Abaixo vai um exemplo, baseado em um diálogo real pela internet - as falas foram modificadas por um par de razões (uma delas é preservar a identidade da pessoa com que se travou a interlocução), mas, espero, conservam a estrutura básica dos argumentos.
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A: Como, raios, a gente sabe qual a temperatura do banho pro bebê? Quando perguntei para a pediatra, ela falou algo como "deve estar em uma temperatura agradável como uma tarde ensolarada de primavera no Valhalla". Sei, e a gente tem que estar conectada com o Universo e sentir sua música astral para saber disso enfiando o cotovelo na água. Tratei de gastar uma pequena fortuna em um termômetro e não me arrependo. Mesmo que agora eu tenha ideia da temperatura da água só colocando a mão. Mas isso é um semestre depois de todo santo dia preparar o banho do pequerrucho.
Eu: Pra medir a temperatura da água do banho é só botar o próprio cotovelo na água. Tem q estar morna, sem queimar.
A: E estar conectado com o Universo e sentir sua música astral.
Eu: Não. Se vc ouvir o Universo cantando, é melhor procurar um otorrino. Ou um médico psiquiatra.
A: Melhor o termômetro mesmo.
Eu: Mas é só botar o cotovelo - na verdade pode ser outras partes do corpo. Só não funfa se tiver lesões hansênicas ou estiver usando analgésicos ou produtos similares. As mãos não são muito apropriadas em dias frios, já que podem ficar um tanto dessensibilizadas.
B: [nota é uma terceira pessoa] Pro banho do meu bebê vou usar termômetro. Eu mesmo me queimo às vezes na hora do banho. Coitada da criança se depender da sensibilidade do meu cotovelo.
Eu: Essa geração q nunca teve ofurô... tsc, tsc.
A: Eu tenho ofurô. Mas não boto termômetro nele, prefiro usá-lo pra ver se estou com febre. Esperava que um biólogo soubesse da importância de instrumentos de precisão quando a pessoa não sabe dizer se a água está fria ou quente.
Eu: Sua temperatura interna é bem próxima dos 37oC. O que vai ocorrer é que, se a água for acima dessa temperatura, a energia térmica flui para dentro de seus tecidos e seus nervos irão disparar sensação de queima. Se a temperatura estiver abaixo dos seus 36,5oC, a energia térmica fluirá do seu corpo para a água e seus nervos irão disparar a sensação de 'frio'. Basicamente, seu corpo inteiro é um termômetro calibrado pra esses 37oC "mágicos". E precisão suficiente.*
A: Com exceção das mãos em dias frios. De seus pés descalços sobre o piso. Dos dias em que você está gripado... Foi um ótimo investimento o termômetro. Os fabricantes de termômetro devem explorar a inexperiência e inocência dos pais de primeira viagem.
Eu: Por isso o cotovelo é a parte mais adequada. As mãos podem ser usadas depois de equilibradas termicamente com as suas axilas. Vc pode fazer um experimento com suas visitas q não são pais. Peça para q elas classifiquem a temperatura da água como: quente, fria ou agradável para banho, mergulhando o cotovelo por cerca de 5 segundos. E compare com a temperatura do termômetro. Pode usar visitas que são pais como grupo controle.
A: Ou posso evitar toda essa trabalheira e comprar um termômetro. É um bom investimento. Melhor do que gastar em fastfood. É o que eu acho.
Eu: Trabalho de botar cotovelo na água?
A: Trabalho de ter que fazer uma pesquisa de pós-graduação para saber se a temperatura da água está boa para o banho do bebê.
Eu: Não precisa fazer o experimento para poder botar o cotovelo. É apenas pra vc comparar.
A: Então vamos fazer outro experimento. Eu uso termômetro para meu bebê e vc usa o cotovelo para o seu. Aí a gente vai ver que não tem diferença no resultado.
Eu: "Aí a gente vai ver que não tem diferença no resultado."<=Ué, é exatamente o q estou dizendo.
A: E é exatamente com o que estou concordando. Cada um faz como quer e fica feliz. Toda essa volta e estamos de acordo desde o começo.
Eu: Não concordo que concordamos desde o princípio. Vc achou q havia algo de místico em usar o próprio corpo pra medir a temperatura adequada da água do banho.**
A: Ah, então você sabe o que eu acho ou deixo de achar? Que legal, me diga então se eu gosto de iogurte de morango. E três coisinhas: 1) Você entendeu tudo errado do que eu disse; 2) O melhor modo de irritar alguém é entender errado e ainda dizer que ela disse e 3) Eu disse é que acho o cotovelo um modo muito impreciso no meu caso - ou você também vai me falar o que meu corpo consegue ou não perceber da temperatura da água?
Enviei um email depois, já que não era mais possível enviar mensagens pelo meio em que o diálogo acima foi travado.
Eu: "O que vc *quis* dizer realmente não sei. Mas o que vc disse efetivamente eu mantenho: 'E estar conectado com o Universo e sentir sua música astral.' (Como não estou conseguindo enviar mensagem para vc, não foi o comentário que tentei enviar logo em seguida: "Místico ou hermético".)
E na verdade eu posso sim dizer o quanto *seu* corpo tem de capacidade de perceber a temperatura da água. A fisiologia humana é relativamente similar entre os indivíduos. Naturalmente tem variação, mas a precisão requerida para não se queimar o bebê nem deixá-lo passando frio é normalmente coberta (na faixa de 32oC a 38oC).
Como vc gosta de iogurte (em especial da marca Z) e de morango é bastante possível que goste de iogurte de morango."
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Na semana, foi a segunda pessoa que ficou particularmente chateada em um diálogo do tipo, em que não fiz nenhum ataque ao interlocutor.
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Obs:
*Depende um pouco da condutividade térmica do material. A sensação de frio ou calor está mais ligada à *taxa* de transferência de calor do que no montante transferido.
**Eu havia enviado uma complementação a esse comentário, dizendo que o 'místico' usado anteriormente era o equivalente a 'hermético'.
4 comentários:
Vc não tem culpa nenhuma, Roberto. Apenas argumentou sensatamente. O/a interlocutor/a é que foi intrasigente.
Let it be. Beijo.
"Intransigente". o/
Eu tenho um problema. Quando vejo que a pessoa não está querendo compreender meus argumentos, mudo de assunto, ou saio do ambiente para não me aborrecer de verdade.
Grato pelos comentários e visitas.
As opiniões por aí estão meio divididas. E como não foi um caso isolado: 3 na semana e 5 no mês - de gente boa, a tendência é eu achar que tenho algum dom que eu mesmo ignoro de pisar nos calos das pessoas.
[]s,
Roberto Takata
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