terça-feira, 24 de maio de 2011

Reaças e fascistas?

Marcelo Coelho na Folha e Marcelo Rubens Paiva no Estadão analisam episódios recentes de manifestação de intolerância e preconceito e a questão da (in)correção política.

Em linhas gerais, tocam nos pontos que eu já havia citado no "Manifesto pela correção política"; os textos dos articulistas são uma boa chamada à consciência, mas eu não iria tão longe em designar boa parte dos criticados (e dos defensores dos criticados) de reacionários e fascistoides.

A meu ver estão mais para mal guiados. O fato de a maioria reconhecerem (antes que algum desavisado que andou lendo textos contrários ao livro "Por uma vida melhor" da editora Global aponte erro de concordância entre 'maioria' e 'reconhecerem', trata-se de uma concordância ideológica) a bobagem que disseram parece-me indicar isso. Sim, devem ser criticados - e sempre que voltarem a dizer ou escrever tolices desse calibre. Mas estão longe de serem Boçonaros da vida.

De qualquer maneira, ainda bem que pessoas com alcance dos Marcelos ajudem a desarmar a armadilha retórica do "politicamente incorreto".

sábado, 14 de maio de 2011

Reinaldo Azevedo sabe contar?

Deve saber, mas não entendo a progressão que Reinaldo Azevedo fez no texto dele sobre o protesto do "gente diferenciada".

Começa com: "Falharam os esforços da Folha, do Estadão e da CBN. Não mais do que 50 ou 60 pessoas — e estou sendo generoso — se reuniram em frente ao Shopping Higienópolis para “protestar” contra a população do bairro que supostamente rejeita o metrô."

Aí segue: "No auge do protesto, não havia mais do que 150 pessoas por ali, a maioria, era visível, formada por curiosos e por freqüentadores do shopping que foram ver o que estava acontecendo."

Mais pra frente: "O movimento deve ter atingido 1% dos signatários do Facebook — umas 500 pessoas — só quando o estado franqueou o espaço público aos manifestantes."

Então eram não mais do que 60, não mais do que 150 ou eram 500 pessoas? Como podem ter vindo 500 se o auge foi com 150?

Por que inicialmente escreveu "protestar" entre aspas? Não era mesmo um protesto?

RA ainda registra: "Uma dona lá, falando em nome do povo, ostentava um cartaz que anunciava: “Só ando de Metrô em Nova York, Londres e Paris.” Um movimento, como se vê, de raiz inequivocamente popular." 1) Ele não entendeu a piada? 2) Mesmo que ela estivesse falando a sério, como uma pessoa em meio a, sei lá, 60, 150, 500, caracteriza todos os protestantes? (Isso porque RA escreveu logo antes: "Há tempos não leio um daqueles seus textos em que o incauto, coitado!, estimulado pela interlocutora, expõe os seus demônios e é tomado como símbolo de uma coletividade." - ele mesmo toma uma pessoa como símbolo da coletividade.) 3) Mesmo que caracterizasse, qual o problema? Não são apenas os pobres que podem pedir metrô. Tanto melhor se os ricos também aceitarem esse meio de transporte.

E depois de dizer que não era movimento popular, mas de pessoas ricas escreve: "O preconceito contra os ricos, que derivou para a pregação anti-semita, havia assumido, finalmente, a sua face petralha". Então para o RA era um movimento de pessoas ricas exibindo preconceito contra os ricos? Estou confuso.

Aliás, preconceito contra rico é um absurdo pro RA, mas lá vai no blogue dele: "Outros tantos tinham aquele 'shape' de consumidores recreativos — como diria o deputado Paulo Teixeira, do PT — de substâncias ilícita." Julgar as pessoas pela aparência ('shape') é o quê? Não é preconceito? Contra pobre tudo bem? Feio é pobre criticar o ricaço por, egoisticamente, não quererem metrô no bairro?

Também não sei de onde ele tirou isso de "pregação anti-semita" (do comentário do Danilo Gentili - que não tinha nada a ver com o churrasco - talvez?).

Não sei se eu participaria mesmo se estivesse em sampa, mas foi uma coisa muito legal, ainda mais que pelos relatos foi totalmente pacífico e sem ocorrências policiais ou médicas.

Da absurda nota da CNBB sobre a decisão do STF a respeito da união estável de homossexuais

A íntegra da nota da CNBB criticando a decisão do STF de reconhecer a união estável de casais do mesmo sexo pode ser lida em uma reportagem do Estadão.

Um festival de bobagens.

"A diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural."

Quem e onde disse que as diferenças sexuais são opções culturais? (Há diferenças de 'papéis' que são de fato culturalmente condicionadas - há sociedades matrilineares, patrilineares, matriarcais, patriarcais, poliândricas, poligínicas, etc., mas suponho que estejam a falar das características biológicas como aparelho reprodutor e orientação sexual.)

E se disseram, qual a relevância disso?

"O matrimônio natural entre o homem e a mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural."

Bééééé, wrong answer.
1) No Brasil, o ordenamento jurídico *não* se baseia em "direito natural". A Constituição Federal diz no parágrafo único de seu artigo 1o: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" e em seu artigo 5o, inc. I: "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" e II: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
2) Casamento, monogamia e união somente de homem com mulher *não* é dado pela natureza e com valor universal. Há fortes suspeitas a respeito da monogamia em humanos. Tanto o casamento não é nem um pouco universal que os próprios bispos que elaboraram (ou pelo menos subscreveram) a equivocada nota *não* são casados - aliás, a todo o clero da ICAR é vetado o casamento.

"As pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou predominante pelo mesmo sexo são merecedoras de respeito e consideração. Repudiamos todo tipo de discriminação e violência que fere sua dignidade de pessoa humana."

Ótimo, então não vamos discriminá-las dizendo que elas não podem constituir família.

"As uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo recebem agora em nosso País reconhecimento do Estado. Tais uniões não podem ser equiparadas à família, que se fundamenta no consentimento matrimonial, na complementaridade e na reciprocidade entre um homem e uma mulher, abertos à procriação e educação dos filhos."

Como não? Há consentimento entre as partes - ninguém está obrigando ninguém a se manter em união (ou futuramente, se casar), há complementaridade e reciprocidade entre os indivíduos da união. Não há proibição de um casal infértil (ou que simplesmente não desejem filhos) de se unirem (e nem de se casarem), então a procriação dentro da união não é objeção. E um casal homossexual poderia ainda: ter filhos de outras relações (um homem divorciado ou uma mulher divorciada, p.e.) ou mesmo adotar crianças (a lei permite que até solteiros adotem, por que não um casal homossexual?). Tendo filhos, há obrigação legal de que os responsáveis lhes provenham educação.

"Equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma."

Que ameaça? Casais heterossexuais continuarão suas vidas. Ninguém está proibindo a união heterossexual, apenas permitindo a união homossexual - ou melhor, a lhe reconhecer seus direitos.

"É um fato real que a família é um recurso humano e social incomparável, além de ser também uma grande benfeitora da humanidade. Ela favorece a integração de todas as gerações, dá amparo aos doentes e idosos, socorre os desempregados e pessoas portadoras de deficiência. Portanto têm o direito de ser valorizada e protegida pelo Estado."

O Estado está tanto *valorizando* a família que está a permitir que *mais* pessoas possam constituir as suas - com seus direitos assegurados. Casais homossexuais podem igualmente favorecer a integração das gerações, dar amparo aos doentes e idosos, socorrer os desempregados e portadores de deficiência. Homossexuais não são mais (nem menos) egoístas do que heterossexuais tanto quanto podemos saber.

"É atribuição do Congresso Nacional propor e votar leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites de sua competência, como aconteceu com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Não é a primeira vez que no Brasil acontecem conflitos dessa natureza que comprometem a ética na política."

O STF já ultrapassou antes seus limites de competência - como no caso Battisti -, mas aqui não é o caso. O STF está *garantido direitos* a um grupo de *cidadãos* - a quem a própria nota da CNBB diz que não se deve discriminar. O instrumento aplicado foi a ADIN (houve também uma ADPF, considerada prejudicada): julgou-se que as leis que restringem o reconhecimento da união estável a apenas casais heterossexuais era inconstitucional, por promover exatamente a discriminação contra os homossexuais.

Que pessoa de bem pode ser contra *garantir direitos* de pessoas, sobretudo, quando essa garantia de direitos não fere os de ninguém?

A CNBB perde mais uma oportunidade de se mostrar humanista (há pontos altos em outras ocasiões quando se põe a defender os direitos humanos), atuando mais uma vez de modo retrógrado e obscurantista com essa nota.