quinta-feira, 26 de junho de 2014

Pra que servem pesquisas de percepção de corrupção? Aparentemente, não pra medir corrupção.

Corrupção é um tema que é praticamente unanimidade. Ninguém se diz a favor - obviamente principalmente quem se locupleta dela. Pode ser mais ou pode ser menos escancarada, mas, de modo geral, tende a ocorrer às esconsas - em quase todos os países existem leis para punir tais práticas.

Por essa natureza, é difícil mensurá-la diretamente. Aí partem-se para metodologias indiretas. Uma das mais famosas é o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional. A imprensa nacional o adora - especialmente para destacar as posições ruins que o Brasil costuma ter, casando-se com a ideia que todos temos que nosso país é o campeão da corrupção.

Muitas vezes a listagem do índice é apresentada como ranking da corrupção - a ideia de que se trata de um índice de *percepção* passa praticamente despercebidoa, especialmente por se tratar de um indicador numérico: número é algo objetivo, né?

Bem, a medição do tamanho absoluto da corrupção - quanto em dinheiro é desviado efetivamente - é difícil, mas há um punhado de estudos de estimativas para alguns países. Compilei os que encontrei e confrontei com os valores do IPC. O resultado está no gráfico abaixo.

Figura 1. Correlação entre corrupção percebida e a corrupção efetiva nos países.

Com os 21 pontos que consegui obter, para 14 países: Afeganistão (2 pontos), Brasil (2 pontos - em cores diferentes no gráfico), Colômbia, Grécia, Índia, Itália, México, Peru, Filipinas (6 pontos), Rússia, Espanha, Uganda e Vietnã - não obtive nenhuma relação entre a corrupção percebida e a corrupção efetiva. No máximo, dois blocões - um em que o nível de corrupção é severo - acima de 20% do PIB - e outro em que é menos pronunciado - abaixo de 10% do PIB. No blocão da corrupção severa, há até uma tendência oposta ao que deveria ser: os pontos com maior desvio efetivo de dinheiro, correspondem a uma percepção melhor.

Há várias falhas na metodologia adotada pela Transparência Internacional em seus levantamentos. Mesmo como indicador de percepção: os números de observadores tendem a ser muito pequenos. A média é de 7 relatórios por país, mas em vários há 4 observadores ou menos. É difícil também de se avaliar a homogeneidade dos observadores entre diferentes países - e certamente há uma heterogeneidade entre os observadores do mesmo país (pelos valores máximos e mínimos das notas que a instituição divulga para cada país avaliado).

Se é forte com base apenas neste pequeno levantamento que fiz dizer que o IPC é completamente inútil e deve ser abandonado, certamente a Transparência Internacional precisa apresentar uma validação mais vigorosa da relevância do estudo. Preocupa-me que agências de risco e de investimento se baseiem nesses estudos de percepção para avaliar as opções de aporte financeiro. Podem estar a se basear unicamente em preconceitos individuais - um único avaliador que exagere na boa ou na má avaliação afeta fortemente o índice para um dado país.

Upideite(24/jul/2014): Gráfico atualizado com o dado de estimativa para a Alemanha (2007), em vermelho:
Upideite(25/fev/2015): Plotando os valores dos IPC contra as estimativas de evasão fiscal por sonegação de impostos também temos uma relação problemática para considerar o IPC como uma boa medida da corrupção efetiva do país.
Países com taxas similares de evasão apresentam índices bastante díspares de corrupção percebida (p.e.: Japão, Estados Unidos, China e México ou Reino Unido, Alemanha, Espanha, República da Coreia, Turquia e Argentina). Países com índices de corrupção percebida similares também apresentam valores bem diferentes de evasãofiscal: p.e. México, Argentina, Benin e Bolívia. (ht @sibelefausto)

Upideite(01/mar/2015): O índice não é completamente inútil, após fazer uma correção dos índices estimados de evasão tributária em relação ao tamanho do PIB pela relação que há entre o índice de evasão e o tamanho da carga tributária, parece haver um fraco poder preditivo do CPI em relação à evasão tributária.


Upideite(04/fev/2017): Gráfico atualizado com mais estimativas para a Alemanha (DE) e para os Estados Unidos (US):

3 comentários:

mari.sz disse...

Que ideia bonita! Fiquei curiosa pra saber quem integrava o bloco separado ali na direita. Parece que "corrupção" hoje é usado mais ou menos como "demônio": evoca reações emocionais demais, portanto a percepção é meio difusa.

none disse...

Oi, Mari,

O blocão mais à direita são de dois pontos do Afeganistão, Egito e Rússia.

Até não vejo problema em que a corrupção evoque uma forte reação negativa. Seria até saudável para inibi-la a níveis saudáveis (posto que erradicá-la de todo é uma utopia). Preocupo-me mais com certas manipulações: a corrupção é sempre dos outros, nunca dentro do nosso grupo (parece que ninguém paga uma cervejinha pro guarda aliviar na multa por excesso de velocidade, p.e.).

[]s,

Roberto Takata

mari.sz disse...

Oi, obrigada pelos pontos. É justamente isso que eu acho: muito fácil odiar a corrupção alheia e impossível enxergar a própria. Também que a pública é muito mais execrada que a privada.