o IDH; reslnGDP - resíduo do logaritmo natural do PIB per capita (em 10.000 USD PPP) descontada a parte correlacionada com o IDH.


No entanto, mais de 70% da variação das taxas de homicídios por armas de fogo entre os países podem ser explicados pela combinação desses fatores. (Fig. 2)

Figura 2. Correlação linear múltipla entre taxa de homicídio por arma de fogo e alguns fatores socioeconômicos e taxa de posse de arma de fogo.

lnHBFAR = 0,56.lnFA100 +1,07.lnMDR -4,87.lnHDI  +4,21.lnGINI -0,38.lnGDP +3,59.

A África do Sul e a França apresentam uma taxa mais baixa do que seria a esperada dados os fatores analisados. Países Baixos, Bélgica e Itália apresentam uma taxa mais alta do que a esperada.

Embora seja um número limitado de países incluídos na análise, eles representam um conjunto bastante variado de países com diferentes graus de desenvolvimento socioeconômico, distribuição de armas na população, índices de criminalidade e ampla distribuição geográfica. E mostra claramente o peso de fatores socioeconômicos, mas também, ainda que em menor escala, sim, do grau de armamento da população: claramente quanto mais armas circulando, maiores as taxa de homicídio por armas de fogo (como também havia sido demonstrado na postagem anterior sobre o tema).

No Brasil, de 1994 a 2014 houve uma grande melhora nos indicadores socioeconômicos: aumento do IDH (0,735 para 0,755), queda do GINI (0,609 para 0,490), aumento do PIB per capita (7.862,73 USD PPP para 16096,32). Isso deveria pressionar a queda dos indicadores de taxas de homicídio por armas de fogo. Por outro lado não temos uma boa estimativa da variação do número de armas de fogo no Brasil ao longo dos anos. Pelos dados do Sinarm, em 2006, eram 3.688.500 armas registradas para civis, e, em 2010, o número havia subido para 8.974.456; em 2014 eram 607.249 registros ativos. Em estimativa geral, feita em 2002, haveria 7 milhões de armas legias em circulação no país; outra estimativa, publicada em 2005, estimava 6,8 milhões legais em mãos privadas, além de 8,5 milhões não registradas; num total de 15,2 milhões de armas em mãos privadas. Em 2004, foram registradas 3 mil novas armas, 18 mil em 2012 e 24.255 em 2014. Até 2013, a entrega voluntária de armas em campanhas de desarmamento superavam o registro de novas; em 2014, apenas 16.520 unidades foram recolhidas, abaixo dos novos registros. Em 1994, segundo o Mapa da Violência, a taxa de mortalidade por armas de fogo no Brasil era de 15,2 mortes por 100 mil habitantes; em 2014 foram 21,2. O total de armas no país tem aumentado? É possível que sim, mas os os dados oficiais não nos permitem saber.