quinta-feira, 28 de maio de 2015

Capelinha de melão: não espalhe desinformação

Esqueça aquela bobagem de que é tradição fazer uma capela (altar) pro São João escavada em um melão e enfeitada com cravo, rosas e manjericão.
Na Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, Volume 116, ano 1908, o Dr. Fancisco Augusto Pereira da Costa nos explica em sua monografia sobre o Folclore Pernambucano.
"Os festejos de S. João entre nós, remontam-se, acaso, aos primórdios de nossa colonização, na primeira metade do século XVI.
Como data mais remota averiguada da sua prática, encontramos o ano de 1603, porquanto, narrando Fr. Vicente do Salvador as ocorrências da nossa vida histórica naquele ano, refere que os índios acudiam a todos os festejos portugueses - 'com muita vontade, porque são muito amigos de novidades, como no dia de São João Batista, por causa das fogueiras e capelas'.
Essas capelas têm ainda muita voga entre nós nos festejos do campo principalmente, e constituem-nas ranchos de homens e mulheres, coroadas de capelas de flores e folhas, percorrendo, alegres, as estradas e ruas dos povoados, quando na abençoada noite vão devotos ao milagroso banho cantando uma toada que tem por estribilho os conhecidíssimos versos:
Capelinha de melão
É de São João,
É de cravos, é de rosas,
É de manjericão
Estes versos são, talvez, reminiscências de uns outros do velho romance português Dom Pedro Menino, ainda hoje cantado na Ilha de S. Jorge, e cujos versos são assim lançados:
Já os linhos enflorescem,
Estão os trigos em pendão,
Ajuntam-se as moças todas
No dia de São João.
Umas com cravos e rosas.
Outras com manjericão.
Aquelas que não o tiverem
Tragam um verde limão.
Outrora, quando esses bandos de capelistas percorriam alegres as ruas do Recife, encaminhavam-se, de preferência, para o banho da Cruz do Patrão, no istmo de Olinda, cujas águas, quer as do mar, de um lado, quer as do rio Beberibe, do outro, gozavam na noite de S. João da particular virtude de dar felicidades e venturas, porque segundo a trova portuguesa desvendando-nos o tradicional costume:
Nessa noite é benta a água,
Para tudo tem virtudes.
[…]
Segundo uma legenda popular, vulgaríssimo entre nós, São João nutre o mais ardente desejo de descer à terra no seu dia, a cujos intentos, porém, Deus se opõe, fazendo-o dormir profundamente durante todo esse dia. […]
E é por isso que a divina vontade oculta ao santo o seu dia, porque, baixando ele à terra, conclui a legenda, se ensoberbeceria por tal modo com as festas celebradas em seu louvor que se perderia!
E em vão clamam e suplicam os capelistas ao santo a despertar, cantando:
Acordai, acordai,
Acordai, João;
Ele está dormindo,
Não acorda, não.
” Pp. 180-3
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Câmara Cascudo, L. 1967. Folclore no Brasil: Pesquisas e Notas. Ed Fundo de Cultura. 252 pp.
"Há um baile pastoril, 'Capelinha de Melão', encenado na noite de 23 para 24 de junho, ainda vivo no Nordeste mas certamente existente noutras paragens. Compõe-se de um grupo de moças, em número par, comumente 12, 14, 20, vestidas e calçadas de branco, com um capelinha feita das flôres de melão-de-são-caetano (Momordica charantia, Linneu), ao redor de um diadema ornado de papel crêspo, coroando-as artìsticamente. Ensaiam dois meses e na noite aprazada dirigem-se para um tablado ao ar livre dispostas em duas alas, cada figurante com uma larga tira de papel crepom encarnada ou azul (outrora de cetim), partindo do ombro esquerdo e findando por um laço vistoso na cintura." P: 32
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Ou seja, a tal "capelinha de melão" nada mais é do que a coroa de flores feita de flores e folhas de uma planta, o melão de são caetano e também o nome do grupo de moças que cantam em festejo a São João usando essa coroa. Cravo, rosas e manjericão se referem ao hábito do banho utilizando-os como perfume.