terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Zika e danos neurológicos: na ausência de indícios, especular não é a solução

Artigo no Observatório da Imprensa assinado pelo jornalista João Ricardo Zini - que não conheço e de cujas referências não encontro no Google traço além desse próprio artigo - questiona a validade das evidências científicas - ou, antes, o status ontológico e deontológico da "ausência de evidências científicas".

"Mas a afirmação de que 'não há evidência científica' é um velho clichê que, em certas situações, mais inquieta do que explica. Quando vidas podem ser comprometidas, a falta de demonstração cartesiana dos riscos não significa que eles não existam."

Não é exatamente uma questão de cartesianismo. A qualificação 'científica' (que o autor quer passar por 'cartesiana' - que, não com rara frequência, é usada como um qualificativo negativo) quer dizer somente que se seguem critérios de objetividade, verificabilidade, reprodutibilidade - que buscam minimizar efeitos da mera opinião, das subjetividades, da má fé.

Porém a questão vai um pouco além de não se ter indícios. O sistema de vigilância sanitária no Brasil é relativamente bem desenvolvido.

Casos de quadros sintomatológicos tão importantes como problemas neurológicos graves e, ainda mais, como o coma são relativamente fáceis de se rastrear a partir de registros hospitalares. É esse sistema que permitiu detectar o surto de microcefalia, por exemplo.

Ou seja, nesse caso, a ausência de registro é mais eloquente do que uma situação em que não há registro simplesmente porque nenhuma busca foi feita. É uma ausência de registro que atua com um indicador da ausência do evento. Como a falta de marcação no ponto do funcionário é um indicador de que o funcionário faltou - porque o default é que, na presença, haja a marcação.

(Talvez valha lembrar a piada do capitão do navio que, ao flagrar o imediato bêbado registrou no diário de bordo: "Hoje o imediato estava embriagado". No dia seguinte, o imediato sabendo do que se sucedera resolveu também registrar: "Hoje o capitão estava sóbrio". Peço perdão ao solitário leitor ou solitária leitora do blogue por explicar a piada. Mas a ausência de registro em outros dias do estado alcoolizado do imediato *é* um indício de que ele *não* estava alcoolizado nesses outros dias. Enquanto que a ausência de registro de sobriedade do capitão nos demais dias, *não* é um indício de que o capitão estivesse borracho; porque *não* é objetivo das bitácoras registrar estados de normalidade, mas de excepcionalidade.)

Ou seja, embora a velha máxima saganiana de que "ausência de evidência não é evidência da ausência" continue válida; aqui trata-se de efetivamente de "evidência da ausência". Não um indício absoluto, claro. Tais registros não são perfeitos e poderia haver casos em um nível baixo o suficiente para não se destacar nos números de agravos neurológicos que são normalmente esperados por outras causas.

No entanto, isso seria um indicativo de que, se ocorressem tais problemas associados à infecção por vírus zika, seriam suficientemente raros. E os pesquisadores e autoridades de saúde foram suficientemente conscienciosos para dizer que, sim, poderiam eventualmente ocorrer tais casos.

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Diz a nota da Fiocruz:
"É importante também esclarecer que, assim como outros vírus, a exemplo de varicela, enterovírus e herpes, o zika poderia causar, em pequeno percentual, complicações clínicas e neurológicas em adultos e crianças, sem distinção de idade."
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Mas o "não há evidências científicas" é mais do que declaração protocolar ou "clichê" como diz o articulista. Trata-se de um claro *desmentido* de que os casos mencionados nos boatos sejam reais.

Suponhamos, no entanto, que não houvesse um sistema de registro e vigilância de saúde no Brasil - como não há em vários países. Ou seja, que fosse o caso de "ausência de evidência" e não de "evidência de ausência". Oras, é o caso justamente de suspender o juízo de fato.

"Há apenas alguns meses, provavelmente muitos doutores achariam delírio dizer que o aedes aegypti tem alguma relação com microcefalia em recém-nascidos. Como sempre, muita gente teve de morrer para que o conhecimento científico reconhecesse tais evidências."

Bobajada. Até agora há um único óbito atribuível ao ZIKV. A microcefalia não é, em si, letal, ainda que uma má formação de gravidade. E, mais importante, a relação entre a microcefalia e infecção por ZIKV não foi fruto de um boato, mas de, primeiro, uma detecção pelo sistema de vigilância de saúde de um surto de casos de microcefalia e de uma epidemia de febre zika; e depois de inferências a partir de coincidências ecológicas de tempo e espaço entre as duas enfermidades - e, então, de uma busca sistemática pela presença de ZIKV nos pacientes com microcefalia (e seguirá com experimentos controlados para a determinação da natureza dessa relação), ao mesmo tempo em que se descartava a ocorrência de outras causas possíveis conhecidas: sífilis, citomegalovírus, rubéola, etc.

Não foi um caso de denegação peremptória de relação para uma posterior admissão a contragosto frente a indícios esfregados na cara e que não conseguem mais negar.

Já em julho deste ano, tão logo o aumento de casos de microcefalia começou a emergir, a suspeita da relação com o ZIKV foi levantada.

"Tão ou mais importante talvez seja discutir possíveis riscos e, sobretudo, os casos que possam sugerir esta ou aquela hipótese, na medida em que isso seja relevante para antecipar medidas preventivas."

Primeiro que falar em risco na ausência de indícios é puro exercício de especulação. Pode-se alegar o princípio da precaução; nesse caso, porém, está a se falar não de riscos, mas de incerteza e, mais do que isso, é preciso ter uma boa margem para que o dano causado não seja maior do que o potencialmente evitado: por exemplos, causar pânico, levar à automedicação, fomentar a exploração da boa fé... Sem uma boa garantia a esse respeito, estaremos no terreno irresponsável do sensacionalismo.

Quanto a discutir "casos que possam sugerir esta ou aquela hipótese", se existem tais casos, então existem indícios científicos. O que um jornalista pode (e deve) fazer é apresentá-los em contra-argumentação à negação das autoridades. Mas não é a negação de que a ausência de indícios não deve servir de desculpas para a especulação, é tão somente (e 'tão somente' é tão somente uma expressão - já que seria algo de boa monta) a negação da alegação de que não há indícios científicos.

E "antecipar medidas preventivas" é ocioso, porque a medida preventiva seria a mesma: combater o mosquito transmissor. (Sério, digamos que se descubra mesmo que o ZIKV possa levar os indivíduos ao coma - sempre lembrando que é algo que não é impossível de vir a ocorrer - que medida preventiva efetiva diferente haveria de ser tomada que não a de evitar a infecção pelo ZIKV?)

Upideite(31/dez/2015): Vamos fazer uma analogia. Digamos que corre boato pelo whatsapp de que um famoso artista cometeu um grave crime contra a vida. A polícia diz que não há nenhum registro de passagem dele, nem queixa contra ele. Sabemos que a polícia já errou no passado. Seria o caso de ficar discutindo na imprensa as consequências para a vítima, para a carreira do artista e do futuro do staff que trabalha com ele, a possibilidade de se prendê-lo preventivamente? Afinal, se for mesmo criminoso, outras pessoas poderão ser atacadas. Veja bem, tudo isso só com base no fato de que rolou um boato - cuja origem desconhecemos - em uma rede social, nada mais: nenhuma vítima nomeada, nenhum detalhe sobre o crime imputado como data e local, nenhuma testemunha a confirmar.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Governos, hierarquias e determinismo biológico: minhas cordiais discordâncias a Pirulla

O Pirulla, do excelente canal homônimo no YouTube, publicou uma série de tweets sobre sua visão a respeito de uma organização social sem governo.


Permitam-me discordar. Não tanto quanto à conclusão de que seria impossível uma sociedade humana sem nenhuma forma de liderança e hierarquia (mas também discordo de que seja realmente impossível), porém, principalmente, em relação à base argumentativa.

O fato de se apontar para um comportamento compartilhado com nossos parentes primatas não-humanos é para sugerir um componente inato de tal comportamento. Não é uma evidência matadora de que realmente esse comportamento em humano seja inato e não fruto da cultura, mas é uma evidência com algum peso. Estudos de genética comparada - na impossibilidade de se fazerem testes de manipulação genética por questões éticas (o acaso pode nos brindar com experimentos naturais levados a cabo por mutações espontâneas): não apenas interespecífica, mas interpopulacionais, interfamiliares e interindividuais também entram em jogo (como o acompanhamento de irmãos gêmeos criados em separado) - fornecem-nos indícios mais sólidos.

Dito isso, devemos ter em mente, então, que a afirmação de que somos primatas hierárquicos é bastante plausível, ainda que longe de acima de qualquer dúvida razoável. Mesmo aceitando-se essa premissa semi-explícita, ainda é discutível a premissa de que "sempre arrumam um líder".

As sociedades humanas de que temos conhecimento, de fato, organizam-se em alguma forma de hierarquia com um ou mais líderes. E isso pode ser um indicador de que formas alternativas sejam mais difíceis. Mas não é um indicador infalível da impossibilidade.

As sociedade humanas modernas apresentam alguma forma de caça. E caça é realizada por nosso parente chimpanzé comum. Os bonobos ainda não foram registrados realizando caça cooperativa, mas parecem comer tanto carne quanto o chimpanzé. (Além disso, entre os bonobos, a hierarquia é bem menos rígida.) De todo modo, embora seja plausível que o comportamento de caça seja inato em humanos, mesmo na suposição de que o seja de fato, não parece nenhum absurdo imaginar a emergência de uma sociedade sem nenhuma forma de caça. De fato, o movimento em vários países é pela restrição da caça de animais e até de seu banimento.

Em relação à hierarquia, liderança e governo, também há um movimento entre os países democráticos ocidentais desenvolvidos de, por meio de dispositivos legais, limitar o poder do governante - não mais havendo espaço para monarquias absolutistas.

Não me parece, assim, haver realmente um impedimento para que se possa vir a emergir uma sociedade não hierárquica, anárquica (no sentido original de ausência de um governo central). Não discuto aqui a conveniência (ou desejabilidade) ou não de uma tal sociedade; apenas que não parece ser algo que seja impossível ou virtualmente impossível.

Sim, herdamos de nossos ancestrais diversas características e inclinações comportamentais. Muito de nossas características psicológicas devem ser inatas.

Porém, muitas delas podem ser moldadas até radicalmente pela cultura e experiência individual e coletiva (como educação). A organização social parece ser uma delas.

Edward O. Wilson talvez até tivesse razão ao dizer que o comunismo seria uma boa teoria aplicada à espécie errada. De fato, não somos formigas (que, por ironia, é um dos exemplos máximos de sociedade hierárquica rígida). Porém, justamente uma das características humanas é a plasticidade neuronal e a adaptabilidade conferida por nossa inteligência.

Se, em uma eventualidade, uma sociedade sem governo for vista por um número suficiente de pessoas como a solução mais apropriada, ela poderá vir a ser aplicada; mesmo indo contra instintos e inclinações naturais. A reprodução é certamente uma inclinação natural, mas muito de nós somos capazes de superá-la e evitar de modo planejado a gravidez. Alguns de nós são capazes até de superar a inclinação ao ato sexual.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Mais fosfoetanolamina: (modo de ação) x (segurança+eficácia)

A Folha publicou em sua seção 'Tendências e Debates' texto do Prof. Dr. Wilmar da Rocha d'Angelis, professor de linguística da Unicamp, em defesa da fosfoetanolamina (cuidado! contém paywall poroso). Há alguns erros que comentarei abaixo.

"A USP, e a própria Anvisa, tem abusado do argumento de que não se pode fornecer ou comercializar mediamento sem atender a todos os protocolos do órgão de vigilância, que garantem a 'segurança' e a 'eficácia' do seu uso. O argumento é falacioso. Primeiro, porque basta ler bulas de remédios adotados como 'primeira linha' no tratamento de diversas doenças para se encontrar expressões como 'não se sabe como 'X' age no organismo, acredita-se que...

Ora, se há algo que evidencia uma eficácia duvidosa e nenhuma segurança no uso de um medicamento é esse tipo de afirmação, que no entanto, está escrita com todas as letras nas bulas de diversos fármacos defendidos, ou melhor, aprovados pela Anvisa."

Não se trata de falácia. O fato de não se saber *como* um dado composto age não impede de, com os devidos testes, saber *que* o composto age efetivamente e com segurança contra uma determinada enfermidade ou condição. Como comentei rapidamente na postagem anterior em que comento texto do jornalista Bruno de Pierro sobre o mesmo tema, em linhas beeeem gerais, basta dividir em dois grupos: um que recebe o tratamento controle (sem o fator a se testar) e outro que recebe o tratamento teste (com o fator a ser avaliado), e verificar a diferença de *respostas* entre os dois grupos.

Saber o mecanismo de ação é importante para outras coisas, mas não é condição necessária para se verificar se no grupo teste não morre mais pessoas, não apresenta piora no quadro, não desenvolve outras patologias e, mais do que isso, se há melhora no quadro ou cura da condição que se deseja tratar.

"Em segundo lugar, a fosfoetanolamina não é, claramente, um medicamento; por seu mecanismo de ação - esse sim, bem conhecido e, até mesmo, amplamente divulgado pelos pesquiasdores liderados pelo prof. Gilberto Chierice - a substância é um suplemento coadjuvante no tratamento do câncer.

Do mesmo modo que se receita albumina, ácido fólico, selênio ou suplementos vitamínicos para pacientes em diversas situações, a fosfoetanolamina pode e deve ser ingerida como forma de auxiliar o organismo em seu combate a uma doença grave. Albumina, ácido fólico, complexo vitamínico e uma centena de outros produtos livremente comercializados em todo o país, não são medicamentos."

A venda de albumina e cia. não é livre. Elas devem ser registradas na Anvisa como "Substâncias Bioativas e Probióticos Isolados com Alegação de Propriedades Funcional e ou de Saúde" e *não* dispensa a comprovação por meio de testes das propriedades alegadas.

Embora o grupo possa querer mudar de estratégia, até o momento, os próprios pesquisadores enxergam no composto um medicamento em potencial: "Nosso grupo tem a convicção de que ela pode oferecer uma *cura* para o câncer, pois todos os fatos indicam isso".* Tanto é que Chierice tentou registrar a Pho-s na Anvisa como medicamento - mas desistiu no meio do caminho por achar um processo complicado (essas besteiras como ter que comprovar a eficiência e a segurança).

Além disso, na lei, um medicamento é "produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico". A alegação é que o composto cure câncer. Se essa alegação pretende ser mantida, o registro é de medicamento.

Não é verdade tampouco que a ação da Pho-s seja bem conhecida. Há propostas de que inicie a apoptose de células tumorais, talvez por meio de atuação sobre os mitocôndrios. Mas não se sabe por que isso ocorreria ao mesmo tempo em que não atuaria sobre células não tumorais. Para piorar, há na literatura técnica descrição de ação da PEA como *estimulante* da divisão celular de células tumorais: e.g. Kano-Sueoka et al. 1979.

"a fosfoetanolamina é inimiga da poderosíssima indústria farmacêutica"

De modo algum, tanto é que, segundo o próprio Chierice, houve proposta para a compra da patente do processo de síntese de Pho-s: "Uma multinacional me ofereceu um valor inicial de US$ 148 milhões pela patente". O baixo custo de produção é até um atrativo a mais para a Big Pharma, pois significa que podem ter uma margem de lucro espetacular. Só se ver o quanto a Bayer fatura (e lucra) com a Aspirina (mesmo o ácido acetilssalicílico ter a patente expirada há muito tempo).

*Upideite(20/dez/2015): Este trecho da entrevista de Chierice ao CRQ4 é mais claro sobre a determinação do grupo em fazer da Pho-s um medicamento (e não um simples adjuvante): "Enquanto a patente estiver conosco, teremos a certeza de que ela será usada para divulgar a substância e transformá-la em um medicamento"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Fosfoetanolamina: Minhas cordiais discordâncias a Bruno de Pierro

O jornalista de ciências Bruno de Pierro tem um blogue cuja leitura recomendo. Sua mais recente postagem é sobre a fosfoetanolamina e, mais genericamente, sobre os limites das ciências em relação ao que se pode conhecer e como os cientistas devem se portar em relação a esses limites.

Embora concorde que o reconhecimento dos limites das ciências seja importante, discordo dos exemplos dados e de algumas frases que ao menos na aparência têm um sentido de universalidade, mas que, elas mesmas, devem ser bem mais restritas na prática.

Ele começa contando um exemplo pessoal da musicoterapia e de seu efeito. De Pierro diz: "É simples: há um impacto positivo inegável na vida dos pacientes que são submetidos a terapias musicais." Bem, em princípio, qualquer coisa é negável - do contrário não faz parte do escopo científico (voltaremos a este ponto logo mais abaixo). Mas o que de Pierro quer dizer é outra coisa: "Basta visitar um desses lugares para ver idosos se movimentarem, sorrirem, inclusive aquele vovô rabugento. Como representar isso em gráficos, números, estatísticas? Não sei, mas os resultados, vivos, notórios, pulsantes, estão aí, diante dos nossos olhos."

Não basta visitar e ver. Muito do desenvolvimento do pensamento científico e filosófico deu-se no embate contra exatamente as subjetividades das impressões pessoais, na falibilidade de nossos sentidos. Por exemplo, há frequentemente uma diferença entre as estimativas dos participantes de manifestações entre os organizadores dos protestos e as autoridades contestadas. Os dois foram lá e viram. Mas viram coisas diferentes. São sinceros no que narram a respeito do que viram? Desconfiamos que não, porém se vamos nos basear apenas no "ir lá e ver", vamos apenas no fiar em qual narrativa mais nos agrada.

Há várias falhas no processo de simplesmente "ir e ver". O vovô rabugento está sorrindo por causa da música ou a despeito da música? E se, antes da música, mais gente estivesse sorrindo? "Ah, mas eles estavam sérios antes de começarmos a tocar a música". Mas e se começaram a tocar a música quando o efeito dos medicamentos começaram a fazer efeito?

Se o processo de inquirição científica tem limitações - e tem -, o processo de "ir e ver" também tem. E, em muitos casos, limitações até mais graves.

De Pierro prossegue: "Nem tudo cabe dentro de um artigo científico. Nem sempre os parâmetros da ciência são capazes de fornecer respostas. Quando isso não acontece, o que deve ser feito?"

Nem tudo cabe no artigo científico. Nem sempre os parâmetros da ciência são capazes de fornecer respostas. Não é o caso da musicoterapia. É possível, sim, representar os efeitos em gráficos, números e estatísticas, de modo mais abrangente e confiável do que pelo método de "ir e ver". Os melhores dados até o momento indicam que, para alguns usos (como para pessoas com desordens de espectro do autismo), a musicoterapia tem um bom efeito psicológico. Isso pode ser medido de diferentes formas: questionários para pacientes e seus familiares, medições de parâmetros fisiológicos associados a estresse (pressão arterial, frequência cardíaca, apetite, etc.), até a frequência e a duração dos sorrisos podem ser mensurados.(Infelizmente para o caso de adultos com demência, os dados disponíveis são ruins para se tirar qualquer conclusão por ora. Mas isso não é por falta de instrumento adequado de medição e, sim, por falta de aplicação adequada desses instrumentos.)

Pouca coisa que se refira a efeitos sobre a saúde fica de fora do que é verificável em termos científicos. Sobretudo o que se alega de cura de doenças e melhora de sintomas. Basta dividir os pacientes em dois grupos - de preferência de modo aleatório e com um número grande de indivíduos em cada grupo -, expor um dos grupos ao fator que se alega ter efeito, enquanto o outro grupo não recebe tal fator - de preferência sem que nem os pacientes, nem os atendentes saibam se foi ou não aplicado o fator para este ou aquele paciente. Ao final de um tempo, verificam-se os índices de melhora e de cura em cada grupo. Se o fator é misterioso (por exemplo, orações intercessórias), o estado de saúde do paciente é bem mais mundano e comezinho.

"Os maus cientistas (sim, eles existem, e não são raros) primeiramente desqualificarão o objeto que por eles não pode ser medido, analisado, compreendido ou explorado. Depois, caso haja uma pressão na sociedade ou mesmo de setores da própria comunidade científica, irão se debruçar sobre o objeto, tentando adaptá-lo aos moldes da ciência. Se o objeto, ou fenômeno, não puder ser explicado pela ciência, imediatamente será rebaixado ao posto de 'não-científico', 'charlatanismo', 'crença', 'placebo', etc."

Tirando "charlatanismo" não vejo nenhum rebaixamento com a classificação sob os demais termos antes de 'etc.' Argumentei a respeito de outra postagem de de Pierro sobre as limitações das ciências ante o saber dito tradicional que o fato de algo ser considerado "não científico" não significa que isso seja ruim. Arte é, em boa medida, não científica. A arte não se torna menor por conta disso. Mas, se algo não permite a análise pelas ciências, então não se trata de ciências. E se, ainda assim, insiste-se que seja um tipo de ciência, então estaremos diante de uma pseudociência - bastante afim do "charlatanismo" elencado por Bruno. Se algo que é charlatanismo é classificado como charlatanismo, não é rebaixamento.

"quando algo ainda não pode ser comprovado cientificamente, a resposta deve ser no sentido de desqualificar?"

Não. A resposta deve ser no sentido de qualificar segundo as qualidades. Se não é científico, não podemos dizer que seja científico. Se é charlatanismo, não podemos deixar de dizer que seja charlatanismo.

Se algo pode, em princípio, ser comprovado cientificamente e, a despeito da aplicação correta de metodologia científica, falha em ser comprovado cientificamente, então, esse "[aindanão pode ser comprovado cientificamente" qualifica-se como "cientificamente refutado" e faz pouco sentido continuar tendo o que foi refutado como válido.

Se algo pode, em princípio, ser comprovado cientificamente, mas nenhum esforço sistemático foi feito para sua validação científica, então esse "ainda não pode ser comprovado cientificamente" qualifica-se como "não devidamente testado".

Da musicoterapia, de Pierro faz a ponte, então, para a fosfoetanolamina, defendendo que os pacientes possam escolher se desejam ou não receber o composto:
"No caso da fosfo, diante da ausência de um medicamente que de fato combata o câncer, parentes e pacientes recorrem ao que há disponível e que está dando resultado, mesmo que ainda não tenha sido legitimado pela ciência. Sabem dos riscos, mas não querem mais sofrer.

É justo dizer a eles: esperem, ainda não concluímos todos os testes?
[...]
Aceitamos que um rapaz maior de idade possa fumar um cigarro com milhares de substâncias que foram cientificamente comprovadas tóxicas, usando o argumento de que o indivíduo tem o direito de decidir sobre o próprio corpo. Por que não aceitar que o mesmo rapaz, que depois pode ter um câncer de pulmão, não possa ter o direito de utilizar a fosfo, como saída última para a cura?"

Há diferença importante. Quando o rapaz decide-se por fumar, ele não está em situação de desespero. O desespero chamado à baila para que empatizemos com o paciente é um fator que tira boa parte da capacidade de decisão racional. No caso do fumo, justamente pelos sabidos efeitos tóxicos, há empenho governamental para que as pessoas *deixem* de fumar. Não há nenhum programa governamental para fornecer cigarro pelo SUS e espero que não pleiteiem isso. Não há demanda para que o governo produza fumígeros. E espero que não permitam isso.

E mais do que isso, a questão não é tirar do paciente o direito de utilizar a fosfoetanolamina mesmo informado de que não há os devidos testes sobre sua segurança e eficácia. As questões são que: 1) dentro de uma instituição pública, um composto não devidamente testado estava sendo fornecido como se provavelmente curasse o câncer; 2) esse composto estava sendo produzido de maneira irregular.

Agora demanda-se que essa instituição utilize-se de recursos já escassos para produzir o composto sem os devidos testes.

Como nota de Pierro, pacientes desesperados recorrem a tudo o que há de disponível. Há milhares de compostos e processos não devidamente testados utilizados por dezenas de milhares de pacientes com câncer - chás de todo tipo, beberagens, imposições de mãos, compostos experimentais dos mais variados tipos - por quê, então, a *fosfoetanolamina* e não esses outros compostos? Ok, há os pacientes da Pho-s organizados em suas petições. Agora, se isso vale para a Pho-s deverá valer para petições futuras. Só com medicamentos sob o princípio do uso compassivo já se gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano. E por que pacientes com câncer? E os diabéticos, portadores de HIV, epiléticos, cirróticos, hanseáticos, pacientes com insuficiência renal, cardíacos, obesos, etc?

Podem usar? Podem. As pessoas têm o direito ao desespero. Mas não cabe às autoridades alimentarem esperanças não embasadas e que têm grandes chances de serem falsas.

Em nome da empatia, da capacidade de entender o sofrimento alheio (e nem sempre alheio apenas), não podemos jogar no lixo as estatísticas. Algo como 90% dos compostos que entram na fase clínica de pesquisa são rejeitados antes de chegarem ao mercado - e uma fração é retirada depois que se descobrem efeitos adversos graves não detectados nos testes anteriores.

Que tipo de ganho temos realmente com "mais flexibilidades e novas dinâmicas" com um processo - fornecer deliberadamente em larga escala (ao menos na escala das demandas judiciais) compostos sem os testes prévios necessários - em que, estatisticamente, pelo menos 90% dos pacientes estarão em uma situação pior (no mínimo perderam tempo e dinheiro) do que se recebessem placebo?

Então, é mais do que justo dizer para os pacientes: "este composto ainda não foi devidamente testado, para que possamos liberá-lo para a comercialização e/ou distribuição governamental, pedimos que esperem; entendemos seus desejos, mas os riscos são altos; o processo de testes prévios dos compostos antes da liberação, no cômputo geral, tem salvado vidas e aumentado os anos de vida com saúde médio da população - não são protocolos tirados do nariz para alimentar algum desejo oculto sádico de ver o sofrimento alheio; ao contrário, foi e vem sendo desenvolvido ao longo dos anos para cobrir as falhas anteriores que expuseram pessoas a consequências mais do que trágicas com medicamentos não devidamente testados - sendo o caso da talidomida um exemplo bem conhecido, mas nem de longe o único; não é um procedimento a prova de falhas, mas é bem mais seguro do que a aprovação liberal - ainda que de uso circunscrito - de compostos sob demandas sociais sem os devidos testes prévios".

O uso compassivo deve ser considerado. Mas com uma visão bem mais abrangente do que o "ir e ver". O "ir e ver" pode complementar as planilhas frias, porém jamais substituir protocolos devidamente validados para avaliação de compostos e tratamentos.

domingo, 6 de dezembro de 2015

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Unicamp promove criacionismo obrigatório a seus alunos - leitores comentam

Subi os comentários dos leitores na postagem original a respeito de uma palestra na Unicamp intitulada "Ciência e fé", mas publico também nesta postagem à parte para uma melhor indexação (maior visibilidade não terá porque o NAQ é muito pouco visitado).

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Mayara
"O professor Tessler afirmou que não estava na palestra, sendo assim, fontes que estavam presentes seriam mais confiáveis para uma descrição do que de fato foi falado. Apenas para citar uma fonte que realmente assistiu a palestra: Luciana 'estou impressionada na quantidade de questionamentos e críticas de pessoas que nem assistiram. A palestra é sim sobre fisiologia e como o nosso corpo reage a situações ligadas à 'fé' e afins.... Sobre a glândula pineal, etc... É muito interessante e está longe de ter uma conotação religiosa. Sobre a obrigatoriedade? É a abertura de um evento de IC, uma palestra... poderia ser qualquer tema. Qual é o problema?! Vc entra, não gostou, sai! Nunca vi tanto besteirol sendo discutido em um grupo de uma universidade como essa. O povo posta qualquer coisa e não percebe as dimensões que isso pode chegar. Lamentável!!! E o tal Leandro (professor???!!!) nem assistiu e fica dizendo que 'segundo relatos é de fundo religioso'.... por favor, né?!'. O que inseri entre aspas foi o que ela mesma escreveu no facebook no grupo de discussão da Unicamp.

Também acho válido ressaltar o comentário da professora que ministra Evolução na Unicamp, Mariana Nery. Ela mesma postou no grupo de discussões da universidade: 'INACREDITÁVEL, como hoje em dia as pessoas compartilham informações antes de checar. Muito irresponsável da parte de vocês primeiro postar algo que não diz muito (afinal, dou aula de EVOLUÇÃO na UNICAMP e na minha aula poderiam muito bem ter fotografado slides parecidos, mas cujo teor jamais versa sobre o criacionismo/DI). EXTREMAMENTE IRRESPONSÁVEL que compartilhem e se revoltem com tão pouco. Compartilharem um post de alguém que NEM ESTEVE na palestra e que diz que 'Não era uma palestra criacionista, mas com um fundo religioso segundo relatos.' (publicado no twitter dele). O professor Miguel, extremamente querido e respeitado, fala sobre os mecanismos fisiológicos da fé. Não estava doutrinando ninguém. Postagem totalmente sem contexto e que não quer dizer NADA. Apurem antes de se deixar levar por posts de twitter e facebook. Conversem com alguém que esteve na palestra, ou melhor, com o próprio palestrante. APUREM antes de publicar qualquer coisa. Estou profundamente chocada com vocês.'"
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"Olá, estava na palestra também, e, de fato, não foi uma palestra criacionista. Vou copiar o que escrevi na página do Eli Vieira porque já escrevi isso em várias páginas da internet nessa última hora, desculpe:

"Eu estava nessa palestra aí e ela de forma alguma foi uma palestra criacionista. Na verdade foi um elogio à ciência, na qual o palestrante contrapôs o modo de pensamento científico à fé. Para isso, ele apresentou narrativas bíblicas e discursos criacionistas que foram ironizados durante a apresentação. Pessoalmente, não gostei da palestra, achei muito debochada e superficial. Mas definitivamente foi uma palestra pró-ciência. Não senti nem mesmo o 'tom religioso'. Na verdade, o que o palestrante fez foi usar argumentos do tipo "Deus ia querer que vc questionasse mesmo" da mesma forma que é comum entre pessoas com descaso pela heresia falar que 'se sexo fosse pecado, não seria tão bom'. Já que o incêndio se alastrou, e foi alastrado por alguém que não estava presente à palestra, diga-se de passagem, acho razoável que você coloque um disclaimer sobre a história em um novo post, já que muita gente não vai descer até aqui nos comentários. No mínimo isso aqui é um caso de 'lei do fulano-cujo-nome-não-sei' sobre ironia na internet, com o agravante que o caso aconteceu no mundo real e foi depenado para ser jogado na web."
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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Unicamp promove criacionismo obrigatório a seus alunos

Developing story.

Quando o professor Leandro Tessler, do Cultura Científica, comentou numo almoço que haveria uma palestra obrigatória para os alunos de iniciação científica em exatas e tecnológicas da Unicamp durante o 23° Congresso de Iniciação Científica da Unicamp com o título "Ciência da Fé", nutri a esperança de que poderia ser uma apresentação científica: sobre processos cognitivos e biológicos ligados ao sentimento da fé (eventualmente estudos de genes que estariam correlacionados a uma maior ou menor expressão de religiosidade; estudos de padrões de ressonância magnética funcional de pessoas durante a reza ou exposição a imagens religiosas ou algo assim).

Mas Tessler, que já havia tentado me demover de minha fé na boa fé do evento, demoliu minha ilusão tuitando partes da palestra.





A estratégia da cunha abriu uma fenda, um Grand Canyon, na Unicamp. É preciso uma resposta muito séria da comunidade científica e uma cobrança de responsabilidade da Pró-Reitoria de Pesquisa da instituição.*

Não é apenas um evento perdido aproveitando-se do nome da universidade. É um evento oficial. Não é apenas uma pseudociência defendida em um evento oficial. É a pseudociência apresentada de forma *obrigatória* aos alunos.

Assim que obtiver mais detalhes atualizo esta postagem.

*Upideite(17/nov/2015):




Não considero um plot twist**. Há uma gradação no espectro criacionista. Ainda é preciso uma cobrança de responsabilidade. Ainda que mais matizada do que se, p.e., fosse uma defesa explícita do criacionismo como tentaram fazer uma vez.

Mas é bom dizer que há relatos dizendo que não houve tom religioso.

Upideite(17/nov/2015): Nos comentários, leitora Mayara dá uma versão diferente sobre a palestra:
"O professor Tessler afirmou que não estava na palestra, sendo assim, fontes que estavam presentes seriam mais confiáveis para uma descrição do que de fato foi falado. Apenas para citar uma fonte que realmente assistiu a palestra: Luciana 'estou impressionada na quantidade de questionamentos e críticas de pessoas que nem assistiram. A palestra é sim sobre fisiologia e como o nosso corpo reage a situações ligadas à 'fé' e afins.... Sobre a glândula pineal, etc... É muito interessante e está longe de ter uma conotação religiosa. Sobre a obrigatoriedade? É a abertura de um evento de IC, uma palestra... poderia ser qualquer tema. Qual é o problema?! Vc entra, não gostou, sai! Nunca vi tanto besteirol sendo discutido em um grupo de uma universidade como essa. O povo posta qualquer coisa e não percebe as dimensões que isso pode chegar. Lamentável!!! E o tal Leandro (professor???!!!) nem assistiu e fica dizendo que 'segundo relatos é de fundo religioso'.... por favor, né?!'. O que inseri entre aspas foi o que ela mesma escreveu no facebook no grupo de discussão da Unicamp.

Também acho válido ressaltar o comentário da professora que ministra Evolução na Unicamp, Mariana Nery. Ela mesma postou no grupo de discussões da universidade: 'INACREDITÁVEL, como hoje em dia as pessoas compartilham informações antes de checar. Muito irresponsável da parte de vocês primeiro postar algo que não diz muito (afinal, dou aula de EVOLUÇÃO na UNICAMP e na minha aula poderiam muito bem ter fotografado slides parecidos, mas cujo teor jamais versa sobre o criacionismo/DI). EXTREMAMENTE IRRESPONSÁVEL que compartilhem e se revoltem com tão pouco. Compartilharem um post de alguém que NEM ESTEVE na palestra e que diz que 'Não era uma palestra criacionista, mas com um fundo religioso segundo relatos.' (publicado no twitter dele). O professor Miguel, extremamente querido e respeitado, fala sobre os mecanismos fisiológicos da fé. Não estava doutrinando ninguém. Postagem totalmente sem contexto e que não quer dizer NADA. Apurem antes de se deixar levar por posts de twitter e facebook. Conversem com alguém que esteve na palestra, ou melhor, com o próprio palestrante. APUREM antes de publicar qualquer coisa. Estou profundamente chocada com vocês.'"

Upideite(17/nov/2015): Comentário lateral: A expressão "glândula pineal" me faz soar alguns alarmas. Ela tem uma função importante bem estabelecida na regulação do ritmo circadiano. Mas é alvo de várias hipóteses pseudocientíficas ou não bem estabelecidas ou descartadas promovidas por várias correntes religiosas - muitas dessas visões com raízes na hipótese de Descartes de que a glândula pineal seria a sede da alma.

Comentário lateral 2: Não coloco em questão o profissionalismo e conhecimento do Prof. Dr. Miguel Areas dentro de sua especialidade - e só o cito aqui porque acabou sendo nomeado no comentário (nem reproduzi o tweet em que o nome do professor aparecia). (Vários depoimentos atestam que ele é querido. Mas, mesmo que ele fosse detestado, não deveria mudar a análise do caso.)

Minha encrenca é com a instituição, escalando uma palestra (usando eufemismo) estranha para ICs. Sim, sim, universidade é local para o debate franco e aberto de ideias, para a liberdade de pensamento, pluralidade de pontos de vistas, etc. etc. Só que ainda parece caracterizada a estratégia de cunha.

**Upideite(18/nov/2015): Leitor/a vsiccag corrobora versão da leitura Mayara:
"Olá, estava na palestra também, e, de fato, não foi uma palestra criacionista. Vou copiar o que escrevi na página do Eli Vieira porque já escrevi isso em várias páginas da internet nessa última hora, desculpe:

"Eu estava nessa palestra aí e ela de forma alguma foi uma palestra criacionista. Na verdade foi um elogio à ciência, na qual o palestrante contrapôs o modo de pensamento científico à fé. Para isso, ele apresentou narrativas bíblicas e discursos criacionistas que foram ironizados durante a apresentação. Pessoalmente, não gostei da palestra, achei muito debochada e superficial. Mas definitivamente foi uma palestra pró-ciência. Não senti nem mesmo o 'tom religioso'. Na verdade, o que o palestrante fez foi usar argumentos do tipo "Deus ia querer que vc questionasse mesmo" da mesma forma que é comum entre pessoas com descaso pela heresia falar que 'se sexo fosse pecado, não seria tão bom'. Já que o incêndio se alastrou, e foi alastrado por alguém que não estava presente à palestra, diga-se de passagem, acho razoável que você coloque um disclaimer sobre a história em um novo post, já que muita gente não vai descer até aqui nos comentários. No mínimo isso aqui é um caso de 'lei do fulano-cujo-nome-não-sei' sobre ironia na internet, com o agravante que o caso aconteceu no mundo real e foi depenado para ser jogado na web."

Agora seria o caso de um plot twist. A palestra teria um tom de deboche em relação às narrativas religiosas. Estou usando o futuro do pretérito com aspecto verbal de suposição não porque eu duvide da honestidade do depoimento de vsiccag, mas é porque há depoimentos conflitantes.

sábado, 14 de novembro de 2015

Lie to me, I promise I'll believe*: uma breve lista de sites de notícias fakes

Sites de notícias fakes:
  1. Diário de Barrelas - O terceiro maior jornal de humor da cidade de Barrelas
    http://www.diariodebarrelas.com.br/
  2. Diário Pernambucano - Falsiê, sem Farsas
    http://www.diariopernambucano.com.br/
  3. Escândalo Hoje - Um jornal sem compromisso com a verdade***
    http://escandalohoje.com/
  4. G17
    http://www.g17.com.br/
  5. Joselito Müller - Jornalismo destemido
    http://www.joselitomuller.com/
  6. O Bairrista
    http://obairrista.com/
    (Um estudo sobre O Bairrista)
  7. Sensacionalista - Um jornal isento de verdade
    http://sensacionalista.uol.com.br/
  8. The piauí Herald
    http://revistapiaui.estadao.com.br/herald/
  9. Hariovaldo Almeida Prado - No combate ao comunismo ateu e na defesa da família cristã**
    http://www.hariovaldo.com.br/
  10. The Onion - America's finest news source
    http://www.theonion.com/
  11. World News Daily Report****
    http://worldnewsdailyreport.com/
Uma outra categoria de site de notícias falsas - não há uma intenção explícita de paródia, sátira e diversão. Nem mesmo explicitam que as notícias são falsas. Estes podem ser particularmente perniciosos.

  1. Folha Brasil
    http://afolhabrasil.com.br/

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Desculpe ser estraga-prazeres, mas não é que *eu* não saiba brincar: só acho que tem gente demais compartilhando material dessas fontes achando que são notícias reais.
(Atualizo à medida em que me lembrar - ou ficar sabendo - de mais deles.)
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Um site pra conferir a veracidade de certas informações:
E-farsas.com - Desvendando farsas da web desde 2002
http://www.e-farsas.com/
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Sim, fiquei tentado a incluir na lista fontes como a Veja, O Antagonista e similares. Mas achei melhor concentrar aqui nos jornais satíricos com franco objetivo de publicar notícias falsas para diversão: não fontes que procurem amealhar credibilidade de verdade para espalhar mentiras por razões outras. Também não inclui fontes de baixa credibilidade como Jornal Ciência, HypeScience, Daily Mail..., que fazem sensacionalismo e frequentemente publicam matérias mentirosas, por não terem objetivo explícito de fazer humor.
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*Obs. Verso de Strong Enough, Sheryl Crow.

**Upideite(06/dez/2015): Sugestão de André nos comentários.
***Upideite(27/jan/2016): Adido a esta data.
***Upideite(28/jan/2016): Adido a esta data.

domingo, 1 de novembro de 2015

Armas e homicídio: dissuasão não muito persuasiva

A Bancada da Bala articula-se com outros setores conservadores do Congresso para a revogação do Estatuto do Desarmamento. Deputados defendem a liberação da posse de arma por cidadãos comuns com argumentos similares - na verdade exatamente igual - aos dos lobistas pró-armas nos EUA (como a NRA): cidadãos de bem armados inibem a ação de bandidos.

Como apoio à tese, citam um tal estudo de Harvard "comprova que, quanto mais armas os indivíduos de uma nação têm, menor é a criminalidade". Na verdade não é um estudo de Harvard - não foi feito por pesquisadores associados à instituição. Não é nem um estudo formal, foi publicado em uma revista editada por estudantes da universidade, sem revisão por pares (logo, sem indexação). E, claro, contém várias falhas.

De todo modo, temos números nacionais sobre o grau de armamento da população e a taxa de homicídios em vários países de modo que podemos fazer uma análise para testar essa hipótese de dissuasão.

O DataBlog do jornal inglês The Guardian tabulou esses valores em 2012. Levantamento similar já foi feito também por pró-armas - plotando as variáveis e fazendo uma regressão linear obtém uma correlação negativa: de fato, quanto maior o número de armas por cidadão, menor o número de homicídios por 100.000 habitantes-ano (Fig. 1).

Figura 1. Mais armas, menos mortes? Regressão linear entre taxa de homicídios por 100.000 habitantes-ano e número de armas a cada 100 habitantes.

Note-se, porém, que o grau de ajuste é muito baixo, como mostrado pelo R² de apenas 0,0104.

Uma relação geométrica tem um ajuste melhor - mas também baixo (Fig. 2).

Figura 2. Mais armas, mais mortes? Regressão geométrica indica o oposto da regressão linear.

Na verdade, um melhor preditor da taxa de homicídio em um país é o IDH: quanto maior o IDH, menores as taxas homicídio (Fig. 3).

Figura 3. Mais desenvolvido, menos mortes? Regressão linear entre logaritmo de IDH e logaritmo de taxa de homicídio (eliminando-se os pontos com valor 0).

A região com IDH acima de 0,613 [log(IDH)>-0,23] tem um ajuste melhor (Fig. 4) - parece que a mortalidade não varia muito (se mantém mais ou menos alta) para IDH mais baixos.

Figura 4. Mais desenvolvido, menos mortes, então? Entre países com IDH maior do que cerca de 0,6 há uma relação inversa relativamente boa entre desenvolvimento e taxa de homicídios.

Considerando-se países com IDH maior do que 0,613, se eliminarmos a influência do IDH e plotarmos as taxas residuais de homicídio (log das taxa de homicídio menos log das taxas de homicídio esperado para o log de IDH), temos uma relação direta (em termos de log) entre a quantidade de armas disponíveis para a população e taxas de homicídio (Fig. 5) - note-se, no entanto, que o ajuste não é dos melhores: R² - 0,17 (mas bem melhor do que, p.e., o ajuste da relação de proporcionalidade direta entre número de armas na população e taxas de homicídio).

Figura 5. Mais armas, mais mortes? Relação linear entre log(número de armas por 100 habitantes) e log(taxa de homicídio - após correção pelo log de taxa de homicídio esperado pelo log do IDH).

Obs. Esta análise não deve ser levada a ferro e a fogo. Mas está de acordo com a maioria dos estudos mais rigorosos publicados sobre o tema como o de Killias 1993.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Mitos sobre a fosfoetanolamina

1) a fosfoetanolamina passou nos testes pré-clínicos
Não exatamente. Há testes pré-clínicos indicando resultados promissores: in vitro (com células de cultura derivadas de tecidos tumorais humanos) e in vivo (em camundongos com tecidos tumorais humanos). Porém, é discutível de que apenas esses testes sejam suficientes para justificar já a passagem para os testes clínicos (em humanos) - e certamente não justificam a aplicação terapêutica em humanos: o próprio autor principal de vários desses testes, o farmacêutico Adilson Kleber Ferreira, considera que são necessários ainda mais testes pré-clínicos antes de ir para o teste com humanos.

2) a fosfoetanolamina era distribuída há anos para pacientes com tumor, isso prova que é segura
Não. Não foi distribuída de modo controlado com o devido acompanhamento médico. Efeitos colaterais importantes podem ter sido deixados de ser relatados. Se a distribuição é indício de alguma coisa é que falta fiscalização e punição quanto ao exercício irregular de medicina e violação da lei sobre produção e distribuição de compostos com fins terapêuticos.

Além disso, há relatos também da ineficácia da fosfoetanolamina. De novo, isso também não é prova de que a fosfoetanolamina seja ineficaz. É preciso que se façam testes controlados.

3) a fosfoetanolamina é produzida naturalmente pelo organismo humano, então deve ser segura
Pode não ser. A fosfoetanolamina sintética é administrada em doses muito maiores do que a naturalmente produzida (a concentração em tecidos de ratos é por volta de 0,35 g/kg; a dose administrada em testes é de cerca de 0,8 g/kg por via oral; em testes com aplicação intraperitoneal, as doses variam de 0,035 a 0,07 g/kg - em ratos, a DL50 oral da o-fosforiletanolamina é de 5,82 g/kg, em camundongos, a DL50 intravenosa é de 0,639 g/kg**) e pode conter contaminantes - especialmente se produzidas em condições quase artesanais em um laboratório universitário.

*A vitamina D é naturalmente sintetizada pelo corpo humano - a exposição normal ao sol permite a produção endógena de algo entre 15.10^-6 a 15.10^-5 g por dia. Mas doses diárias de 10.000 UI - cerca de 0,00025 g (25.10^-5) - são tóxicas.

4) os casos relatados de pacientes que tomaram a fosfoetanolamina e se curaram mostram que o composto é eficaz
Não. Há uma boa porcentagem de casos de remissão espontânea do câncer. Além disso, não há como atribuir a cura à fosfoetanolamina e não a outras causas (como outras terapias realizadas em conjunto) justamente por falta de controle: os pacientes se curaram por causa da fosfoetanolamina ou a despeito dela?

5) a indústria farmacêutica não tem interesse em algo barato como a fosfoetanolamina
Ao contrário. Algo que *custe* barato pode proporcionar uma margem de *lucro* *maior*. Se 60 cápsulas por mês custam R$ 1,60; se isso for vendido a R$ 1.000, será um lucro muito mais extraordinário do que a margem média da indústria farmacêutica - de 10 a 40% (20% na média). A aspirina movimenta mais de 1 bilhão USD ao ano e dá lucro de 80%, custando centavos.

6) são pacientes terminais, não têm nada a perder em tomar a fosfoetanolamina mesmo sem testes
Não é bem assim. Podem perder a vida, podem ficar em uma situação ainda pior, não sabemos sem os devidos testes.

7) então devem ser feitos imediatamente testes com a fosfoetanolamina
Depende. Como dito no item 1, é discutível que os testes pré-clínicos realizados até o momento sejam suficientes para se passar já para a fase clínica. Mesmo que se considere que seja justificado, há que se pensar na questão dos custos dos estudos: quem devem pagar?

Os pesquisadores detentores da patente do método de síntese de fosfoetanolamina recusaram-se a cedê-la para parceiros - como a Fiocruz - interessados em industrializar o composto e testá-lo. O dinheiro público deve bancar os testes de milhões de reais para que os pesquisadores façam dinheiro sem riscos financeiros maiores caso o composto seja bem sucedido para entrar no mercado?

Por que esse dinheiro deve ser investido na fosfoetanolamina e não nos testes e desenvolvimento de outros compostos tão ou mais promissores? Já há tratamento eficaz para vários tipos de câncer, inclusive para os tipos contra os quais a fosfoetanolamina demonstrou efeito em testes in vitro; por que deve ter prioridade sobre o desenvolvimento de medicamentos para doenças ainda sem cura nem tratamento ou que atingem mais pessoas?

Pode ser que a resposta a essas questões seja favorável a se despender dinheiro público para se testar a fosfoetanolamina, mas isso depende de uma deliberação ponderada sobre o tema. Não de uma troca de desinformação.

(contribuição do físico Leandro Tessler, autor do Cultura Científica)*
"8) Fosfoetanolamina foi sintetizada pela primeira vez na USP
Existe no mercado fosfoetanolamina para venda comercialmente. A equipe da USP desenvolveu uma metodologia alternativa para sua síntese. Se políticos ou juízes querem fornecer o composto a pacientes ao arrepio da lei podem fazê-lo sem envolver a USP que claramente tem uma posição institucional contrária."

9) O caso da fosfoetanolamina encaixa-se no 'uso compassivo'
Pela legislação em vigor, há três situações no Brasil de acesso permitido - após a devida autorização pela Anvisa - a pacientes de compostos medicamentosos ainda sem o registro: o programa de acesso expandido. o uso compassivo e o programa de fornecimento pós-estudo.

Não se trata de nenhum dos casos porque é preciso que se trate de composto que esteja em pesquisa clínica. Até o momento, não se trata disso. Assim que se iniciarem os estudos encomendados pelo MCTI em parceria com a Anvisa, poderá haver a permissão de 'uso compassivo'; a alternativa de 'acesso expandido' será possível somente a partir da fase 3 dos testes. Naturalmente, somente após o término dos testes clínicos, é admissível o 'fornecimento pós-estudo'.

A distribuição realizada até o momento, portanto, não está de acordo com o regulamento da Anvisa: criado em 2013.

*Upideite(31/out/2015): adido a esta data.
**Upideite(02/nov/2015): adido a esta data.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Não é sobre Cachinhos Dourados

Este é meu segundo conto de ficção pretensamente científica (cientificóide mais exatamente). (Terceiro se contarmos um sobre zumbis - não exatamente sobre zumbis - como FC.)
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Huwasuyisha, o pequeno anão cientista, começou a gargalhar. A princípio ninguém entendeu. Huwa explicou o que acabara de ouvir. Então fez-se um silêncio constrangedor. Não que se tivesse dito alguma coisa absurda, houvesse se quebrado alguma norma social. Apenas que os companheiros leigos não conseguiam alcançar o raciocínio de Huwa. Ele, então, começou a explicar o que era tão engraçado naqueles zunidos que ele captara.

O parágrafo acima, na verdade, contém algumas incorreções – um tanto inevitáveis pela necessidade de aproximações conceituais. Do mesmo modo que um “grande pássaro metálico” é uma aproximação do conceito de avião.

'Huwasuyisha' é uma aproximação fonética de algo que nem mesmo é originalmente fonético. Seu nome é dado em termos de ondas gravitacionais, não sonoras. O sistema Ligo seria capaz de detectá-lo – se estivesse algumas dezenas de Gigaparsecs mais próximo – quando emitido por um dos seres a cuja 'espécie' (ou 'tribo') pertence Huwa, os guranihaya (ou garanihaya). A frequência da oscilação interferométrica convertida em som resultaria em uma 'fala' gutural. Mas ainda assim o som resultante seria tão equivalente a 'Huwasuyisha' quanto 'bem-te-vi' corresponde de fato ao canto emitido pela ave. O mesmo para a denominação 'guranihaya'.

O anão é por comparação. Como uma estrela anã é gigantesca em comparação a planetas considerados gigantes. Huwa tem bem algumas centenas de anos-luz em sua dimensão mais longa. Um décimo de seus companheiros nas cercanias. Mas é uma estimativa grosseira. É difícil estabelecer os limites de um indivíduo guranihaya.

É mais incerto que se possa considerar o conjunto de ondas gravitacionais emitidas de 'gargalhadas'. Mas elas são produzidas de modo consistentemente associado a situações de quebras de expectativas. Poderiam, de outro modo, ser interpretadas como 'suspiros de decepção', no entanto.

'Ouvir' certamente não é algo a ser tomado literalmente para percepção e decodificação de sinais constituídos por ondas gravitacionais. 'Silêncio' não é um termo tão ruim para se referir a um período de cessação de sinais comunicativos, mesmo considerando-se o 'ruído' de fundo. O 'constrangedor' é certamente uma licença poética; porém, certamente nada inadequado se compararmos com o uso alternativo de termos como 'de apoio'. Do mesmo modo que 'ouvir', 'dizer' é uma analogia para se referir a uma emissão de sinais: o que os vaga-lumes 'dizem' com sua luz?

'Norma social' é um palpite arriscado; é possível se referir a um conjunto de seres intercomunicantes de algum nível de inteligência de sociedade? Os humanos aceitam falar em 'sociedade das formigas', mesmo considerando-se a inteligência limitada exibida por seus constituintes, principalmente pelas atividades realizadas de modo coordenado garantindo o funcionamento do conjunto. É difícil detectar atividades coordenadas entre os guranihaya. Não há algo que se possa considerar como construção, menos ainda como produto de ações coletivas. Porém, aparentemente há uma cultura desenvolvida. E mesmo uma ciência – o conjunto de conhecimentos acerca do mundo natural e os processos de obter tais conhecimentos. Ainda que não partilhada nem apreciada por todos os indivíduos que se identificam como guranihaya.

Os guranihaya são criaturas – novamente, usando criatura por aproximação conceitual – constituídas não pela matéria comum, mas por uma matéria ainda mais comum (em termos de abundância no universo): a matéria escura. Em princípio a matéria escura interage apenas gravitacionalmente; não forma átomos, pela falta de interação elétrica. Bem, ao menos não átomos como conhecemos. Ocorre que, resultantes do decaimento de oscilons primordiais de inflatons, a própria matéria escura herdou o caráter oscilatório. Oscilons em fases opostas se atraem de modo similar a que partículas de matérias de cargas elétricas opostas se atraem; enquanto oscilons em fases sincrônicas se repelem. 'Átomos' de matéria escura formam 'moléculas' de matéria escura. Níveis maiores de oscilação colocam conjuntos inteiros de 'moléculas' – de bilhões e bilhões e bilhões e bilhões... de mols de 'moléculas' – em ressonância (sem comprometer as oscilações individuais). Massas de tamanho aproximado de uma bola de basquete formam unidades de ressonância. As unidades de ressonância interagem entre si formando sistemas FPUT em vez de termalizarem em sistemas ergódicos e vibrarem em uma mesma frequência. Não está certo se sólitons ou fónons atuam como transportadores de energia ao longo do sistema. Um ou outro serve como base para o processamento básico de sinais no interior dos guranihaya – embora o termo 'interior' seja mal aplicado por ser difícil, como dito, traçar os limites externos de um guranihaya. Um modo de diferenciar um indivíduo de outro é pela frequência mais baixa de oscilação – que envolve todo o sistema. Em teoria. Na prática, há variação dessa frequência, e é difícil de saber se uma dada unidade de ressonância (ou mesmo unidades maiores) faz ou não parte de um indivíduo. Mas isso é um problema de escala – visto a milhões de anos-luz de distância, cada indivíduo parece mesmo um indivíduo e estável (isso se fosse possível vê-los). Humanos também – vistos bem de perto, beeeeem de perto, é difícil delimitar um indivíduo: átomos e moléculas chegam e saem o tempo todo.

Vivem no interior dos vazios cósmicos. Esses seres são ilhas de concentração de matéria escura em um espaço particularmente rarefeito de matéria. Com integridade mantida basicamente pela força gravitacional de seus componentes, um garanihaya, sem forças elétricas a manterem seus 'átomos' reunidos, seria destroçado se se aproximasse demais dos filamentos galáticos.

A vida reprodutiva de Huwa e seus amigos – talvez seja forçar a amizade falar em 'amigos' –, bem grosso modo, é um canhão deslizante em um jogo da vida de John Conway. Com a diferença de que as 'naves espaciais' (ou sementes) lançadas pelo canhão crescem com o tempo – com muito, muito tempo –, gerando novos canhões. Não apenas o ritmo de crescimento dos garanihaya é algo extremamente lento, mas tudo o que diz respeito a eles. Um sinal para atravessar de uma extremidade a outra de um indivíduo – sempre levando em conta as dificuldades inerentes de determinar as extremidades e mesmo os indivíduos – leva centenas de milhares de anos. Mas, naturalmente, um garanihaya não interpreta esse ritmo como lento, é um piscar de olhos para eles – ainda que “piscar de olhos” seja uma expressão que jamais lhes faria sentido. O canhão pode ter consequências não apenas de gerar novos guranihayas, mas também de eliminar alguns. Ocasionalmente, a mira pode ser defeituosa e a nave "chocar-se" contra alguém nas vizinhanças. ("Choque" entre aspas porque os guranihayas não são exatamente constituídos de matéria mutuamente impenetráveis, outra consequência de não serem formados por átomos resultantes de interações elétricas. As forças de atração e repulsão entre solitons não impedem que partículas de matéria escura atravessem uma massa de matéria escura.) A nave pode perturbar as configurações ressonantes no interior de um indivíduo de modo disruptivo ou, com seu crescimento, canibalizar as unidades de ressonância. Em raras ocasiões, pode crescer compartilhando as unidades com seu hospedeiro, sem lhe causar maiores danos.

Ondas gravitacionais são a vida e a morte dos garanihaya. São seu modo de comunicação, e seu alimento – coletando as ondas gravitacionais que viajam pelo espaço recolhem a energia que os faz funcionarem. Mas a exposição a certas frequências de ondas desestabiliza todo o sistema, destruindo-os. Outras frequências podem modificá-los, alterando mesmo o funcionamento dos canhões e, o que mais importa, das naves, gerando indivíduos diferentes: em tamanho, por exemplo.

O que Huwasuyisha havia recolhido naquele dia – e dia é um conceito que definitivamente não faz sentido entre os garanihaya – era um sinal extremamente compacto – do ponto de vista dos garanihaya – emitido bilhões de anos atrás codificado na forma de ondas gravitacionais. Alguém havia achado uma boa ideia lançar ao espaço mensagens de saudações e outras informações assim apenas porque podia – e talvez com algum otimismo de que alguém respondesse a tempo, e com bom grau de irresponsabilidade por confiar na sorte de que esse alguém fosse amistoso. Levou um certo tempo – algumas dezenas de milhões de anos – para Huwa decodificá-la em seus próprios termos. Instruções sobre correspondências binárias e outros truques matemáticos certamente ajudaram a encontrar regularidade suficiente para ser possível a decifração e irregularidade suficiente para tornar a mensagem interessante. A parte engraçada dizia respeito ao conceito de 'zona de habitabilidade'. Era algo que alguns indivíduos garanihaya haviam desenvolvido com sua ciência. Mas o entendimento do que seria uma zona habitável para as criaturas que lançaram a mensagem ao espaço era tão díspar que só restava a Huwa rir desbragadamente segurando a barriga com as duas mãos – exceto que, como sugerido anteriormente, 'rir' seja um conceito arriscado e definitivamente 'barriga' e 'mãos' não se aplicassem aos garanihaya.

Os amigos de Huwa escutaram – modo de dizer – com atenção a Huwa e sua explicação. Decidiram rir, então, para recompensá-lo por seu esforço e não magoar seus sentimentos (se 'mágoa' e 'sentimentos' são expressões que cabem à situação), disfarçando que ainda não compreendiam o que significavam 'calor', 'luz', 'água', 'líquida'... Por 'sol' e 'planeta' parecia ser o equivalente a algo que deveria estar nas regiões distantes, bem distantes, onde a intensa gravidade tornava tudo mortal.
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terça-feira, 6 de outubro de 2015

O Santo Sudário

Uma análise recém-publicada mostra que não há diferenças nos perfis de espectrometria de massa de carbono-14 em amostras do Sudário de Turim quando se levam em conta contaminantes orgânicos.

"Abstract
This is an editorial regarding a paper published on Thermochimica Acta (R.N. Rogers, Thermochimca Acta, 425 (2005) 189–194). A close-up analysis of the pyrolysis-mass spectra reported in the original paper reveals that the differences found between the samples coming from different parts of the Shroud are just due to the presence of a contaminant with a long aliphatic chain. Except for the presence of the contaminant, the two pyrolysis-mass spectra look alike rather than different. Therefore, the pseudoscientific theory stating that the C14 sample might come from a “medieval invisible mending” remains unsupported by evidences."

["Resumo
Isto é uma mensagem editorial a respeito do artigo publicado em Thermochimica Acta (R.B. Rogers, Thermochimica Acta, 425 (2005) 189-194). Uma análise mais detalhada dos espectros de massa por método pirolítico relatados no artigo original revela que as diferenças encontradas entre as amostras de diferentes partes do sudário devem se apenas à presença de contaminantes de longas cadeias alifáticas. Exceto pela presença de contaminantes, os dois espectros de massa por pirólise são semelhantes e não diferentes. Assim, a teoria pseudocientífica que afirma que a amostra de C14 viria de uma 'emenda medieval invisível' mantém-se sem apoio em indícios."]

(Não chamaria exatamente de pseudocientífica, já que pode ser submetida a testes. Diria que é uma hipótese refutada. Embora possa ser chamada de pseudocientífica na medida em que seja defendida a despeito das refutações empíricas.)

Joe Nickell do CFI (Center for Inquiry) escreve sobre o tema no blog da instituição.*

Abaixo reproduzo texto meu de 2007 no Observatório da Imprensa (atualmente não está mais no ar - há apenas uma cópia no Internet Archive).

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GALILEU O Santo Sudário

Roberto Takata (*)

Reciclar lixo não é a panacéia que resolverá todos os problemas dos resíduos sólidos produzidos em nosso modo "civilizado" de viver. Pode até mesmo causar mais problemas do que resolver, se não for planejado e aplicado adequadamente: e.g. se se fosse branquear o papel reciclado seria gerada uma quantidade maior de poluentes do que na produção de papel comum. Ainda assim – repiso, se bem planejados –, os programas de reciclagem podem ser um grande aliado na batalha pela melhoria da qualidade de vida da população e na conscientização para o exercício da cidadania.

Alguns vestibulares mais preocupados com a capacidade de raciocínio do que de memorização realizam o que se pode chamar de "reciclagem de informações". Questões são formuladas para que o candidato interprete um trecho de livro ou de artigo retirado do noticiário e reflita sobre o seu significado. Podemos realizar este exercício com um artigo de recente edição de Galileu (outubro de 1999). Antes, porém, um esclarecimento: não cuide, leitora (ou leitor) ser implicância minha com a revista ou com o autor do artigo, posto que não é a primeira vez que me pronuncio desfavoravelmente a um texto ali publicado. Quero apenas tecer algumas críticas, em meu julgamento, construtivas; afinal acredito que apontar erros é um passo para solucioná-los, sendo em última instância uma contribuição na busca do aperfeiçoamento constante do trabalho.

O texto referido é "Mistério e fascínio do Santo Sudário". Começa nos informando encontrarem-se presos à trama do tecido pólens mais antigos do que a idade estimada para o sudário pelos cientistas num teste feito em 1988. Segue afirmando ter sido sensacionalista a divulgação, à época, das conclusões de que o sudário teria sido fabricado na Idade Média (entre os anos 1260 e 1390). Pergunto aqui se não serão dois pesos e duas medidas. Senão, vejamos: "A opinião pública embarcou nessa tese [da falsificação do sudário]"; "essa informação [existência de pólens] foi atropelada pelo rolo compressor do teste do carbono 14"; "Ela [a existência de pólens]devolve ao estudo do Sudário a seriedade que o assunto merece"; "detalhe que os autores da tese de falsificação esqueceram de explicar [como a peça foi produzida]"; "No esforço quase irracional de negar a autenticidade do Sudário, alguns estudiosos lançaram mão de todo tipo de hipóteses para explicar a formação da imagem"; "dando [as manchas d’água] à imagem um aspecto ainda mais hierático e misterioso"; "Parece óbvio que o autor do Código [de Pray] o utilizou [ao Sudário] como modelo"; "Esse experimento [do efeito da fumaça na datação do pano] por si só desqualifica completamente a datação [...]" – grifos meus.

Palavras fortes de apelo ao emocional induzindo a se imaginar que o estudo teria sido conduzido de modo descuidado (desleixado? tendencioso?): a isso não se chama sensacionalismo? Ainda mais que não se tratam de citações, mas de julgamentos do próprio autor? Qual a procedência desse julgamento?

O sudário é um objeto realmente fascinante, e julgo não necessitar destes subterfúgios para despertar o interesse das pessoas. Muitos outros pontos (incluindo diversos listados no artigo) revelam-se provocações instigantes para os céticos – uma falsificação tão detalhada?
Mas a crítica feroz se centra no método da datação por carbono-14, referido sete vezes (alguma conotação cabalística?) – e negando três vezes a validade do teste (Mat. 26:34-75?). Apesar disso, em nenhum momento nas dez páginas dedicadas ao assunto é explicado o que afinal vem a ser o carbono-14 e como é realizada a datação.

Troca de carbono
O carbono-14 é um isótopo (forma de um mesmo elemento químico, mas com peso diferente) do carbono; uma outra forma, bem mais abundante, é o carbono-12. O carbono-14 é instável e se transforma em nitrogênio-14, estável, liberando radiação. Essa quantidade perdida é reposta por um processo inverso que ocorre na alta atmosfera com o bombardeamento de 14N por radiações solares de alta energia, de modo que a quantidade de 14C na atmosfera é praticamente constante. O processo de transformação de uma forma instável para outra mais estável, denominada decaimento radioativo, se dá de maneira estocástica – isto é, não se pode prever quando exatamente um determinado átomo vai emitir radiação e se transformar; mas é possível prever o comportamento de uma certa quantidade: depois de um período, chamado de meia-vida, apenas metade dos átomos iniciais não terão decaído, após outro intervalo de mesma duração apenas a metade da metade (um quarto) restará íntegra e assim por diante. A meia-vida do carbono-14 é de 5.730 anos. Então, se soubermos a quantidade original de 14C de um objeto (obviamente contendo carbono) no momento de sua fabricação, e compararmos com a quantidade atual, poderemos saber a idade do objeto por meio de uma função logarítmica.

Como saber a quantidade inicial? No caso do tecido sabemos que foi confeccionado com fibra vegetal. As plantas fixam o carbono retirado do ar na forma de CO2. Sabemos que a razão entre 14C e 12C nas moléculas de CO2 no ar é de 1 para um trilhão (1012) – que vem a ser a proporção, então, nas plantas, nos animais que delas se alimentam e nos produtos derivados: vegetal ou animal (existem exceções, mas não é o caso do linho no qual foi urdido o sudário). Quando o organismo morre, cessa a troca de carbono com o ambiente e, pelo decaimento, a proporção de 14C para 12C se altera – quanto mais tempo se passa menor a proporção de 14C.

O teste de 1988
Em 1988, cientistas retiraram uma amostra do sudário, mediram com um aparelho a quantidade de 14C presente no CO2 formado na queima total do tecido e compararam com uma amostra equivalente de pano novo de linho (em lugar de utilizarem a proporção teórica original). Nessa medição chegaram à idade de cerca de 660 anos dentro de uma margem de erro.

O que se contesta então? Afirma-se que a amostra estava, como todo o sudário, contaminada com bactérias e pólens recentes, fazendo com que no teste resultasse uma idade menor do que a verdadeira. No artigo é citado um trabalho do cientista russo Dmitri Kuznetsov indicando que a fumaça produzida por um incêndio em 1532 atingindo o sudário poderia ter provocado uma troca entre o carbono do tecido e o da fumaça de até 25% do total (isto é, um quarto de todo o carbono do tecido pode ter sido substituído pelo carbono do ar e do material consumido no incêndio) – o que valeu o comentário do autor da matéria de Galileu de que a datação fora completamente desqualificada.

Um rápido cálculo indica que, corrigindo o eventual efeito máximo da fumaça, o ano da fabricação do pano deveria estar em torno de 1255 (não muito longe do mínimo estimado: 1260). Não parece ser tão desabonadora assim: estamos ainda muito longe do ano 33, no qual teria ocorrido a paixão de Cristo.

[Usando apenas o conteúdo de Química e de Matemática do nível médio é plenamente possível realizar tais cálculos. Se se for pensar de modo mais intuitivo é só verificar que um quarto do 14C do tecido será substituído pelo ar atmosférico, o mesmo ocorrendo com o 12C do tecido. Então, se por um lado se perde o 14C pela substituição de parte deste pelo carbono da fumaça (rico em 12C ), por outro ganha-se14C pela substituição de parte do 12C (em muito maior quantidade na amostra) pelo carbono da fumaça: a maior parte do 12C do tecido será trocado pelo da fumaça, mas uma pequena parte (1 em um trilhão) será trocada pelo 14C. Como na fumaça há comparativamente mais carbono-14 do que no tecido, ao final o ganho será maior do que a perda. Se houvesse o autor notado que a queda na proporção de 14C se relaciona com o tempo decorrido em uma função logarítmica, notaria que se esperaria mesmo uma alteração menor se o ano de fabricação estimado (1325 +/- 65) não fosse muito diferente do possível instante da contaminação (1532): se uma troca de 100% do carbono tivesse ocorrido na época de fabricação do sudário não se notaria efeito algum.]

A creditar-se a diferença restante à sujeira acumulada, bactérias e pólens, deveríamos ter uma quantidade de carbono quase duas vezes maior dessa fonte em relação ao carbono do tecido. Pesando o sudário cerca de 9 kg, isso significaria que teríamos mais de 4 kg de pó: a imagem não deveria ser visível debaixo de uma generosa camada de microorganismos e poeira.

Falso argumento
Se existem alguns empecilhos para a hipótese da falsificação, a da autenticidade encontra problemas ainda mais graves. O autor vê dificuldades incontornáveis numa diferença de 70 anos entre a idade estimada (que tem uma variação de 65 anos – para mais ou para menos) e a que poderia ser a real em caso de influência da fumaça (com uma variação em anos da mesma ordem); mas apresenta como se fosse natural a explicação de que a imagem teria se formado a partir de um brilho equivalente à detonação de um artefato nuclear emanado do próprio corpo envolvido pelo pano. E mais, que nesse instante esse corpo estaria flutuando no ar.

Argumenta ainda o autor que "o Sudário já passou por milhares de testes" e "de todos os experimentos, só o do carbono-14 contestou a autenticidade da peça". Creio que, apesar de usar no texto um termo da epistemologia da ciência, "falsear", não entenda de fato o que define a validade lógica de uma hipótese científica – não importa quantos experimentos apontem para a veracidade de uma idéia: se apenas uma observação negá-la, ela necessariamente é falsa (claro, estou simplificando um pouco as coisas, mas creio aqui que não estarei fugindo muito da verdade).

Ainda mais grave, essa argumentação é falsa também ao se mentir por mais duas razões: em nenhum instante é esclarecido que o teste do carbono-14 foi repetido mais duas vezes por laboratórios independentes com o mesmo resultado; outros tipos de testes indicam que o sudário não deve ser autêntico – e.g. a perícia forense não conseguiu detectar traços de sangue no tecido (as manchas, que são tidas como sangue por muitos, ao contrário deste não são escuraa, apesar da idade, e são quimicamente compatíveis com pigmentos utilizados na Europa medieval).

Pregações doutrinárias
Escrevi isto não com o intuito de fazer um libelo contra a autenticidade do Sudário (sim, sou, como qualquer um pôde perceber, cético quanto a isso), mas porque mais uma vez Galileu falhou no processo de divulgação científica. Este artigo contrasta fortemente com um outro publicado na mesma edição, "Cinco mil anos antes de Cabral", em que apesar de também reportar uma tese polêmica e contrária à visão científica tradicional, ainda que mais terrena (povos europeus e incas teriam se aventurado em terras brasileiras muito antes da descoberta oficial), não toma para si as afirmações dos proponentes da idéia, embora simpatize o autor com elas, e coteja com o depoimento de uma opinião cética.

Afirmações cabais de idéias pouco aceitas pela comunidade científica, negligência investigativa com as proposições, ausência de confrontação com opiniões contrárias, omissão de informação, propalação de meias-verdades e, mais grave, mentir categoricamente vão contra o bom jornalismo científico (e muito disso vai contra qualquer tipo de jornalismo – aproximando-se, perdões, mas a comparação é-me inevitável, de pregações doutrinárias).

Dentro do espírito ecologicamente correto poderíamos reprocessar o artigo e tê-lo assim reciclado como um modelo do que não se deveria fazer em termos de jornalismo (científico ou não).

Em tempo: Conforme é dito no próprio artigo, não é nova a alegação da existência de pólens da Palestina mais antigos que a data aceita para o pano. Mas, ao contrário do que se afirma, isso não foi "atropelado pelo rolo compressor" da datação por carbono-14, e sim posto em xeque pela inconsistência dos dados: amostras independentes revelaram conter o Sudário comparativamente muito menos pólen do que a amostra de Max Frei, um criminologista com a credibilidade já abalada anteriormente por sustentar a autenticidade de uma falsificação crassa – os diários de Hitler. Amostra a partir da qual foi feita a afirmação.

Mais informações (céticas, naturalmente) em: , em inglês, e <www.epub.org.br/correio/ciencia/cp960815.htm>.
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(Mais tarde pedi desculpas ao autor do texto na Galileu por comparar o texto dele com lixo. Mas, as críticas, eu as mantenho.)

*via @EliVieira tw.