quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Doria, again, é golpe sim.

Reproduzo o que publique alhures a respeito da postagem de Pedro Doria no facezucko sobre como Dilma Rousseff deveria ser impedida mesmo e como o Michel Temer deveria mesmo assumir a presidência. (Anteriormente eu já havia comentado outra postagem dele aqui no NAQ.)

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Pedro Doria errando, de novo, sobre a questão do golpe do ipítmã.
A divisão em dois grupos (o golpe no sentido literal e o golpe no sentido figurado) é possível, mas deve ser considerado com muitas reticências e ressalvas: p.e. entre os que acham que houve um golpe de estado mesmo há os que consideram que houve crimes de responsabilidade, mas há golpe porque Rousseff não foi julgada por isso (tanto é que o Senado decidiu por não lhe cassar os direitos políticos).
Ridícula a argumentação de que o discurso de que houve golpe seja diversionista. Pode-se dizer o contrário, que o discurso do tipo de Doria, de que foi tudo legal é que levanta cortina de fumaça e desvia do debate necessário a respeito da democracia no Brasil.
Mas vamos, por enquanto, entrar no debate nos termos que ele deseja (que ele acha que é o mais fundamental):
1. Ele diz que a constatação fundamental é que Rousseff mentiu. Bidu, políticos mentem. Temer, que deu aval ao projeto da campanha e participou do governo, também mentiu.
Mentiu a ponto de cometer crimes de responsabilidade? Bem, a perícia do Senado disse que Rousseff não se envolveu nas pedaladas; em relação aos créditos suplementares, o Senado aprovou uma margem maior para o presidente agora há pouco. Mais do que isso, a conclusão da perícia do Senado foi de que os créditos suplementares diminuíam a margem de manobra para se alcançar a meta fiscal - e não que diretamente impedia sua realização. Sério, crime de responsabilidade por diminuir a margem de manobra para se obter a meta? Rá. Considere-se ainda que a meta foi, com aprovação *pelo Congresso*, alterada posteriormente.
2. O projeto econômico não foi o que ela prometeu. E...? Não, fio, não foi o projeto econômico prometido pelo Aécio. Neves queria trazer a inflação pra 4,5% a qualquer custo - pra isso teria que elevar os juros muito mais (não os atuais absurdos 15% ao ano de Selic, mas os ainda mais absurdos 40% ao ano dos tempos de FHC), fazer cortes muito mais severos (inclusive nos programas sociais: bastante protegidos nos cortes do segundo governo Rousseff): muito provavelmente, Aécio Neves tampouco conseguiria implementar exatamente seu projeto econômico.
Também não leva em sua análise superficial as mudanças no cenário econômico. O preço do petróleo, p.e., apesar de estar em queda desde julho, essa queda se acentua somente em setembro de 2014, quando desce abaixo dos 90 USD/barril - os preços eram mais ou menos estáveis pelo menos desde 2011 (Fig. 1). O preço da soja também estava em queda a partir de maio, mas só foi romper a barreira abaixo dos 420 USD/ton em setembro de 2014 (Fig. 2).
Figura 1. Evolução do preço do barril de petróleo. Fonte: InfoMine.com
Figura 2. Evolução do preço da soja. Fonte: Indexmundi.

Uma crítica que se pode fazer aos governos PT (e não somente a eles) é de não terem rompido a dependência da economia brasileira aos commodities - isso ajudou no crescimento econômico durante mais de uma década, é verdade, mas nos torna vulneráveis a essas crises (Figs 3 e 4).


Figura 3. Evolução da variação do preço das commodities (eixo à esquerda - unidades decimais) e do PIB brasileiro (eixo à esquerda, em %). Fonte de preço das commodities: Indexmundi.


Figura 4. Correlação entre variação do preço das commodities e PIB brasileiro. PIB (N+1): variação do PIB para o ano seguinte ao ano de referência da variação do preço das commodities; PIB (N-1): variação do PIB para o ano anterior ao ano de referência da variação do preço das commodities.

Embora o governo seja responsável pela política econômica, ele não tem controle sobre flutuações dos preços mundiais dessas commodities - quem tem são a OPEP (com a SAU forçando preços baixos para inviabilizar fontes alternativas de óleo - como as areias betuminosas, fracionamento hidráulico e exploração de águas profundas) e, no caso da soja (e outras commodities que o BRA também exporta, como minério de ferro e alumínio), principalmente a CHN.
E só mencionar a questão Cunha e deixar de lado dizendo que é outra história não cola. É outra história no sentido de que é uma outra história bem longa. Mas não é outra no sentido de que isso tem muito peso na situação econômica atual exatamente por atrapalhar com as pautas bombas a implementação de políticas de correção de rumo. (Sem falar que está diretamente ligado à aprovação do impedimento e, principalmente, pela ilegalidade do processo - com todas as manobras feitas.)
3. Este item é de argumentação mais patética de todas. "Democracia não é a ditadura da maioria", "porque minorias têm direito à participação e voz"... sério? Sério que grandes empresários são minoria? Quando se fala em "ditadura da maioria" e "voz às minorias" não se está falando de "maioria" e "maioria" no sentido censitário. Estamos falando de "maioria" e "minoria" *social* - grupos que têm ou não acesso às benesses sociais e econômicas. Mulheres são a maioria da população, mas são minorias sociais - elas são mais de 50% do número de habitantes, mas são ainda excluídas social e economicamente.
E, francamente, usar o argumento de que tem que dar voz à minoria pra justificar a exclusão de uma presidenta democraticamente eleita não está no seu nível usual, Doria. Temos que dar voz até a essa minoria censitária composta pelos industriais e banqueiros, é verdade, mas dar voz não é dar poder - quando perderam nas urnas. Isso nem deveria ser necessário ser dito. Mas posto que você externou uma linha de raciocínio tão abissalmente raso é possível até brincar que, se vamos dar esse tipo de voz a esse tipo de minoria, vamos colocar na presidência o Rui Costa Pimenta do PCO, que teve menos votos de todos. Ou melhor, me coloquem a presidência, já que não tive voto nenhum.
De todo modo, nota-se esta contradição de seu argumento. Primeiro você critica Rousseff por, na sua visão, implementar uma política econômica conservadora; aí defende que a minoria censitária derrotada nas urnas que defendia uma política econômica conservadora deve ser ouvida a ponto de lhe ser dado poder...
4. Você se esqueceu que, pra assumir que é legítimo que o PMDB assuma, primeiro tem que se considerar a legitimidade do impixamento. *Você* assume que é legítimo, mas você está argumentando com quem assume que não é. Com quem considera que houve golpe ou "golpe".
Mas você deixa, de novo, de lado um detalhe: a escolha não foi apenas do PT, mas também do PMDB. E essa escolha envolve a aceitação do plano de campanha.
Oras, se você considera legítimo ejetar Rousseff por mentir no pleito e desviar das promessas, oras, mente também Temer.
Quem elegeu Temer, elegeu para que ele, em caso de impedimento legítimo de Rousseff, assumisse e seguisse o plano eleito: de uma política voltada a um crescimento econômico e desenvolvimento social. E não de espoliação e esfoliação da classe trabalhadora.
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2 comentários:

André disse...

O Pedro Dória dá umas vaciladas bem grandes de vez em quando (uma clássica foi o debate com o Rafucko). Mas essa postagem tem coisas que nem parecem ser de um adulto alfabetizado. Parabéns pela paciência.

none disse...

Salve, André,

Valeu pela visita e comentário.

Não vi esse debate com o Rafucko.

De modo geral, gosto dos textos de Doria, mas esses em que ele tenta defender que o impedimento foi totalmente legal são bem ruins.

[]s,

Roberto Takata