Ainda não terminei de ler o "Superfreakonomics" de Steven Levitt e Stephen Dubner (2010 Ed. Campus/Elsevier, 247 pp.) - quando terminá-lo de anotar, devo publicar uma resenha em meu outro blogue -, mas já tem uma coisa que me pareceu estranha.
Entre as páginas 1 e 3, Levitt analisa o risco relativo de dirigir embrigado e andar embriagado. (Aqui tem o trecho a que me refiro.)
Os números que ele dá (referente aos Estados Unidos):
1 de 140 milhas percorridas de carro são sob o efeito do álcool (num total de 21 bilhões de milhas anuais embriagado);
1 prisão a cada 27 mil milhas percorridas de carro sob embriaguez;
mais de 1.000 pedestres embriagados morrem em acidentes de trânsito por ano;
13.000 mortes por ano em acidentes de trânsito relacionados ao álcool;
cada americano anda a pé cerca de 0,5 milha diária - com uma população de 237 milhões de pessoas acima de 16 anos, isso equivale a 43 bilhões de milhas anuais a pé;
Aí, os autores escrevem: "Se assumirmos que uma em cada 140 milhas são percorridas a pé por bêbados - a mesma proporção da milhagem por motoristas embriagados -, os americanos caminham bêbados 307 [milhões de] milhas por ano./Calculando-se a probabilidade, conclui-se que, por milha, caminhar bêbado é oito vezes mais letal que dirigir bêbado./[...] Portanto, ao deixar a festa do amigo, a decisão certa é inequívoca: dirigir é mais seguro do que andar [...]". (Grifo meu.)
Nesse caso, a se aceitar o risco de 8 vezes, as mais de 1.000 mortes passam de 1.500.
Os autores falam que isso é inequívoco. Mas há uma séria limitação nisso. Que é a parte: "Se assumirmos...". É uma suposição - e nem uma muito razoável -, isso faz com que o resultado final seja no máximo tão boa quanto essa suposição. Isso não é ser inequívoco.
Infelizmente desconheço a quantidade real de milhas percorridas por pessoas embriagadas. Os dados que consegui obter foram o número de prisões em algumas cidades da Califórnia de pessoas por "embriaguez pública" - como isso é diferente de "direção alcoolizada", podemos assumir que são pessoas que estavam em local público sem estar ao volante.
Foram 18.710 prisões em 2007. As cidades abrangidas têm uma população total de cerca de 27 milhões de pessoas. Isso dá cerca de 1 prisão a cada 1.445 pessoas por ano (contando crianças, jovens e adultos na população) - a população adulta no estado da Califórnia é de cerca de 75% (aqui) : então teríamos uma prisão a cada 1.083,64 adultos californianos.
Em contraste, a direção embriagada resultaria em 1 prisão a cada 304,71 americanos com mais de 16 anos.
Bem, não dá pra comparar os riscos de prisão porque a minoria dos estados e cidades americanos legislam sobre prisão por embriaguez pública, então não é possível extrapolar a média californiana para o país.
Mas isso nos permite desconfiar da proporção assumida de 1 milha percorrida sob influência alcoólica a cada 140 milhas percorridas a pé. Levitt enfatiza as chances baixas de prisão em caso de direção alcoolizada (volta a enfatizar as chances baixas de prisão por outros delitos - como um cliente em Chicago ter a chance de 1 prisão a cada 1.200 abordagens na rua de uma prostituta - p. 29; as prostitutas têm uma chance de prisão de 1 a cada 450 encontros - p. 37). É menos arriscado assumir que as chances de prisão são também baixas por andar a pé - então o número de prisões é uma subestimativa do total de pessoas que andam embriagadas em público.
Se uma a cada 100 pessoas que andam embriagadas na Califórnia são presas, teremos algo como 10% dos californianos andarem bêbadas - ao menos no nível alcoólico que provoca acidentes de trânsito quando à direção de um veículo automotor. É um número conservador se comparado com os dados sobre o uso de álcool pelos americanos. O chute de 1 a cada 140 milhas parece, assim, subestimar muito o quanto as pessoas andam depois de consumir bebidas alcoólicas. [Como curiosidade, na então Iugoslávia, em 2001, foram feitos estudos em 1.076 corpos autopsiados. 218 haviam morrido de causas naturais, destes, 28 (12,8%) estavam sob influência do álcool. Entre os que morreram em acidente automobilístico, 12,5% de 176 pedestres estavam alcoolizados, 7,7% de 13 motociclistas, 23,5% de 34 ciclistas e 33,8% de 74 motoristas.]
Outro sério problema. As estatísticas não comparam o grau de embriaguez. Por estudos, sabe-se que 8 dg de álcool por dl de sangue é um nível que altera perigosamente a capacidade de direção. No carro, a alta velocidade exige reflexos e atenção. As 1.500 mortes anuais de ébrios a pé podem perfeitamente se referir a pessoas excessivamente alcoolizadas (Levitt fala dos casos de pessoas que se deitam em vias públicas - e são atropeladas - somente alguém muito embriagado faz isso - literalmente e de paixão).
sexta-feira, 7 de maio de 2010
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