quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Murphy é lei, Murphy é rei

Uma pequena coleção de leis, efeitos e fenômenos que apoiam a Lei de Murphy.
  1. Efeito bola de neve: Processo que, iniciado de um estado inicial sem relevância, por autoalimentação, torna-se cada vez maior com consequências potencialmente desastrosas.
  2. Efeito borboleta: Dependência sensível às condições iniciais de sistemas determinísticos não-lineares em que uma pequena alteração em um ponto do processo pode levar a grandes diferenças em um ponto posterior.
  3. Paradoxo de Braess: A adição de capacidade extra a uma rede em que as entidades escolhem egoisticamente suas próprias rotas pode levar à redução do desempenho geral do sistema.
  4. Efeito bumerangue: "Tentativas de restringir a liberdade das pessoas frequentemente produzem um efeito bumerangue de anticonformidade.
  5. Lei de Campbell: "Quanto mais um indicador social quantitativo é usado para tomada de decisões sociais, mais é sujeito à pressões corruptivas e mais capaz de ser distorcido e corrompido por pressões sociais que se pretende que monitore" variação da lei de Goodhart** 
  6. Efeito cobra: piora na situação decorrente de medidas implementadas para resolver o problema.**
  7. Falha em cascata: condição de um sistema de elementos interconectados em que a falha em uma parte pode levar a falhas nas partes subsequentes.
  8. Maldição do conhecimento: pessoas mais bem informadas consideram extremamente difícil pensar nos problemas do ponto de vista de pessoas menos bem informadas.
  9. Lei das consequências imprevistas: uma intervenção em um sistema complexo sempre produz consequências não previstas e frequentemente indesejáveis.
  10. Lei de Danth (ou lei de Parker): "Se você tem que insistir em que você ganhou uma discussão na internet, então provavelmente você perdeu feio."
  11. Efeito Dunning–Kruger: Inabilidade metacognitiva que leva a pessoas inábeis a sofrerem de superioridade ilusória, classificando sua habilidade como muito maior do que a média.
  12. Paradoxo do enriquecimento: O aumento súbito de recursos disponíveis para as presas pode levar à sua extinção, por levar, em um primeiro momento, ao aumento de sua população, induzindo o aumento descontrolado da população de predadores, que poderão predar as presas até sua extinção. 
  13. Síndrome do estudante: as pessoas começarão a se dedicar totalmente a uma tarefa no último instante antes do tempo limite.
  14. Lei da Exclamação: Quanto mais pontos de exclamação em um email (ou outra postagem), maior a probabilidade de ser uma completa mentira. Também se aplica para o uso excessivo de letras maiúsculas.
  15. Lei de Finagle: "Tudo o que pode dar errado dará - no pior momento possível."
  16. Lei de Goodhart: "Quando uma medição se torna uma meta, ela deixa de ser uma boa medição."*
  17. Navalha de Hanlon: "Nunca atribua à malícia o que pode ser perfeitamente explicado pela estupidez."
  18. Lei de Hofstadter: "Sempre se leva mais tempo do que o esperado, mesmo quando se leva em conta a lei de Hofstadter."
  19. Paradoxo de Jevons: tecnologia que aumenta a eficiência do uso de um recurso tende a aumentar a taxa de consumo desse recurso.
  20. Posição de Lewis-Mogridge: Quanto mais ruas e estradas são construídas, mas tráfico há para preenchê-las. 
  21. Falácia lúdica: Abuso de modelos baseados em jogos para descrever situações da vida real.
  22. Efeito onda: uma perturbação inicial no sistema se expande para setores cada vez mais externos.
  23. Corolário de O'Toole (à lei de Fineagle): "A perversidade do Universo tende ao máximo."
  24. Lei de Parkinson: "O trabalho aumenta até preencher todo o tempo disponível para sua realização."
  25. Princípio de Peter: "Funcionários tendem a ser promovidos até seu nível de incompetência."
  26. Lei de Poe: sem uma indicação explícita de que se trata de uma peça humorística, é impossível de se criar uma paródia de fundamentalismo ou extremismo sem que alguém a tome a sério.
  27. Lei de Pommer: "Uma pessoa pode mudar de ideia através de informação disponível na internet. A natureza da mudança é de não ter nenhuma opinião para ter uma opinião errada."
  28. Déformation profissionnelle: tendência de se analisar uma situação a partir da própria especialidade em vez de a partir de um ponto de vista mais amplo.
  29. Lei de Putt: "A tecnologia é dominada por dois tipos de pessoas: as que compreendem aquilo que elas não gerenciam e as que gerenciam aquilo que elas não compreendem."
  30. Primeiro corolário da lei de Putt: "Toda hierarquia técnica, no tempo, desenvolve uma inversão de competência."
  31. Paradoxo da relevância: Falha de tentativas de se obter informações relevantes para uma decisão porque, no processo de eliminar informações tidas por distraidoras e desnecessárias, pode tambéml eliminar informações que, na realidade, são cruciais.
  32. Efeito Snackwell: uma pessoa em dieta consumirá mais em biscoitos dietéticos do que o equivalente calórico que comeria em biscoitos normais fora da dieta.
  33. Lei de Skitt: qualquer postagem corrigindo erros de outra postagem conterá, ela mesma, pelo menos um erro.
  34. Lei de Sturgeon: "90% de qualquer coisa é uma m*rda."

*Upideite(24/mai/2015): adido a esta data.
**Upideite(04/abr/2017): adido a esta data.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ofensas e processos

A indignação da vez é pelo processo que uma técnica de enfermagem pernambucana pretende abrir contra o humorista da Rede Bandeirantes, Danilo Gentili, por danos morais.**

Pelo que se sabe, houve uso sem autorização da imagem da pleiteante, e ela se sente lesada pelas consequências das piadas feitas no programa "Agora É Tarde" em relação ao fato dela ser uma importante doadora de leite materno.

Quem decide se a demanda é embasada ou não é o sistema judicial brasileiro. Com todos os seus defeitos e eventuais méritos.

Mas há um tribunal paralelo nas mídias sociais, um tribunal moral. Alguns condenam qualquer "ameaça" de processo como uma tentativa de tolher a liberdade de expressão de humoristas - se alguém não gostou de uma piada, teria direito apenas de xingar, reclamar, ou responder com outra piada.

O ponto da liberdade de expressão tem um apelo bastante forte, sobretudo pelo seu vínculo com a questão democrática. O problema de se elevar a liberdade de expressão a um valor absoluto é que ele se baseia fortemente em um mundo totalmente idealizado. Como se todo mundo tivesse a mesma liberdade de expressão, o mesmo grau de acesso aos meios de comunicação (e a internet cria uma certa ilusão de que um simples blogue independente tem o mesmo poder do que um canal de TV aberto), o mesmo poder econômico, a mesma habilidade retórica... e que todas as pessoas são perfeitamente racionais e capazes de fazer um julgamento equilibrado. O mundo real é muito longe disso. Os meios de comunicação em massa são oligopolizados, o acesso aos recursos de comunicação não é nem próximo de uma distribuição homogênea e, se as pessoas fossem todas racionais e equilibradas, bem, pra começo de conversa não haveria questões relativas à liberdade de expressão - todos tenderiam a concordar em quase tudo.

Como tal mundo ideal está muito além do nosso horizonte visível, nosso ordenamento jurídico reconhece uma série de restrições à liberdade de expressão - por exemplo, não se pode fazer uso dela no anonimato (eu meio que discordo desse aspecto, mas, enfim, é a lei, é a constituição), a liberdade de expressão não cobre o direito àa expressões de preconceitos de raça, idade, origem, gênero; não cobre o direito à ofensa... o caso em questão.

No meu tribunal moral, tendo a adotar uma visão consequencialista no julgamento de uma ofensa. Bem simplificadamente, ela comporta três eixos (figura 1):

Figura 1. Eixos de julgamento moral de uma ofensa.

Ofensa aqui pode ser entendido em um sentido mais amplo - não apenas um xingamento ou ofensa moral, mas inclusive ofensas físicas, patrimoniais e outras.

Quanto maior o poder do agressor, mais grave considero a consequência da ofensa. Se um moleque de rua me chama de "fdp", pra mim, tem menos potencial ofensivo do que se um político me xinga da mesma coisa.

Quanto *menor* o poder do agredido, mais grave considero a consequência da ofensa. Xingar um garotinho na rua é pior do que xingar um político.

E, claro, há ofensas e ofensas. Chamar de "bocó" é menos grave do que dizer que alguém é um "ladrão safado corrupto"; atirar em alguém é mais grave do que dar um pescotapa. Chamar de "bocó" em uma mesa de bar é uma coisa, pior é chamar de "bocó" em uma rede social aberta.

Claro que o gráfico da figura 1 é mais metafórico - não é possível uma valoração numérica precisa e sem nenhuma ambiguidade. No entanto, como metáfora ilustra bem, ainda que de modo bem simplificado, meu processo subjetivo e não plenamente consciente de julgamento moral em relação a uma ofensa.

É por isso que me sensibilizo pelo pleito da técnica de enfermagem. Há ofensa - no sentido amplo - tanto no uso não autorizado da imagem, como nas piadas proferidas - embora eu considere o potencial ofensivo de grau médio (mais graves são barbaridades que ela sofre nas ruas de Quipapá); e isso é potencializado pela diferença no grau de poder político, midiático e socioeconômico entre a ofendida e o ofensor.

Em uma pseudomatematização, seria:

Seja X o poder do ofensor; Y, o poder do ofendido e Z, a gravidade da ofensa; a consequência da ofensa D poderia ser dada por D=[X2+(1/Y)2+Z2](1/2).*

Aí D poderia ter seu valor cotejado contra outros valores como a diferença entre a liberdade de expressão do ofensor e do ofendido.

*Upideite(30/out/2013): Mas talvez fosse melhor a pseudofórmula D=(X.1/Y.Z)(1/3). Na fórmula de distância trigonométrica, haveria potencial de consequência da ofensa mesmo quando a gravidade fosse zero (por exemplo, um elogio - embora um elogio possa mesmo causar danos).

**Upideite(30/out/2013): Em primeira instância, a juíza da 2ª Vara Cível de Olinda, Cíntia Daniela Albuquerque deu ganho de causa à técnica de enfermagem.

Upideite(04/fev/2014): Até o momento dois recursos do humorista e da emissora foram negados. A mulher acabou mudando de cidade pelas piadas constantes.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Pró-memória: Marina Silva e o criacionismo

A ex-senadora Marina Silva, agora, questionada a respeito de sua visão sobre o criacionismo, diz que não é bem o que estão dizendo, que está sendo mal interpretada pela entrevista que deu a uma equipe universitária adventista de TV, quando ainda era ministra do Meio Ambiente durante o governo Lula.

Faço a transcrição dos trechos da entrevista:
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4:15 Repórter: Ok. Gostaria de entrar agora nas questões referentes a sua participação no simpósio.A senhora participa de um simpósio criacionista. A senhora, ministra, se considera criacionista?

Marina Silva: Olha, é impossível crer em Deus se não crer que ele criou todas as coisas, não é? E se nós não sabemos como explicar as coisas, então não devemos ter a pretensão de dizer que elas não existem porque não sabemos como elas podem ser explicadas. E a fé é exatamente isso, é nós crermos mesmo sem entendermos e eu com certeza acredito que Deus é o criador de todas as coisas, não é? E que esse criador tem um projeto, que as coisas não acontecem, assim, por acaso, alhures [sic]. Existe um projeto inteligente da inteligência divina que governa todas as coisas.

5:11 Repórter: E que importância a senhora dá a um evento como este que buscam discutir algunsm elementos, algumns pontos, digamos, relacionados, ao conhecimento científico, que também pode ser atribuído ao criacionismo, né?

Marina Silva: Olha, a ciência, ela está presente na Bíblia com um dos dons do nosso criador, não é? E a ciência é a forma de, neste plano terreno, nós buscarmos a verdade. O problema é que a verdade é um processo cumulativo. E Deus revela essa verdade em parte, né, e edigmas [sic, enigmas?] (risos), por espelho. Às vezes ela parece um pouco distorcida, mas eu acredito profundamente que, no espaço de fé, a ciência tem todo o acolhimento. Eu gostaria muito que no espaço científico existisse o acolhimento para a fé que a fé dá à ciência.
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A ex-senadora pode ter a posição que tiver. Se for criacionista, tudo bem. Se for evolucionista, tudo bem também. Se era criacionista e agora é evolucionista, tudo bem também. E estaria tudo bem se fosse o contrário. Só é estranho dizer que não disse o que disse. Talvez ela tenha se esquecido. Se for, tudo bem; cabe a nós lembrá-la.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O que procurei saber: anotações para uma biografia de uma polêmica desinformada

1. Somos muito rápidos em condenar as pessoas que têm ideias contrárias às nossas. Não raro, de forma definitiva.

2. A lei *não* exige autorização prévia. O Novo Código Civil (Lei 10.406/2002) diz:
"Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma."

Uma editora *pode* publicar uma biografia *sem autorização* do biografado (ou de seus parentes). Apenas que, neste caso, o biografado (ou seus parentes) têm o direito de embargar a distribuição e comercialização da obra que fira sua boa imagem ou tiverem fins comerciais.

3. Não há censura prévia. Todos os casos de embargos de biografias foram analisados pela Justiça. (Pode-se discutir a correção ou não das decisões. Eu discordo de várias.)
3.1 Francisco Bosco, em O Globo, desmonta a armadilha:
"Muitos criticam esse princípio opondo-lhe o art. 220, § 2º, da Constituição, que proíbe qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Mas a “censura” em questão não incide sobre nenhum desses âmbitos; o político é o domínio público por definição, e o ideológico e o artístico referem-se ao direito que cada sujeito tem de manifestar suas próprias ideias, formas ou afetos. É fundamentalmente diverso o pleiteado direito de tornar públicos os fatos (na verdade, a interpretação deles) que um outro sujeito determinou privados." O público e o privado
"Barcinski sugere também uma contradição entre o passado de Chico Buarque, um dos autores mais censurados pela ditadura brasileira, e sua presente posição de suposto censor. Mais uma vez, a contradição é falsa. Uma censura é inaceitável porque versa sobre matéria de natureza pública. Um cidadão é censurado quando o Estado impede que ele intervenha na situação pública. Ora, novamente, o que está em jogo é a discussão sobre se a matéria biográfica — a vida do biografado — deve ou não ser considerada passível de expropriação pela coletividade, os direitos sobre ela pertencendo ao coletivo, não ao indivíduo. Antes de estabelecer esse ponto, chamar Chico Buarque de censor é uma petição de princípio.O público e o privado II

4. A preocupação de muitos artistas com a Adin 4.815 (patrocinada pela Associação Nacional de Editores de Livros - ANEL) e, princiaplmente com o Projeto de Lei 393/2011, não é a de proibir suas biografias não autorizadas, mas de terem efetivo direito de terem sua integridade moral e privacidade resguardadas de ataques injustos (propositais ou não). A preocupação é que os dispositivos legais atualmente existentes sejam simplesmente suprimidos, em nome da liberdade de expressão, sem a possibilidade de defesa eficaz (um processo demorado não é eficaz - um julgamento que leve, digamos, um ano entre a audiência das partes, a análise de recursos, julgamento, publicação da decisão final, é ineficaz porque aí os livros já foram vendidos e o dano já foi feito; restaria a reparação, o que nem sempre consegue compensar o dano feito à imagem).
4.1 O compositor e humorista Tim Rescala, por exemplo, diz (ainda que de modo um pouco enrolado):
"A questão, no final das contas, é muito simples. É preciso haver total liberdade de expressão na hora de escrever? Sim, sem a menor dúvida. Sempre. Mas também é preciso, por outro lado, que haja punição exemplar para aqueles que fizerem um mau uso dessa liberdade. É assim nos países onde há liberdade plena. Essa é a única forma de estabelecer limites de um lado, sem ultrapassar os do outro. Se o caso é mudar a lei, que se mude de forma ampla , abrangente, senão estaremos vestindo um santo e desnudando outro."

5. O que a ANEL acharia de declaração de inconstitucionalidade da necessidade autorização prévia para a reprodução de textos de livros que seus associados editam? A necessidade dessa autorização também restringe a liberdade de expressão e de informação.

6. É estranho o argumento de ganhos econômicos utilizados por ambas as partes. A ANEL, em sua petição, diz que os biografados cobram fortunas pela autorização. Qual o problema? Os artistas dizem que editoras e biógrafos ganham fortunas pelas vendas. Qual o problema? Problema haveria se fosse ganho indevido ou ilícito. É indevido se a editora lucra em cima do biografado sem compensação a este. É indevido se o biografado lucra em cima da editora sem compensação a esta. É indevido se qualquer das partes lucra de modo indevido em cima dos consumidores. É indevido se qualquer das partes deixa de recolher o imposto correspondente aos ganhos auferidos.

7. A petição da ANEL é razoável (ainda que baseada na premissa errônea de que há exigência de autorização prévia). Assim como a dos artistas do Procure Saber. Os argumentos dos dois é que são ruins - especialmente ao vilanizar a parte contrária.

8. Paula Lavigne deu um p*ta bola fora com a Barbara Gancia ao falar sobre a sexualidade desta - embora seja compreensível a reação, dado o que Gancia escreveu a respeito de Lavigne.

9. Vale o ensinamento de ET Bilu: busquem conhecimento. Mas a questão exige uma reflexão profunda, não meros slogans, pensamentos superficiais... Há solução de compromisso? Que valores estão envolvidos?
9.1 Nisso parece prudente a chamada à consulta pública pela Ministra Carmen Lúcia.
9.2 Mas as pessoas devem *mesmo* fazer uma análise equilibrada. Alguém que considero, de resto, muito razoável encampou o lado de que a lei do modo como está é censura - tudo bem, é uma posição legítima -, e vetou meu comentário em seu blogue no qual eu apenas dizia que não havia censura prévia (não havia exigência de autorização prévia e os embargos eram por via judiciária)*, é direito do dono do blogue aprovar ou não os comentários. Só é irônico, neste caso.

*poderia ser um simples caso de extravio da mensagem, no entanto, é parece mais provável o veto porque essa pessoa disse que não abre concessão nenhuma pra quem defende censura; não era defesa de censura, mas enfim.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Cantadas e assédios: uma solução parcial?

A respeito de um episódio de assédio ocorrido há mais ou menos um ano lá na gringolândia, cujas consequências se deram agora, com a revelação do nome do assediador (para detalhes veja postagem de Carlos Hotta, no Brontossauros em Meu Jardim), o filósofo australiano John S. Wilkins pergunta-se que tipo de regra social deve ser estabelecida para minimizar o cruzamento de fronteiras entre um flerte aceitável e o assédio detestável.

A variação, mesmo entre as mulheres, de percepções e opiniões a respeito do tema - já tratei aqui algumas vezes, como no caso da campanha contra as cantadas de rua - é grande o bastante para tornar a possibilidade de qualquer regra universal ou amplamente aceita, se não remota, potencialmente muito difícil.

Considerando-se, no entanto, a disseminação de tecnologias móveis de comunicação, pode haver uma possível solução parcial.

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É um tipo de app que já existe, mas neste mundo WEIRDs (Western Educated Industrialized Rich and Democratic societies - e adjacências como o Brasil: não exatamente educado, não tão rico) cada vez mais complexo, cheio de nuanças e sensibilidades distintas a serem respeitadas, é algo que deveria ser cada vez mais adotado - sobretudo em encontros sociais: um auxiliar pessoal de flerte.

As pessoas se cadastram no serviço, fornecendo dados como gostos pessoais, tipos de pessoas que acham atraentes e tipos de abordagens permitidas. Estando em um dado local, a pessoa pode consultar a lista de pessoas presentes e marcar as que achar interessantes. Se houver coincidência mútua nas marcações, ambos são avisados. (O sistema de crush do quase finado orkut funcionava, nesse aspecto, de modo similar.)

É meio idiota, mas pode ser melhor do que ferir sensibilidades e ser exposto por abordagem inadequada - evitando processos e prejuízos no emprego.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Criacionismo e academia. Relativistas, prestem atenção a quem convidam pro jantar.

É uma ironia que os criacionistas ativistas consigam brechas na imprensa e na academia por meio do relativismo epistemológico do pessoal de humanas instalando aí cabeças de pontes para seu projeto de combate ao relativismo moral tão caro aos relativistas acadêmicos.

Os relativistas epistemológicos querem que a academia (e as IES públicas ainda por cima) seja palco para eventos criacionistas em nome da pluralidade e da democracia. Pluralidade e democracia que é, em primeiro lugar, negada pelos criacionistas - o tal debate que os relativistas pregam não poderia ocorrer nos templos criacionistas? Mas, vá lá, a universidade é solo, por excelência, da pluralidade. Problema é que o projeto dos criacionistas ativistas é justamente destruir o relativismo moral e epistemológico. Fundamentalistas cristãos que são, seu projeto é o absolutismo moral por meio da religião cristã. Não há, tampouco, espaço para o relativismo epistemológico - a verdade é revelada pela fé cristã.

Ou seja, os relativistas querem que se abram as portas da academia para o projeto de dominação do fundamentalismo religioso. Estão pedindo, em nome da pluralidade, que se abra espaço para algo que deseja suprimir a pluralidade.

Quando alertado quanto a isso, exclamam: "Você está paranoico, está adotando a teoria da conspiração". E ignoram que esse projeto é *documentado* - o famigerado documento Wedge do Discovery Institute.

A parte acadêmica vinculada a instituições confessionais está, sem muita surpresa, tomada pelos núcleos criacionistas - inclusive oficiais com apoio institucional.

Ataques à academia pública tem ocorrido - com vários casos bem sucedidos: Unesp, UFV, UESB, CEFET-SE (hoje IF-SE), UFAL, UFMT já abrigaram eventos criacionistas - sem o debate desejado pelos relativistas, são eventos que contam só com palestrantes criacionistas - inclusive ministrando minicursos. Quase que emplacam um na Unicamp agora.

A percepção relativista epistemológica, que beira à anticiência em seu anticientificismo, é que os criacionistas ativistas são coitadinhos, excluídos pela ciência malvada. Não se tocam que são um movimento altamente coordenado com centenas de milhões de dólares irrigando suas veias - inclusive com museu de criação com infraestrutura que deixa muitos museus de ciência no chinelo (e nem estou comparando com museus brasileiros - é nível internacional mesmo, com animatronics, displays de primeira, instalações amplas...). Parte desses recursos ajudam a organizar seus braços internacionais - inclusive aqui no Brasil.

O alvo inicial é a evolução, mas não é o principal. Nem mesmo o mecanicismo e o materialismo da cosmogonia do Big Bang. O principal é instalar os valores do fundamentalismo cristão. O fundamentalismo cristão e seu machismo - a mulher deve ser submissa ao homem, uma simples máquina de parir novos cristãos -, não raro seu racismo (as barbaridades daquele deputado presidente da CDHM não são aleatórias), sua antidemocracia - teocracia é o nome (vemos bem o que ocorre quando têm poder suficiente para enfiar goela abaixo seus valores - não são poucas as cidades em que vereadores e prefeitos passam leis que obrigam a leitura da bíblia em escolas e sessões legislativas, que dificultam a vida de membros de minorias religiosas). A expressão é, sim, *sequestro* da academia para se referir a seu objetivo inicial da estratégia de cunha ao tentar tornar o "design inteligente" como a visão primordial a respeito da origem da variedade da vida.

Trechos do documento Wedge:
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* "Such moral relativism was uncritically adopted by much of the social sciences"
* "Governing Goals: To defeat scientific materialism and its destructive moral, cultural and political legacies. To replace materialistic explanation with the theistic understanding that nature and human beings are created by God."
* "Discovery Institute's Center for the Renewal of Science and Culture seeks nothing less than the overthrow o materialism and its cultural legacies. Bringing together leading scholars from the natural sciences and those from the humanities and social sciences, the Center explores how new developments in biology, physics and cognitive science raise serious doubts about scientific materialism and have re-opened the case for a broadly theistic understanding of nature."
* "This is precisely our strategy. If we view the predominant materialist science as a giant tree, our strategy is intended to function as a 'wedge' that, while relatively small, can split the trunk when applied at its weakest point."
* "We are building on this momentum, broadening the wedge with a positive scientific alternative to materialistic scientific theories, which has come to be called the theory of intelligent design (ID). Design theory promises to reverse the stiffling dominance of the materialist worldview, and to replace it with science consonant with Christian and theistic convictions."
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Relativistas, portanto, não se deixem iludir.

domingo, 13 de outubro de 2013

Don’t Start None, Won’t Be None

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wachemshe hao hao kwangu mtapoa
I got this wrap cloth from Tanzania. It’s a khanga. It was the first khanga I purchased while I was in Africa for my nearly 3 month stay for field research last year. Everyone giggled when they saw me wear it and then gave a nod to suggest, “Well, okay”. I later learned that it translates to “Give trouble to others, but not me”. I laughed, thinking how appropriate it was. I was never a trouble-starter as a kid and I’m no fan of drama, but I always took this 21st century ghetto proverb most seriously:
Don’t start none. Won’t be none.
For those not familiar with inner city anthropology – it is simply a variation of the Golden Rule. Be nice and respectful to me and I will do the same. Everyone doesn’t live by the Golden Rule it seems. (Click to embiggen.)
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The Blog editor of Biology-Online dot org asked me if I would like to blog for them. I asked the conditions. He explained. I said no. He then called me out of my name.
My initial reaction was not civil, I can assure you. I’m far from rah-rah, but the inner South Memphis in me was spoiling for a fight after this unprovoked insult. I felt like Hollywood Cole, pulling my A-line T-shirt off over my head, walking wide leg from corner to corner yelling, “Aww hell nawl!” In my gut I felt so passionately:”Ofek, don’t let me catch you on these streets, homie!”
This is my official response:
It wasn’t just that he called me a whore – he juxtaposed it against my professional being: Are you urban scientist or an urban whore? Completely dismissing me as a scientist, a science communicator (whom he sought for my particular expertise), and someone who could offer something meaningful to his brand.What? Now, I’m so immoral and wrong to inquire about compensation? Plus, it was obvious me that I was supposed to be honored by the request..
After all, Dr. Important Person does it for free so what’s my problem? Listen, I ain’t him and he ain’t me. Folks have reasons – finances, time, energy, aligned missions, whatever – for doing or not doing things. Seriously, all anger aside…this rationalization of working for free and you’ll get exposure is wrong-headed. This is work. I am a professional. Professionals get paid. End of story. Even if I decide to do it pro bono (because I support your mission or I know you, whatevs) – it is still worth something. I’m simply choosing to waive that fee. But the fact is told ol’ boy No; and he got all up in his feelings. So, go sit on a soft internet cushion, Ofek, ’cause you are obviously all butt-hurt over my rejection. And take heed of the advice on my khanga.

You don’t want none of this
Thanks to everyone who helped me focus my righteous anger on these less-celebrated equines. I appreciate your support, words of encouragement, and offers to ride down on his *$$.
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Este é um reblog parte da campanha contra a atitude tacanha da Scientific American de censurar a postagem acima. A SciAm em vez de pedir desculpas à autora pela ofensa proferida pelo editor do sítio web parceiro (e tomar as devidas providências contra o ofensor) apagou a postagem em que a ecóloga urbana DNLee expunha o caso.

Upideite(14/out/2013): A editora da SciAm postou um esclarecimento dos motivos da remoção da postagem de DNLee sobre o episódio. A questão legal é relevante, mas soa como uma desculpa inventada a posteriori, sobretudo pela explicação inicial dada no twitter não mencioná-la - dava a entender que a remoção se dera pela postagem fugir do tema científico.


Upideite(14/out/2013): Nos comentários, @ciencianamidia informa que uma das administradoras do Biology Online se desculpa pela ofensa de um de seus editores à DNLee. O curioso é que o "the Blog Editor" é reduzido a um "our recently hired employee".

Upideite(14/out/2013): Pelo twitter, @ciencianamidia avisa que a postagem foi restaurada.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Unicamp sedia evento criacionista

Sob o inocente nome de 1° Fórum de Filosofia e Ciência das Origens a Unicamp sediará um evento promovido por criacionistas.

O incauto poderá pensar que se trata de um evento científico ou acadêmico normal dada as credenciais apresentadas no site e os nomes das palestras.

"geólogo pela Universidade Estadual Paulista, Unesp (1980), mestre em Geotecnia pela Universidade de São Paulo (USP) (1986) e doutor (1992) em Geotecnia/Engenharia Civil pela USP. Foi professor e pesquisador da Uneso, de 1982 a 1990 e professor e pesquisador da USP de 1990 a 1995. Atualmente é professor de Geologia e Mecânica das Rochas, no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). É membro do Núcleo de Estudos das Origens (NEO) da mesma instituição e do Earth History Research Center, onde suas áreas de interesse estão a geologia e a vulcanologia. É diretor da sub-sede brasileira do Geoscience Research Institute."

"Ph.D. em física, em raios cósmicos de altíssima energia e interações nucleon-nucleon. Entre 1972 e 1978 trabalhou no Laboratório de Alta Tensão da General Electric Company, projetando equipamentos e pesquisando os fenômenos de alta tensão. Enquanto estava lá, recebeu uma patente nos EUA e uma das IR-100 prêmios da revista Pesquisa Industrial. Em 1979, trabalhou para a Sandia National Laboratories (Novo México) em física nuclear, geofísica, pesquisas potência pulsada e física atômica e nuclear teóricas. Em 1985, começou a trabalhar com Sandia da 'Partícula Boca projecto de fusão', e foi co-inventor do especial de laser disparado interruptores de alta tensão' de percussão", atualmente entrando em uso mais amplo. Na última década viu a Sandia dar maior ênfase em física nuclear teórica e hidrodinâmica de radiação, em um esforço para ajudar a produzir a primeira fusão termonuclear em escala laboratorial do mundo. Além de ganhar duas outras patentes dos EUA, [...] recebeu dois prêmios de Sandia, incluindo um Prêmio de Excelência pelas contribuições para a teoria target ion-fusion luz." [Podemos ver que o currículo foi traduzido no Google Translator...]

"químico brasileiro, membro da Academia Brasileira de Ciências. Atualmente é o presidente da Fundação Internacional da Espectrometria de Massa (IMSF, International Mass Spectrometry Foundation). [...] pesquisador e professor do Instituto de Química da Unicamp, é diretor fundador do laboratório ThoMSon de Espectrometria de Massa da Unicamp e editor associado do Journal of Mass Spectrometry. É recipiente da Ordem Nacional do Mérito Científico."

"'A Química do Universo e da Vida'. Uma abordagem científica sobre as evidências que a química do Universo e dos seres vivos apresentam para responder a questão 'De onde viemos'"

"[L]ivro Starlight and Time Uma apresentação da teoria de Humphreys baseada no modelo relativístico de Einstein sobre a origem do universo"

"Modelos em geociências: aspectos científicos e metafísicos"

"'O relato das origens e as remotas tradições sumerianas' Abordará as evidências de que a Arqueologia ajuda a iluminar o mistério das origens humanas"

"'A cobertura midiática da origem da vida' Apresentação de casos que ilustram a cobertura da mídia sobre a origem da vida no Brasil e também no mundo e suas consequências sociológicas"
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Só quem conhece os trabalhos extra-acadêmicos de Nahor Neves de Souza Jr., Russell Humphreys e Marcos Nogueira Eberlin perceberá que são todos criacionistas. O único que não oculta esse vínculo no minicurrículo é Michelson Borges:

"é escritor, autor de livros como A História da Vida, Por Que Creio, entre outros. Jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), editor da Casa Publicadora Brasileira e membro da Sociedade Criacionista Brasileira. É mestre em Teologia pelo Unasp."

Tanto o Núcleo de Estudos das Origens, como o Earth History Research Center e o Geoscience Research Institute são entidades criacionistas.

Claro que a universidade comporta uma pluralidade de pontos de vista e blablablá whiskas sachê... Mas está evidente a estratégia de cunha adotada desde 1998 pelo grupo do Design Intelligente. Adotando nomes de palestras supostamente de caráter científico ou puramente acadêmico ocultam suas intenções de proselitismo cristão fundamentalista do criacionismo - atraindo pessoas desavisadas achando que irão mesmo discutir origem da vida e do universo de modo racional e científico e filosófico.

Se alguém duvida que isso pode ocorrer, eu postei sobre o evento em um grupo de discussão de *céticos e racionalistas*, com o título igual ao desta postagem e com o aviso "E os caras tentam ocultar o caráter criacionista com nomes de palestras que indicam outra coisa".

Uma das respostas foi:
"porquê são criacionistas? pelos nomes não dá para entender isso. Você está falando por saber pessoalmente as opiniões dos palestrantes?"

Avisado sobre o vínculo criacionista de um dos palestrantes:
"'Se o nome é FÓRUM DE FILOSOFIA DISCUTE A ORIGEM DO UNIVERSO é bem razoável que existam todas as opiniões, não?'"

Calcule o estrago que faz na cabeça de quem não participa de debates cético-racionalistas a respeito do modus operandi desses grupos criacionistas*... Oremos.

(Não vou linkar para os sítios web criacionistas, quem quiser pode googlear.)

*Upideite(11/out/2013): Recebi a notícia de um amigo jornalista empolgado com o evento e alheio ao caráter criacionista.

Upideite(13/out/2013): O Prof. Dr. Leandro Tessler, da Unicamp, comenta mais sobre o evento em seu Cultura Científica.

Upideite(14/out/2013): Pelo twitter, Tessler informa que o evento foi cancelado (tiraram a página que anunciava o evento):

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Documento *oficial* do MDA cita a *Desciclopédia* como fonte

Documento oficial produzido em 2010 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável Território Rural de Identidade do Alto Paraguai, usa como fonte a Desciclopédia (se algum incauto não a conhece, é a versão paródia da Wikipédia) - na verdade é quase um plágio, já que extrai e copia trecho inteiro sobre o município de Santo Afonso-MT sem colocar entre aspas (só não é totalmente um plágio por citar a fonte).



O trecho chama o município de "poço de m*rda" (asterisco por minha conta) que atualmente ninguém conhece; seus habitantes, de descendentes de meretrizes. Diz que a fauna foi desmatada (teria sido Ana Maria Braga a consultora?), que a Comissão Rondon era formada por um bando de malucos com objetivo de instalar telégrafos pelo Brasil...

Não sei se espero que tenham colado esse trecho sem lerem direito ou se fizeram isso com o espírito da galhofa da zoeira sem fim. As duas coisas me parecem tristes para um documento *oficial*.

Via Felipe Campelo FB.

Upideite(08/out/2013): Alertado, pelo twitter o MDA afirma: "É notável que houve uma falha na edição do texto. Por ora, iremos apurar o que de fato aconteceu."

sábado, 5 de outubro de 2013

Professores devem tomar cuidado com estudos, aponta estudo

Ei, professores, cuidado com estudos (duplo sentido pretendido).

Mais um ranking.

Sim, sabemos que os professores são desvalorizados no Brasil. Mas dá pra confiar nesee estudo noticiado pelo G1?

"Brasil é um dos países que menos respeita professor, diz estudo"

Talvez, porém muita atenção na hora de interpretar o resultado.

"Brasil, penúltimo colocado com 2,4 pontos. Muito abaixo da média do estudo de 37 pontos. Está nem dentro do que se esperaria." - poderão dizer.

Ok. Mas e Israel em último com 2 pontos? E a Finlândia com apenas uma posição intermediária (abaixo da média)?

Esse estudo mistura vários indicadores, muitos de percepção - subjetiva. Uma das conclusões do estudo é que, para o nível de remuneração dos professores, o desempenho dos alunos está muito abaixo do que seria o esperado. Seria possível se dizer que: "ok, os professores recebem mal, mas trabalham ainda pior; eles têm muito espaço para melhorar antes de reivindicarem aumentos salariais". E aí?

O estudo considera que 80% dos brasileiros são a favor da remuneração dos professores atreladas ao desempenho do aluno. E aí?

Faz sentido aplicar o princípio Ricupero e só pegar do estudo o que é favorável às demandas docentes? Ou, se você é um neoliberal empedernido, a só catar o que se coaduna com sua ideologia?

Professores, cuidado com estudos.

De Mona Lisa, universidades, rankings e eleições para reitor

Não leve rankings a ferro e a fogo.

Podem ser úteis em alguma medida, mas não necessariamente o primeiro é melhor do que o segundo em termos para além do próprio ranking.

E raramente os rankings são projetados para que a distância entre o primeiro e o décimo seja a mesma da entre o décimo e o décimo nono.

Muito cuidado ao fazer benchmarks com base em rankings. Você pode listar propriedades comuns aos primeiros colocados (obviamente que não digam respeito diretamente às características usadas para fazer o ranqueamento) que estejam ausentes nos últimos colocados, mas não quer dizer que necessariamente ou com maior probabilidade que o acaso que haja uma relação causal entre tais propriedades e a posição no ranking.

Por exemplo, em uma análise da Folha sobre eleição para reitores em IES públicas no Brasil (em particular na USP):
"A pergunta é: nas grandes universidades do mundo as eleições para reitor são baseadas em voto direto e interno na comunidade? Não."

Por que *a* pergunta seria essa? Aparentemente há a premissa oculta de que "quaisquer qualidades aleatórias presentes em comum nas maiores universidades do mundo estão ligadas à qualidade de ser uma grande universidade". É uma premissa que não se basta por si. Podemos listar uma série de outras características em comum que dificilmente consideraríamos como determinantes válidos de qualidade: as grandes universidades estão nos EUA/Europa - se levarmos essa observação a ferro e a fogo, a conclusão lógica é que não adiantaria criar universidades em outros lugares e esperar que elas sejam grandes.

As grandes universidades do mundo *não* têm um orçamento garantido com base em 10%* dos impostos sobre circulação de mercadorias e serviços. As grandes universidades do mundo *não* têm um processo seletivo formado exclusivamente por uma prova comum de conhecimentos aplicada uma única vez no ano. Haverá ligação causal? Talvez haja, mas não de modo óbvio.

É possível que muito que faz as grandes universidades do mundo grandes seja o fato tautológico de que são as grandes universidades do mundo - o fato de serem grandes, por exemplo, facilitaria a atraírem as melhores pessoas para estudar e trabalhar nelas. Aí seria preciso se voltar para o que *fez* as grandes universidades serem grandes universidades. E é possível que muito disso sejam processos que não tenham diretamente a ver com o modo como as universidades se organizam. Muita coisa pode se dever a fatores casuais ou mesmo aleatórios. Outras a fatores históricos não exatamente reprodutíveis - pode não ser coincidência de que as grandes universidades estejam localizadas nos países que mais fortemente se industrializaram entre os séculos 19 e começo do 20.

É possível que o modo como selecionam os reitores e deões tenha alguma coisa a ver. Mas não de modo óbvio. Assim como não há nada óbvio no fato de a Mona Lisa ser a pintura mais famosa do mundo - a despeito dos milhares de estudos sobre as técnicas de pintura e de composição (a respeito disso vide Watts 2011 "Tudo é óbvio").

Vale ler:
Mlodinow 2009. "O andar do bêbado". Ed. Zahar, 264pp.
Watts 2011. "Tudo é óbvio". Ed. Paz e Terra, 328pp.

*Upideite(08/out/2013): Corrigido a esta data por observação de Ewout ter Haar nos comentários.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Feministas, o machismo faz bem a vocês*

*Antes de atirarem as pedras em mim, leiam a observação lá embaixo desta postagem.**

Não pretendo dizer ao movimento feminista o que ele deve dizer ou como ele deve dizer. Só expresso minha opinião [sim, não tem importância alguma, menos ainda para o movimento feminista - o que é ótimo por duas razões: 1) o que eu disser não irá afetar o movimento; 2) não firo sua autonomia] de que a opção discursiva de parte desse movimento dificilmente servirá para atrair aliados estratégicos nas "hostes" masculinas.

O post "Óbvio que todos os homens não odeiam mulheres. Mas todos os homens devem saber que são beneficiados pelo sexismo" [1], ao dizer que o sexismo beneficia todos os homens, basicamente diz: "Homens, o feminismo é PREJUDICIAL a vocês".

Se o sexismo beneficia os homens, pra quê iríamos querer mudar?

O tom do artigo é de chamada à consciência. Mas se os homens tivéssemos consciência, não haveria muita coisa a mudar pra começo de conversa. Oquei, a conscientização é necessária, mas: a) nem é suficiente (preciso dizer que de boa intenção o congresso nacional está cheio?), b) nem creio que isso se desenvolva com um argumento do tipo: "você é opressor, ponto". (Sério, "poxa eu sou mesmo um opressor, preciso mudar minhas atitudes", é algo que alguém esperaria ouvir?)

Åsa Heuser disse que argumentar que o sexismo é prejudicial ao homem seria como tentar por fim à escravidão dizendo ao escravocrata que a escravidão é prejudicial à eles. Primeiro: esse *foi* um dos argumentos utilizados para o fim da escravidão a fim de vencer essa resistência; segundo: a questão é convencer *quem tem poder*. No caso, a Inglaterra estava mais do que convencida de que a escravidão no Brasil era prejudicial a seus negócios.

Infelizmente, embora a Inglaterra esteja mais do que convencida de que o sexismo no Brasil é prejudicial a seus negócios, hoje ela não pode bloquear portos, saquear cidades e apontar canhões para o palácio imperial brasileiro. São os *homens* brasileiros que têm o poder - e, embora nem todos os homens odeiem mulheres, virtualmente 100% somos machistas (mesmo os que acham que não são - me mostre um homem feminista e eu te mostrarei um hipócrita).

O fim da escravidão até teve um elemento moral - uma leitura cristã condenando a escravidão -, mas não vinha com um argumento do tipo: "escravocratas, a escravidão beneficia totalmente a vocês". E nem foi o elemento principal para sua abolição nestas paragens. [2]

É um erro muito similar a de certa parte do movimento ateísta que diz: "religiosos, vocês deveriam nos tolerar porque a religião é estúpida e como ela os faz estúpidos, ela os faz nos odiarem, não sejam estúpidos".

E entro só de leve no argumento de que, afinal, o sexismo *é* prejudicial aos homens. Em primeiro lugar porque coloca nossas irmãs, esposas, filhas, mães, avós... em relação de desvantagem. Isso *diminui* efetivamente o orçamento familiar, isso *expõe* efetivamente nossas parentas e amigas a perigos inomináveis, isso *aumenta* os custos sociais (sim, isso implica em impostos mais caros - entre segurança, gastos com saúde, estrutura de política para a mulher, políticas compensatórias como cotas e ações afirmativas em geral...).

Mas o meu ponto mesmo (já que não se afeta no caso de o sexismo ser mesmo benéfico aos homens) é um argumento do tipo "olha como você é meu inimigo... quer ser meu amigo?" tende a ser pouco produtivo. O enquadramento da questão afeta sobremaneira como ela é percebida. A percepção afeta sobremaneira as atitudes. Atitudes influenciam as decisões. Decisões... bem, decisões são as que são necessárias para implementar mudanças.

A menos, é claro, que as mulheres tenham segurança para mudar o quadro por elas mesmas. Isso é possível? Seguramente: elas são a maioria censitária, poderiam eleger representantes estratégicos (uma presidenta já temos - ainda que não exatamente graças a elas***) - caveat: precisariam convencer a mais da metade das mulheres que votam em homens. Plano B: uprising - caveat: as mulheres *são* fisicamente mais fracas (em média) do que as forças policiais e nem têm acesso a arsenais significativos (claro, sempre podem tentar sequestrar figuras importantes - ei, ABIN, nota irônica, ok?).

Há várias estratégias eficientes para se combater mais efetivamente o sexismo. Quase todas passam justamente por mostrar como o sexismo é prejudicial aos homens. Uma empresa trata desigualmente as mulheres? Campanhas, protestos, locautes, boicotes, greves, ataques terroristas (NSA, again, just kidding)... que mostrem *como* o sexismo prejudica a empresa - seja diretamente nas vendas, seja com prejuízo da imagem, seja por vias legais (felizmente temos mecanismos legais de combate à discriminação sexual) - e, consequentemente, como prejudica o executivo idiota sexista (todo sexista é idiota, mas nem todo idiota é sexista) que terá o emprego em risco na próxima assembleia de acionistas.

Você pode desejar que os homens sejam maduros o suficiente para combater o sexismo porque é certo, mesmo que isso o prejudique. Desejar pode. Mas, a menos que Aladdin tenha emprestado sua lâmpada, não é o meio mais eficiente para se obter as mudanças necessárias.

**Se você é feminista e o título deste post a fez ter simpatias por mim, então eu dou meu braço a torcer e retiro o argumento de que dizer que o sexismo é benéfico aos homens é ineficaz. (Pra eventualidade de alguém não ter entendido: sim, o machismo é *prejudicial* às feministas, às mulheres, à humanidade. Só não é prejudicial ao Universo porque, se ele fosse capaz de ligar pra alguma coisa, certamente não estaria nem aí com a humanidade.)
***58% dos eleitores masculinos votaram em Dilma (42% em Serra), apenas 54% das eleitoras fizeram o mesmo (44% em Serra). [3]
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[1] http://blogueirasfeministas.com/2013/10/obvio-que-todos-os-homens-nao-odeiam-mulheres-mas-todos-os-homens-devem-saber-que-sao-beneficiados-pelo-sexismo/
[2] http://revistaacervo.an.gov.br/seer/index.php/info/article/view/105/85
[3] http://novo-jornal.jusbrasil.com.br/politica/6094496/ibope-aponta-dilma-com-56-dos-votos-validos-e-serra-44