segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Hemiálogo sobre Dois Principais Sistemas Econômicos do Mundo

Pensando em escrever uma pequena peça teatral. o diálogo é absolutamente inventado e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

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Cena 1.
Simplício Inocêncio pra mostrar como estatal é uma porcaria:
"Cara, o aeroporto de Madri-Barajas, que é privado, é tudo de bom. Não é essa porcaria administrada pela Infraero."

Salviati Scholar:
"O aeroporto de Madri-Barajas é público. Administrado por uma estatal espanhola, Aena."

Simplício Inocêncio:
"Ah, é da Aena? Então é uma porcaria. Eu ouvi muitas reclamações sobre o aeroporto."

Salviati Scholar:
"Vc não disse que o aeroporto era tudo de bom?"

Simplício Inocêncio pega de seu amuleto mágico e convoca os espíritos protetores de sua fé:
"Frágicos máficos! Frágicos máficos!"

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Cena 2.
Simplício Inocêncio pra demonstrar que a concorrência gera redução de preços em automóveis:
"Qdo vieram os chineses, os preços dos carros começaram a cair."

Salviati Scholar:
"Peguei a variação anual dos preços dos automóveis. Se a concorrência houvesse afetado os preços, deveria haver redução nos modelos com preços mais parecidos com os modelos chineses. Mas não é isso o que ocorre."

Simplício Inocêncio pega de seu amuleto mágico e convoca os espíritos protetores de sua fé:
"Frágicos máficos! Frágicos máficos!"

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Cena 3.
Simplício Inocêncio pra provar que o liberalismo econômico é superior:
"O Chile tem os melhores índices sociais da América Latina. Muito à frente dos outros."

Salviati Scholar:
"Na verdade, em diversos indicadores Cuba é muito próximo ao Chile. E em alguns até o supera. Por exemplo, em mortalidade infantil, Cuba tem uma taxa inferior a 5 crianças com menos de um ano que morre a cada 1.000 nascidas vivas; o Chile tem um bom indicador, na faixa de 7 mortes."

Simplício Inocêncio:
"Cuba é uma ditadura. Esses dados são manipulados."

Salviati Scholar:
"São dados produzidos pela CIA, que não morre de amores pelo regime ditatorial castrista."

Simplício Inocêncio pega de seu amuleto mágico e convoca os espíritos protetores de sua fé:
"Frágicos máficos! Frágicos máficos!"

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Cena 4.
Simplício Inocêncio pra demonstrar a superioridade do liberalismo econômico:
"Chile teve um crescimento econômico espetacular depois que adotou o liberalismo."

Salviati Scholar:
"O crescimento foi bem errático e é difícil de creditá-lo de todo a políticas econômico-liberais. Veja este gráfico do crescimento. Houve períodos anteriores de crescimento contínuo mais vigoroso. E veja que durante o governo Pinochet o crescimento caiu bastante em um dado momento."
Fonte: Paul Krugman 2010, Fantasies of the Chicago Boys.

Simplício Inocêncio pega de seu amuleto mágico e convoca os espíritos protetores de sua fé:
"Frágicos máficos! Frágicos máficos! Vade retro Krugman!"

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Cena 5.
Simplício Inocêncio para demonstrar a superioridade do liberalismo econômico:
"Veja a Coreia do Sul (ufa! achei um país que não é o Chile), cresceu muito mais do que a Coreia do Norte."

Salviati Scholar:
"Verdade. Mas veja este estudo que mostra como o crescimento da República da Coreia foi bastante influenciado pelo grande aporte de investimento estatal, sobretudo em educação. Além disso, se compararmos a República da Coreia com a China... a China cresceu muito mais sendo socialista. Ou vejamos o caso da Rússia. Temos este estudo aqui que mostra como a União Soviética cresceu mais do que a a Rússia pós-soviética."


Simplício Inocêncio:
"Isso porque a Rússia foi atrapalhada durante o período socialista. Os efeitos deletérios são duradouros e demora pra serem sanados."

Salviati Scholar:
"Há estes outros gráficos do crescimento de países que emergiram do bloco socialista europeu: veja como há países que cresceram mais sob o regime socialista, outros que cresceram menos e outros que cresceram mais ou menos igual. No longo prazo, em média, não há muita diferença na taxa de crescimento. Sua explicação de herança maldita não se aplica uma vez que o que temos após a saída do socialismo é um crescimento oscilante e não um crescimento que acelera à medida que o tempo passa. E veja o caso de Cuba, podemos comparar neste gráfico o crescimento antes e depois da instalação do socialismo, há um ligeiro incremento na taxa de crescimento de Cuba, mas o que ocorre de mais visível é que as oscilações do crescimento que havia antes são bastante reduzidas."


Simplício Inocêncio:
"Claro que cresce mais, fácil ir pro socialismo - só distribuir a renda que havia antes."

Salviati Scholar:
"Note que o crescimento da União Soviética mostrado no gráfico se refere a um período bem posterior à Revolução Russa. E podemos comparar neste outro gráfico o crescimento dos EUA no mesmo período."

Simplício Inocênio:
"Claro que o crescimento dos EUA caiu, como é que vai crescer no período de crise?"

Salviati Scholar:
"Bem, se crescesse não haveria crise nenhuma, né? Um período de crise econômica é DEFINIDO quando a taxa de crescimento cai. De todo modo veja como a Rússia no mesmo período cresceu de modo contínuo."

Simplício Inocêncio pega de seu amuleto mágico e convoca os espíritos protetores de sua fé:
"Frágicos máficos! Frágicos máficos!"

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Cena 6.
Simplício Inocêncio:
"Prove que a economia socialista é melhor do que a economia liberal."

Salviati Scholar:
"Não é esse o meu ponto de vista. O que eu digo é que os dois sistemas são igualmente (in)eficientes."

Simplício Inocêncio:
"Arrá! Admitiu que a economia socialista é ineficiente!"

Salviati Scholar:
"Sim. Assim como a economia liberal é ineficiente."

Simplício Inocêncio:
"Ah é? E as empresas privatizadas? Elas se tornaram mais eficiente."

Salviati Scholar:
"Algumas sim. Outras não. Veja estes estudos que mostram que em alguns casos as privatizações melhoraram o serviço, em outros não alteraram a qualidade e em outras situações pioraram a qualidade."

Simplício Inocênio:
"Ah, mas a Vale melhorou muito depois da privatização, enquanto a Petrobras com essa intervenção estatal piorou muito."

Salviati Scholar:
"De fato a Vale cresceu bastante e se valorizou. No entanto, a Petrobras está muito bem também. Veja este gráfico, a Petrobras, em termos absolutos, valorizou-se muito mais do que a Vale."


Simplício Inocêncio:
"Ah, mas as ações da Petrobras se desvalorizaram depois que a reserva do pré-sal foi descoberta. Como você explica isso?"

Salviati Scholar:
"Oscilações são típicas de mercados de capitais, ainda mais a curto prazo. Mas é impossível determinar as causas exatas da queda ou da subida de ações no mais das vezes. Geralmente a explicação dada é apenas especulação."

Simplício Inocêncio:
"Mas as estatais geraram grandes dívidas antes das privatizações."

Salviati Scholar:
"Não duvido disso. Mas isso não é pela natureza de estatal, e sim pelo modo como é gerida."

Simplício Inocêncio:
"Ah, então admite que as privatizações foram benéficas!"

Salviati Scholar:
"Como disse antes, os estudos mostram que há privatizações que tiveram efeitos bons e há privatizações que tiveram efeitos ruins."

Simplício Inocêncio:
"Mas empresas privadas ruins quebram. Estatais ficam pesando no bolso de todo mundo."

Salviati Scholar:
"Verdade que empresas estatais ruins pesam no bolso do contribuinte. Mas empresas privadas ruins também acabam pesando: impostos devidos, salários atrasados, fornecedores e financiadores caloteados, acionistas prejudicados... Isso acaba fazendo com que governos intervenham, como no caso da GM."

Simplício Inocêncio:
"Mas a GM é um caso isolado. Dezenas de empresas já quebraram."

Salviati Scholar:
"Sim, várias empresas já quebraram. Assim como dezenas de estatais já foram desativadas. Nos dois casos, elas têm efeitos no bolso da população proporcionais ao tamanho das empresas."

Simplício Inocêncio pega de seu amuleto mágico e convoca os espíritos protetores de sua fé:
"Frágicos máficos! Frágicos máficos! Você deveria ler mais sobre liberalismo econômico e não basear sua argumentação em simples artigos publicados em revistas científicas que refutam o que estou dizendo."

Simplício Inocêncio exit.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Provocações (futebolísticas) e preconceitos

Já toquei no assunto antes. Mas volto ao tema. Reproduzo um diálogo que tive no twitter:
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DB: Residência de técnico Leão é assaltada; bandidos fogem... http://uol.com/bycpwr // A velha rivalidade Tricolor X Corinthians!
Eu: Freguesia, não rivalidade.
DB: Deu mole = vocês roubam, dentro e fora do campo. Que coisa!
Eu: Dar é com o 5PFW mesmo.
DB: Não tenho nenhum problema com relação a isso. Nunca fui homofóbico. Você é?
Eu: Eu sou emofóbico.
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Como dito antes, sim, sou homofóbico, não, não me orgulho disso. De todo modo, isso não tem a ver com homofobia. Tem a ver com preconceito? Sim. Há alguma manifestação de preconceito. Mas não é uma manifestação que pretenda ser ofensiva, mas galhofeira.

Uma das fontes do humor é a da antítese ou contradição: como a recorrente piada de elefante com medo de um camundongo em desenhos animados; outra é do exagero: como os traços extremados de uma caricatura.

As provocações do futebol são invariavelmente de natureza preconceituosa. Ou não há um preconceito social embutido em se chamar corintianos de bandidos? O que fica subentendido é que todo corintiano é pobre e todo pobre é bandido. E, claro, que ser bandido é algo ruim. Mas o que opera aí é o humor por contradição: não é nem de longe verdade que todo corintiano seja bandido (nem que todo bandido seja corintiano). E também o humor por exagero: muitos corintianos são, de fato, pessoas com condições socioeconômicas mais baixas (mas a proporção de corintianos não varia entre as diferentes classes sociais).

Todo preconceito deve ser varrido do mapa? Talvez. O pensamento *real* de que ser guei é ruim ou o pensamento *real* de que ser pobre é o mesmo que ser bandido deve ter sua manifestação condenada. A brincadeira com essas ideias, uma falsa manifestação desse tipo de pensamento também deve ser censurada? Eu, por enquanto, tendo a achar que isso seria um exagero.

A minha visão é de que boa parte da graça de se torcer por um time de futebol é galhofar com os adversários. Provocar e ser provocado. E, disse acima, todas as provocações futebolísticas envolvem algum preconceito: sofredor, freguês, maricas, ladrão, sujo, pobre... Entre as regras não escritas nesse jogo fora das quatro linhas está: se você quer poder provocar alguém, tem que aceitar ser provocado (bem, agora está escrita).