Tenho simpatia pelo entusiasmo dos que professam a pós-modernidade. Gosto de muitas das críticas que fazem ao mundo moderno. No mínimo, obriga-nos a pensar sobre a questão.
Minhas objeções são mais quanto à ênfase que colocam no relativismo epistemológico (a ideia de que não há uma verdade única e que cada um tem sua própria verdade - e todas igualmente válidas).
Uma outra crítica minha é quanto a uma certa falta de rigor em delimitar se o que nos apresentam é uma tentativa de descrever como o mundo é (ou lhes parece ser) ou se é um manifesto de como o mundo deveria ser. Alguns tentam disfarçar isso dando a entender que, goste-se ou não, a pós-modernidade é uma realidade irrefreável.
Uma característica muito comum nos entusiastas da pós-modernidade é alguma tendência verborrágica. Não fazem muita questão de dar definição de termos que vão desfilando. Nisso secundo as críticas de
Alan Sokal e Jean Bricmont a vários autores pós-modernos.
Em recente aula que tive em um curso de jornalismo científico, o professor, notadamente entusiasta da pós-modernidade, pôs-se a listar algumas características tipicamente pós-modernas, em contraste com características tipicamente modernas (bom dizer que se enfatizou que tais características não são do tipo tudo ou nada - entre uma coisa e outra há, no mais das vezes, uma gradação entre extremos).
Uma das características listadas para a pós-modernidade (ou para o mundo pós-formal) seria o pensamento com estrutura não-linear, em rede. Exemplo do mundo moderno (ou formal) com pensamento linear seriam as narrativas dos blockbusters cinematográficos. Por outro lado, no pós-formal estariam grandes cineastas como Akira Kurosawa e Stanley Kubrick.
Bem, em assim sendo o mundo não apenas é moderno como não tem nenhuma inclinação aparente rumo à pós-modernidade. A realidade cinematográfica são os blockbusters, é o cinema pipoca. No mais das vezes, é o sucesso financeiro disso que permite se arriscar em obras mais "autorais". E não apenas no cinema - na literatura, no teatro... Do contrário, depende-se de financiamento público ou de mecenato.
Como descrição de realidade, parece-me que a filosofia *da* pós-modernidade é muito limitada.
Outra característica da pós-modernidade é a ênfase na subjetividade - a modernidade, claro, teria uma visão que buscaria uma pretensa objetividade. Até aí ok. Problema é quando se tenta apoiar a superioridade da visão pós-moderna por meio da mecânica quântica: que a realidade objetiva não existiria, que as coisas apresentam-se em vários estados ao mesmo tempo e que o observador influencia o mundo. A rigor até tem algum fundo de verdade, mas é enganador para os propósitos apresentados. Sim, na MQ, sistemas *podem* estar em estado de sobreposição, sem um valor de estado dado definido. E, sim, esse estado de sobreposição é desfeito por meio da observação. O famoso experimento mental do gato de Schrödinger.
Vamos aos poréns:
a) isso é válido para o mundo quântico: são sistemas isolados; nosso mundo "macroscópico" não é isolado e, por isso, tende a funcionar de modo clássico - equações newtonianas são mais do que o suficiente para se mandar robozinhos a Marte e sondas para os limites do sistema solar (sistemas macroscópicos em condições especiais podem se comportar quanticamente, bom dizer).
b) o observador não precisa, de modo algum, ser consciente; um fóton que interaja com um sistema em sobreposição quântica faz uma observação.
c) o observador, pelo menos pelo que se sabe até o momento, não tem poder algum sobre o *resultado* da decoerência quântica (ou colapso da função de onda): um observador consciente que deseje que o gato saia vivo da caixa terá com a mesma probabilidade um gato vivo do que um observador consciente com tendências um tanto psicopática
s de desejar que o gato saia morto.
d) quando a caixa é aberta, *todos* verão o gato no mesmo estado (tirando eventuais pessoas com problemas de visão ou mentais).
As *equações* quânticas são probabilísticas, sim. Mas as probabilidades, dadas as mesmas condições iniciais, são sempre as mesmas. E essas probabilidades se refletem na *proporção* dos resultados dos experimentos e observações em testes *repetidos* - cada teste dá um *valor definido* e *único* (dentro da margem de erro).
Talvez não exista uma realidade objetiva, há espaço para interpretação de resultados, mas isso não ocorre de modo totalmente livre. A tal interpretação hermenêutica pode ter espaço para dizer se a construção de um determinado prédio em um dado local é vantajoso ou não, mas tem pouco espaço para manipular as constantes físicas e fazer com que um arranha-céu possa ser erguido sem uma fundação devidamente calculada e permanecer em pé.
O entusiasta da pós-modernidade confia exatamente na existência de uma realidade minimamente partilhada de modo universal para poder se comunicar. Para dizer que não há realidade objetiva, precisa confiar em que seus interlocutores não irão ouvi-lo dizer "banana caramelada é doce", "depois de eras estranhas até a morte pode morrer", "batatinha quando nasce se esparrama pelo chão", etc. quando diz as palavras "a realidade objetiva não existe".
Nesse sentido, tampouco estou certo se a pós-modernidade, como um conjunto prescritivo, é algo desejável - ao menos como um programa a ser implementado em sua plenitude. Como objetivo, a filosofia *pós-modernista*, mesmo se alcançável (no que sou reticente, dada a autocontradição que encerra), deixa muito a desejar considerando-se as necessidades comunicativas de uma espécie social.