domingo, 24 de julho de 2016

Ações subiram. Será mesmo por causa da posse de Temer?

O UOL mancheta em 22.jul "Empresas da Bolsa ganham R$131,6 bi desde posse de Temer; Petrobras lidera".

O jornalista anônimo não faz a relação direta de causa e efeito entre a posse de Temer (e saída de Rousseff) e o desempenho econômico do país na bolsa de valores; mas será que há isso?

Bem, mesmo apenas como uma descrição da realidade - a coincidência temporal, sem implicar em relação causal - ela é altamente enganosa.

Fonte: Yahoo Finance.

As linhas pontilhas verticais indicam as datas de admissão de impeachment pela Câmara (dia 17/abr/2016) e da aprovação do processo pelo Senado/posse de Temer (dia 12/mai/2016).

Ou seja, após a posse de Temer, a bolsa *caiu*. E só agora está retornando à tendência de alta que havia desde *janeiro*. A taxa média de valorização da bolsa desde a posse do governo interino está *abaixo* da média de valorização ao longo deste ano, mesmo a taxa média de valorização desde o início da tendência atual é mais baixa do que a média de valorização antes do afastamento da presidente Rousseff.

A valorização da Petrobras tem ainda a ver com o preço do petróleo no mercado internacional - ambos com tendência de subida desde janeiro/2016.

Fonte: ações da Petrobras Google Finance; preço do petróleo Infomine.

Upideite(24/jul/2016):Somado ao papelão da Folha e Datafolha na pesquisa da popularidade do governo Temer - criticada duramente até pela própria ombudsman -, a semana do grupo Folha/UOL não é das mais felizes.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Nossos japoneses são melhores do que os outros imigrantes?

Repostando o que publiquei alhures.
------------
Há um post no facebook bastante enganoso a respeito da imigração japonesa em relação a outras nacionalidades e, principalmente, em relação à condição do trabalhador escravo recém-liberto.
É bem verdade que a condição dos trabalhadores imigrantes livres nas lavouras eram muito duras - especialmente nas primeiras décadas - e com vários casos de escravidão por dívida. Mas praticamente não se compara com a situação dos trabalhadores escravos do Brasil colônia até pouco antes da Proclamação da República e mesmo da massa da população negra recém-liberta.
Uma das coisas é que o imigrante, de um lado, trazia algum conhecimento de ofício - muitos vinham de cidades, onde eram lojistas, artesãos, pequenos empresários... Muitos tinham algum grau de escolaridade.
Vários imigrantes acabaram fugindo das condições precárias das lavouras para as cidades, onde conseguiam exercer seu ofício. E com isso formavam pequenos grupos de ajuda e exploração mútua.
Outro ponto muito importante. O imigrante, bem ou mal, tinha sua situação monitorada pelo governo de seu país de origem. O estabelecimento dos imigrantes japoneses no Brasil foi completamente tutelado pelo governo japonês (Lei de Proteção aos Emigrantes - 1896) - a emigração foi uma política de estado do governo japonês, tanto como resposta a uma superpopulação no Japão como uma forma de expandir sua área de influência e de prospecção de recursos (fazia parte da política expansionista colonial do Japão que buscava se modernizar após a Restauração Meiji - faz parte do movimento que levou à Guerra do Pacífico durante a SGM).
Conquanto houvesse abusos na exploração dos colonos, o governo do país procurava impedir isso.
Mais um ponto. O trabalhador imigrante, via de regra, vinha com núcleo familiar formado. Bem diferente das condições de tráfico de escravos durante a era colonial e imperial.
Outro, ao imigrante era permitido a posse de bens - incluindo a compra de terras próprias. Em alguns casos, havia doação ou cessão do terreno para estabelecimento de colônias.P.e. em 1924, a Associação Ultramarina de Shinano comprou milhares de hectares no Noroeste de São Paulo para fundar um assentamento de trabalhadores japoneses.
A população negra recém-liberta não tinha apoio - ainda que débil de seu país de origem: no caso, o próprio Brasil. Não houve nenhuma compensação ou indenização ao trabalhador negro recém-liberto no ato da extinção da Escravatura. Praticamente não tinham posses. Poucos tiveram oportunidade de acumular capital intelectual e conhecimentos técnicos mais refinados e valorizados.
Os imigrantes japoneses sofriam com a forte discriminação por não serem brancos europeus. Mas não chegava a igualar a discriminação em relação aos negros. De todo modo, a condição socioeconômica - como posse de bens - protegia-os um tanto dessa discriminação.
É, assim, uma falsificação histórica uma comparação entre a situação dos imigrantes japoneses e dos negros recém-libertos que coloque os dois grupos em pé de igualdade. A situação do imigrante japonês era dura, mas muito menos precária do que a da massa de negros abandonados à própria sorte.
Sim, como a maioria dos imigrantes de outras nacionalidades, deram duro e puderam ascender materialmente. Não menos duro deram os negros, mas a barreira interposta sempre foi mais grave e com menos brechas.
Basta lembrar que a política de imigração brasileira tinha como objetivo o branqueamento da população nacional.
-----------

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Uma longa jornada: o efeito de longas horas trabalhadas na saúde

Aparentemente a CNI tem um problema de interpretação de texto e seu presidente, Robson Braga de Andrade, de se expressar.

Após polêmica nas mídias sociais e tradicionais sobre fala do empresário a respeito da jornada de trabalho no Brasil, a entidade publicou nota afirmando que seu mandatário: "JAMAIS defendeu o aumento da jornada de trabalho brasileira, limitada pela Constituição Federal em 44 horas semanais" (grifo deles.)

Para provarem o ponto, na mesma nota republicam a transcrição correta do que disse Andrade:

"Nós aqui no Brasil temos 44 horas de trabalho semanais. As centrais sindicais tentam passar esse número para 40. A França, que tem 36 horas, passou agora para 80, a possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal (sic, são 60 horas) e até 12 horas diárias de trabalho. A razão disso é muito simples, é que a França perdeu a competitividade da sua indústria com relação aos outros países da Europa. Então, a França está revertendo e revendo as suas medidas para criar competitividade. O mundo é assim. A gente tem que estar aberto para fazer essas mudanças. E nós ficamos aqui realmente ansiosos para que essas mudanças sejam apresentadas no menor tempo possível."

Ou seja, se jamais defendeu, jamais defendeu até então... pois o trecho é exatamente a defesa da adoção de uma jornada estendida de 12 horas e 60 horas por semana.

Questões políticas à parte; temos uma literatura científica já com algum tamanho sobre os efeitos que jornadas extensas têm na saúde do trabalhador.

Em 2004, o National Institute for Occupational Safety and Health publicou um estudo de revisão sobre a literatura acerca do tema. A conclusão geral foi:
"In 16 of 22 studies addressing general health effects, overtime was associated with poorer perceived general health, increased injury rates, more illnesses, or increased mortality. One meta-analysis of long work hours suggested a possible weak relationship with preterm birth. Overtime was associated with unhealthy weight gain in two studies, increased alcohol use in two of three studies, increased smoking in one of two studies, and poorer neuropsychological test performance in one study. Some reports did not support this trend, finding no relationship between long work hours and leisure-time physical activity (two of three studies) and no relationship with drug abuse (one study)."
["Em 16 dos 22 estudos referindo-se a efeitos gerais na saúde, as horas estendidas associaram-se a uma saúde geral percebida pior, aumento de taxa de acidentes, mais doenças ou aumento da mortalidade. Uma meta-análise de longas jornadas sugeriu uma relação fraca com nascimentos prematuros. As horas estendidas foram associadas a um ganho de peso não-saudável em dois de três estudos, aumento de consumo de álcool em três, aumento de uso de tabaco em um de dois estudos e pior desempenho em testes neuropsicológicos em um estudo. Alguns estudos não apoiam essa tendência, não encontrando relação entre longa jornada e atividade física durante as folgas (dois de três estudos) e também não encontrando relação com abuso de drogas (um estudo). "]

Uma meta-análise de Virtanen et al. (2012), incluindo 12 estudos com um total de 22.518 participantes, concluiu que jornadas longas de trabalho aumentam o risco de se desenvolver doenças cardíacas coronarianas em 40%.

Vyas et al (2012), em meta-análise de 34 estudos com 2.011.935 pessoas no total, concluem que: "[o]n the basis of the Canadian prevalence of shift work of 32.8%, the population attributable risks related to shift work were 7.0% for myocardial infarction, 7.3% for all coronary events, and 1.6% for ischaemic stroke." ["Com base na prevalência canadense de jornada de trabalho, de 32,8% de riscos populacionais atribuíveis à jornada de trabalho, 7,0% foram de infarto do miocárdio, 7,3% para todos os eventos coronarianos e 1,5% para derrame isquêmico."]

Ao que tudo indica, o presidente da CNI não chegou a ver esses efeitos deletérios à saúde do trabalhador de longas jornadas de trabalho que ele diz que não defende - mesmo estranhamente proferindo palavras que indicam o contrário.