quarta-feira, 8 de junho de 2011

Faltam cérebros ao Brasil?

Já falei um pouco sobre o tema antes ("Mais cientistas para quê?"). Volto em função da reportagem da Folha de que a falta de doutores está fazendo empresas deixarem de pesquisar.

Várias outras reportagens falam de falta de mão de obra qualificada.

Desculpem-me, mas isso é um mito. Há quem desconfie do Ipea, mas dou mais razão ao pessoal de lá que diz que há um *excesso* de mão de obra qualificada: 1 milhão não arranjará emprego este ano*.

Dos doutores formados entre 1996 e 2008, apenas 71,8% estavam empregados - isso mesmo, 28,2% desempregados: imagine uma economia com tal taxa de desemprego - é mais do que a Espanha em plena crise econômica: 21,29%. Os da área de Engenharia tinham uma situação um pouco menos pior do que a média: 74,1% de taxa de emprego (contra 81,6% de Ciências Sociais Aplicadas, 78,4% de Ciências Humanas, 70,2% de Ciências Biológicas e 69,4% de Ciências Exatas). Os que estavam empregados: 76,8% em Educação; 11,1% em Administração Pública, Defesa e Seguridade Social - sim, todos em empregos públicos.

Não há apagão de cérebros no país. O economista na matéria da Folha diz: "Mas a quantidade de doutores por mil habitantes continua pequena". Até é pequena em comparação com 15 da Alemanha e 23 da Suíça citadas na reportagem. Mas alto lá. A economia brasileira não é alemã nem suíça. A métrica de x profissionais por mil habitantes é falaciosa sem contar com a dinâmica econômica própria da região - ou precisamos formar mais gueixas porque a nossa taxa de gueixas por 1.000 hab. é muito menor do que a do Japão?

Há poucos doutores relativamente. Mas o problema é na demanda, não na oferta. Setores isolados têm problemas - engenharia de minas e de petróleo, tecnologia da informação, por exemplo (que não precisam de doutores) -, mas o quadro geral é de excesso frente ao número total de postos disponíveis - piora se considerarmos só a iniciativa privada.

Precisamos de um choque de capitalismo no capitalismo brazuca. Na verdade, não chegamos no capitalismo de fato por aqui - estamos na fase de acumulação primitiva de capitais. Cadê a iniciativa privada a criar bolsas para suprir suas demandas então?

Eles querem profissionais qualificados a *baixo custo*, aí claro que não há oferta mesmo - por isso vão pra China e Índia e não pro Japão, Canadá ou Coreia do Sul montar os centros de pesquisa. Basta aumentarem os salários a níveis condizentes com a formação exigida que o "apagão de cérebros" desaparece rapidinho. Mais fácil exigir de governos, via universidades públicas, uma explosão de ofertas de doutores - no excesso é mais tranquilo manter os salários achatados. O custo da formação - de cerca de 100 mil reais por cabeça ou até mais contando com investimentos em infraestrutura, equipamentos, material de consumo e pessoal de manutenção e suporte - vai tudotodo pro erário.

Lembremos que tivemos uma grande expansão do setor universitário público sob os governos Lula. Não fora isso, a situação dos pós-graduados seria ainda pior com isso de formar 16 mil doutores por ano.

Repito, o problema é na demanda, não na oferta. Isso de "construa e eles virão" é só no "campo dos sonhos".

Upideite(10/jun/2011): Sabine Righetti faz uma complementação à reportagem no blogue Laboratório da Folha.
*Upideite(10/jun/2011): Naturalmente esse número não é apenas de doutores, inclui pós-graduados, técnicos e graduados no geral - pessoal com formação específica.

sábado, 4 de junho de 2011

"Pretty woman, walking down the street"

Não sou suspeito pra falar, sou é réu confesso do crime de machismo (cumprindo pena em regime semiaberto e em processo de educação social - sim, se é réu não poderia estar a cumprir pena, mas vocês sabem como é a zona do sistema jurídico e prisional brazuca). É temerário, portanto, eu falar qualquer coisa a respeito da Marcha das Vadias (a versão brasileira A&C São Paulo do SlutWalk canadense), não resisto, no entanto.

Deve ter sido o frio em sampa (em beagá nem estava tanto), mas muitas das "vadias" (a maioria aparentemente, mas posso estar enganado, pois não estive in loco, apenas vejo as imagens noticiadas) estavam mais vestidas do que a média das carolas da Marcha pela Família. Tinha até cachecol.

O que me deixou encafifado, porém, é um cartaz com os dizeres: "Contra a globalização do silicone. Globalizemos a rebeldia feminista." da Marcha Mundial das Mulheres. Isso não faz sentido em um protesto contra a culpabilização das vítimas das agressões sexuais. Se o mote é "me visto como quero, respeite o meu corpo", o direito ao próprio corpo passa inclusive por modificá-lo - até por razões estéticas. Não sei dizer qual a porcentagem, só posso dizer que existem, mas há feministas que condenam as que se vestem "para matar" dizendo que isso contribui para a imagem dos homens a respeito das mulheres como simples objeto sexual. Naturalmente tal condenação estende-se a cirurgias estéticas, notadamente os silicones.

Mas há aspectos positivos nessa contradição: expõe a diversidade dos pontos de vistas e que essa divergência não impede a união em torno de objetivos em comum - o respeito à dignidade das mulheres.

Viva às vadias, inclusive as de mentirinha. Viva às vadias, inclusive as que são vadias mesmo.

10 - 7 = 4?

Pode isso, Arnaldo? Pode.

Não no contexto dos livros da coleção Escola Ativa distribuídos pelo MEC como material complementar para alunos de escolas rurais. Detectado o erro, o próprio ministério recomendou que os textos não fossem utilizados com os alunos.

Na notação decimal comum, dentro da aritmética padrão, 10 - 7 = 4 é uma expressão errada.

Erros ocorrem e isso, por si mesmo, não seria um problema: poderia ser um erro tipográfico ou algo assim, mas a comissão de especialistas contratados pelo MEC detectou uma série de erros grosseiros. É bom que a impresa chie, que a classemédia chie, que todos cobrem. Que a CGU detecte a origem da falha no processo de avaliação e, se necessário, aperfeiçoamentos sejam sugeridos.

R$ 13,6 milhões não são dinheirinho do café, mas é quase nada diante dos R$ 880 milhões do PNLD: são 135,6 milhões de exemplares de diversos títulos - o da coleção problemática, são 35 x 200 mil. Representa 1,55% do montante e 5,16% das unidades.

Parece, então, que o processo de avaliação do livro não está tão ruim assim. E a detecção do erro e a suspensão da utilização do material faz parte do processo de autocorreção.

Erros sempre ocorrerão, o sistema precisa é fazer com que fiquem em uma taxa aceitavelmente baixa.

P.e., a Toyota, símbolo de excelência, entre 1997 e 2008 vendeu 1 milhão de automóveis Prius. Este ano, a montadora japonesa fez um recall para 106 mil veículos produzidos entre 1997 e 2003. Assumindo uma taxa constante - o que não é verdadeiro - de cerca de 100 mil veículos vendidos por ano, são 100 mil carros com problemas em 600 mil unidades: ou cerca de 17%. Atualmente são 3 milhões de unidades vendidas no mundo. Se assumirmos que nenhum outro veículo com problemas foi produzido, a fração será de 3,53%.

Então, tudo bem a chiadeira, mas não façamos também uma tempestade em copo d'água, que tudo é uma porcaria, politizar a coisa dizendo que o MEC petista promove o analfabetismo e cousa e lousa.

Como adendo, como é sempre bom a gente aprender um pouquinho mais. 10 - 7 = 4 não está sempre errado. Já frisei, não é o caso dos livros mencionados - estão com problemas sérios -, mas essa conta faz todo o sentido em um contexto, por exemplo, de uso de sistema de notação undecimal - isto é, de base 11 em vez do tradicional sistema decimal.

O uso do sistema decimal é praticamente um acidente de percurso da evolução, que nos brindou com o total de dez dedos nas mãos - excetuando-se casos de poli e oligodactilia. Sistemas digitais costumam usar o sistema binário, aí o 10 representa não as dez unidades do sistema decimal, mas duas unidades do sistema decimal. No sistema undecimal, 10 representa não as dez unidades do sistema decimal, mas onze unidades. 7 representa sete unidades tanto no sistema decimal quanto no sistema undecimal. E como se representam dez unidades no sistema undecimal? Pode ser qualquer outro símbolo, mas costumam usar a letra A maiúscula, que representa também o algarismo dez.

Não é um sistema tão comum quanto o decimal, o binário, o octal (com base 8), o hexadecimal (com base 16: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, A, B, C, D, E, F como algarismos), mas é tão válido quanto esses.