-Ou de como virei um intelectualmente desonesto-
Falaram-me agora há pouco que me falta honestidade por fazer propaganda política subliminar neste
blogue.
Chamar-me de intelectualmente desonesto é pedir pra perder minha amizade - ok, não que minha amizade tenha algum valor (acho que nunca salvei a vida de nenhum amigo ou amiga, no máximo, emprestei coisas de baixo valor agregado e ajudei nos estudos, tá dei alguns presentes também, mas nunca uma Ferrari). Isto posto, deveria ser patente que o NAQ *não* é um blogue de ciências. Ele é um blogue variado: com bastante discussão sobre política (incluindo partidária), esporte e humor. É um blogue ideológico e isso *nunca* foi oculto.
Agora, propaganda partidária? Se houvesse aqui, não teria problema - é, disse, um blogue ideológico. Mas não tem.
Falou-se que sou pessedebista (tucano). Não sou. Até gostaria de ser. Mas o partido atualmente não me apetece. Sou, isto sim, um social-democrata - coisa que o PSDB não tem sido: e o tenho criticado por isso. Verdade, não entendo como as postagens em que *critico* o partido (e.g.
aqui e
aqui) tenham sido interpretadas como pessedebismo.
Houvesse eu definido um candidato, eu até poderia declará-lo (poderia, não necessariamente o faria), mas não tenho mesmo um candidato definido.
O que tenho, isto sim, são alguns pontos mínimos necessários para que o candidato não perca meu voto. P.e. defender a tortura (não poderia ser direto já que a lei proíbe, mas se fosse uma defesa oblíqua) é um critério eliminatório: se acha que uma polícia do tipo "Tropa de Elite" é o que o Brasil precisa, tô fora.
No twitter dei uma declaração de que um candidato que tivesse restrições à homossexualidade por razões religiosas ou ideológicas dificilmente teria meu voto - fui eufemista, posso dizer que não votaria nem a pau, Juvenal. (Sim, eu tenho restrições, mas não sou candidato e sei que tais restrições são erradas - não as justifico, combato-as.)
Entre meus conhecidos do twitter, os mais ativos politicamente são os eleitores de Marina Silva. Interpretaram - não totalmente desprovido de razão - que isso seria uma restrição à candidata. É. Em resposta, disseram que outros candidatos também têm tais restrições. Se têm, tampouco terão meu voto. Mas não tenho acesso direto aos pensamentos e sentimentos íntimos das pessoas - ainda bem! (pras pessoas e pra minha própria sanidade) -, tudo a que tenho acesso são declarações. Se tiverem uma declaração do candidato A, B, C, D... do tipo: "
Em relação ao casamento, o casamento é uma instituição de pessoas de sexos diferentes. Uma instituição pensada há milhares de anos. Não tenho uma posição favorável. Mas essas pessoas têm o direito de defender suas bandeiras." - não votarei nele. A última frase amaina, mas não elimina a diferença ideológica abissal entre minha visão e a visão de tal candidato.
Devo aqui lembrar a confusão que certos grupos fazem: a questão da união civil e do casamento. Alguns imaginam que a união civil é o casamento civil e o casamento é casamento religioso. Não. São situações distintas, ainda que, em muitos direitos se equiparem. Há projetos de união civil já implementadas em alguns países e há projetos de lei no Brasil. O casamento, há o religioso, mas há também o casamento civil: o
Novo Código Civil tem um subtítulo inteiramente dedicado ao casamento. A união civil já será um grande avanço para a questão dos casais homoafetivos no país. Mas não há razão alguma - tirante a questão de abominação à homossexualidade - para que se lhes restrinja o casamento civil. Misturar com a questão do casamento religioso - como se a lei fosse ingerir sobre a religião - é ou má-fé ou ignorância (e tenho convicção de que os candidatos são muito bem instruídos quanto a isso).
Por esse meu posicionamento fizeram até uma rápida avaliação
psicológica: eu teria medo da Marina Silva por ela ser evangélica. Eu não votaria em um candidato que tivesse essa restrição (ou outra) qualquer que fosse a religião dele (ou mesmo que não tivesse nenhuma). Se um candidato evangélico não tivesse restrição (há algumas igrejas evangélicas que admitem livremente homossexuais em sua comunidade), eu poderia votar nele (desde que atendesse a outras exigências do meu perfil mínimo ideal).
Por falar em perfil mínimo ideal, que faz com que eu possa votar nulo se nenhum candidato satisfizer as minhas condições, criticaram-me por ser uma utopia: nenhum candidato iria se adequar. Isso não é verdade de várias formas. 1) O perfil mínimo ideal não precisa ser muito restritivo - e, no meu caso, nem é, é apenas uma condição sine qua non de que o candidato não seja contrário aos direitos individuais, aos direitos humanos. 2) Mesmo que nenhum candidato venha se adequar, qual o problema? Ninguém é obrigado a votar neste, naquele ou em qualquer um. Isso não é antidemocrático e nem debilita ainda mais o sistema político. Em algum sentido, votar obrigatoriamente em um dos candidatos - o menos mau - contribui para a perpetuação do status quo. Como ilustração disso, peguei um exemplo caricatural: se só tivéssemos como candidatos um estuprador, um homicida e um neonazi - não me sentiria compelido a votar no "menos mau". Aí
acusaram-me de ser intelectualmente desonesto e deturpar o debate. Não há nenhuma distorção em essência: e nem é uma situação totalmente inverossímil. É um exemplo, caricatural o quanto seja, de como o "menos mau" não é uma opção necessariamente razoável.
Concedo que a opção da "qualificação mínima" também não é uma opção necessariamente razoável. E é aí que devemos, então, analisar não de baciada, mas na situação que se nos apresenta (caso a caso).
Bem, *não* temos como candidatos apenas um estuprador, um homicida e um neonazi (alvíssaras!). Como devemos analisar? Bem, cada um analisa a seu modo. A minha análise é que a "qualificação mínima" pode (e deve) ser aplicada. Um ou mais candidatos têm restrições quanto à cidadania de um grupo social minoritário. Acho isso errado, tremendamente errado. Não é um grupo criminoso, são pessoas normais (diferentes apenas em relação à sua orientação sexual). Que indivíduos tenham restrições, não há muito o que se fazer (apenas impedir que tais atitudes se reflitam em ações discriminatórias). Mas se candidatos têm esse tipo de pensamento, não tenho maiores problemas em podá-los de meu voto. (Ok, meu voto vale tanto quanto minha amizade.)
A discussão acabou por se centrar em Marina Silva mais porque os apoiadores dela tomaram-lhe as dores. Já critiquei José Serra no próprio twitter (p.e.
aqui,
aqui,
aqui): retuitado, vejam a ironia, justamente por quem disse que eu apoio Serra e o PSDB... Levantaram também a lebre de que eu havia enviado algumas perguntas apenas para Marina Silva (
aqui), aí já entra, sei lá, teoria da conspiração (se bem que me chamar de pessedebista já é um pouco):
1) Foram apenas perguntas;
2) Queria conhecer mais a respeito da ex-Senadora;
3) Repare-se na data (ago/2009). E ela era candidata certa - saiu do PT para concorrer pelo PV. Dilma e Serra eram grandes possibilidades, mas não eram quase certezas (pelo PT ainda circulavam nomes alternativos, bem como pelo PSDB);
4) Além disso, ambos já tinham uma boa exposição na mídia - conhecer seus pensamentos e visões era mais fácil;
5) Some-se a isso que julguei que com Marina Silva teria maior possibilidade de resposta. Caso ela me respondesse talvez eu me animasse a tentar traçar perfil similar de outros candidatos.
Sério, não sei como transformar isso em uma conspiração... Não tem nenhuma pergunta capciosa, deixo até opção para uma alternativa não contemplada. (Na época, disseram até que era uma boa
ideia.)
Dilmista, então? Não. Não tenho definido meu voto. Não tenho grandes simpatias pela ex-ministra, nem ódio mortal. Vejo com sérias desconfianças sua visão a respeito do meio ambiente (
aqui).
Não se trata, portanto, de um critério especialmente criado para não votar em Marina Silva. Não é um critério único de julgamento - fiz uma avaliação
aqui levando em conta vários eixos temáticos (aliás, criticar-me de pretender objetividade é outra piada - na própria avaliação deixo claro que é uma "análise" subjetiva). E nem que fosse, eu tenho a liberdade de votar do modo como mais me apetecer. (Eu preciso tomar cuidado com a argumentação que começa com "nem que fosse" ou "mesmo que fosse": tem gente que assume isso como uma admissão necessária da condição dada.)
Não tem, por equanto, ninguém que me empolgue. Aguardarei os próximos movimentos - talvez na propaganda de rádio e TV.
Minha conclusão disso é: não discuta política se tiver medo de perder amizades. Especialmente no twitter. Pra mim acabou mal. Eu disse o que *eu* penso a respeito - não insinuei em nenhum momento que os demais deveria pensar do mesmo modo que eu - aí veio a patrulha. Até é normal quererem me convencer do contrário. O debate político é saudável. Mas infelizmente descambou para acusações pessoais.
Eu entendo por discussão política coisas como: "Você está errado por isso e por isto" e não "Você está errado porque você é um canalha". Hulk saaaaaaaad!
Upideite(15/jul/2010): Aqui compilação do debate que descambou pro surreal. (Creio que esteja bem completo e razoavelmente na ordem cronológica. Foi o que consegui recuperar de minha timeline.)
Upideite(16/jul/2010): Na questão de adoção por homossexuais, até Reinaldo Azevedo, declarado católico rootz, tem posição mais avançada do que Marina Silva. Ela não é contrária, mas tem algumas reticências (diz que não tem opinião formada). Azevedo, não. Ele é
a favor (ainda que dê preferência a casais heteros).