quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

I have a dream ou ateísmo proselitista intolerante

1963, uma multidão de 250 mil almas se aglomera diante do Memorial Lincoln. Elas haviam se reunido para a Marcha pelo Trabalho e pela Liberdade em Washington. Um pastor protestante se dirige ao púlpito para falar aos presentes.

Martinho Lutero Rei Filho inicia seu discurso. Ele começa a falar de um sonho que tem. No meio de sua fala firme, mas não histérica, ele diz:

"Eu tenho um sonho de que um dia, no meio do Alabama, com seus vis racistas, com seus lábios balbuciando palavras sobre 'interposição' e 'nulificação' - um dia, bem ali no Alabama garotinhos negros e garotinhas negras poderão passear livremente porque garotinhos brancos e garotinhas brancas terão desaparecido."

Não, claro que Martin Luther King Jr. não disse isso. Ele falou algo bem diferente:

"I have a dream that one day, down in Alabama, with its vicious racists, with its governor having his lips dripping with the words of 'interposition' and 'nullification' -- one day right there in Alabama little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls as sisters and brothers."

Não, senhor Dawkins; não, senhor Harris; seus discursos não são como de Martin Luther King Jr. (e eu sei que não disseram que fossem), mas são como o discurso de Martinho Lutero Rei Filho (e eu sei que acham que não são).

Uma coisa é defender os ateus contra o massacre promovido por religiosos de diferentes matizes. Nisso, mesmo não sendo propriamente ateu, juntaria gratamente a minha voz para denunciar tais abusos, para vociferar um basta!

Mas não posso coadunar-me com o discurso que vai além e prega a destruição do outro - não sua morte propriamente, mas sua extinção. Uma coisa é dizer: "Chega de preconceito contra os ateus". Outra, bem diferente é dizer: "Acabem com a religião!". Uma coisa é dizer: "Ateus não são maus, ateus são éticos". Outra é dizer: "Religiosos são maus, religiosos não são éticos".

Eu os vaio como vaiaria a um negro que, em vez de dizer: "Viva a negritude!" dissesse "Vamos desbranquear o país!".

Se sonhos se tornam realidade, meu sonho é que no mesmo Alabama, um dia, garotinhos ateus e garotinhas ateias possam dar as mãos com garotinhos crentes e garotinha crentes como irmãos e irmãs.

Que o branco e o negro desapareçam, não porque não existam mais homens brancos e negros e mulheres brancas e negras, mas porque ninguém mais se importa com a cor da pele que o outro tem ou deixa de ter.

Que a religião e o ateísmo desapareçam, não porque ninguém mais crê ou deixa de crer em alguma divindade, mas porque ninguém mais se importa com se o outro crê ou deixar de crer em alguma divindade.

Upideite (28/fev/2009): Com "ateísmo proselitista intolerante" não estou dizendo que todo ateu é proselitista e intolerante, não estou nem mesmo dizendo que todo ateu proselitista é intolerante. A crítica acima é específica para a parte dos ateus que são proselitistas e intolerantes: nomeei dois dessa lavra, Dawkins e Harris.

Pesos e medidas

Com a nova fuga dos boxeadores cubanos, Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, da ilha - agora para os esteites, volta à baila de por que não lhes foi concedido abrigo no país, tendo sido devolvidos ao regime castrista de Cuba.

Some-se a isso a concessão de refúgio a Cesare Battisti.

Considerando-se a assimetria estabelecida nos casos: os boxeadores não tinham uma condenação em seu país de origem; Battisti foi condenado por quatro homicídios - assimetria essa que deveria resultar em uma decisão oposta - refúgio aos cubanos, extradição do italiano; os gestos soam como uma patacoada de esquerda: Battisti é de esquerda e o governo italiano atual é de direita; o governo de Cuba é de esquerda, Lara e Rigondeaux, se não são de esquerda, não gostam da situação de seu país. Se foi o que parece que foi, então tratam-se de decisões equivocadas e desumanas.


Upideite (02/mar/2009): Novas informações indicam que não foi o que parece que foi. Nesse caso a minha crítica foi injusta e a retiro. Não que importe, mas peço desculpas.


Upideite (02/mar/2009): Eita, mas isso está ficando mais rocambolesco, agora a presidência nega que tenha falado com os boxeadores.

Upideite (11/mar/2009): Só uma curiosidade. Nos vídeos da entrevista, nas edições que foram ar (no Esporte Espetacular e no Jornal Nacional), o nome de Lula não é mencionado pelo boxeador, quem fala do presidente são os repórteres que narram o vídeo.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Só para maiores...

Aviso, se você tem menos de 18 anos, não leia o restante da postagem*.

Há pouca atenção dada para a indústria pornográfica (e mais amplamente a indústria do sexo) por parte de estudos econométricos sérios. Talvez em grande parte por conta de pudicícias moralistas. Mas ela é - com e sem trocadilho - vigorosa: só nos EUA, em 2001, devia movimentar algo na casa dos 2 bilhões de dólares em vídeo, mais 1 bilhão em internet e outro bilhão em revistas [1], e agora imagina-se que esteja na casa dos 13 bilhões de dólares [2].

As empresas de filmes adultos eróticos certa feita decidiu a batalha entre o padrão Beta e o VHS, favorecendo o último formato. E tinha um peso para decidir entre o Blu-Ray e o HD-DVD [3], o que acabou não ocorrendo pela desistência da Toshiba (proprietária da tecnologia do HD-DVD).

A indústria do sexo tem sido também extremamente rápida em absorver as novas tecnologias e modos de comunicação. Nos tempos de internet, abaixo, uma pequena compilação (certamente não exaustiva!) de alguns serviços imediatamente copiados para uma versão sexual.

Sítios de busca. Exs: Google, MagicTeaPot.
Wikis. Exs: Wikipedia; WikiGP.
Compartilhamento de arquivos. Exs: Rapidshare, Shareporn.
Compartilhamento de videos. Exs: YouTube; PornTube.
Redes sociais. Exs: orkut; sexkut.
Mundos virtuais. Exs: Second Life, Red Light Center.


[1] How big is porn?
[2] US porn industry seeks multi-billion dollar bailout
[3] Porn industry may be decider in Blu-ray, HD-DVD battle

*Eu falei para não ler. Bem, então vai uma historinha para você: 'I Am Under 18' Button Clicked For First Time In History Of Internet.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Então tá...

Em reportagem da Folha: "Dublador de Sean Penn se recusa a dar voz a papel gay do ator no filme 'Milk'".
"Não me sentia à vontade para fazer o filme", afirmou [Marco] Ribeiro, 38, [dublador de Sean Penn no Brasil] que é também pastor evangélico, à Folha. "Não tive vontade porque tenho a voz envolvida com outras questões, assim como não faço determinados comerciais."

"Não é que [Ribeiro] tenha algo contra homossexuais, é que as pessoas ao seu redor confundem sua profissão de ator com o lado religioso", afirmou Marlene Costa, 55, diretora de dublagem de "Milk", que substituiu Ribeiro pelo ator Alexandre Moreno.
Não, o dublador não é obrigado a fazer o trabalho (salvo alguma cláusula contratual), apenas não pode (como não fez) dizer que se recusa pelo fato do papel ser de um homossexual. Mas que precisamos mudar a nossa cultura homofóbica (a despeito das várias edições da Parada Gay ocorrerem sem maiores problemas), precisamos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Epítetos específicos

Na blogocúndia, mas não apenas nela (também na imprensa), o acirramento entre as visões ideológicas (esquerda x direita; lulistas x antilulistas; PT x PSDB) ao clima de Fla x Flu tem levado à criação de apelidos (em sua maioria) nada abonadores de personalidades e grupos da política brasileira e mundial.

Segue uma pequena compilação desses epônimos.

FHC
*Farol de Alexandria (aquele que iluminava a Antiguidade e foi destruído por um terremoto) - Paulo Henrique Amorim, por considerar o ideário do ex-presidente como atrasado, reacionário, e ter sua popularidade muito em baixa entre o eleitorado brasileiro após a crise econômica de 1998.
*FFHH - Elio Gaspari, provavelmente referindo-se a um ar arrogante do ex-presidente, com que a multiplicação das letras da abreviação de seu nome daria um ar mais imponente. Pode se dever também a uma possível ambiguidade na visão do político, comportando vários Fernandos Henriques: o sociólogo a defender certas idéias e o presidente a praticar outras opostas. por conta da emenda da reeleição (veja os comentários desta postagem e também a coluna de Gaspari no Correio do Povo de 13/05/05, FFFHHH 2006).

Lula

*Apedeuta - Reinaldo Azevedo, uma referência a não ter o presidente um curso de nível superior e também por considerar que este revela um descaso para com a educação formal e os bons modos.
*Nosso Guia - Elio Gaspari, referindo-se ao modo como o chanceler Celso Amorim chamou o presidente. Para Gaspari, Lula se comporta como se fosse a salvação do país.
*O presidente que tem medo - Paulo Henrique Amorim considera que Lula cede demais às forças conservadoras do país e, em particular, ao banqueiro Daniel Dantas.

José Serra
*Serrágio [Serra + Pedágio] - Paulo Henrique Amorim, em referência a serem os pedágios paulistas os mais caros do país.

PT/Petistas
*petralhas [PT + Irmãos Metralhas] - Reinaldo Azevedo, considerando os políticos do PT de modo geral corruptos, em especial por conta do escândalo do Mensalão, e os simpatizantes do PT como coniventes com a corrupção.

PSDB/Pessedebistas
*tucanalha - calcado em cima do petralha e também uma composição de tucano com canalha. Desconheço o autor do termo.

Tarso Genro
*Abelardo Jurema - Paulo Henrique Amorim, em referência ao Ministro da Justiça de Jango, na época do golpe militar. PHA considera que a direita do país pretende inviabilizar o governo Lula e que Tarso Genro, como Abelardo Jurma em relação a Jango, é inoperante para debelar a ofensiva.

Embromation Society: O que eu falo não se escreve...

O governo precisa urgentemente melhorar sua comunicação. Suas falas e declarações à imprensa (mídia) tem gerado polêmicas e obrigado a desmentidos/esclarecimentos sobre o que sai publicado.

Primeiro a confusão sobre os 10% de analfabetos em São Paulo. Até o jornalista Marcelo Leite (mais da área de ciências do que de educação ou de política stricto sensu) se meteu no imbróglio, discutindo com o Secretário de Imprensa o que se disse, o que se escreveu, o que se quis dizer com o que se disse...

Agora o Ministro da Justiça Tarso Genro sobre o que significa o apoio do Presidente Lula à candidatura da Ministra da Casa Civil Dilma Rousseff à presidência. Obstáculo, handicap*, vantagem...

As emendas acabam soando como desculpas esfarrapadas. Ainda que eventualmente tenham mesmo querido dizer o que dizem que quiseram dizer. E não o que parece que disseram. (Eu sempre vou me lembrar dos "recursos não contabilizados" do então tesoureiro do PT Delúbio Soares à época do escândalo do Mensalão, para se referir a caixa dois. Aliás, a admissão do caixa dois - um crime financeiro por si mesmo - soava como uma desculpa esfarrapada para a origem do dinheiro do chamado valerioduto.)

Talvez umas aulinhas de português com a Madame Natasha?


*O ministro ter usado o termo handicap dá margem também a algumas insinuações maldosas.

Vejamos como o titio Houaiss define as acepções possíveis do termo:

s.m. 1 desp em corridas e outras competições, vantagem que se concede a um ou mais competidores (pessoa ou animal) para compensar deficiências de sua parte e igualar as possibilidades de vitória de todos 2 fig. qualquer desvantagem que torna mais difícil o sucesso 3 deficiência física ou mental que dificulta as atividades normais de uma pessoa

A acepção 3 pegaria *muito* mal. A acepção 2 foi a interpretação do jornal El País e é a mais natural, já que, depois de dizer que Dilma Rousseff era uma boa candidata e ser boa gestora, o ministro saca um "pero". O ministro diz que é a acepção 1, porém essa vantagem é para *compensar* deficiências - não é algo que faz com que o competidor seja o franco favorito. Mas ele se vale do fato de que é mesmo muito comum o emprego errôneo do termo aqui no Brasil - sobretudo por empresas de consultoria e pessoal de auto-ajuda.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Piratas de Caribde

Sou contra aproveitar-se do trabalho alheio sem remunerá-lo adequadamente (a menos, claro, que o trabalhador, por livre e espontânea vontade, abra mão do pagamento - como no caso de serviços voluntários ou que o autor disponha sua obra para acesso gratuito). Isso inclui, óbvio, escravidão, condições análogas à escravidão, roubo e furto, e o que normalmente se chama de pirataria: cópia não autorizada de trabalhos intelectuais e artísticos.

A lei atual até dá cobertura para que *indivíduos* façam cópias *únicas* para uso *pessoal*, *sem* fins de lucro. Vide o art. 184 do CP, parágrafo 4o.
"§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto." (grifo meu)
Mas o desrespeito incontido tem tido consequências. Vide esta reportagem da Deustche Well:

Acesso gratuito à música pela internet prejudica profissionais do setor

Não são apenas as grandes gravadoras - estes monstros capitalistas na visão dos que querem copiar sem botar a mão no bolso -, mas também os pequenos selos independentes e os próprios artistas. Estes cada vez mais veem-se submetidos a uma situação entre Cila e Caribde: continuar seu trabalho e ser expropriado em seus esforços por um público que não lhe paga ou abrir mão de sua carreira artística e ir fazer algo pelo que seja pago?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Trote é coisa de cavalo...

O Estadão noticia a decisão da Câmara de votar projetos de criminalização de trote violento.
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Sou contra o trote violento e humilhante. Mas esses projetos estão a me parecer mais um elefante branco. O CP dá bem conta dos abusos: lesão corporal, maus tratos, periclitação da vida e da saúde, constrangimento ilegal, ameaça...

O PL 1023/1995 abre uma baita brecha, pois seu artigo 1o diz:
"Constitui contravenção penal, punível com pena de prisão simples de 1 a 5 meses e multa de R$ 100,00 a R$ 500,00 o ato de submeter alguém, contra a sua vontade, a situação ridícula ou ofensiva da dignidade da pessoa humana, durante a prática do chamado 'trote', como condição para ser aceito em coletividade estudantil."

Então, tem que se caracterizar:
1) contra a vontade da vítima (modo);
2) submissão à situação ridícula ou ofensiva à dignidade da pessoa (ato);
3) durante o trote (situação);
4) para ser aceito na turma (motivação).

Como o trote não está definido em lei, está aberto um baita flanco para chicanas. Como a motivação é de caráter subjetivo: se humilhar durante o trote apenas para humilhar, e não para enturmar, não está caracterizada a contravenção descrita.

O PL 818/1999 coloca o corpo dirigente das IES como co-responsáveis. Mas amarra tudo obrigando a estabelecer um calendário e a ciceronear os ingressantes. Enfim, burocratiza o trote - além de torná-lo obrigatório!

Vitoria de mier...

Havia uma piada (que tragicomicamente insinuava uma verdade) no plebiscito de 1988 realizado perto do fim da ditadura de Pinochet no Chile. O povo deveria escolher se o governo dele continuaria ou não. Era o voto do "sí" e do "no". "Sí, queremos que fique", "No, no queremos que saia". O "não" ganhou e acabou que a didatura terminou em 1990, com a realização de eleições presidenciais no país. Era o fim da ditadura mais sangrenta na história recente da América Latina.

Hugo Chávez não tem tanto sangue nas mãos, mas tem um gosto parecido pelo poder. Em 2007 criou uma nova emenda na constituição venezuelana, que lhe dava o direito de reeleições ilimitadas, e colocou-a sob referendo popular. Resultado: 50,7% dos eleitores rejeitaram as emendas (que Chávez chamou de "vitoria de mierda" da oposição). Em 2009, voltou à carga, com novo referendo sobre reeleições ilimitadas - a desculpa foi de que no primeiro referendo, outras emendas foram julgadas em conjunto -, agora, parece que o "sim" ganhou.

Assim fica fácil, repete o pleito até obter o resultado desejado, não precisa nem manipular a votação. E segundo alguns analistas (que não sei quem são): "a vitória legitima ainda mais o governo de Chávez, contrariando as acusações do Departamento de Estado dos EUA de que seria um ditador". Realmente, em 2007 foi uma vitória de m... da oposição.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Direito no lixo

Uma senhora, nos seus 55 anos, catadora de material reciclável, encontrou R$ 40 mil no lixo de um supermercado. Devolveu. E recebeu como recompensa do dono do estabelecimento o equivalente a seu ganho mensal, R$ 200.

Pode-se dizer que seria dever moral e legal (art. 1.233 do Novo Código Civil) da catadora devolver o que não lhe pertence. Mas o dono do supermercado tem o dever moral e legal de recompensar a senhora com mais do que uns trocados, vide art. 1.234 do mesmo Código Civil:

Art. 1.234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.

Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos.

Ou seja, pela lei, (considerando-se corretas as informações da reportagem) a catadora teria direito a nada menos do que dez vezes a quantia paga: R$ 2.000. E certamente mais se analisarmos as condições do parágrafo único. Cadê o MP para zelar pela cidadã contra tal acinte?

Não é impossível que o dono do supermercado desconheça a lei, nesse caso ele deve ser avisado para que a cumpra. No mínimo, isso merece uma averiguação.

Observatório criacionista

Esta semana, em que se comemora o bicentenário do nascimento de Charles Darwin (e de Abraham Lincoln), o Observatório da Imprensa acabou por acolher dois textos de criacionistas criticando dois textos publicados na revista Veja - nesta semana e na anterior - a respeito da evolução e do criacionismo. Não publicaram na seção de Ciências - alvíssaras -, mas dentro da série "Leituras de Veja".

O primeiro, "Os brutos também pensam, de Joêzer Mendonça, critica um texto do jornalista André Petry, "Lembra-te de Darwin". Petry, por sua vez, critica a decisão de alguns colégios - em especial o Mackenzie - de colocar o criacionismo nas aulas de ciências. Concordo com Mendonça da implicação perigosa que a crítica de Petry tem: chamar os criacionistas de brutos. Criacionistas não são brutos, não são obtusos. Muitos são inteligentes. Mas, claro, escorregam no quiabo na hora de analisar questões que se referem à sua fé (não que devam abandoná-las, mas não devem distorcer os fatos para que nelas se encaixem, como fazem ao tentar negar a evolução ou refutar a teoria da evolução).

Um trecho do texto de Mendonça: "O evolucionismo é algo definitivo e inquestionável, por acaso (com trocadilho, por favor)? Não se pode mostrar na aula de ciências os constructos sociais e científicos erguidos pelo pensamento humano? Não se podem contrapor os modelos criacionista e evolucionista, apontando virtudes e falhas de ambos?"

Nessa série de perguntas retóricas, ele mostra o grau de distorção. A velha ladainha de que a teoria da evolução por seleção natural é fruto do acaso - sendo que acaso é exatamente o que não é a seleção natural (apenas não supõe uma inteligência a guiar o processo). Supor que, pelo fato das ciências serem um construto social, então está em pé de igualdade de qualquer outro construto social: como se pudéssemos erguer prédios de 30 andares com mitos. Sabendo que existem diferenças da capacidade preditiva não faz sentido "contrapor os modelos criacionista e evolucionista, apontando virtudes e falhas de ambos" sem que se enfatize de que lado estão os fatos. As falhas do criacionismo são muito maiores a ponto de tornar essa explicação inviável. As falhas da teoria da evolução por seleção natural não são decisivas por enquanto.

Para criticar a visão de Petry, escolheu a via mais difícil - a impossível tarefa de tentar dar credibilidade ao criacionismo. Seria melhor ter ido pelo caminho mais correto: escolas particulares têm todo o direito de ensinarem a bobagem que quiserem a seus alunos - desde que não desobedeçam à lei, têm que prestar contas apenas aos pais dos alunos. Claro, não podem deixar de ensinar evolução, coisa prevista nos parâmetros curriculares nacionais, mas têm a liberdade de ensinar criacionismo mesmo nas aulas de ciências.

É meio duro de engolir, mas é assim e assim deve ser. Os pais devem analisar o currículo da escola e ver se é esse tipo de ensino que quer dar aos filhos.

Agora, em escolas públicas, é que não se deve, nem de longe, sequer pensar em ensinar criacionismo, pior ainda se em aulas de ciências. Infelizmente é previsto em lei - na própria constituição federal - o ensino religioso; um atentado à laicidade estatal, porém existe.

O segundo texto, "Evolução darwiniana e involução do jornalismo", de Silvio Motta Costa, critica "A Darwin o que é de Darwin...", de Gabriela Carelli, além do texto de Petry.

Costa reclama que Veja enaltece Darwin e não aponta as críticas feitas à teoria da evolução por seleção natural. Naturalmente chama autores criacionistas:

"
Veja simplesmente ignora Michael Behe (que escreveu A Caixa Preta de Darwin), Bayle, o brasileiro Marcos Eberlin e outros grandes nomes da ciência moderna que questionam o modelo evolucionista."

Oquei, querer transformar em "grandes nomes da ciência" gente como Michael Behe e Marcos Eberlin faz parte do jogo. Quanto a Bayle, eu também ignoro - não faço a menor idéia de quem seja (embora possa ser mesmo alguém importante eventualmente). A bobajada de Behe foi há muito desmascarada - uma rápida olhada em sítios web especializados como o Talk Origins é muito esclarecedor. Eberlin é um cientista brasileiro tarimbado - excelente químico, mas que infelizmente nada conhece de biologia: sua tese são coisas batidas como a questão da quiralidade das moléculas biológicas e da complexidade dos organismos vivos.

Continuando o desfile de bobagens:

"
Mas a verdade é que mutações ocorrem em tempo real em Galápagos e em qualquer lugar, mas em nenhum momento os 'tentilhões galapaguianos' chegaram a tornar-se papagaios ou outro bicho qualquer. No início do século 20, Thomas Hunt Morgan já havia estudado 500 gerações seguidas da mosca drosophila, que apresentaram grandes variações genéticas, mas não chegaram a se transformar em nova espécie, assim como os tentilhões de Galápagos, que ainda não viraram papagaios ou 'papagalápagos'."

É assustador - embora nenhuma surpresa - que um professor de escola pública demonstre tal ignorância a respeito daquilo que critica. Como se se esperasse que tentilhões se tornassem papagaios. Especiação, no entanto, ao contrário do que sugere o ignaro professor, já foi observada tanto na natureza, quanto em laboratório (definindo aqui especiação como o surgimento de duas ou mais populações com capacidade reduzida de fluxo gênico entre si a partir de uma única população ancestral).

Um dos poucos trechos aproveitáveis da crítica é este:

"
A revista pinta de forma exagerada, insidiosa e irresponsável um conflito entre ciência e religião, como se todas as pessoas religiosas fossem fanáticas e medievalistas; como se todas elas tivessem ódio ao darwinismo por ser ateísta."

Que repete basicamente a preocupação de Mendonça. Não, nem todas as pessoas religiosas são fanáticas e medievais (e nem todas as pessoas fanáticas e medievais são religosas). Nem todos os criacionistas têm ódio à ideia de evolução. E é errado assumir o oposto. No entato, todos os criacionistas têm restrições de ordem religiosa à evolução e à especiação - embora gostem de tentar camuflar tais restrições com ares científicos, como o Behe.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Afogando em números

Uma pequena compilação de marcas de refrigerantes que levam números em seu nome.



As marvadas numéricas: