sexta-feira, 27 de julho de 2012

Space quota exceeded 10

A tramitação do PLC 180/2008 está em seus momentos finais, mas parece que vai longe ainda. E muitas das críticas ao projeto são baseadas no desconhecimento de seu teor.

Há 10 dias, o amálgama publicou um texto contrário às cotas. O único detalhe relativamente diferente é que é um texto de uma pessoa negra. Sob esse aspecto é interessante - mas não é exatamente uma novidade, José Roberto Ferreira Militão, por exemplo, é um dos negros de primeira hora contrário às cotas.

O problema do texto no amálgama é que é eivado de erros de caracterização dos argumentos pró-cotas.

1. "O raciocínio pró-cotas é o seguinte. Dada essa injustiça histórica, nada mais válido e justo do que haver uma reparação de tal situação, pois existe uma dívida com o negro desde a escravidão, e uma necessidade urgente de que ela seja paga. O Estado deve ser o responsável para que se solucione estas distorções, e por isso a aplicação do sistema de cotas não é só justa, mas inevitável. Só pessoas racistas, preconceituosas e torpes não veriam justiça nas cotas."

A reparação histórica é apenas *um* dos argumentos pró-cotas (e, de modo mais amplo, das políticas de ações afirmativas). E não é defendida de modo unânime. Há pelo menos quatro classes de argumentos - não necessariamente mutuamente excludentes, mas não necessariamente defendidos em conjunto: a reparação histórica, a reparação da injustiça atual, a geração de diversidade e a divulgação para certos grupos excluídos normalmente.

Para mim, a reparação da escravidão é complicada pelo fato de os registros terem sido destruídos. Não há muito como saber quem da população atual é descendente ou não de escravos. Pode haver reparos caso a caso com a apresentação de documentos. Mas a discriminação atual é patente e é isso que precisa ser reparado. Pode ou não ser por meio de cotas. Embora, claro que as cotas sozinhas não sejam mecanismos suficientes.

E não é verdade que somente pessoas racistas e torpes sejam contra as cotas. Há as que são apenas desinformadas. Há as que são bem informadas, mas partem de pressupostos diferentes - como uma defesa da exclusividade da meritocracia no acesso ao ensino superior (embora haja argumentos que fragilizem essa visão da meritocracia - já que estamos partindo de situações desiguais na disputa por vagas). E, sim, há as que são racistas - não necessariamente torpes. E há as torpes.

2. "Os favoráveis às cotas argumentam que os negros são 51% da população, contra 49% de brancos, e que a desproporcionalidade da presença das duas etnias nas universidades é gritante. Esse argumento já traz uma falácia e adulteração tremenda. Primeiro, dados do IBGE mostram que a população se declara como sendo branca em sua maioria, 49%; em segundo lugar, pardos, 43%; seguidos dos negros, 7%."

A desproporção da representação não tem exatamente com o fato de os negros serem (ou não) a maioria censitária. No IBGE 7% correspondem aos pretos - e há bem menos do que 7% entre os universitários. Do mesmo modo que há bem menos do que 43% de pardos entre os estudantes de nível superior. E indígenas, que ninguém falaria que são maioria censitária, também são bastante subrepresentados na população universitária.

No entanto, dizer que negros representam a maioria da população não é falácia nem adulteração tremenda. As proporções de pretos e pardos são unidas sob a denominação de negros. Essa prática é comum nos estudos sobre questões raciais no Brasil, por exemplos:

"As categorias relativas à cor das pessoas, contempladas nesta análise, são branca, negra (formada pelos pretos e pardos) e outras (que inclui os indígenas e os orientais)." aqui

"Conforme convenção do IBGE, no Brasil, negro é quem se autodeclara preto ou pardo, pois população negra é o somatório de pretos e pardos." aqui

"Quanto ao quesito raça, ainda que os dados da PNAD e da NHIS considerem uma gama variada de cores/raças (no Brasil) e grupos étnicos (nos EUA), vamos nos ater, por razões de comparabilidade, aos grupos ‘Brancos’ e ‘Negros’, incluindo neste último os indivíduos que se declaram ‘Pretos’ e ‘Pardos’. Esta classe, ‘Negros’, criada a partir da junção de ‘Pretos’ e ‘Pardos’ tem mais afinidade com o conceito ‘Black’ utilizado nos EUA e na linha dos afrodescendentes, como reivindicam os movimentos negros." aqui

E não é para fins falaciosos ou adulterativos. É pelo simples fatos de que as condições dos dois grupos são similares - a discriminação racional no Brasil se liga muito ao grau de melanização da pele. Vários estudos do próprio IBGE mostram a similaridade das condições socioeconômicas entre pretos e pardos, p.e.: aqui, aqui, aqui, aqui, etc, etc. (No texto do PLC 180/2008, no entanto, usa-se 'negros' para denominar o que o IBGE considera 'pretos': a lei fala em negros, pardos e indígenas, e.g., art. 3o.)

3. "Outra questão ignorada pelos apologistas das cotas é que a ciência praticamente eliminou o conceito de raça, pois os genes de alguém de pele branca podem conter mais raízes africanas que os de um negro, e vice versa. Isso posto, o uso do critério 'raça' para definir cotas perde a validade e é um retrocesso científico. Alguns defendem que se deve ter em mente a dimensão social, pois as raças ainda têm aplicabilidade social. Porém, no Brasil, um país miscigenado, esse argumento deve ser relativizado. Obviamente, o preconceito e a discriminação existem por aqui; sabemos que, em certas ocasiões, postos de trabalho e lugares dentro da sociedade são negados a um sujeito devido à cor de sua pele. Mas esse fato não torna o Brasil um país racista em sua essência, pois aqui as etnias convivem de maneira razoavelmente próxima, com poucos conflitos de cunho racial, graças à miscigenação que constituiu o povo brasileiro desde a época colonial [...]"

Não é uma questão ignorada de que raça como conceito biológico não se aplique bem à situação humana. Tanto é que o sistema aqui é de autodeclaração e não um teste biológico. (Veja que critério socioeconômico como renda também não é biológico - quem é rico pode ter tido pais pobres ou ter sido ele mesmo pobre e vice-versa; há mistura de classes e o corte de quem é rico e quem é pobre é arbitrário.)

Agora, negar oportunidade de trabalho por questão da cor de pele torna *sim* o Brasil um país racista. Não se trata de um fato isolado, mas de um fenômeno social - tanto é que é mensurável na forma de exclusão socioeconômica. Menos oportunidade de emprego, trabalhos piores, menor remuneração...

Porém, as cotas (e as ações afirmativas) não dependem de haver ou não racismo (preconceito por conta de raça ou etnia atribuída). A questão é de se há ou não discriminação (exclusão socioeconômica correlacionada à raça ou etnia atribuída).

4. "E os descendentes dos japoneses que chegaram aqui no começo do século XX e foram vítimas de um preconceito quase tão intenso quanto os negros, e, sem incentivo de ninguém, apenas com a própria força, através de educação e disciplina, conseguiram ascender socialmente, terão que pagar?"

Na verdade o preconceito contra os japoneses foi muito *inferior* ao que sofreram e sofrem os negros. Japoneses nunca foram escravos - embora muitos tenham trabalhado em condições análogas à escravidão. Chegaram aqui dentro, justamente, de uma política oficial de embranquecimento da população brasileira (na outra ponta, dentro de uma política expansionista não-militar do Japão). A ascensão social foi possível justamente porque tinham direito à posse: podiam acumular riquezas, comprar e negociar propriedades. Coisa que durante a escravatura era virtualmente negada aos negros escravos.

Mas, sim, os japoneses e seus descendentes também terão que pagar. A discriminação é difusa. E muitos japoneses são racistas e contribuem com a discriminação por meio do preconceito - p.e. ao negar emprego para negros. Os próprios negros também acabam pagando - seus impostos também sustentam as universidades públicas. Isto é, a contribuição deve ser de todos.

5. "O que os defensores das ações afirmativas nunca lembram em seus argumentos é que em nenhum local onde as cotas foram implementadas houve alcance dos resultados desejados, e em vez de diminuir os conflitos e as distorções étnicas, elas as ampliaram. Thomas Sowell, renomado economista norte-americano e insuspeito de ser racista (ele é negro), estudou a questão das cotas nos EUA, na Índia e na África."

O estudo de Sowell é bastante falho como demonstra James Sterba. Os exemplos de outros países que não os EUA são falhos porque são cotas elaboradas por maiorias sociais (ainda que minoriais censitárias eventualmente) em benefício próprio. (Aliás, os erros de Thomas Sowell na crítica às ações afirmativas merecem uma análise mais extensa, que deixo para outra hora.)

5b. "Caso exemplar é dos EUA, onde a maior parte dos estados já eliminou as ações afirmativas, pois concluiu-se que eram ineficientes e catalisadoras de ódio entre grupos e classes."

Não é verdade. A eliminação de política de ações afirmativas do tipo cotas raciais ocorreu por decisão da Suprema Corte e não tem a ver com ineficiência ou geração de ódio, mas por entenderem os juízes (conservadores na maioria, diga-se) que elas só poderiam ser aplicadas em caso de correção de prejuízos anteriores (justamente a tal reparação histórica): isso, no entanto, obrigaria às empresas e universidades assumirem culpa anterior - o que abriria brecha para pesados processos indenizatórios.

6. "A real solução para o problema é uma só: melhoria do ensino de base (ensino fundamental e médio)."

Mais ou menos. É algo pelo qual todos lutam. No entanto, se há consenso, por que tão pouco é efetivamente realizado? Há questões bastante complicadas por trás. Mesmo eliminando-se disputas ideológicas a respeito: que tipo de educação é a melhor? a conteudista? a construtivista? - educação de qualidade envolve muita verba. E a briga pelos 10% do PIB na educação é encarniçada. E, acredite, os que defendem a adoção de cotas *defendem* também os 10% do PIB na educação - não todos, claro; do mesmo modo que nem todos os que são contra as cotas defendem aumento de gastos com educação.

De todo modo, não são objetivos excludentes. Como disse antes, boa parte dos pró-cotas são também favoráveis a mudanças e melhorias gerais no ensino básico. A melhoria da educação básica não é uma *alternativa* às cotas. São dois projetos distintos - um de mais longo prazo (tanto em se efetivamente conseguir fazer as tais melhorias, como em tais melhorias surtirem efeito) e outro de mais médio prazo (as cotas já estão implementadas e os efeitos estão a ser medidos).

7. "O sistema de cotas raciais beneficia parte dos negros, os que possuem arcabouço educacional para alcançar uma universidade, mas não alcança os reais necessitados, os pobres, que são de diversas etnias."

Mesmo que beneficiasse, já seria um ganho em relação a não ter cotas. Repare que o problema aqui não é a cota: remova-a, os pobres são beneficiados? Não.

Cotas raciais podem (embora não precisem) ser vinculadas a condicionantes socioeconômicas. O PLC 180/2008 prevê no parágrafo único do art. 1o que 50% das vagas sejam destinadas a alunos egressos de escolas públicas e que 50% das vagas de cotistas sejam destinadas a estudantes de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo.

Vários desses pontos já abordei anteriormente em postagens da série, como disse, à exceção do fato de o autor ser negro, não há nenhuma novidade maior na argumentação.

De passagem, em relação ao PLC 180/2008, a SBPC e a ABC emitiram nota conjunta contrária ao projeto. Embora sejam favoráveis às experiências com cotas - sociais e raciais - creem que o projeto atente contra a autonomia universitária. Particularmente não entendo que a noção de autonomia universitária (AU) abarque a decisão sobre o ingresso - se se abolirem os sistemas de vestibular e obrigar a adoção de um exame nacional único (como o Enem), isso não diz respeito à AU. A AU é sobre a estruturação didático-pedagógica, os cursos oferecidos, a destinação das verbas, priorização das área de pesquisa, e coisas assim. Concordo com a Dra. Nader de que as IES devem opinar sobre o perfil dos alunos a serem admitidos, mas não defini-lo.

A minha preocupação com o projeto é de outra natureza. É que julgo que ainda não temos dados suficientemente consolidados que demonstrem a eficiência (ou não) das cotas para os fins a que se destinam - qual seja a da inclusão social dos indivíduos beneficiados; e muito menos o melhor (ou os melhores) modelo(s) de cotas. Considero louvável a ousadia do projeto - ao estabelecer 50% das vagas para cotas -, mas essa mesma ousadia, na ausência de maior embasamento, torna-se um tanto temerária.

As IES estão estabelecendo suas políticas de ações afirmativas. Mais de 2/5 das IFES têm cotas atualmente. Cada uma tem um sistema. Com seus méritos, limitações e defeitos. A uniformização imposta pelo projeto pode não atender às necessidades específicas de cada comunidade e de cada IES. E corta essa riqueza de experimentos que podem nos fornecer dados importantísimos para a avaliação mais rigorosa dos efeitos das políticas de ações afirmativas, incluindo as cotas.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Por que eu torço pelo sucesso do paywall da Folha Online

Já faz algum tempo que a Folha de São Paulo adotou o sistema de paywall para acesso ao seu conteúdo online - com franquia de 20 acessos livres mensais (mais 20 acessos se você tiver a paciência de fazer um cadastro). Declaradamente o modelo adotado - com modificaçãoes - é o paywall poroso do conteúdo online do New York Times. Uma diferença é que o paywall da Folha é mais restrito - o acesso do conteúdo do TNYT via, por exemplo, twitter é franqueado 100%.

Espero, sinceramente, que o projeto da Folha seja bem sucedido em seus objetivos. Assim como o do TNYT foi: acabou aumentando o número de assinaturas para o serviço.

Produzir conteúdo - ainda mais com alguma qualidade - custa dinheiro. De alguma forma ele é financiado. Mesmo este blogue é financiado - para mim, custa meu tempo livre (e só posso me dedicar a ele por ter outra fonte de renda, e jamais conseguirei me dedicar a isto em tempo integral - nem teria como, por exemplo, gastar em ligações telefônicas para fazer apurações, quanto menos viajar e verificar in loco).

Rádios e TVs abertas conseguem se financiar por meio da publicidade. Já conteúdo online dificilmente consegue se pagar por esse meio - o valor pago por clique é muito baixo. O principal motivo é o sucesso do modelo do Google. Pela escala, o maioral dos sistemas de busca, consegue preços irrisórios para anunciantes. Praticamente impossível concorrer com isso.

Algum modelo de negócio precisa funcionar para sustentar a produção de conteúdo online. Esperar que empresas continuem a bancar prejuízos para manter sua presença online não é razoável.

Claro que eu adoraria ter acesso irrestrito - e gratuito - a todo tipo de conteúdo de qualidade. Mas eu quero que os responsáveis sejam devidamente pagos.

Sim, paywall não é a única alternativa à publicidade (ou melhor, complemento a ela). Mas para uma corporação jornalística é das poucas aparentemente viáveis. (O caso da Globo.com é diferente: as Organizações Globo conseguem subsidiar o acesso ao portal pela publicidade, principalmente, em seus veículos tradicionais de rádio e TV.)

Upideite(25/jul/2012): Modelos de negócio, claro, não precisam ser (e não são) eternos. A TV começou por sistema de assinatura por meio de clubes de telespectadores. Só com o tempo, o modelo de financiamento por anúncio (baseado na massificação da audiência) se tornou viável. Na internet há limitações quanto a isso: enquanto o número de canais (sobretudo no sistema aberto) é limitado, a concorrência na internet é, ao menos potencialmente, muito mais diluível.
Upideite(25/jul/2012): Certamente que por conteúdo de qualidade não me refiro a coisas como esta. Devidamente sacaneado aqui. (via @cardoso)
Upideite(13/nov/2013): Depois de um ano, os resultados do paywall da Folha são positivos. O que ajudou a estimular o Estadão e O Globo a adotarem também. O curioso é que estes dois já tiveram paywall antes, em modelo um tanto distinto.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Paraguai, Mercosul, TPR: guerra de versões ou barriga?

O blogue do Nassif republicou notícia que saiu no sítio web do Correio do Brasil: "Paraguai informa que Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul rejeitou sua suspensão do bloco".

A alegação está em franca colisão com o que realmente foi decidido pelo Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul:

"3. Por mayoría, el Tribunal Permanente de Revisión decide que, en las condiciones de la actual demanda, resulta inadmissible la intervención directa del TPR sin el consentimiento expreso de los demás Estados Parte. Por la misma razón, considera el TPR inadmissible, em esta instancia, la medida provisional solicitada en el marco de la demanda.


4. Por unanimidad, al adoptar esta decisión, sin ingresar al análisis de fondo de la demanda, el Tribunal Permanente de Revisión no se pronuncia sobre el cumplimiento o la violación de la normativa MERCOSUR en relación con la demanda planteada en este procedimiento. La presente decisión no inhibe otros medios a los que puedan acudir los Estados Parte en el marco del sistema de solución de controversias del MERCOSUR."

Que é o que foi noticiado pelo próprio Correio do Brasil: "Para Argentina, decisão do tribunal do Mercosul referenda suspensão do Paraguai do bloco" e outros veículos.

Alguns comentaristas no blogue do Nassif apressaram-se a falar em PIG, sem notar que a notícia era simples reprodução de reportagem da Agência Brasil, da EBC. Poderia o Correio do Brasil ter publicado uma reportagem falsamente atribuída à agência? Pouco provável. Aparentemente a reportagem foi deletada do sítio web da AB e chegou a ser capturado pelo Google (veja figura abaixo):


Poderia ser uma simples guerra de versões. Mas, neste caso, não haveria necessidade de deletar a reportagem, já que apenas apresentaria o entendimento do representante do governo (golpista) paraguaio. Pode ter sido barrigada da AB - fruto de mal entendido por conta do espanhol? No sítio web do Ministério de Relações Exteriores do Paraguai aparece a nota:
Que remete ao texto:
"Asunción, 22 de Julio de 2012
Comunicado con relación al Laudo del Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur
El Ministerio de Relaciones Exteriores emitió un comunicado con relación al Laudo Número 01/2012 del Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur dictado en el procedimiento excepcional de urgencia que solicitó la República del Paraguay para dejar sin efecto la suspensión de su participación en los órganos del Mercosur y la incorporación de Venezuela como Miembro Pleno, del 21 de julio último."

E o teor do comunicado é como segue:
"COMUNICADO DE PRENSA
(Asunción, 22 de Julio de 2012)
Con relación al Laudo Número 01/2012 del Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur dictado en el procedimiento excepcional de urgencia que solicitó la República del Paraguay para dejar sin efecto la suspensión de su participación en los órganos del Mercosur y la incorporación de Venezuela como Miembro Pleno, de fecha 21 de julio último, el Ministerio de Relaciones Exteriores de la República del Paraguay expresa cuanto sigue:


1. Que el Tribunal Permanente de Revisión reconoce que el Gobierno de la República del Paraguay es el presidido por el Presidente Federico Franco Gómez, al admitir la personería del Canciller José Félix Fernández Estigarribia como Ministro de Relaciones Exteriores de la República del Paraguay.


2. Que el Tribunal Permanente de Revisión reconoce su competencia para juzgar las resoluciones que la mayoría de los Estados Partes del Mercosur adoptaron en la última reunión de Mendoza, el 29 de junio de 2012. Dicha aseveración del Tribunal, en consecuencia, rechaza la pretensión de los Cancilleres de Argentina, Uruguay y Brasil de impugnar la competencia del Tribunal Permanente. Por lo expuesto, se reconoce expresamente que “el sistema de solución de controversias del Mercosur abarca el examen de legalidad de la aplicación del Protocolo de Ushuaia”.


3. Sin embargo, el Tribunal Permanente de Revisión, contradiciendo lo expresado en el punto anterior, señala al Paraguay que debe iniciar un largo y complejo procedimiento que debe ser negociado con Gobiernos que se niegan a tratar con el Paraguay, y desembocaría finalmente en el mismo Tribunal que ha dictado el Laudo.


4. Que esto último es únicamente una actitud que oculta la negativa del Tribunal Permanente de Revisión a estudiar el derecho de fondo reclamado por la República del Paraguay, y constituye solo una inaceptable argucia procesal. Con comprobar que en la parte medular del Laudo no se hace referencia a la incorporación de Venezuela, queda clara la falta de vocación jurídica del Tribunal para sostener el derecho sobre la política.


5. Al aceptar su competencia para tratar la cuestión de fondo, pero derivar la solución de los reclamos paraguayos a un procedimiento de cumplimiento imposible, el Tribunal Permanente de Revisión ha configurado una situación de denegación de justicia.


6. El Gobierno de la República del Paraguay lamenta que los árbitros, incluido el paraguayo, no hayan estado a la altura que la hora demanda a los jueces del Mercosur. En el momento en que en todas las latitudes de la región y el mundo se anuncia el final del Mercosur, correspondía a estos árbitros una actitud digna que reflejara su compromiso con la integración y la justicia.


7. La República del Paraguay deplora que una vez más dentro del Mercosur la legalidad y el derecho queden relegados ante razones coyunturales de naturaleza política, en detrimento de uno de los Miembros Plenos que en los más de veinte años de existencia del Mercosur ha actuado siempre con estricto apego a la normativa adoptada.


8. La República del Paraguay manifiesta que continuará en la lucha por la defensa de sus derechos, como lo ha hecho siempre a lo largo de su historia."

Se o Quico (eu sei que apelidos depreciativos não são exatamente boas contribuições à reflexão isenta, mas assumo o risco) é atualmente o presidente (ilegítimo, ainda que legal) da República do Paraguai, parece que o Seu Barriga também resolveu dar o ar de sua graça.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Vai, Corinthians! Foi.

E o Timão conquistou o *quarto* título mais importante de sua história (pela ordem: Mundial de Clubes Fifa 2000, o título Paulista da libertação 1977, o Brasileiro Série Brasil 2008). Dos poucos que faltavam, o único com alguma importância maior.


Campanha invicta, passando por três campeões (Vasco, Santos e o grande Boca Juniors). Incontestável.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Religião e Ciências: conflito, complementaridade, independência

Em seu blogue, Carlos Orsi defende a tese do "naturalismo como conclusão lógica da ciência".

Herton Escobar, do Estadão, relata um estudo feito por um grupo do Instituto de Biociências comparando citações religiosas em dissertações e teses defendidas por pós-graduando de Ciências Biológicas e de Medicina Veterinária. O coordenador da pesquisa, o Prof. Dr. Antonio Carlos Marques comenta a respeito do índice de 8% dos trabalhos de alunos de Biologia: "Por um lado, é uma porcentagem baixa, comparada ao nível de religiosidade da sociedade como um todo. Por outro, é um número alto, se pensarmos que estes alunos são treinados para pesquisar e ensinar disciplinas que têm a evolução biológica como princípio fundamental". Na mesma linha de Dawkins, Marques condiciona a aceitação da realidade da evolução biológica ao ateísmo (ou à ateidade). E mais, a respeito da presença das citações: "É um antagonismo curioso, ver duas visões contraditórias incorporadas no mesmo documento". Ou seja, para o pesquisador ciência e religião são incompatíveis.

Discordo.

Alhures desenvolvi a argumentação que reproduzo abaixo.

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"Podemos assumir que nosso mundo se ordena a partir de leis naturais. E moldamos a nossa visão de como o mundo funciona sob a perspectiva dessas leis. Podemos a todo instante reformular o modo como expressamos essas leis, mas não iremos questionar se tais leis existem.

É a hipótese da existência de leis naturais que torna possível todo o processo posterior de estudo do mundo sob o ponto de vista cientifico. (Existem outras visões complementares, como a de que o mundo é inteligível, que ele não é autocontraditório, etc.)

Mas quando uma previsão falha, isto é, uma teoria falha no teste de hipótese, não dizemos: 'isso prova que a lei não existe'. E sim: 'isso faz com que tenhamos que reformular a lei'. E tocamos o barco. (E não imaginaremos que a lei mudou entre um teste e outro, e sim que a formulação anterior deveria estar errada: a lei era a mesma desde sempre, apenas não a compreendíamos bem antes.) Já houve casos em que dados consistentes não poderiam ser explicados por nenhum processo natural conhecido. O que fizeram? Criaram uma nova lei. As forças que mantêm os núcleons unidos no interior do átomo não poderiam ser explicadas em termos das então conhecidas forças gravitacional e eletromagnética – inventaram a força nuclear forte. (A invenção em si não traz nenhum problema, é uma solução perfeitamente aceitável, apenas é preciso que se possa testar essa hipótese.)

Por outro lado, uma das alternativas é assumir que o mundo se ordena a partir de uma entidade metafísica que, na falta de um nome melhor, podemos chamar de deus. E essa a ideia da existência de uma divindade? Ela poderia ser a substituta da ideia da existência de leis naturais? No meu entender, sim. O custo seria que não teremos como sustentar uma visão eterna de um deus – teríamos que estar dispostos a reformular constantemente a ideia que fazemos a respeito dela – do mesmo modo como fazemos com as leis naturais. Provavelmente um religioso do tipo mais comum teria certa dificuldade em operar desse modo, mas é uma alternativa, tanto quanto podemos perceber, viável de se encarar o mundo.

Em resumo, duas grandes concepções de mundo possíveis:

A visão naturalista:
1 - existem leis naturais;
2 - as leis naturais possuem estas características;
3 - essas características determinam estas consequências.

Podemos verificar as consequências por meio empírico. Se os resultados batem com as previsões, mantemos o esquema. Se os resultados são diferentes, alteramos a premissa 2 e não a premissa 1.

A visão espiritualista:
A - existe deus (ou outras divindades ou uma força transcendente);
B - deus possui estas características;
C - essas características determinam estas consequências

E a pessoa pode mudar B, sem abandonar A, caso C não se confirme.

É uma situação análoga à visão naturalista.

A grande questão é que muitos adeptos da visão espiritualista se aferram tanto a A quanto a B. E nisso acaba-se por gerar necessariamente um conflito com o conhecimento científico. Se estivessem dispostos a mudar B sempre que necessário, talvez tivessem condições de produzir alguma coisa com essa visão. Repare-se, então, que o conflito entre uma visão espiritualista e uma visão científica não reside necessariamente na hipótese da existência de uma divindade, mas sim em um dogmatismo sobre preconcepções a respeito dessa divindade. (Como nota acrescente-se que, como estamos considerando divindade aqui como uma entidade metafísica, seria possível criar visões equivalentes a partir de entidades afins como o Monstro de Espaguete Voador, o Unicórnio Invisível Cor-de-Rosa, o Porco Voador, ou até mesmo a xícara espacial de Russell, caso se trate de uma xícara metafísica: isto é, um princípio ordenador de visão de mundo.)

Também não iríamos analisar a própria existência de deus a partir dos parâmetros que analisaríamos as formulações a respeito de como seria esse deus.

Agora, uma vez que se escolha uma das alternativas, claro que a outra é analisável sob esse ângulo. Se escolhemos a via da aceitação da existência de leis naturais, podemos questionar o que significa aceitar a existência de deus, com consequências geradas a partir da aceitação da existência de leis naturais: como quebra de princípio da conservação da energia ou a própria inexistência de algo fora da natureza, a questão da complexidade, etc. [...]


De outra feita, se escolhemos a via da aceitação de uma 'vontade' superior, uma entidade metafísica divina; podemos analisar a questão da existência de leis naturais: por que elas são dessa forma e não de outro modo, como na questão do princípio antrópico forte.

Em suma, o que os fatos podem sim é eventualmente refutar uma determinada concepção de divindade, assim como refutar uma determinada concepção de leis naturais. O que os cientistas não-religiosos preferem é manter a tese de que leis naturais existem e que, se o resultado contradiz a previsão, então a concepção atual de leis naturais está errada e essa concepção precisa ser reformulada. O mesmo, em tese, poderia ocorrer com as concepções de divindades, mas por tradição isso não é feito."

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É, a meu ver, então bobagem forçar a barra e vincular as ciências ao ateísmo/ateidade. Se não por outra coisa, pelo efeito deletério que parece ter em relação à aceitação das ciências pela população em geral. (Pesquisas qualitativas e quantitativas indicam isso. Sempre que se faz a dicotomia evolução/deus, a aceitação da teoria evolutiva cai entre os pesquisados. Em painéis de testes de enquadramento de apresentação da teoria evolutiva, as Academias Nacionais de Ciências dos EUA verificaram que quando a teoria evolutiva é ensinada sem conflito aberto com a religiosidade, o público a aceita melhor.) Mas, sobretudo, porque é mentira que ciência e religião sejam necessariamente incompatíveis.

Considero que seja inevitável (ou quase) a intervenção de uma viés ideológico. Não devemos, porém, atropelar os fatos, substituindo dados consubstanciados por achismos, preencher lacunas com pensamentos volitivos (whishful thinking). Há já alguns bons dados para se guiar a discussão.

Se, com razão, os cientófilos defendem a análise factual nas questões sobre homossexualidade, aborto, células-tronco, evolução... devemos defender, então, também a análise factual na questão do embate entre a visão científica e a visão religiosa.