segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Como é que é? 23% dos ateus creditam sucesso financeiro a deus? Sim. E não. Provavelmente.

O resultado da pesquisa do Datafolha a respeito da visão religiosa do brasileiro produziu um resultado inusitado. Dentre os que se declararam ser ateu ou não acreditar em deus, 23% dizem concordar com a frase: "Todo o sucesso financeiro de minha vida eu devo, em primeiro lugar, a Deus".

Inusitado, mas não é a primeira vez que algo similar ocorre. Em pesquisa sobre criacionismo, em 2010, 33% dos que se declararam ateu para o Datafolha responderam que deus guiou o processo de evolução das espécies.

O que provavelmente vem ocorrendo é que, como os ateus são grupo muito reduzido no Brasil - em 2010 eram apenas 615 mil segundo o Censo do IBGE, 0,315% da população de então -, essas pesquisas de opinião nacional falham em captar amostras representativas. Os falsos positivos - crentes que erroneamente se declaram ateus - facilmente atingem magnitude equivalente ao dos positivos verdadeiros: basta uma taxa de erro de 1 em 315 para isso se dar.

O erro, então, está em apresentar os valores obtidos sem esse tipo de consideração. Os valores para outros grupos religiosos - com um número bem maior de pessoas que declaram pertencer a eles - provavelmente serão bem mais próximos dos reais.

Com 2.828 entrevistas, são esperadas 9 pessoas que se declaram ateias. Se, entre os 2.819 entrevistados restantes, apenas 1 em 315 erroneamente se declararem ateus, serão 9 falsos ateus na amostra. Aliás, no longo curso, o conjunto de pesquisas do Datafolha podem ajudar a calibrar a taxa de falha nas declarações.

De modo mais ou menos consistente entre um quinto e a metade dos que se identificam como ateus aos entrevistadores do Datafolha dão respostas a outros temas que não são compatíveis. Então a taxa de falha está em algo entre 1 em 315 e 1 em 1.000.

Problema ligado, mas ligeiramente distinto, ocorre também na detecção do tamanho real desses grupos muito pequenos por amostragens nacionais: como do tamanho de torcidas do Fluminense e da Portuguesa, p.e.

Upideite(31/dez/2016): O Datafolha liberou o relatório do levantamento. O número de ateus na pesquisa é bem superior ao esperado em cima dos dados do Censo: foram 38 pessoas que se declararam ateias para os entrevistadores do instituto.

Upideite(31/dez/2016): Veja também:
Pirula. 27/dez/2016. Datafolha e os ateus que rezam por dinheiro.
Leandro Domiciano. Universo Racionalista. 31/dez/2016. Ateus que acreditam em Deus? Entenda o que deu errado na pesquisa do Datafolha.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Punir (criminalmente) juízes e promotores é ruim?

Não tenho a resposta à pergunta do título, mas reproduzo abaixo (com modificações)  algumas considerações que publiquei alhures a respeito da medida de constituição de "crimes de abuso de autoridade" de juízes e promotores.
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Na aprovação pela Câmara do substitutivo de Rodrigo Maia ao PL 4.850/16 (a lei das 10 medidas de combate à corrupção) e dos destaques e emendas (a votação seguirá agora no Senado), parece que a parte que mais causou comoção foram os dispositivos a respeito do "abuso de poder" por magistrados e promotores.
Não obstante a motivação pareça mais do que suspeita (e com toda razão), o texto desses dispositivos não me parecem ruimns.
No caso dos juízes:
"Art. 8º Constitui crime de abuso de autoridade dos magistrados:
I - proferir julgamento, quando, por lei, seja impedido;
II - atuar, no exercício de sua jurisdição, com motivação político-partidária;
III - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
IV - proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções;
V - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo de magistério;
VI - exercer atividade empresarial ou participar de sociedade empresária, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;
VII - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade simples, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe e sem remuneração;
VIII - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
IX - expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério."
Com pena de 0,5 a 2 anos mais multa.
Dá pra discutir o tamanho da punição; no entanto, me parece que são atividades que devem mesmo ser vedadas - e já são genericamente. Os incisos I, II, III, IV são, pela lei do impeachment (Lei Federal 1079/50), motivos para destituição de ministros do STF. Os incisos VI, VII e IX são vedações presentes na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/1979 art. 36). Talvez o inciso IX seja mais problemático, mas a boa prática recomenda que o juiz não faça isso mesmo: compromete o próprio processo e joga suspeições quanto à isenção do magistrado.
No caso dos promotores, a lista é mais longa:
"Art. 9º São crimes de abuso de autoridade dos membros do Ministério Público:
I - emitir parecer, quando, por lei, seja impedido;
II - recusar-se à prática de ato que lhe incumba;
III - promover a instauração de procedimento, civil ou administrativo, em desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito;
IV - ser patentemente desidioso no cumprimento de suas atribuições;
V - proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo;
VI - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;
VII - exercer a advocacia;
VIII - participar de sociedade empresária na forma vedada pela lei;
IX - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo de magistério;
X - atuar, no exercício de sua atribuição, com motivação político-partidária;
XI - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
XII - expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de atuação do Ministério Público ou juízo depreciativo sobre manifestações funcionais, em juízo ou fora dele, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério."
Também pena de 0,5 a 2 anos de prisão mais multa.
Igualmente parecem coisas sensatas de se proibir - e já são genericamente - que promotores pratiquem. Os incisos VII, VIII, IX, X, XI são vedados pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal 8.635/1993, art. 44)  O mais problemático é o inciso XII, igual ao IX do art. 8°, mas, de novo, é uma prática que atenta contra a própria lisura do processo.
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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Por que o Brasil recebe tão poucos turistas? Porque é longe.

A revista Superinteressante fez uma matéria baseada em uma pergunta um tanto exagerada: "Por que ninguém viaja para o Brasil"?

Considerar os pouco mais de 6 milhões de turistas como ninguém é forçar a mão um tanto. É verdade que é longe dos mais de 80 milhões de estrangeiros que a França recebe, mas não dá para desprezar esse contingente que aqui aporta todos os anos. Poderia ser maior? É possível que sim e a reportagem lista uma série de medidas que poderiam ajudar: melhoria da infraestrutura como portos, das atrações como parques e dos serviços como atendentes que saibam inglês. Parecem medidas sensatas, mas serão suficientes?

Uma questão que não foi abordada e raramente vejo contemplada nas discussões sobre o tema - até porque é algo sobre o que provavelmente não dá pra fazer muita coisa: o Brasil é longe, muito longe, um reino tão tão distante dos principais centros de origem de turistas - América do Norte (claro, principalmente os EUA, mas também Canadá e México), Europa Ocidental (Alemanha, Reino Unido, Itália e França) e Extremo Oriente (China, Japão, Coreia - e também o sul e o sudeste asiático com a Malásia e a Índia). E até a Europa Oriental (Polônia, Rússia e Ucrânia).

Na Fig. 1 estão plotados (em logaritmos) os dados do número de turistas recebidos anualmente contra a distância dos três principais centros de origem de turistas: EUA, Europa Ocidental (com a França como representante) e Extremo Oriente (com o Japão como representante). A correlação não é particularmente alta, mas considerando que deve ser um fenômeno multifatorial (infraestrutura, divulgação, atrações, clima, câmbio, instabilidade política, hospitalidade, história...), o fato de a distância (em relação ao grande centro mais próximo, em logaritmo) explicar 12% da variância do número de turistas (em logaritmo) não é algo para ser desprezado.

Figura 1. Relação entre distância de grandes centros de origem de turistas e número de turistas recebidos por ano. Triângulo verde: México, quadrado vermelho: Peru, amarelo: Austrália, verde: Brasil, azul claro: Argentina. Fontes: número de turistas recebidos - Index Mundi; distâncias - DistanceFromTo.

Brasil e Austrália - não dá para dizer que a infraestrutura australiana seja um desastre, nem que o desconhecimento do inglês seja uma barreira - estão em situações bastante similares tanto em termos de número de turistas recebidos quanto do isolamento dos grandes centros de origem de turistas. Navios de cruzeiro e aviões tornam as distância transponíveis, mas não irrelevantes - os custos das passagens são proporcionais às milhas percorridas de modo geral. Ambos recebem até mais turistas do que seriam esperados em relação à distância, mais até do que o Peru, por exemplo (que também recebe mais do que o esperado pela distância).

Como dito, distância não é um fator que seja muito fácil de modificar. A criação de mais de linhas de transporte facilitadas - por navios de cruzeiro e voos internacionais - podem ajudar derrubando os custos e alongando prazos de pagamento, mas o quão economicamente viáveis seriam?

Uma alternativa (ou complemento) ao turismo de massa é o turismo de luxo/negócios. Se o tamanho do fluxo é difícil de se aumentar, pode-se focar em atrair um setor mais endinheirado. Mas isso tem seus poréns: os investimentos iniciais são bem mais altos; o setor de negócios tendem a se concentrar em grandes cidades; o de luxo pode se desenvolver em cidades menores, mas tende a elevar o custo de vida local.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Mezzo mezzo 3: o efeito (ausente) da limitação da meia entrada sobre o preço dos ingressos

Ao menos no que diz respeito ao preço médio dos ingressos para cinema, com a entrada em vigor, em dezembro de 2015, da lei que limita a cota de meia entrada em 40% não houve a queda dos preços que anunciaram que poderia ocorrer. Chegaram a falar que os preços ficariam até 40% mais baratos (ainda que a matemática não batesse).

De 01/dez/2015 para cá, o preço médio dos ingressos dos cinemas brasileiros manteve o mesmo ritmo de crescimento que havia entre 01/jan/2014 e 01/dez/2015 (Fig. 1).

Figura 1. Evolução do preço médio (semanais) dos ingressos (PMI) dos cinemas brasileiros. Linha lilás: variação média do preço entre jan/2014 e set/2016; Linha azul: variação do preço entre dez/2015 e set/2016. Linha verde: variação do IPCA mensal (eixo da direita). Fonte: OCA/Ancine.

Se tiver havido algum efeito, terá sido de acelerar o ritmo inflacionário dos ingressos de cinema.

Aparentemente o principal efeito da limitação da meia entrada foi só aumentar o lucro dos empresários mesmo. (Não há nenhum problema em ter mais lucros. Mas não deveriam mentir falando que haveria queda de preço. Ou, uma vez que prometeram, seria de bom tom cumprir a promessa.)

Upideite(25/set/2016): Corrigindo pelo IPCA (Fig.2) - e utilizando-se a média dos PMIs semanais - há uma queda de 3,6% dos preços médios praticados na vigência da limitação da meia entrada em comparação a 2015 até o início de dezembro (14,92 BRL contra 15,48 BRL). E o quanto isso se deve à nova lei é bastante discutível.

Figura 2. Evolução do preço médio dos ingressos (média do mês dos PMIs semanais) corrigidos pelo IPCA acumulado no mês. A reta de regressão se refere ao períodode jan/2012 a dez/2015, em que se nota uma estabilidade do preço dos ingressos (após correção pela inflação).

Upideite(21/out/2016): Seria quase ausência de diminuição dos preços nos ingressos a despeito da limitação da meia entrada um reflexo da crise econômica? Estariam os pobres empresários do setor sendo obrigado a recompor as perdas sofridas com um público menor? Os dados não permitem apoiar essa hipótese: o público é até *maior* no período após a limitação da meia entrada (Fig. 3)

Figura 3. Variação semanal do público nos cinemas brasileiros.  Fonte: OCA/Ancine.

Upideite(03/nov/2019): Aqui com os dados dos preços médios dos ingressos deflacionados conforme o Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro de 2017 (o de 2018 aparentemente ainda não foi lançado).
Novamente, nenhum efeito observado da limitação da meia entrada.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Doria, again, é golpe sim.

Reproduzo o que publique alhures a respeito da postagem de Pedro Doria no facezucko sobre como Dilma Rousseff deveria ser impedida mesmo e como o Michel Temer deveria mesmo assumir a presidência. (Anteriormente eu já havia comentado outra postagem dele aqui no NAQ.)

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Pedro Doria errando, de novo, sobre a questão do golpe do ipítmã.
A divisão em dois grupos (o golpe no sentido literal e o golpe no sentido figurado) é possível, mas deve ser considerado com muitas reticências e ressalvas: p.e. entre os que acham que houve um golpe de estado mesmo há os que consideram que houve crimes de responsabilidade, mas há golpe porque Rousseff não foi julgada por isso (tanto é que o Senado decidiu por não lhe cassar os direitos políticos).
Ridícula a argumentação de que o discurso de que houve golpe seja diversionista. Pode-se dizer o contrário, que o discurso do tipo de Doria, de que foi tudo legal é que levanta cortina de fumaça e desvia do debate necessário a respeito da democracia no Brasil.
Mas vamos, por enquanto, entrar no debate nos termos que ele deseja (que ele acha que é o mais fundamental):
1. Ele diz que a constatação fundamental é que Rousseff mentiu. Bidu, políticos mentem. Temer, que deu aval ao projeto da campanha e participou do governo, também mentiu.
Mentiu a ponto de cometer crimes de responsabilidade? Bem, a perícia do Senado disse que Rousseff não se envolveu nas pedaladas; em relação aos créditos suplementares, o Senado aprovou uma margem maior para o presidente agora há pouco. Mais do que isso, a conclusão da perícia do Senado foi de que os créditos suplementares diminuíam a margem de manobra para se alcançar a meta fiscal - e não que diretamente impedia sua realização. Sério, crime de responsabilidade por diminuir a margem de manobra para se obter a meta? Rá. Considere-se ainda que a meta foi, com aprovação *pelo Congresso*, alterada posteriormente.
2. O projeto econômico não foi o que ela prometeu. E...? Não, fio, não foi o projeto econômico prometido pelo Aécio. Neves queria trazer a inflação pra 4,5% a qualquer custo - pra isso teria que elevar os juros muito mais (não os atuais absurdos 15% ao ano de Selic, mas os ainda mais absurdos 40% ao ano dos tempos de FHC), fazer cortes muito mais severos (inclusive nos programas sociais: bastante protegidos nos cortes do segundo governo Rousseff): muito provavelmente, Aécio Neves tampouco conseguiria implementar exatamente seu projeto econômico.
Também não leva em sua análise superficial as mudanças no cenário econômico. O preço do petróleo, p.e., apesar de estar em queda desde julho, essa queda se acentua somente em setembro de 2014, quando desce abaixo dos 90 USD/barril - os preços eram mais ou menos estáveis pelo menos desde 2011 (Fig. 1). O preço da soja também estava em queda a partir de maio, mas só foi romper a barreira abaixo dos 420 USD/ton em setembro de 2014 (Fig. 2).
Figura 1. Evolução do preço do barril de petróleo. Fonte: InfoMine.com
Figura 2. Evolução do preço da soja. Fonte: Indexmundi.

Uma crítica que se pode fazer aos governos PT (e não somente a eles) é de não terem rompido a dependência da economia brasileira aos commodities - isso ajudou no crescimento econômico durante mais de uma década, é verdade, mas nos torna vulneráveis a essas crises (Figs 3 e 4).


Figura 3. Evolução da variação do preço das commodities (eixo à esquerda - unidades decimais) e do PIB brasileiro (eixo à esquerda, em %). Fonte de preço das commodities: Indexmundi.


Figura 4. Correlação entre variação do preço das commodities e PIB brasileiro. PIB (N+1): variação do PIB para o ano seguinte ao ano de referência da variação do preço das commodities; PIB (N-1): variação do PIB para o ano anterior ao ano de referência da variação do preço das commodities.

Embora o governo seja responsável pela política econômica, ele não tem controle sobre flutuações dos preços mundiais dessas commodities - quem tem são a OPEP (com a SAU forçando preços baixos para inviabilizar fontes alternativas de óleo - como as areias betuminosas, fracionamento hidráulico e exploração de águas profundas) e, no caso da soja (e outras commodities que o BRA também exporta, como minério de ferro e alumínio), principalmente a CHN.
E só mencionar a questão Cunha e deixar de lado dizendo que é outra história não cola. É outra história no sentido de que é uma outra história bem longa. Mas não é outra no sentido de que isso tem muito peso na situação econômica atual exatamente por atrapalhar com as pautas bombas a implementação de políticas de correção de rumo. (Sem falar que está diretamente ligado à aprovação do impedimento e, principalmente, pela ilegalidade do processo - com todas as manobras feitas.)
3. Este item é de argumentação mais patética de todas. "Democracia não é a ditadura da maioria", "porque minorias têm direito à participação e voz"... sério? Sério que grandes empresários são minoria? Quando se fala em "ditadura da maioria" e "voz às minorias" não se está falando de "maioria" e "maioria" no sentido censitário. Estamos falando de "maioria" e "minoria" *social* - grupos que têm ou não acesso às benesses sociais e econômicas. Mulheres são a maioria da população, mas são minorias sociais - elas são mais de 50% do número de habitantes, mas são ainda excluídas social e economicamente.
E, francamente, usar o argumento de que tem que dar voz à minoria pra justificar a exclusão de uma presidenta democraticamente eleita não está no seu nível usual, Doria. Temos que dar voz até a essa minoria censitária composta pelos industriais e banqueiros, é verdade, mas dar voz não é dar poder - quando perderam nas urnas. Isso nem deveria ser necessário ser dito. Mas posto que você externou uma linha de raciocínio tão abissalmente raso é possível até brincar que, se vamos dar esse tipo de voz a esse tipo de minoria, vamos colocar na presidência o Rui Costa Pimenta do PCO, que teve menos votos de todos. Ou melhor, me coloquem a presidência, já que não tive voto nenhum.
De todo modo, nota-se esta contradição de seu argumento. Primeiro você critica Rousseff por, na sua visão, implementar uma política econômica conservadora; aí defende que a minoria censitária derrotada nas urnas que defendia uma política econômica conservadora deve ser ouvida a ponto de lhe ser dado poder...
4. Você se esqueceu que, pra assumir que é legítimo que o PMDB assuma, primeiro tem que se considerar a legitimidade do impixamento. *Você* assume que é legítimo, mas você está argumentando com quem assume que não é. Com quem considera que houve golpe ou "golpe".
Mas você deixa, de novo, de lado um detalhe: a escolha não foi apenas do PT, mas também do PMDB. E essa escolha envolve a aceitação do plano de campanha.
Oras, se você considera legítimo ejetar Rousseff por mentir no pleito e desviar das promessas, oras, mente também Temer.
Quem elegeu Temer, elegeu para que ele, em caso de impedimento legítimo de Rousseff, assumisse e seguisse o plano eleito: de uma política voltada a um crescimento econômico e desenvolvimento social. E não de espoliação e esfoliação da classe trabalhadora.
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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Por que concurso público pro STF não é uma boa ideia.

Reproduzo o que publiquei alhures a respeito da proposta de concurso público para ministro do STF em substituição ao modelo atual de indicação pelo presidente da República.
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"Concurso público pra ministro do STF"
Não rola. Ferra ainda mais com o sistema de pesos e contrapesos (checks and balances) entre os poderes.
O STF é uma corte de função mista: constitucional e de apelação. Decide não apenas questões relacionadas à constitucionalidade última dos dispositivos legais como também é a última instância de avaliação de casos civis e criminais.
Não dá pra investir poder de guarda constitucional - instância última da organização do poder político público (que é originado do povo) - pra um corpo sem investidura representativa - isto é, não sendo por meio de voto. Ao ser indicado por um representante eleito - no caso o Presidente da República - e sujeito à aprovação de um corpo de representeantes também eleitos - no caso o Senado Federal - os ministro do STF ganham legitimidade pra, em nome do povo, exercerem a função constitucional.
O acesso exclusivamente por concurso público tornaria o STF um poder não apenas sem legitimidade como praticamente sem nenhum controle externo (só sobraria o dispositivo de processo via Senado Federal). Isto é, viraria um poder paralelo autárquico e não uma instância submetida ao controle popular de alguma forma.
Na outra linha corre uma proposta quase diametralmente oposta: "Eleições para juízes".
Aí bagunça a outra função do STF: a de corte de apelação. O julgamento de questões civis, trabalhistas, criminais... não pode ser tão diretamente político, é preciso ser uma decisão técnica. Daí que a *carreira* é, via de regra, por meio de concursos: como juízes ou promotores - o grosso da indicação para o STF.
Uma proposta que me parece mais interessante - mas seria preciso uma análise mais aprofundada - é de se cindir os poderes em duas cortes: uma constitucional e exclusivamente constitucional e outra como corte de apelação e apenas como corte de apelação; com composições distintas. A de apelação poderia ser montada por via burocrática.
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Os padrões de alterações da CLT

As propostas de alterações de direitos trabalhistas - geralmente de supressão, diminuição ou precarização desses direitos - estão correndo soltas. Como terceirização, aumento da idade para aposentadoria e substituição da CLT por acordos coletivos, entre outras.

Uma das defesas para uma ampla reforma da CLT (quando não de sua supressão completa) é que ela é algo arcaico, criado no longínquo ano de 1943.

Embora seja verdade que sua origem seja pré-Segunda Guerra, ela não permaneceu estática. Ao longo do tempo sofreu várias alterações - somente 37% dos artigos da lei não sofreram nenhum tipo de modificação nestes anos (Fig. 1). A mais recente é de 2016 mesmo.

Figura 1. Evolução das mudanças da CLT. (Nota: considerou-se apenas a data da modificação mais recente no artigo - na íntegra ou em parte.)


É possível observar-se alguns surtos reformistas, as principais em 1967-9 e 1977, durante a Ditadura Civil-Militar. Muitas delas concentram-se em determinados títulos e capítulos (Fig. 2).

Figura 2. Mapa de alterações da CLT. (Considerando-se apenas os anos em que mais de 20 artigos foram modificados; apenas as alterações mais recentes nos artigos foram consideradas.)

Estaremos diante de uma nova sanha reformista? A se ver. E a se temer dado que a tendência é pela piora da situação dos trabalhadores.

Modernização nas leis e nas relações de trabalho podem ser necessárias (lidar com o trabalho a distância, serviços como o Uber, aumento da expectativa de vida...), mas não dá pra defendê-las com base na argumentação de que são arcaicas, bizarras, e que elas são "manicômios trabalhistas" - sobretudo quando ao que se visa é apenas aumentar a lucratividade com o sacrifício de direitos do trabalhador.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Oscilação quindecadal da bolsa americana

S&P 500 mensal: 1871 a agosto de 2016 - entre 1871 e 1923 (reconstituído)


Dados transformados em logaritmos naturais.


Resíduos após remoção da tendência exponencial. [Curva senóide para comparação: sen((data/2.650)-164)/2. Data em dias desde 30/12/1899.]

Se essa curva sinoidal descreve bem a variação da bolsa americana - removida a tendência temporal de aumento -, ela prediz um período de 46 anos entre duas máximas (ou, equivalentemente, duas mínimas). Haveria alguma fator externo com tal periodicidade ou seria uma característica intrínseca de um sistema como a bolsa de valores americana?

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Para que servem salva-vidas em provas olimpicas de natação?

A presença de salva-vidas nos centros aquáticos das Olimpiadas de Verão do Rio de Janeiro 2016 gerou um burburinho de gracejos. A edição britânica do Metro, por exemplo, não conseguiu identificar a serventia disso.

Mas é bom lembrar que, embora a presença dos salva-vidas nesta edição deva-se à legislação fluminense e o regulamento da Fina não exija, não é exclusividade do Rio2016. Em Atenas 2004, Pequim 2008 e em Londres 2012, eles estavam presentes.

Analisando o papel dos salva-vidas em Atenas 2004, Avramidis 2008, explica sua importância perto de corpos d'água e piscinas em geral e também em competições de alto nível.

Avramidfis, S. 2008. Lifeguard Operations: Summary of Practices at the Athens 2004 Olympics. International Journal of Aquatic Research and Education. 1, 47-55
"In open-water venues, the need for lifeguards is well appreciated around the world. Unfortunately, there are still people in countries with a less well-developed sense of safety who believe that swimming pools do not present risks and therefore that the lifeguards are unnecessary (Avramidis, 2003). For those believing that a swimming pool is merely a harmless 'small sea' and therefore a safe place without the potential for injury or death, the answer to the question 'Do we need lifeguards during the Olympic Games?' is often a resounding No!

As one means of refuting that attitude, one need only consider a remarkable incident that occurred on the ninth of Greg Louganis’s 11 preliminary dives in the 3-m springboard competition during the Olympic Games of Seoul on September 19, 1988. Louganis lacerated his head on the diving board and hit the water with a great splash after attempting a reverse 2.5-somersault pike. Fortunately, the accident led only to a cut that required temporary sutures and five stitches. Recall, however, that several years later the incident took on added meaning when the world’s best diver revealed that he had been HIV-positive during those Olympic Games. In his autobiography, he admitted that he was panicked that he might cause someone else harm. He had wanted to warn the doctor who treated his head injury without wearing gloves, but he did not. Fortunately, the physician tested negative for HIV in 1994. Everything was so mixed up at that point: the HIV, the shock and embarrassment of hitting his head, and an awful feeling that it was all over (Brown, 2007). From this single emergency incident that could have led to compression, concussion, spinal injury, bleeding, or an HIV infection, one should appreciate that even during Olympic Games, aquatic emergencies can and do occur."

O risco não é apenas teórico. Há vários outros casos em que os atletas de diferentes disciplinas tiveram que ser socorridos. P.e.

2008 "Japonesa passa mal e é resgatada na piscina do Cubo D'Água"

2015 "Nadadora da Zâmbia passa mal e sai carregada da piscina no Mundial de Kazan"

2016 "Nadadora passa mal e é retirada de maca durante o Troféu Maria Lenk"

domingo, 7 de agosto de 2016

A lei 13.284/2016 *não* proíbe manifestação política em estádios.

Reposto com alterações o que publiquei alhures.

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A lei 13.284/2016 *não* proíbe manifestação política em estádios.

O que, em seu artigo 28, veda são: atos de violência e incitação à ela; cartazes e dizeres racistas, xenófobos e discriminatórios; invasão; usar bandeira que não pra fins de festa e amizade (nada de queimar bandeiras, p.e.).

"Fora, Temer" (ou mesmo "Fora, Dilma") não se enquadra em nenhum dos casos. A ação das forças de segurança de retirar pessoas e cartazes que protestam politicamente não tem amparo legal....

"Art. 28
§ 1º É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana."

Vale destacar trecho de matéria do site Consultor Jurídico "STF já julgou constitucional lei que proíbe manifestação em estádios":
"O jurista Lenio Luiz Streck vê uma interpretação 'forçada e em fatia' da lei por parte das autoridades. Isso porque o artigo 28 contém incisos que proíbem manifestações racistas e xenófobas. Até chegar ao inciso X, que dispõe: 'Não utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável'. É baseado nesse trecho que a polícia tem retirado os cartazes dos torcedores. 

'O inciso X deve ser lido no contexto no qual estão todos os outros incisos. Ele veda a manifestação com bandeira de mensagens racistas e xenófobas, e não a manifestação política. Para mim, isso está muito claro', afirmou Lenio em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Outro ponto é que, no mesmo artigo, o parágrafo primeiro determina: 'É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana'. O jurista explica que o parágrafo tem prevalência sobre o inciso em um texto legislatório. Assim, mesmo que se utilizasse interpretação fechada do inciso X, o parágrafo primeiro deixa claro que a liberdade de manifestação está garantida.'"

O título da reportagem, no entanto, é enganoso. Como dito, a lei *não* proíbe manifestação em estádios: somente as de violência e discriminação. Nem a Lei Geral da Copa, nem a lei 13.284/2016, que têm dispositivos virtualmente idênticos nos artigos 28 proíbem manifestações políticas - em estádios ou fora deles.

Quando o STF julgou a lei 12.663/2012 a considerou constitucional, mas não dizendo que é constitucional proibir manifestação política e sim que ela é constitucional porque não proíbe a livre manifestação de ideias. Basta ler os votos dos ministros no acórdão. P.e. o voto do ministro Luís Roberto Barroso:

"Presidente, também eu acompanho esse entendimento.

Entendi que este § 1º, na verdade, tem o sentido oposto ao que manifestado na petição inicial, porque se trata de uma lei que trazia um conjunto de restrições, aliás, uma norma visivelmente programática em alguns dispositivos, porque proíbe, no estádio, que sejam entoados xingamentos, o que é uma pretensão de normatizar o impossível. Este parágrafo dispõe:

'§ 1o É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana'

Do ponto de vista do seu valor intrínseco, a liberdade de expressão é uma manifestação da dignidade da pessoa humana e, do ponto de vista do seu valor instrumental, ela é também uma forma de expressão para realizar este fim último da democracia.

A meu ver, o dispositivo, por ter o sentido oposto ao de restrição à liberdade de expressão, não tem razão para ser retirado do ordenamento jurídico, de modo que eu acompanho o Relator."
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Upideite(08/ago/2016): O juiz federal João Augusto Carneiro Araújo da Justiça Federal do Rio de Janeiro *concedeu* liminar pedido pelo Ministério Público Federal para que a União, o Estado do Rio de Janeiro e o Comitê Organizador do Rio 2016: "se abstenham, imediatamente, de reprimir manifestações pacíficas de cunho político nos locais oficiais, de retirar do recinto as pessoas que estejam se manifestando pacificamente nestes espaços, seja por cartazes, camisetas ou outro meio lícito permitido durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos RIO2016, sob pena de multa pessoal ao seu responsável no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada ato que viole a presente decisão, sem prejuízo das demais sanções previstas legalmente."







A liminar processo número 0500208-93.2016.4.02.5101 pode ser consultada no sistema da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

ht @carloshotta tw

domingo, 24 de julho de 2016

Ações subiram. Será mesmo por causa da posse de Temer?

O UOL mancheta em 22.jul "Empresas da Bolsa ganham R$131,6 bi desde posse de Temer; Petrobras lidera".

O jornalista anônimo não faz a relação direta de causa e efeito entre a posse de Temer (e saída de Rousseff) e o desempenho econômico do país na bolsa de valores; mas será que há isso?

Bem, mesmo apenas como uma descrição da realidade - a coincidência temporal, sem implicar em relação causal - ela é altamente enganosa.

Fonte: Yahoo Finance.

As linhas pontilhas verticais indicam as datas de admissão de impeachment pela Câmara (dia 17/abr/2016) e da aprovação do processo pelo Senado/posse de Temer (dia 12/mai/2016).

Ou seja, após a posse de Temer, a bolsa *caiu*. E só agora está retornando à tendência de alta que havia desde *janeiro*. A taxa média de valorização da bolsa desde a posse do governo interino está *abaixo* da média de valorização ao longo deste ano, mesmo a taxa média de valorização desde o início da tendência atual é mais baixa do que a média de valorização antes do afastamento da presidente Rousseff.

A valorização da Petrobras tem ainda a ver com o preço do petróleo no mercado internacional - ambos com tendência de subida desde janeiro/2016.

Fonte: ações da Petrobras Google Finance; preço do petróleo Infomine.

Upideite(24/jul/2016):Somado ao papelão da Folha e Datafolha na pesquisa da popularidade do governo Temer - criticada duramente até pela própria ombudsman -, a semana do grupo Folha/UOL não é das mais felizes.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Nossos japoneses são melhores do que os outros imigrantes?

Repostando o que publiquei alhures.
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Há um post no facebook bastante enganoso a respeito da imigração japonesa em relação a outras nacionalidades e, principalmente, em relação à condição do trabalhador escravo recém-liberto.
É bem verdade que a condição dos trabalhadores imigrantes livres nas lavouras eram muito duras - especialmente nas primeiras décadas - e com vários casos de escravidão por dívida. Mas praticamente não se compara com a situação dos trabalhadores escravos do Brasil colônia até pouco antes da Proclamação da República e mesmo da massa da população negra recém-liberta.
Uma das coisas é que o imigrante, de um lado, trazia algum conhecimento de ofício - muitos vinham de cidades, onde eram lojistas, artesãos, pequenos empresários... Muitos tinham algum grau de escolaridade.
Vários imigrantes acabaram fugindo das condições precárias das lavouras para as cidades, onde conseguiam exercer seu ofício. E com isso formavam pequenos grupos de ajuda e exploração mútua.
Outro ponto muito importante. O imigrante, bem ou mal, tinha sua situação monitorada pelo governo de seu país de origem. O estabelecimento dos imigrantes japoneses no Brasil foi completamente tutelado pelo governo japonês (Lei de Proteção aos Emigrantes - 1896) - a emigração foi uma política de estado do governo japonês, tanto como resposta a uma superpopulação no Japão como uma forma de expandir sua área de influência e de prospecção de recursos (fazia parte da política expansionista colonial do Japão que buscava se modernizar após a Restauração Meiji - faz parte do movimento que levou à Guerra do Pacífico durante a SGM).
Conquanto houvesse abusos na exploração dos colonos, o governo do país procurava impedir isso.
Mais um ponto. O trabalhador imigrante, via de regra, vinha com núcleo familiar formado. Bem diferente das condições de tráfico de escravos durante a era colonial e imperial.
Outro, ao imigrante era permitido a posse de bens - incluindo a compra de terras próprias. Em alguns casos, havia doação ou cessão do terreno para estabelecimento de colônias.P.e. em 1924, a Associação Ultramarina de Shinano comprou milhares de hectares no Noroeste de São Paulo para fundar um assentamento de trabalhadores japoneses.
A população negra recém-liberta não tinha apoio - ainda que débil de seu país de origem: no caso, o próprio Brasil. Não houve nenhuma compensação ou indenização ao trabalhador negro recém-liberto no ato da extinção da Escravatura. Praticamente não tinham posses. Poucos tiveram oportunidade de acumular capital intelectual e conhecimentos técnicos mais refinados e valorizados.
Os imigrantes japoneses sofriam com a forte discriminação por não serem brancos europeus. Mas não chegava a igualar a discriminação em relação aos negros. De todo modo, a condição socioeconômica - como posse de bens - protegia-os um tanto dessa discriminação.
É, assim, uma falsificação histórica uma comparação entre a situação dos imigrantes japoneses e dos negros recém-libertos que coloque os dois grupos em pé de igualdade. A situação do imigrante japonês era dura, mas muito menos precária do que a da massa de negros abandonados à própria sorte.
Sim, como a maioria dos imigrantes de outras nacionalidades, deram duro e puderam ascender materialmente. Não menos duro deram os negros, mas a barreira interposta sempre foi mais grave e com menos brechas.
Basta lembrar que a política de imigração brasileira tinha como objetivo o branqueamento da população nacional.
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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Uma longa jornada: o efeito de longas horas trabalhadas na saúde

Aparentemente a CNI tem um problema de interpretação de texto e seu presidente, Robson Braga de Andrade, de se expressar.

Após polêmica nas mídias sociais e tradicionais sobre fala do empresário a respeito da jornada de trabalho no Brasil, a entidade publicou nota afirmando que seu mandatário: "JAMAIS defendeu o aumento da jornada de trabalho brasileira, limitada pela Constituição Federal em 44 horas semanais" (grifo deles.)

Para provarem o ponto, na mesma nota republicam a transcrição correta do que disse Andrade:

"Nós aqui no Brasil temos 44 horas de trabalho semanais. As centrais sindicais tentam passar esse número para 40. A França, que tem 36 horas, passou agora para 80, a possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal (sic, são 60 horas) e até 12 horas diárias de trabalho. A razão disso é muito simples, é que a França perdeu a competitividade da sua indústria com relação aos outros países da Europa. Então, a França está revertendo e revendo as suas medidas para criar competitividade. O mundo é assim. A gente tem que estar aberto para fazer essas mudanças. E nós ficamos aqui realmente ansiosos para que essas mudanças sejam apresentadas no menor tempo possível."

Ou seja, se jamais defendeu, jamais defendeu até então... pois o trecho é exatamente a defesa da adoção de uma jornada estendida de 12 horas e 60 horas por semana.

Questões políticas à parte; temos uma literatura científica já com algum tamanho sobre os efeitos que jornadas extensas têm na saúde do trabalhador.

Em 2004, o National Institute for Occupational Safety and Health publicou um estudo de revisão sobre a literatura acerca do tema. A conclusão geral foi:
"In 16 of 22 studies addressing general health effects, overtime was associated with poorer perceived general health, increased injury rates, more illnesses, or increased mortality. One meta-analysis of long work hours suggested a possible weak relationship with preterm birth. Overtime was associated with unhealthy weight gain in two studies, increased alcohol use in two of three studies, increased smoking in one of two studies, and poorer neuropsychological test performance in one study. Some reports did not support this trend, finding no relationship between long work hours and leisure-time physical activity (two of three studies) and no relationship with drug abuse (one study)."
["Em 16 dos 22 estudos referindo-se a efeitos gerais na saúde, as horas estendidas associaram-se a uma saúde geral percebida pior, aumento de taxa de acidentes, mais doenças ou aumento da mortalidade. Uma meta-análise de longas jornadas sugeriu uma relação fraca com nascimentos prematuros. As horas estendidas foram associadas a um ganho de peso não-saudável em dois de três estudos, aumento de consumo de álcool em três, aumento de uso de tabaco em um de dois estudos e pior desempenho em testes neuropsicológicos em um estudo. Alguns estudos não apoiam essa tendência, não encontrando relação entre longa jornada e atividade física durante as folgas (dois de três estudos) e também não encontrando relação com abuso de drogas (um estudo). "]

Uma meta-análise de Virtanen et al. (2012), incluindo 12 estudos com um total de 22.518 participantes, concluiu que jornadas longas de trabalho aumentam o risco de se desenvolver doenças cardíacas coronarianas em 40%.

Vyas et al (2012), em meta-análise de 34 estudos com 2.011.935 pessoas no total, concluem que: "[o]n the basis of the Canadian prevalence of shift work of 32.8%, the population attributable risks related to shift work were 7.0% for myocardial infarction, 7.3% for all coronary events, and 1.6% for ischaemic stroke." ["Com base na prevalência canadense de jornada de trabalho, de 32,8% de riscos populacionais atribuíveis à jornada de trabalho, 7,0% foram de infarto do miocárdio, 7,3% para todos os eventos coronarianos e 1,5% para derrame isquêmico."]

Ao que tudo indica, o presidente da CNI não chegou a ver esses efeitos deletérios à saúde do trabalhador de longas jornadas de trabalho que ele diz que não defende - mesmo estranhamente proferindo palavras que indicam o contrário.

sábado, 11 de junho de 2016

O pescador e o homeopata

Repostando um breve conto que publiquei alhures.
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Pescador: "Cuidado ao imbarcá. Coloque os pé bem firmes no fundo do barco e afastados um do outro pra se equilibrá. Isso..."
Turista: "Uf, pronto. Obrigado. Como é seu nome mesmo?"
Pescador: "Meu nome é João Carlos, mas o sinhô pode me chamá de Joca. E qual a sua graça?"
Turista: "Sou doutor Charles Yaitanes."
Joca: "Ah, dotô Charles, que nem meu fio, ele fez dotorado em Química na federal..."
Yaitanes: "Na verdade, não fiz doutorado, sou médico homeopata."
Joca: "Ah, nem sabia qui tinha médico especialista nas omoplatas..."
Y: "Não, não. Eu faço homeopatia."
J: "Qui trocésse?"
Y: "É a cura pelos semelhantes."
J: "Não aenterdi.."
Y: "Assim, se a pessoa tem um problema, usamos uma coisa que causa esse problema para curar o problema."
J: "Como assim?"
Y: "Por exemplo, se a pessoa tem pressão alta..."
J: "Ah, eu tenho isso aê, dotô. O médico do posto disse qui é pra eu evitá o sar."
Y: "Isso. Mas pra tratar a pressão alta, usamos o natrum muriaticum."
J: "Qui trocésse?"
Y: "É o cloreto de sódio..."
J: "Mas, pelo que em alembro do que meu fio mi falô, isso é sar di cuzinha, num é?"
Y: "Sim."
J: "Mas o sar não faz mar?"
Y: "Sim, mas esse é o princípio da cura pelos semelhantes."
J: "Intão é só eu comê sar pra melhorá minha pressão?"
Y: "Não, não. Você tem que tomar o natrum muriaticum..."
J: "Que é o sar..."
Y: "Não."
J: "Mas o dotô cabô de dizê qui..."
Y: "Não, é o sal, mas não o é sal. Ele é dissolvido em água."
J: "Ah, aí ele fica bem fraquinho, né?"
Y: "Não, ele fica mais forte!"
J: "Cuméquié?"
Y: "Com a diluição na água, o efeito curativo do natrum muriaticum fica mais forte."
J: "Então é só eu botá um cadim de sar no copo di água i..."
Y: "Não. É preciso fazer várias diluições. Primeiro coloca-se 60 g de sal em um litro de água pura. Aí pega-se 100 ml dessa solução e se dilui em 900 ml de água pura. Pega-se 100 ml dessa nova solução e dilui-se em 900 ml de água pura."
J: "E quantas vez isso, dotô?"
Y: "Depende. Pode ser 30, 100 vezes. Quanto pior a doença, mais forte tem que ser o medicamento."
J: "Mas cum tanta diluição assim, a gente num fica só com água pura?"
Y: "Sim. Mas a água tem memória, ela guarda a informação da molécula original que foi diluída nela."
J: "Intão a água aqui do lago tem memória dos peixes qui nadam nela?"
Y: "Não. A memória se forma com o processo especial de diluição e dinamização que usamos."
J: "Dinamização?"
Y: "Isso. Quando fazemos a diluição, sacudimos o frasco em que ela é realizada, batemos vigorosamente contra uma tira de couro de cavalo; isso ativa a energia vital da molécula e cria a memória da água."
O pescador ficou calado o resto da pescaria. Apenas ligeiras instruções sobre como colocar a isca no anzol e lançá-la aos peixes. Em várias ocasiões pensou em contar a vez em que pescara uma piapara de 2 metros. Mas a vergonha o vencia. Não tinha causo que pudesse bater esse que o médico lhe contara.
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sexta-feira, 27 de maio de 2016

O tamanho da (sub)cultura do estupro

Republico o que escrevi alhures sobre a 'cultura do estupro' com modificações.
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Com dois casos recentes de estupro coletivo (cuidado! contém paywall poroso), um no Piauí e outro no Rio de Janeiro, um termo foi bastante destacado nas discussões sobre isso: a "cultura do estupro".
A "cultura do estupro" não é exatamente um exagero retórico feminista. Como um conjunto de valores e atitudes que toleram e incentivam o abuso sexual, principalmente, de mulheres e crianças, ela existe, sim, conforme podemos inferir a partir de pesquisas de opinião (como medimos conjuntos de valores, atitudes e percepções sobre outros temas como ciência e tecnologia).
Pelo tamanho e matização eu chamaria mais de "subcultura do estupro".
A pesquisa do Ipea de "Tolerância social à violência contra as mulheres" divulgada em 2014 levantou certas críticas em função de um erro que fez inflar o número dos que apoiariam a frase de que mulher com pouca roupa merecem ser atacadas; mas isso foi revisto.
Claro que a maioria da população percebe o estupro como algo essencialmente errado - e até abjeto. Mas a tolerância tende a aumentar em situações que se afastam da situação extrema (que algumas pesquisadoras feministas classificam como "ideação do estupro verdadeiro"): o estupro perpetrado por um completo desconhecido com a vítima relutando, mas dominada fisicamente (e até sob ameaça de uma arma), especialmente com a vítima sendo uma mulher considerada moralmente direita (idealmente, virgem ou casada, recatada, do lar...).
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Concordam total ou parcialmente:
"Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.": 26%
"A mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tem vontade." 27,2%
"Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros." 58,5%
"Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar. " 65,1%
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quarta-feira, 18 de maio de 2016

Menos leitos, menos saúde?

Repostando o que publiquei alhures.
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Entre 2010 e 2015, 23.565 leitos hospitalares sumiram no SUS! Nossa! É o fim do mundo! Saúde já!
Bem, 45% disso (10.801) referem-se a vagas em psiquiatria. Desde 1978 há um movimento de reforma da política de saúde mental no Brasil, visando à desinternalização de pacientes psiquiátricos - chamado de desospitalização. Tratamentos mais humanos são prescritos - banimento de terapias de eletrochoques, enclausuramento e isolamento, fora os maus tratos nos manicômios - com o paciente continuando a viver em sua própria casa. No ano 2001 (governos FHC) é lançada a lei 10.216 que estabelece políticas de proteção aos portadores de transtornos mentais. Dispositivos seguintes atualizam e regulamentam o prescrito na lei.
5.021 são referentes a vagas na obstetrícia. Estamos em fase de declínio da taxa de natalidade. Além disso há movimentos para partos humanizados, naturais - com pouco tempo de internação - e até partos em casa - sem internação alguma.
Em 2013, a Folha repercutiu um estudo do Banco Mundial denunciando a ociosidade de boa parte dos leitos. A taxa de ocupação média no SUS sendo de apenas 45%. Seria (e de fato não deixa de ser) um desperdício de recursos importantes.
Muitos atendimentos, de menor gravidade, são agora em nível ambulatorial, sem necessidade de internação de pacientes. Aliás, o maior gargalo no SUS é o do atendimento ambulatorial.
Há, de fato, ainda insuficiências de leitos para algumas especialidades e para algumas regiões; mas o quadro geral é que o fechamento dos leitos no SUS não é essa notícia horrível (cuidado! contém paywall poroso) com que querem pintar agora.
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terça-feira, 17 de maio de 2016

Mais fácil ganhar na loteria do que ser acusado falsamente de estupro? Não.

Acho que nunca é demais lembrar a importância dos movimentos feministas no avanço da defesa dos direitos da mulher e respeito a eles (e não apenas de mulheres, já que acaba havendo intersecção com outras minoriais - como grupos LGBTTTs). A crítica a seguir *não* tem o objetivo de desmerecer esse trabalho fundamental. Ela é pontual e pretende ser construtiva.

Baseando-se em um texto do Buzzfeed, o perfil no twitter da Feminista Cansada alegou que há cinco (5) vezes mais chances de um homem (americano) ganhar na loteria do que ser falsamente acusado de estupro.
O número que importa, no entanto, é: dado que X é acusado de estupro, quais as chances de que a acusação seja verdadeira? (Ou, correspondentemente, de que seja falsa.)

Não sabemos. Há chutes e estimativas que vão de 2% a 40% (este último baseado em um artigo publicado, mas que já tem décadas e se refere a apenas uma localidade nos EUA).

Claro que, mesmo que fosse de 50%, não quer dizer que, diante de uma acusação, nada precisaria ser feito e/ou, pior, que não se deveria levar a acusação a sério e apenas rir da que acusa. Tampouco deve-se, mesmo que 1%, imediatamente prender o acusado sem necessidade de qualquer investigação e sem o devido processo legal.

A vítima deve sempre ser respeitada e acolhida. E receber apoio psicológico necessário. Ser levada a sério.

Ao mesmo tempo, é preciso fazer a devida investigação: verificar quais os indícios e proceder de acordo. Se houver indícios suficientes, indiciar o acusado para que responda ao processo. E, se considerado culpado, receber a sentença e cumprir a pena. Nunca submeter o acusado a um pré-julgamento sem maiores indícios.

De todo modo, o número que o Buzzfeed dá, de uma chance geral (sendo a acusação verdadeira ou não) de um homem, ao longo de um ano, ter uma chance de 1 em 2,7 milhões parece completamente furado. Em 2013, 16.863 pessoas foram presas por estupro, nos EUA. Consideremos que 90% sejam homens. Em 2013, a estimativa é de que havia 317.773.895 americanos. Isso dá uma taxa de 96 homens americanos presos por estupro a cada milhão ou 1 chance em 10.416,67 - 258 vezes maior do que a estimativa do Buzfeed. E isso incluindo bebês do sexo masculino.*

Como no caso da enquete sobre cantadas, e a história de um estupro a cada 12 segundos, está-se partindo de números ruins. O drama do estupro já é suficientemente grave para que seja considerado um problema a ser enfrentado com seriedade. Não é preciso estatísticas suspeitas para isso: apenas trabalha contra a causa, na verdade.

*Obs: ao fim o Buzzfeed faz outra comparação ruim. Usa o risco durante a *vida* de ser estuprado contra o risco *ao longo de um ano* de ser acusado de estupro. O melhor é que a comparação dê-se em termos de mesmo período

Se o valor de 1:33 fosse confiável como o risco de um homem ser estuprado pelo menos uma vez ao longo de sua vida, isso significaria um risco anual - considerando-se uma expectativa de vida média de 76,4 anos - de 403 em 1 milhão ou 1:2.481,39. As chances, ao longo de um ano, de vir a ser estuprado seriam 4,2 vezes as chances de ser acusado (falsamente ou não) de estupro.

Mas as estatísticas do Bureau of Justice Statistics do Departamento de Justiça americano indicam que em 2014 foram 284.350 casos de estupro. Se 10% desses casos envolverem vítimas do sexo masculino, as chances de um americano do sexo masculino vir a ser estuprado ao longo de um ano serãoá de 179 em um milhão ou 1:5.587,72. As chances de, ao longo de um ano, um americano do sexo masculino (adulto ou criança) vir a ser sexualmente violentado ésão 1,87 vez maiores do que de ser acusado de estupro. Se considerarmos apenas homens adultos, provavelmente as chances de vir, ao longo de um ano, a ser acusado (justa ou injustamente) de estupro devem ser pouco maiores do que a de ser vítima de estupro.

Disclêimer: o de praxe, sou machista, mas não me orgulho disso.

sábado, 23 de abril de 2016

Golpe e legalidade. Assim não é, nem se lhe parece.

Escrevi alhures.
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"O impeachment segue todos os ritos formais, logo não é golpe."
Eu discordo de que siga todos os ritos formais (as várias manobras pra forçar um resultado - p.e., a escolha bizarra da ordem de votação da admissibilidade). Mas, para fins de argumentação, consideremos que esteja dentro dos rigores das prescrições legais (p.e. se houvesse escapada, o STF iria brecar - não acredito nisso também, num órgão que inventou uma interpretação bisonha de 'domínio de fato' -, mas é um argumento).
Embora a estrita observância dos trâmites legais seja condição sine qua non de legalidade, ela, por si mesma, ainda que numa democracia, não é garantia de que a justiça está sendo feita.
É possível se dar contra-exemplos reais (então não precisamos recorrer a exemplos hipotéticos ou fictícios como o Senador Palpatine ser aclamado Imperador Galático).
A condenação do morador de rua Rafael Braga por "porte de aparato explosivo", quando ele tinha um frasco de Pinho Sol.
Hugo Cháves não fugiu da lei ao reapresentar proposta de emenda constitucional de reeleição para referendo (2009) logo depois de derrotado em plebiscito (2007). Mas foi um (auto)golpe.
Um dia depois de a Câmara rejeitar proposta de redução da maioridade penal (cuidado! contém paywall poroso), Dudu Cunha reapresentou a proposta, com modificações mínimas, que foi aprovada.
O Congresso aprovou e a presidenta sancionou a lei que libera a prescrição e administração da fosfoetanolamina para pacientes com câncer mesmo sem o registro devido na Anvisa - e sem os dados sobre segurança e eficácia.
O CFM aprovou a homeopatia como especialidade médica em 1980.
Desembargadores mantiveram a condenação de um homem por estupro, mesmo análise de ADN indicar que o sangue encontrado no local do crime não é dele (e nem da vítima).
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Tudo nos estritos rigores da lei, tudo decisão mais do que ruim.
Já é ruim os casos em que, a despeito da patente injustiça, é também patente que o caso se encaixa no que é previsto na lei. Mas ainda dá para se conformar.
Quando manobras são realizadas para que o caso se ajuste no que dita a lei, é mais do que hora de levantar a bandeira vermelha (sem conotação socialista - ou, se a imagem lhe é ruim, então, "mais do que hora de soar o alarma").


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quarta-feira, 20 de abril de 2016

Doria, é golpe sim.

Reposto aqui (com pouca modificação) o que comentei no facezucko.

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Pedro Doria mandando mais uma furada. Agora argumentando que o presente processo de impedimento contra a presidenta Dilma Rousseff é, ainda que traumático, absolutamente legal.

Sim, Mensalão e Petrolão ocorreram, como lembra Doria. Mas nem uma coisa nem outra nem ao menos constam como motivo de pedido de impeachment. E a presidenta Dilma não tem nada provado contra ela - não está indiciada, não é ré em processos relacionados aos casos.

As pedaladas. Pedro Dória só se esquece que, mês antes do TCU reprovar as contas da Rousseff por causa delas, a Câmara aprovou as contas de FHC e Lula que tinham as tais pedaladas.

Ignora também todas as manobras realizadas para forçar o resultado desejado pelo presidente da Câmara e o resto da oposição. Culminando com a escolha bisonha da ordem de votação, que acumulava votos "sim" em excesso na primeira metade do total de votos (abrindo espaço para influir na decisão dos parlamentares que estivessem indecisos ou até mesmo as defecções das orientações partidárias em contrário). (Fig. 1)


Figura 1. Efeito da ordem de votação. Painel superior: azul (ordem adotada na votação pela Câmara de admissibilidade de impeachment em 17/abr/2016); laranja (votação em ordem alfabética); verde limão (taxa constante). Painel inferior: diferença de votos "sim" acumulados da ordem adotada (azul) e da ordem alfabética (laranja) em relação à taxa constante; em amarelo diferença entre a ordem adotada e a alfabética.

As racionalizações de que o presente processo de impedimento da Dilma não é golpe me iluminam muita coisa sobre como 1964 pôde acontecer.

Por essa linha de argumentação tomada por Doria, a prisão de Rafael Braga por porte de Pinho Sol é muito justa. Afinal cabe à Justiça decidir se desinfetante é ou não um produto perigoso.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Olha o breque!

Pedrinho acha que as mídias sociais são uma ótima oportunidade para troca de informações e para manutenção de contato com amigos e parentes que estão distantes (são também oportunidades de negócios para muitos, mas não é a onda do Pedrinho).

Nesse espírito engajou-se em várias delas: em particular o twitter e o facebook (este último meio a contragosto). Umas rusgas ali e outra acolá, normal, dada a falibilidade das comunicações e variações de humor (de Pedrinho, dos interlocutores e das pessoas em geral); o balanço geral era positivo. Os contatos ajudaauxiliavam a filtrar notícias relevantes, ajudando-o a manter-se atualizado, a sanar dúvidas, a divulgar seus trabalhos, a complementar a humana necessidade de comunicação (complementar, pois a comunicação offline ainda é primordial: mesmo que se possa pedir comida por meio de aplicativos, Pedrinho compra na padaria perto de casa, vai ao supermercado; conversa com colegas de trabalho, vai ao cinema, fala com os amigos pessoalmente também...)

Porém, recentemente a experiência tem se tornado insatisfatória. Não apenas pelo noticiário estar menos e menos confiável, pelo aumento de circulação de boatos e desinformações, que seus contatos inadvertidamente ajudam a espalhar (e ocasionalmente o próprio Pedrinho, mesmo com seu esforço de filtrar os engodos). Mas, sobretudo, pelas rusgas, ocasionais e irrelevantes que de antanho, acumularem-se e tornarem-se mais frequentes. Não apenas com contatos desconhecidos, mas também com amigos que conhece pessoalmente.

Claro que se poderia atribuir as desinteligências a Pedrinho - afinal, o maior ponto em comum das discussões inamistosas é ele. Mas, analisando a comunicação - as mídias sociais (a maior parte delas) têm a vantagem de deixar o registro dessas trocas de mensagens -, Pedrinho crê que não é dele o principal erro. E, quando mostra a terceiros, não envolvidos nas altercações verbais, o parecer é de inocência de Pedrinho (ainda que se possa suspeitar pelo fato de os juízes serem amigos de Pedrinho).

As queixas em relação a Pedrinho são um tanto variadas, ainda que alguns temas sejam recorrentes. Uma das que mais o entristecem são as que direta ou indiretamente implicam em acusação de alguma forma de desonestidade intelectual. A honestidade intelectual é algo peloa qual Pedrinho é muito cioso. Sempre que possível, Pedrinho procura fornecer referências das fontes nas quais ele baseia sua opinião. Quando é apenas um achismo, Pedrinho salienta tal fato. Evita opinar a respeito das coisas de que não considera possuir um mínimo de conhecimento da causa: nos blogues que mantém quase nunca comenta polêmicas no calor dos fatos, espera passar um tempo justamente para coligir mais informações e ter uma melhor perspectiva do panorama geral.

Algumas acusações versam que Pedrinho não costuma admitir erro. O que é falso. Quando o erro é demonstrado cabalmente, Pedrinho imediatamente reconhece. E muitos erros são detectados por ele mesmo, após uma reanálise dos fatos: os textos em seus blogues são cheio de palavras tachadas mostrando o que havia sido escrito anteriormente de modo errôneo e com destaque colorido os acréscimos posteriores; e procura manter as postagens com atualizações destacadas do corpo do texto. Pedrinho sabe que isso torna a diagramação dos textos particularmente antiestética, mas crê que a transparência do processo de correção pós-publicação compensa isso. Tweets de correção também são apensados - como respostas - aos tweets anteriores com erros (quando considera que há risco do erro se espalhar, como último recurso, Pedrinho deleta o tweet errado: não é algo que o agrade, pois é um registro perdido); dá RT em tweets de segundos e de terceiros com as correções. Em atualizações de status no facebook, acrescenta erratas na edição do texto principal; e coloca observações nos comentários.

Uma das broncas é pelo fato de Pedrinho ser turrão. E isso ele admitidamente o é. Mas apenas até que se demonstre os erros. Quando isso implica que Pedrinho é enrolão, ele fica muito #chatiado. Pedrinho raramente debate por debater. O faz no espírito de ganhar e de partilhar conhecimento. Não pra ganhar debates ou pontos (Pedrinho desconhece programas de milhagem para debatedores). Quando adentra para detalhes sem importância maior para o tema central de uma discussão, Pedrinho geralmente alerta que está comentando apenas algo que é preciosismo ou, de modo jocoso e autodepreciativo, picuinha. A insistência no debate de temas aparentemente laterais dá-se para Pedrinho no propósito de esclarecer algo importante por si mesmo - ainda que não atinja o ponto central - ou por, contrariamente à avaliação de desimportância, considerar que afeta, sim, a apreciação do elemento em tela.

Humano como é, tais aborrecimentos, por vezes, desanimam Pedrinho. Com a sucessão recente, o desgosto atingiu-lhe um nível que o faz avaliar que não está valendo a pena manter uma presença ativa nas redes sociais.

Eu aconselharia ao Pedrinho para ele dar uma espairecida, afastando-se um tanto por algum tempo. A decisão de abandonar definitivamente os perfis parece um tanto radical demais.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Retrato de uma sociedade quando jovem e nem tão jovem

Pensando aqui no status do Pedro Doria no facezucko com imagens justapostas da presidenta Rousseff e de uma pintura de Debret.

Considero que o jornalista (autor dos livros 1565 e 1779, ótimos complementos à trilogia anonumérica do também jornalista Laurentino Gomes sobre a história do Brasil) tem um bom ponto, mas que também tem limitações.

É verdade que uma imagem isolada, tirada do contexto, pode ser interpretada de maneira diversa da realidade (sem entrar em discussões geralmente estéreis sobre realismo/antirrealismo).

Mas, de um lado, levada a cabo, isso se aplica também à imagem de Debret. Será que aquilo mostra uma relação de dominação senhorial sobre os negros escravos na época do Brasil Colônia? Haverá imagens de sinhazinhas carregando sua própria sombrinha - ou talvez os retratistas tenham deixado isso escapar. Beeeem, pra fazermos isso temos que deixar de lado o que sabemos a respeito da época: dos documentos escritos e outros registros que permitem interpretarmos os retratos de Debret como uma representação (de outro lado, nem sempre acurada) do cotidiano de uma sociedade escravocrata.

Assim, as pinturas de Debret devem ser interpretadas dentro de um contexto conhecido sobre o funcionamento da sociedade da época - e, a partir disso, isso nos fornece informações adicionais a respeito dessa mesma sociedade (além de informações a respeito das técnicas artísticas e da biografia do próprio Debret). E, sim, dentro de limites.

Podemos aplicar o mesmo raciocínio para outras representações iconográficas de outra épocas e sociedades. Inclusive sobre o guarda-costas-chuvas da presidenta Rousseff e inclusive sobre a foto de uma família classemédia brasileira em um domingo de sol nas manifestações com a babá de uniforme.

Há uma lista extensa de literatura científica (antropológica mormente) a respeito da relação entre patroa (e a família da patroa) e a emprega doméstica/babá.

Não é meramente uma relação trabalhista, no geral. (Nenhum trabalho se resume a uma mera relação trabalhista, mas a relação com os empregados domésticos é mais extremada nas questões que transbordam e tangem as relações estritamente trabalhistas.)

Trecho de resumo de trabalho de Jurema Brites (2007), antropóloga da UFJF:
"Na realização das tarefas de cuidado e manutenção das famílias de camadas médias no Brasil – desempenhada, na esmagadora maioria das vezes, por mulheres pobres, fora da parentela dos empregadores – assim como nas formas de remuneração e de relacionamento que se desenvolvem entre patrões e empregadas domésticas, reproduz-se um sistema altamente estratificado de gênero, classe e cor. A manutenção desse sistema hierárquico que o serviço doméstico desvela tem sido reforçada, em particular, por uma ambigüidade afetiva entre os empregadores – sobretudo as mulheres e as crianças – e as trabalhadoras domésticas."

Nesse sentido, não é exatamente verdadeira a frase de Doria a respeito da foto da babá de que o retrato não quer dizer nada.

Disclêimer: Cresci - a partir de um momento - em família que contava com trabalho de empregados domésticos.