terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Brasileiro pode ser processado por crime no exterior?

Reproduzo comentário que enviei ao blogue do Luis Nassif a respeito da trágica morte do jovem boliviano Kevin Espada e a confissão por um adolescente brasileiro.

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Alguém poderia me explicar qual a base legal para se processar no Brasil um brasileiro nato por crime cometido no exterior?

Diz o código penal brasileiro:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
 II - os crimes:
 b) praticados por brasileiro;
 § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; 
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
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Aplicam-se as alíneas 'a', 'b', 'd' e 'e'; mas não a alínea 'c', pois diz a Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
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Então, pelo que entendi, o garoto não poderia ser processado - mesmo que fosse adulto. Não no Brasil.
[]s,
Roberto Takata

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Upideite(26/fev/2013): Complemento
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A jurisprudência nega minha interpretação. Há dois casos no STJ de julgamento de brasileiro nato por crimes cometidos no exterior:
Mas ainda acho que são decisões - do ponto de vista legal - equivocadas. Especialmente o primeiro caso, em que parecem ter entendido as condicionantes do parágrafo 2o do artigo 7o do Código Penal como condicionantes suficientes, em vez de de condicionantes necessárias (sendo suficiente somente a observação de todas ao mesmo tempo).
"1. Aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7.º, inciso
II, alínea b, e § 2.º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi
praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente 
ingressou em território nacional."
[]s,
Roberto Takata

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Upideite(07/mar/2013): Tem ainda o fato de que, por se tratar de menor, o homicídio não se tratar propriamente de crime mas de ato infracional.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Desagradar a gregos e troianos = imparcialidade. Será?

O jornalista Juca Kfouri reclama (com razão) da crítica ranzinza dos anônimos e nem tão anônimos comentaristas - de internet e leitores de jornais. Mas sugere que o fato de ser criticado por todos os lados é sinal de que cumpre bem seu papel de imparcialidade e equilíbrio.

Não se contesta aqui o excelente trabalho de Kfouri. Apenas esse mito recorrente (ele não é o único a argumentar nessa linha) de que a grita geral sinaliza que se está apertando nos calos de todos equanimemente.

Ocorre que ele mesmo nota que muito disso - se não no todo - deve-se a um clima chamado de Fla-Flu. Visões extremistas opostas que não aceitam qualquer tipo de crítica sem enxergar nisso algum tipo de conspiração dos adversários. Então qualquer texto que não esteja nesses extremos opostos são alvo de saraivadas raivosas dos dois lados (ou de mais, quando os há), não importa se penda mais para um lado ou para outro.

No máximo, tal padrão de crítica generalizada indica que o criticado não faz parte de nenhuma panela mais extremada. E não muito mais do que isso. Pela própria baixa capacidade de matização dos críticos não é possível usar isso como sinal de adequamento equidistante entre as partes.

Oras, Kfouri é assumidamente esquerdista. Apenas não é bolchevique ou versão despirocada da esquerda revolucionária armada como as defendidas por grupos como o PCO ou PSTU. Receber crítica destes não indica que esteja afastado da esquerda.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

"No Brasil, pagamos impostos demais". Talvez não.

O jornalista Paulo Nogueira, em seu blogue Diário do Centro do Mundo, critica editorial da Folha de São Paulo sobre a carga tributária brasileira.

Não sei exatamente a qual editorial o jornalista se refere. Há vários da Folha tratando o tema. Em um deles, o jornal sugere reduzir o PIS/Cofins (federal) e simplificar o ICMS (estadual); ainda que o ICMS seja a maior fatia da carga tributária total: 7,2% contra 4,8% do PIB.

Nogueira compara a carga tributária do Brasil. Maior do que o México, mas menor do que países escandinavos. Por outro lado, os favoráveis à redução da carga tributária, comparam com EUA e Japão, com carga menor do que a brasileira. Quem tem razão?

Pela Figura 1, vemos a relação entre a carga tributária (considerando apenas a arrecadação do governo central - no caso do Brasil, apenas impostos federais) e o IDH para 99 países.

Figura 1. Correlação entre carga tributária (como porcentagem de impostos recolhidos para o governo central em relação ao PIB) e o IDH. (Brasil: vermelho; linha vertical: média da carga tributária dos países analisados; linha horizontal: média do IDH) Ano base: 2010. Fontes: Banco Mundial e Pnud.


Se há alguma relação, é uma bem fraca em que um maior IDH corresponde a uma maior carga tributária - comportando grande variação entre países. A carga tributária brasileira é bem próxima à média dos países analisados e seu índice de desenvolvimento também corresponde praticamente à média do IDH dos países e está bem próxima à reta de correlação - isto é, não desvia muito da média de desenvolvimento dos países com carga tributária similar.

É difícil cravar que aumentar a carga tributária levará ao aumento do desenvolvimento do país. É verdade que programas como redução da pobreza, melhoria da educação e da infraestrutura, demandam maior investimento público. E maior investimento público necessita de uma maior arrecadação. Por outro lado, isso depende também de uma maior eficiência nos investimentos. Muita coisa se perde no meio do caminho, pela ineficiência e pelo desvio de verbas.

Mas a análise de Nogueira parece mais próxima à realidade revelada pelos números do que a visão classemédia de que se paga muito imposto no Brasil.

(Via Escrevinhador.)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Despedida de um amigo: Manuel Bulcão (1963-2012)

No blogroll à direita, o leitor notará que o blogue "A arte do conceito" não é atualizada há 5 meses. E a última postagem é "MANUEL SOARES BULCÃO NETO (1963-2012)" de 24 de agosto de 2012.

Quando subiu essa postagem, não quis acreditar no que o título implicava. Com uma poesia não explícita, imaginei que poderia ser alguma mensagem enigmática do meu amigo Bulcão.

Cheguei a postar um comentário lá, esperando esclarecimentos. Como não me responderam por um tempo, dei de ombros. Mas uma resposta foi postada vinte dias depois, por um outro amigo de Bulcão e que só agora vi - confirmando a perda lamentável.

"Caro Roberto Takata. Nosso amigo Bulcão morreu no dia 23 de agosto, poucos dias depois de completar 49 anos. Em "Sobre a Consciência", de As Esquisitices do Óbvio, ele escreveu: "Quanto ao homem, uma consequência do seu grande poder de previsão é, precisamente, a consciência da morte, da sua própria e dos seus entes queridos. E como, além de perseguir pequenos projetos cotidianos, o homem, contrariamente ao chimpanzé, também se guia por um projeto maior, um "projeto de vida", a morte - que, sabe ele, pode ocorrer a qualquer momento - sendo uma ameaça constante a qualquer plano pessoal que se tem como razão de viver, representa uma inesgotável fonte de angústia". 

E, no entanto, creio poder assegurar que o Manuel (a partir da conversa que tivemos na UTI, no último dia em que lhe foi possível ainda falar) não se encontrava angustiado, mas bastante tranquilo, perante a possibilidade tão iminente da morte; 'não estou com medo' foram suas palavras. 'A morte não é uma negação ou ruptura da vida, mas sua completude'. E ficamos nós, os amigos, muito menos tranquilos, pasmos diante dessa óbvia esquisitice, a despedida de Manuel Soares Bulcão Neto.

p.s: creio, Takata, que você gostará de saber o quanto Bulcão o tinha em consideração. Várias vezes ele o mencionou, e sempre com admiração."

Em sua curta carreira literária nos legou quatro obras:
- As esquisitices do óbvio (2005) - Ápex Editora;
- Sombras do iluminismo (2006) - Editora 7Letras;
- A eloquência do ódio (2009) - LivroPronto Editora;
Contra o princípio copernicano (2012) - Emooby.

Não são textos de leitura fácil - ainda que longe da obscuridade de textos acadêmicos de pretensa densidade -, mas são argumentos muito bem estruturados. São leituras que provavelmente tirará o leitor da zona de conforto. Se quiser contra-argumentar, terá que suar muito e munir-se mais do que de retórica vazia ou apreciação ligeira das formas.

Mas nessas horas... a gente só consegue pensar em como a vida é injusta em sua frieza insensível aos dramas humanos.