quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Punir (criminalmente) juízes e promotores é ruim?

Não tenho a resposta à pergunta do título, mas reproduzo abaixo (com modificações)  algumas considerações que publiquei alhures a respeito da medida de constituição de "crimes de abuso de autoridade" de juízes e promotores.
-------------
Na aprovação pela Câmara do substitutivo de Rodrigo Maia ao PL 4.850/16 (a lei das 10 medidas de combate à corrupção) e dos destaques e emendas (a votação seguirá agora no Senado), parece que a parte que mais causou comoção foram os dispositivos a respeito do "abuso de poder" por magistrados e promotores.
Não obstante a motivação pareça mais do que suspeita (e com toda razão), o texto desses dispositivos não me parecem ruimns.
No caso dos juízes:
"Art. 8º Constitui crime de abuso de autoridade dos magistrados:
I - proferir julgamento, quando, por lei, seja impedido;
II - atuar, no exercício de sua jurisdição, com motivação político-partidária;
III - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
IV - proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções;
V - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo de magistério;
VI - exercer atividade empresarial ou participar de sociedade empresária, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;
VII - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade simples, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe e sem remuneração;
VIII - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
IX - expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério."
Com pena de 0,5 a 2 anos mais multa.
Dá pra discutir o tamanho da punição; no entanto, me parece que são atividades que devem mesmo ser vedadas - e já são genericamente. Os incisos I, II, III, IV são, pela lei do impeachment (Lei Federal 1079/50), motivos para destituição de ministros do STF. Os incisos VI, VII e IX são vedações presentes na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/1979 art. 36). Talvez o inciso IX seja mais problemático, mas a boa prática recomenda que o juiz não faça isso mesmo: compromete o próprio processo e joga suspeições quanto à isenção do magistrado.
No caso dos promotores, a lista é mais longa:
"Art. 9º São crimes de abuso de autoridade dos membros do Ministério Público:
I - emitir parecer, quando, por lei, seja impedido;
II - recusar-se à prática de ato que lhe incumba;
III - promover a instauração de procedimento, civil ou administrativo, em desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito;
IV - ser patentemente desidioso no cumprimento de suas atribuições;
V - proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo;
VI - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;
VII - exercer a advocacia;
VIII - participar de sociedade empresária na forma vedada pela lei;
IX - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo de magistério;
X - atuar, no exercício de sua atribuição, com motivação político-partidária;
XI - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
XII - expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de atuação do Ministério Público ou juízo depreciativo sobre manifestações funcionais, em juízo ou fora dele, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério."
Também pena de 0,5 a 2 anos de prisão mais multa.
Igualmente parecem coisas sensatas de se proibir - e já são genericamente - que promotores pratiquem. Os incisos VII, VIII, IX, X, XI são vedados pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal 8.635/1993, art. 44)  O mais problemático é o inciso XII, igual ao IX do art. 8°, mas, de novo, é uma prática que atenta contra a própria lisura do processo.
-------------

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Por que o Brasil recebe tão poucos turistas? Porque é longe.

A revista Superinteressante fez uma matéria baseada em uma pergunta um tanto exagerada: "Por que ninguém viaja para o Brasil"?

Considerar os pouco mais de 6 milhões de turistas como ninguém é forçar a mão um tanto. É verdade que é longe dos mais de 80 milhões de estrangeiros que a França recebe, mas não dá para desprezar esse contingente que aqui aporta todos os anos. Poderia ser maior? É possível que sim e a reportagem lista uma série de medidas que poderiam ajudar: melhoria da infraestrutura como portos, das atrações como parques e dos serviços como atendentes que saibam inglês. Parecem medidas sensatas, mas serão suficientes?

Uma questão que não foi abordada e raramente vejo contemplada nas discussões sobre o tema - até porque é algo sobre o que provavelmente não dá pra fazer muita coisa: o Brasil é longe, muito longe, um reino tão tão distante dos principais centros de origem de turistas - América do Norte (claro, principalmente os EUA, mas também Canadá e México), Europa Ocidental (Alemanha, Reino Unido, Itália e França) e Extremo Oriente (China, Japão, Coreia - e também o sul e o sudeste asiático com a Malásia e a Índia). E até a Europa Oriental (Polônia, Rússia e Ucrânia).

Na Fig. 1 estão plotados (em logaritmos) os dados do número de turistas recebidos anualmente contra a distância dos três principais centros de origem de turistas: EUA, Europa Ocidental (com a França como representante) e Extremo Oriente (com o Japão como representante). A correlação não é particularmente alta, mas considerando que deve ser um fenômeno multifatorial (infraestrutura, divulgação, atrações, clima, câmbio, instabilidade política, hospitalidade, história...), o fato de a distância (em relação ao grande centro mais próximo, em logaritmo) explicar 12% da variância do número de turistas (em logaritmo) não é algo para ser desprezado.

Figura 1. Relação entre distância de grandes centros de origem de turistas e número de turistas recebidos por ano. Triângulo verde: México, quadrado vermelho: Peru, amarelo: Austrália, verde: Brasil, azul claro: Argentina. Fontes: número de turistas recebidos - Index Mundi; distâncias - DistanceFromTo.

Brasil e Austrália - não dá para dizer que a infraestrutura australiana seja um desastre, nem que o desconhecimento do inglês seja uma barreira - estão em situações bastante similares tanto em termos de número de turistas recebidos quanto do isolamento dos grandes centros de origem de turistas. Navios de cruzeiro e aviões tornam as distância transponíveis, mas não irrelevantes - os custos das passagens são proporcionais às milhas percorridas de modo geral. Ambos recebem até mais turistas do que seriam esperados em relação à distância, mais até do que o Peru, por exemplo (que também recebe mais do que o esperado pela distância).

Como dito, distância não é um fator que seja muito fácil de modificar. A criação de mais de linhas de transporte facilitadas - por navios de cruzeiro e voos internacionais - podem ajudar derrubando os custos e alongando prazos de pagamento, mas o quão economicamente viáveis seriam?

Uma alternativa (ou complemento) ao turismo de massa é o turismo de luxo/negócios. Se o tamanho do fluxo é difícil de se aumentar, pode-se focar em atrair um setor mais endinheirado. Mas isso tem seus poréns: os investimentos iniciais são bem mais altos; o setor de negócios tendem a se concentrar em grandes cidades; o de luxo pode se desenvolver em cidades menores, mas tende a elevar o custo de vida local.