segunda-feira, 20 de março de 2017

Legiferância: combatendo Fake News do modo errado

O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) parece ter uma solução definitiva para a praga das FAKE NEWS. Qual? Simples: vamos prender e multar TODO MUNDO que compartilhar ou divulgar notícia falsa ou incompleta. Essa é a proposta do PL-6812/2017.

"Art. 1º Constitui crime divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica.
Penal - detenção de 2 a 8 meses e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias- multa.
Art. 2º Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o artigo primeiro serão creditados à conta do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos - CFDD
Art. 3º Esta Lei entre em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA
A rápida disseminação de informações pela internet tem sido um campo fértil para a proliferação de notícias falsas ou incompletas.
Atos desta natureza causam sérios prejuízos, muitas vezes irreparáveis, tanto para pessoas físicas ou jurídicas, as quais não têm garantido o direito de defesa sobre os fatos falsamente divulgados.
A presente medida tipifica penalmente o ato de divulgar ou compartilhar notícia falsa na rede mundial de computadores, de modo a combater esta prática nefasta.
Assim, contamos com o apoio dos nobres parlamentares à presente proposição."

O que poderia dar errado? Abaixo, com modificações, a minha análise que publiquei alhures:

1) Por que criar um novo tipo específico de crime, se os problemas usados para a justificativa já são cobertos por itens do Código Penal? Difamação, calúnia, injúria. Além de poder se processar no cível por lucros cessantes e uso indevido de imagem.
2) Por que o *compartilhamento* seria crime e não a *elaboração* da falsa notícia? Quem compartilha muitas vezes o faz acreditando na veracidade da informação. Como faz no caso em que um jornal erra e um indivíduo, confiando no jornal, compartilha a notícia? A redação inepta do PL não faz distinção disso. Nem ao menos entre modalidade culposa e dolosa.
3) Muitas vezes o objetivo é tão somente de humor ou de crítica. Apenas que, descontextualizado pelo próprio ato de compartilhamento - já que informação é perdida em função do próprio projeto das mídias sociais (p.e., a informação da data não é puxada junto com o título, foto e resumo) - acaba criando-se a situação em que ela fica "prejudicialmente incompleta". A redação inepta também não leva isso em consideração.
4) Por que apenas por meio da internet - "rede mundial de computadores" - seria crime e não por meio de cartazes, telefonemas, veiculação em rádio e televisão...?
5) Por que a multa vai para um fundo de direito difuso se o objeto juridicamente a ser protegido: imagem e honra de pessoa física ou jurídica - é um bem privativo?
6) Por que somente notícias falsas ou incompletas em detrimento de pessoas físicas e jurídicas, se outros estragos - até mais graves - podem decorrer de tais atos? Como uma notícia falsa sobre problema com vacinas - sem especificar a marca ou fabricante: não há prejuízo para uma pessoa física nem jurídica em particular, mas à coletividade. Ou algum que espalhe o pânico por algum motivo: falsa notificação de atentados, p.e.

Projeto inútil - por redundar com crimes já cobertos - e perigoso - por ameaçar incautos.

Para se coibir a difusão de notícias falsas é preciso:
1.1) Equipar e treinar equipes especializadas na detecção de notícias falsas - principalmente de agentes policiais;
1.2) Investigar a partir de denúncias de prejudicados;
1.3) Processar e punir os culpados de acordo com a legislação vigente;
2) Trabalhar junto com empresas de mídias sociais para que criem e implementem mecanismos de filtragem eficientes e forneçam informações necessárias às investigações;
3) Educar os cidadãos quanto à detecção de falsas notícias - é difícil porque é preciso, na verdade, uma bagagem cultural maior para se detectar informações que não condizem com conhecimentos bem estabelecidos (e mesmo assim há casos em que é difícil de se perceber e mesmo pessoas bem treinadas uma hora ou outra baixa a guarda).

Essa insânia passando teríamos de imediato:
1) paralisia do judiciário por sobrecarga;
2) saturação completa das detenções;
e, a médio prazo:
3) cessação completa da comunicação por redes sociais.
Simplesmente *não* compensaria compartilhar nenhuma notícia (a não ser, talvez, a própria apurada - e mesmo assim com o risco de se aporrinhar com processos de pessoas com muito dinheiro e nenhum humor e/ou com má índole): o ganho com compartilhamento (prazer pessoal, educação...) *não* seria superior aos riscos: uma pessoa que compartilhe 10 notícias por dia e tenha uma eficiência de 99,9% de filtragem, em um ambiente que circule 10% de notícias falsas, por ano teria compartilhado 3,65 notícias falsas - passaria, no mínimo, 7 meses por ano na cadeia.

Nome disso? *IN*SÂ*NIA*.

Upideite(17/jan/2018): Pablo Ortellado analisa os problemas no combate às fake news (cuidado! contém paywall poroso.)

sábado, 18 de março de 2017

A wimpy macho's heart

Uma breve história que publiquei alhures.
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"E o que você quer saber sobre mim?", perguntou Andrei Lindnelson.
"Tudo, professor. Quero saber sobre tudo.", disse Sabrina Miranda.
Um silêncio se fez. Um longo e nada mais do que silêncio. Apenas a vibração da corrente elétrica percorrendo os cabos numa alta voltagem - expressão de Brina, jornalista recém-formada, que Andrei, cosmofísico multiquasipremiado (batera na trave tantas vezes dos principais galardões e honrarias científicas de sua área), logo corrigiria em seu sotaque mineiro-eslávico: "diferrença di potenciarl elétrrrico!" - se fazia ouvir. Havia eletricidade no ar. E não apenas literalmente - Andrei ia corrigir isso também, mas estacou.
Olhou para a jovem jornalista. Algo nervosa, ela mordiscava levemente seus próprios lábios. "Moça di brrrinco di pérrrolas", pensou Andrei. Ela agora umedecia sua mucosa labial entremeando sua macia e rosácea língua de modo que vez por outra sua extremidade despontava pela fissura no mais hermeticamente fechada de sua boca.
"Tudo?", rompeu finalmente o silêncio Andrei.
"Tu-di-nho", disse Brina em um tom de ingenuidade quase lasciva, como se estudado e premeditado. "Quero saber dos mais íntimos segredos, do lado mais obscuro."
Andrei percebeu finalmente a armadilha em que caíra. Tentou resistir. Olhava repetidas vezes para o porta-retrato em sua mesa com a imagem de Annya e o pequeno Piotr. Mas suas pupilas sempre se voltavam para os lábios de Brina. Eles agora tremelicavam em súplica muda, mas terrivelmente audíveis para o cientista.
Não mais conseguia se conter. Aproximou-se de Brina - um tanto mais quanto a prudência profissional demandava -, segurando-a firme, mas ternamente pelos dois braços.
"Meus mais íntimos, obscurros e terríveis segrrredos?", perguntou novamente, mas apenas retoricamente.
Bruna confirmou com um meneio, presa pelas mãos do professor.
"Está bem... Eu acrrretido in matérria escurra barriônica!", suspirou Andrei em um desabafo que viera do fundo de sua alma - mais precisamente dos alvéolos pulmonares, mas, sim, da alma.
Andrei largou Brina. Recuando, trêmulo, até sua poltrona, aonde desabou.
Brina nada disse. Apenas observava, confusa, aquele senhor chorando convulsivamente de alívio de se ver liberado do peso que carregara em obsceno segredo por tanto tempo.
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Insp. em postagem de @Camila Delmondes.
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As personagens e situações aqui retratadas são meramente ficcionais.