domingo, 24 de dezembro de 2017

A Christmas Carol

Republico um "poema" que postei alhures.

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1
Carolina, a Carol, é professora nova no pedaço.
"E vejam só", diz Romildo, professor veterano,
"Ela é de artes, mas sem régua nem compasso.
Leva as criancinhas a um museu tão mundano!"
2
"Como pode arte sacra, mas com tanto nu?",
Indaga e aponta Afrânio, outro professor cioso.
"E ainda debate abertamente Bentinho e Capitu,
Defendendo a adúltera contra o senhor esposo."
3
E nas redes sociais exibe Carolina mais uma face:
"Que horror, que horror, professora e abortista",
Continua Agripina, professora da mais fina classe,
"E ateia, meu Deus, ateia! É infinda a terrível lista."
4
"Isso não pode continuar, algo precisa ser feito",
Pontua Juvenal, professor de todos o mais Caxias.
"Vamos filmá-la e flagrá-la em ato de desrespeito
Aos nobres valores que cultivam nossas famílias!"
5
Os docentes disfarçados gravaram nos celulares
Cada saída da recém-admitida jovem professora
Nas excursões dos alunos, nas noites em bares;
Registraram cada imagem da tal doutrinadora.
6
Para as aulas, ficou a cargo do filho de Juvenal
Fazer a gravação das indecências e ignonímias.
Ao longo dos dias e meses, juntaram um arsenal:
De defender a Cuba a chamar alunas de símias.
7
A gota d'água foi em um horário de almoço
A jovem em libertinagem com outra jovem
Em plena rua, em pleno dia! Fundo do poço!
"Que as crianças desse fruto não provem!"
8
Em comitiva os professores foram à Diretora,
Respeitada cristã, também dona da escola.
Vídeos, fotos e áudio mostraram sem demora.
Horrorizada ficou a Diretora, patroa e carola.
9
"Isso acaba hoje!", disse a Diretora indignada.
"Esta escola não aceita esse comportamento
Asqueroso. Essa sem-vergonhice será castigada.
É demissão, claro, já, agora. Eu só lamento."
10
"Carolina", disse a Diretora, "venha comigo".
Os professores regozijaram-se contidamente.
"Justiça feita", pensavam. "Afastado o perigo."
A novata esvaziava sua mesa na sala em frente.
11
Voltaram a jovem professora e a Diretora então.
"Diante de todos, digo, Carol, você está promovida,
E demito todos os demais que nesta sala estão.
Uma coisa que não suporto é gente enxerida."
12
"Mas esta escola é cristã e a senhora, pastora",
Objetou Juvenal, gaguejando em tal surpresa.
"Sim, isso tudo é verdade", respondeu a Diretora,
"Por isso esta decisão é a de maior justeza."
13
A Diretora, claro, discordava da professora novata
Em vários pontos, mas isso em um plano pessoal;
Nada a ver com obra de arte concreta ou abstrata.
No que valia, no trabalho, Carol era uma sem igual.
14
Já esses macarthistas, o mais puro desalento:
Espionarem colega em seu trabalho e na folga,
Pra isso usando até de um deles o próprio rebento.
"Picasso, não Fidel; Brassau era o mico. Ó molga."
15
"'Não julgueis para que não sejais julgados' já dizia
O Nazareno. E o que me apresentam? Fofocas.
Fofocas vis, maledicências rasas. Que crime havia?
Nela, nenhum. Em vocês, todos.Tolos bobocas."
16
"Nu na arte", disse a Diretora, "não é pornografia".
É simbólica na inocência dos querubins;
É estética que aos grandes clássicos referencia;
É científica no retrato dos povos tupiniquins.
17
Carolina até aí calada então intercedeu:
"Diretora, sábias são suas palavras proferidas,
Mas foi só um lapso, tentados por Asmodeu,
Veja ali agora, são todos almas arrependidas."
18
Assentiu a Diretora, tomada em espírito natalino,
Desde que se desculpassem com a jovem Carol.
Curvaram-se na humildade de Jesus menino.
E já não carne, mas pura luz brilhava como Sol.
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