sexta-feira, 28 de março de 2014

A doutrina Bush do Joaquim Barbosa (e o racismo do repórter - não é o Noblat)

Respeito muito o trabalho do repórter Roberto d'Ávila. Em sua carreira há grandes entrevistas com as mais variadas personalidades brasileiras e mundiais.

Já há alguns anos comanda o programa Conexão Roberto d'Ávila.A atração já esteve na grade da TV Cultura e agora, na Globo News. Em sua estreia no novo canal entrevistou o ministro do STF Joaquim Barbosa.

No começo da entrevista, o ministro fala do combate à corrupção.

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6mim27s
"Ainda não encontramos o método correto e eficaz de combatê-la. Talvez estejamos adotando método errado, a meu ver. Me perguntaram isso recentemente na viagem que fiz à África. Fui abordado sobre essa questão. Eu venho refletindo sobre ela e tenho minhas dúvidas, tenho minhas dúvidas se esse método puramente repressivo é o mais eficaz para combater a corrupção. Talvez medidas preventivas drásticas que doam no bolso, na carreira, no futuro dessas pessoas que praticam corrupção sejam mais eficazes."
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Hein? Punição preventiva, JB? Como se pode fazer doer no bolso *antes* de haver crime (*prevenção* é isso, senão é punição)?

E depois disso piora, não pelo que JB fala, mas pelo que RdA solta. São falas que carregam uma carga racista - não que o repórter seja do tipo que tenha ódio racial (não me parece mesmo que seja o caso).

Por volta dos 10min15s, a respeito da viagem de JB à Helsinque, RdA comenta:
"Pessoal branquinho, o senhor deveria fazer um sucesso louco lá, né?"

Em outra pergunta, bem ao finalzinho sugere que não exista o racismo propriamente no Brasil, que seja uma discriminação socioeconômica.

Já mais perto ainda do fim, insinua que JB entrou no STF por cota. O ministro fica p* - não sei se finge, mas de todo modo mostra interpretar que isso não é opinião do repórter, apenas que ele está trazendo o que algumas pessoas falam sobre sua presença no tribunal - e responde que quem diz essas barbaridades não conhece seu currículo.

Espero que nas próximas edições RdA seja mais feliz.

(Talvez mais pra frente eu acrescente outras observações, detalhando mais a parte da cota.)

Upideite (28/marq/2014): Segue transcrição dos trechos referidos acima.
45:55
- O senhor já chorou de raiva por causa do racismo?"
Ah, quando era jovem, sim. Hoje [não].
Mas hoje o senhor é recebido...
Claro. Hoje, quando você se torna conhecido, se torna autoridade, o tratamento é outro. Mas criança...
Só quem viveu que sabe.
É.
- Às vezes o senhor não chega a pensar que o racismo pode ser mais social do que a cor da pele? Porque não dá pra entender que no século 21 as pessoas ainda...
Não, não, não. O racismo, ele está em todas as esferas. Não é só social, não. Ele é econômico, ele...
Social e econômico...
É. Ele interfere nas relações profissionais, nas relações sociais das pessoas. Eu desafio alguns... Há no Brasil certas pessoas que têm essa tendência de tentar minimizar o racismo: "Ah, porque eu me dou bem com todas..." Pergunte a essa pessoa: "Quantas vezes você recebeu um negro na sua casa como..."
"... convidado".
"...como convidado". Poucos vão ter essa resposta.
Aí é talvez um problema econômico, né? Porque o negro já estudou...
Sim, claro, evidente. Você vive, você estabelece relações com mais frequência com pessoas do seu nível social. É evidente.

47:55
- Como disse o Martinho da Vila, só sua presença aqui no Supremo já é um combate ao racismo. A sua presença...
Não, eu não tenho... Não trouxe pra cá, não acho que eu tenha vindo pra cá com essa missão, não, de combater o racismo, não, não. Eu sempre achei que a minha presença aqui contribuiria para desracializar o Brasil, desracializar as relações...
Somos todos iguais.
Isso. Pra que as pessoas tivessem a sensação de que não há papel predeterminado para A, B ou C. Eu espero que o dia em que eu sair daqui, os governos, os presidentes da República saibam escolher bem pessoas pra cá e escolham negros com naturalidade.
O senhor acha que entrou numa cota naquele momento...
Não é isso, não.
...apesar de todo o seu preparo?
Dizer que eu entrei numa cota é uma manifestação racista. Por quê? Porque simplesmente as pessoas que fazem isso, deixam de lado, não olham meu currículo. Aliás, pouca gente olha meu currículo.
Que é espetacular.
Pouca gente olha. Não interessa, o cara só vê a cor da pele. Não é?
É que o senhor foi o primeiro, não é, ministro?
Mas eu espero o seguinte, que o presidente nomeie para cá um certo número de homens e mulheres negros de maneira natural. Não façam estardalhaço disso, não é? Não tentem levar a pessoa escolhida para a África pra esconder uma realidade, Roberto. A realidade triste, muito triste de que não temos representantes negros na nossa diplomacia, nos negócios do Estado.
O Brasil se apresenta como um país de brancos, quando é um país meio a meio?
O Brasil não se apresenta, o Brasil não tem como se apresentar de maneira diferente porque não há, não é? Os países africanos se ressentem muito disso, como é que pode um país que tem 50% da população negra ou muluta não tem, não consegue escolher um número de embaixadores negros para mandar para a África.
Nós nos esquecemos de falar de um assunto que talvez seja por aí, a educação, né ministro?
Pois é, mas a educação foi negada. A gente não pode usar a educação como justificativa. Essa educação foi negada. Ela precisa ser outorgada, ser dada.
Universalizada.
Universalizada. Não é?

sábado, 22 de março de 2014

"Meu nome é Ciência, mas pode me chamar de Geni"

Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, em seu texto "A Universidade do Século XXI: Para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade" (2005) escreve sobre ecologia dos saberes e o papel das ciências:

"A ecologia dos saberes [...] é algo que implica uma revolução epistemológica no seio da universidade e, como tal, não pode ser decretada por lei. [...] A ecologia de saberes é, por assim dizer, uma forma de extensão ao contrário, de fora da universidade para dentro da universidade. Consiste na promoção de diálogos entre o saber científico ou humanístico, que a universidade produz, e saberes leigos, populares, tradicionais, urbanos, camponeses, provindos de culturas não ocidentais (indígenas, de origem africana, oriental, etc.) que circulam na sociedade. De par com a euforia tecnológica, ocorre hoje uma situação de falta de confiança epistemológica na ciência que deriva da crescente visibilidade das consequências perversas de alguns progressos científicos e do facto de muitas das promessas sociais da ciência moderna não terem se cumprido. Começa a ser socialmente perceptível que a universidade, ao especializar-se no conhecimento científico e ao considerá-lo a única forma de conhecimento válido, contribui activamente para a desqualificação e mesmo destruição de muito conhecimento não-científico e que, com isso, contribui para a marginalização dos grupos sociais que só tinham ao seu dispor essas formas de conhecimento. Ou seja, a injustiça social contém no seu âmago uma injustiça cognitiva. Isto é particularmente óbvio à escala global já que os países periféricos, ricos em saberes não científicos, mas pobres em conhecimento científico, viram este último, sob a forma da ciência económica, destruir as suas formas de sociabilidade, as suas economias, as suas comunidades indígenas e camponesas, o seu meio ambiente." (pág. 56)

A questão da universidade ser sensível a saberes tradicionais e trazer para dentro de sua circunscrição me parece uma ideia defensável e tendo a apoiá-la. Discordo de sua visão do papel das ciências no massacre de tais saberes.

A tal desconfiança epistemológica das ciências não deriva inteiramente das tais "consequências perversas de alguns progressos científicos" nem do "facto de muitas das promessas sociais da ciência moderna não terem se cumprido".

Há, de fato, uma apropriação - aceita de bom grado por boa parte da comunidade científica - do saber científico a serviço de corporações interessadas unicamente no lucro a despeito das consequências socioambientais da aplicação tecnológica (seja o desemprego estrutural gerado pela hiperautomação, seja a poluição gerada pelo uso intensivo de energia fóssil, etc.). Mas isso não gera, em si, uma suspeição epistemológica, é, antes, um problema de aplicação, pragmático.

De todo modo, parte da desconfiança surge exatamente do discurso pós-modernista do relativismo epistemológico - um relativismo um tanto matreiro, já que, quando possível, não apenas diz que o conhecimento não-científico é tão válido quanto o cientifico, como diz que o não-científico é mais válido, tem mais legitimidade (se não por outra coisa, por ser uma forma de conhecimento de resistência, da população excluída). Quando confrontado com o fato do desenvolvimento tecnológico produzido pelas ciências aí o discurso se volta para o relativismo propriamente dito (e não um puro anticientificismo) de tentar valorar também os conhecimentos não-científicos.

O discurso de que o conhecimento científico não produziu o resultado prometido é uma carta blefe. Há os profetas da tecnociência que dizem maravilhas de pesquisas que não conduzem ao Éden, isso é fato. Que parte da comunidade científica abona tais promessas - muitas sabidamente falsas - sob a perspectiva de obter bons financiamentos também é um fato. Então... onde o blefe? O blefe é duplo:
1) usar essa carta para, sem bases, desconsiderar as promessas cumpridas pelo conhecimento científico e seus avanços não prometidos (por inesperados), mas mesmo assim obtidos.
2) usar essa carta para esconder as promessas não cumpridas pelo conhecimento tradicional, não-científico.

O nome tradicional não é casual. Implica tradição. Uma certa história, nem um pouco curta, de aplicação e uso. Formas tradicionais são mantidas com relativamente poucas alterações ao longo das gerações. E... não necessariamente porque funcionam. Ou até funcionam, mas não de forma necessariamente eficiente. Danças da chuva, digam o que quiserem, não funcionam para os propósitos primordiais a que se destinam. Tem seu papel dentro do conjunto de valores da cultura, mas isso não faz com que aumente em um milímetro sequer a precipitação local diante da alternativa de sua não realização.

E se o conhecimento científico é vergonhosamente sequestrado para interesses de dominação; isso não é menos verdadeiro para conhecimentos não-científicos. Acusações de bruxaria - que ocorrem ainda hoje, especialmente em certas regiões africanas, mas não apenas ali - baseiam-se em práticas tradicionais e não-científicas que implicam em dominação patriarcal: as vítimas quase invariavelmente são mulheres. Práticas religiosas milenares são instrumentos de dominação social. As castas - ainda que leis indianas tentem eliminá-las - é uma forma de dominação tradicional, sem origem em aplicação de conhecimento científico. Se poder político e econômico podem ser derivados de práticas tradicionais, o sequestro e adestramento será feito.

Se o uso de conhecimento científico para a dominação social e econômica é mais extenso e tem mais consequências, é justamente pelo fato de o conhecimento científico ser mais eficiente - em outras palavras, porque funciona.

Empresas podem tornar agricultores dependentes de suas sementes ao inserirem genes de autoinfertilidade porque genes de autoinfertilidade funcionam de acordo com o previsto pelo conhecimento científico. Empresas não corrompem dançadores da chuva para ameaçar regiões de seca porque, bem, danças da chuva não trazem chuva. Não tem nada a ver com ideologia de só usarem o conhecimento científico.

O modo de limitar o poder das empresas é uma regulação por meio de leis - com sanções penais em caso de descumprimento -, não por relativização do poder do conhecimento das ciências.

Se agricultores familiares passarem a acreditar que sementes com gene terminator não funciona, tais sementes não passarão a produzir plantas que permitem a produção de novas sementes. Novamente, a questão não é epistemológica. A questão é pragmática. A injustiça é política, não cognitiva.

Se a ecologia dos saberes dentro da universidade - ou de qualquer instituição científica - se der nos termos de ataque epistemológico e cognitivo, teremos sérios problemas. Conforme escrevi alhures, a valor(iz)ação dos saberes tradicionais deve se dar em outros termos.

domingo, 9 de março de 2014

Feminismo e misandria

Impossível dialogar de boa com algumas feministas. Sempre com pedras nas mãos.

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"Meu conto erótico tem misandria, sexo lésbico e acaba com a frase 'montanha fedorenta de lixo'. Quem quer ler?"

"Quedê?"

"Aqui."

"Qual a importância do foreplay em sexo lésbico?"

"?"

"É que em seu conto praticamente não tem foreplay antes dos finalmente. Aí fiquei na dúvida se é só um recurso literário ou se tem uma questão antropológico-sexual descrita aí."

"O que você considera 'foreplay'? Como você define 'finalmentes'?"

"Finalmentes são o ato sexual propriamente dito - o que em juridiquês se define como atos libidinosos."

"O que é 'ato sexual propriamente dito'?"

"O que em juridiquês é 'ato libidinoso'. Contato físico de caráter sexual com as regiões pudendas - incluindo a boca."

"Meu deus, homem tentando entender como funciona sexo entre duas mulheres é realmente patético."
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E a coisa piora. Uma hora, a menina (nominalmente adulta) me solta: "porque pra homem 'sexo propriamente dito' é penetração." Sendo que no conto da moça tem handjob, cunilingus, beijos, além da penetração por vibrador - ou seja, tudo isso, na minha pergunta, está incluído no "sexo propriamente dito".

Enquanto parte das feministas mantiverem essa imagem estereotipada dos homens vai ser complicado pedir compreensão por parte de nós, homens. Ainda mais se o diálogo se torna impossível pela agressividade verbal gratuita.

sábado, 8 de março de 2014

Política para vândalos e manifestantes coxinhas: Lição 10 ‎#ProtestaBR

Número de partidos políticos

Nos EUA e no RU, o sistema de "dois partidos" não significa que existam apenas dois partidos políticos; apenas que são dois grandes que levam praticamente todas as vagas - seja em consequência do tipo de sistema eleitoral (por colégio e voto distrital, p.e.), seja pela preferência dos eleitorado.

Tanto nos EUA como no RU há vários partidos menores. Como os Partidos Verdes britânico e americano. Nos EUA ainda é possível candidatura independente.

Nos EUA também tem financiamento público (ainda que a maior parte do financiamento seja privado - o que vários analistas consideram como fonte de distorções sérias no processo eleitoral). Para cada dólar dos primeiros 250 USD de cada contribuinte individual para uma candidatura presidencial nas primárias há uma contrapartida federal; cada um dos maiores partidos recebem até algo em torno de 100 milhões de USD para convenções e distribuição de gastos em eleições gerais.

Não estou dizendo que isso mostra que o financiamento público é bom, que deve ser exclusivo ou algo equivalente. Apenas que críticas e comparações devem ser feitas com base em situações reais (ainda que se almeje uma situação ideal).

Falar que no Brasil deveria haver bipartidarismo *como* nos EUA, implicaria isso acima: não há uma restrição legal a dois partidos, há financiamento público, permite-se lobbies e por aí vai.

sexta-feira, 7 de março de 2014

A Ucrânia é aqui

Temos nossas criméias - ainda que não para adesão a potências estrangeiras.


Aparentemente basta criar subdivisões internas em um país para gerar um sentimento de separatismo (autodeterminação + preconceito ao estrangeiro). Podem ser subdivisões completamente arbitrárias - sem levar em conta questões de geografia física e humana (digamos, uma grande de longitude e latitude).

Uma série de experimentos liderados pelo psicólogo Muzafer Sherif entre as décadas de 1950 e 1960 mostrou como surgem essas rivalidades bairristas. Estudantes de 11 anos com as mesmas características socioeconômicas foram designados aleatoriamente para um de dois acampamentos (acantonamentos?): os Águias e os Cascavéis - no Parque Estadual Robbers Cave de Oklahoma. Colocou os dois grupos para competirem entre si por medalhas e em pouco tempo os pesquisadores observaram surgir comportamentos de preconceitos entre os alunos direcionados a membros de acampamentos rivais. Colocados em contato, a carga de preconceito tendeu a aumentar. Só diminuindo quando tarefas de *cooperação* mútua foram designadas.

Será que se designássemos as subdivisões internas por letras e/ou números, as pessoas perceberiam que se tratam apenas de organizações para conveniência administrativa? "Eu sou 1Aense acima de tudo." "Os QZ36 são os melhores!" Talvez não. No tempo de escola tinha aquilo de que a "oitava série A" seria melhor do que a turma B.

Só nos resta mesmo a cooperação.