sábado, 22 de junho de 2013

Política para vândalos e manifestantes coxinhas: Lição 4 #ProtestaBR

"Nem de esquerda, nem de direita. Sou pra frente." É uma frase espirituosa e coadunada com a insatisfação geral com as realizações de nossa classe política. Mas ela, na verdade, demonstra o grau de analfabetismo político.

Não se preocupe, você que passou dormindo até hoje, não teria mesmo muito como se alfabetizar.

No campo político, se você não está nem à esquerda, nem à direita, está necessariamente no centro. Há uma gradação mais ou menos suave da extrema esquerda à extrema direita, mas não é possível estar fora dessa linha.

Se você valoriza a ordem social, leis rigorosas contra toda forma de crimes, o individualismo ('selfmade man'), a estrita meritocracia (tende a ver programas sociais como assistencialismo e politicagem); entende a família como aquela formada por pai, mãe e filhos e é o núcleo social que deve ser valorizado e protegido; defende o liberalismo econômico (o mercado é autorregulado e funcional mal sob intervenção do estado); acha que no Brasil se paga impostos demais... você provavelmente é de direita. E não há mal nenhum nisso.

Se você valoriza a justiça social; acha que as leis e o sistema prisional devem procurar recuperar o indivíduo mais do que apenas puni-lo; defende o cooperativismo e o associativismo (a construção coletiva de valores sociais), que os mais fracos economicamente, os excluídos sociais devem ser protegidos e incluídos; entende a família como simplesmente um grupo de pessoas com afinidades emotivas entre si (pode ser formado por pai ou mãe solteiros, por dois pais ou duas mães, por várias combinações alternativas e até mesmo por pessoas solteiras com seus amigos) e que o mercado precisa ser mais regulado pelos governos para que os ganhos econômicos sejam mais bem distribuídos, inclusive por meio de impostos e tributos progressivos... você provavelmente é de esquerda. E não há mal nenhum nisso.

Se você valoriza algumas coisas da direita e outras da esquerda e, principalmente, de um modo menos intenso, provavelmente é centrista. E, também, não há mal nenhum nisso.

Há uma certa tendência de conservadores (outro modo basicamente de se denominar os que são da direita) terem uma visão mais preto no branco. Em ter uma maior rejeição a incertezas.

No caso dos liberais ou progressistas (outro modo de se denominar os da esquerda - não confundir com liberais econômicos como neoliberais - o liberalismo da esquerda é de natureza social; também não confundir com o fato de haver no Brasil um partido denominado Progressista, mas que é de direita - o que tem o Maluf como uma das principais figuras), a visão tende a ser um pouco mais matizada (o que não quer dizer que não haja aqueles mais dicotômicos entre os da esquerda). Os liberais tendem a conviver um pouco melhor com incertezas.

Não são, bom ter em mente, pacotes fechados. Para certas questões, sua visão pode ser mais à direita e para outros, mais à esquerda. A denominação depende mais de sua visão geral. De qual sua tendência em analisar as questões. Prefere a ordem, com estrita cadeia de comando? Prefere uma solução mais dialogada, construída em relações mais horizontalizadas sem tanta hierarquia?

A confusão da história de que "não existe mais direita e esquerda", em parte, passa pela crise da política representativa, com partidos historicamente de um lado, deixando de lado certos valores. Mas isso não quer dizer que a direita deixou de ser a direita e a esquerda deixou de ser a esquerda. Quer dizer um partido foi mais para o centro ou mais para a direita (ou mais para a esquerda).

"Se eu sou muito de direita, eu sou da extrema direita?" Não exatamente. Ser "muito de direita" pode significar apenas que está bem posicionado no espectro da direita, sem tendência a se mover para a esquerda (análise similar vale para quem está na esquerda).

O problema (gravíssimo) com a *extrema* direita é que ela agrega o totalitarismo (o poder central suprimindo as liberdades individuais) e elementos de ódio racial, étnico, contra minorias e de xenofobia (calcado em um nacionalismo extremado). Ódio aos gays, aos índios, aos imigrantes (especialmente os de países pobres).

Muitos de *extrema* esquerda também defendem um totalitarismo (com um Estado defendendo valores de esquerda - muitos e não todos, porque há os que defendem o fim do Estado), todos defendem uma revolução armada (não é o mesmo que luta armada) com a prisão e até execução dos membros da classe atualmente no poder (especialmente os de matiz de direita). Aqui também há problemas gravíssimos.

Enfim, seja onde você se posicione no espectro, não faz sentido dizer que não se posiciona em nenhum ponto. O importante é conhecer as diferentes ideologias e saber quais os valores que você defende. É um útil exercício de autoconhecimento. Ajuda a colocar suas ideias no lugar e, assim, a trabalhar de modo mais produtivo para as mudanças que deseja trazer à sociedade.

3 comentários:

mari.sz disse...

Oh, depois de ter concluído que a extrema esquerda e a extrema direita tinham pontos em comum, isso era exatamente o que eu estava tentando entender. Texto excelente. Obrigada!

none disse...

Oi, Mari,

Obrigado eu pela visita.

Se achar interessante, tem um instrumento denominado Political Compass que serve para avaliar o posicionamento político das pessoas: http://www.politicalcompass.org/.

Não deve, claro, ser levado a ferro e a fogo. Mas é algo que pode ajudar - junto com todo um processo de autoavaliação - a pessoa a se ver politicamente.

[]s,

Roberto Takata

mari.sz disse...

Adorei o Political Compass. Não tanto pelas perguntas (que depois de ter lido seu texto já se mostram previsíveis), mas muito pelo fato de mostrar graficamente as duas dimensões: era bem o que eu estava procurando!